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Análise crítica do Tribunal do Júri: uma abordagem sobre a influência do discurso na decisão dos jurados

Análise crítica do Tribunal do Júri: uma abordagem sobre a influência do discurso na decisão dos jurados

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Aborda o Tribunal do Júri no ordenamento pátrio, enfatizando a sua origem, o seu rito, a controvérsia no que tange à sua manutenção no sistema jurídico brasileiro e, especialmente, a influência do Discurso na decisão dos jurados.

1.INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa abordar o tema Tribunal do Júri no ordenamento jurídico pátrio, enfatizando a sua origem, o seu rito, a discussão existente no que tange à sua manutenção no sistema jurídico brasileiro e, especialmente, a influência do discurso na decisão dos jurados, sem deixar, também, de explanar propostas para modificações legislativas acerca da matéria.

Desde o período mais antigo da história, o homem mantém-se em sociedade, objetivando suprir suas necessidades básicas em consonância com o modo de vida coletivo. Todavia, com o decurso do tempo, inevitável se torna o aparecimento dos conflitos. Por conta disto, surge a Justiça, como forma de solucioná-los, sendo feita, inicialmente, pelas próprias mãos, e, posteriormente, como ideia de Jurisdição. Contudo, vislumbra-se que um dos requisitos à obtenção da Justiça é o respeito aos princípios constitucionais, não se olvidando, também, do fato de que é exatamente através de um excelente discurso que se baseia o julgamento.

Neste diapasão, é notório que o momento do Discurso da Acusação e da Defesa representa o auge do julgamento popular, restando claro que é esse discurso que influencia os jurados na hora das suas votações, o que repercute, indubitavelmente, na decisão proferida pelo magistrado. Outrossim, tem-se que, no Plenário, são sustentadas argumentações fortes entre a Defesa e a Acusação, estando, de um lado, o Ministério Público como órgão acusador e Custus Legis e, de outro, o Advogado de Defesa, como patrono dos direitos humanos e, especialmente, do acusado levado a julgamento.

Este trabalho será norteado pela análise da influência do Discurso da Acusação e da Defesa, nos debates orais que ocorrem no Tribunal Popular, buscando, assim, alcançar uma ampla e nítida compreensão do seu funcionamento, como também fazer uma reflexão sobre a eficácia plena do Tribunal do Júri como órgão realizador da Justiça nos casos de crimes dolosos contra a vida, servindo como norte alguns princípios fundamentais, quais sejam o da Presunção de Inocência e o da Dignidade da Pessoa Humana. Vale dizer, ainda, que é nesta perspectiva, aliado ao poder de argumentação, que se evidencia o discurso, fatos estes imprescindíveis ao julgamento de um acusado, onde tanto a defesa quanto a acusação se utilizam de argumentos para provarem suas ideias e tentarem, através de gestos e palavras, obterem a afirmação dos jurados, de sorte a convencê-los dos seus fundamentos e a fazê-los reconhecer a relevância do Júri para o julgamento de determinado crime.

Destarte, visa-se demonstrar, com a presente pesquisa, que os argumentos do órgão acusador e do órgão de defesa e a maneira como são exteriorizados têm influência na decisão dos jurados, pois estes, muitas vezes, são levados pelo “calor da emoção” dos debates e formam seus convencimentos a partir da argumentação e do poder de convicção demonstrados nos discursos.

Ademais, urge gizar que este trabalho abordará, também, questões aventadas sobre o Instituto em apreço, analisando-se seus reflexos no veredicto final, bem como no andamento dos feitos que são submetidos a julgamento popular, repercutindo-se no ideal de uma Justiça plena, efetivadora dos princípios processuais da economia e da celeridade, em dissonância à real morosidade do Poder Judiciário nos moldes atuais. Registre-se, contudo, que possíveis modificações propostas não podem, em nenhuma hipótese, abandonar a deferência ao Devido Processo Legal e à Ampla Defesa, haja vista a necessidade de se conciliar, desta forma, garantismo com eficácia.

Em face de todo este contexto, será utilizado nesta pesquisa o método dedutivo, o qual parte de conceitos gerais sobre a matéria para, posteriormente, concluir-se sobre a problemática objeto de análise do estudo. Além do mais, insta salientar que o presente estudo adotou-se como referenciais teóricos diversos autores que tratam sobre Tribunal do Júri e Direito Processual Penal, dentre eles Guilherme de Souza Nucci, Gabriel Chalita,  Aury Lopes Júnior e Boaventura de Sousa Santos.

Portanto, o presente estudo objetiva, primordialmente, a explicitação e o alcance de possíveis soluções para os principais pontos discutíveis sobre o Tribunal do Júri, especialmente no que tange à análise do efetivo cumprimento do papel da Instituição do Júri na sociedade, qual seja: o de fazer justiça sem se deixar influenciar pelas emoções e sentimentos, vez que, dentro desta conjuntura, advogados e promotores se utilizem de criatividade em suas oratórias, para que consigam “atrair” os jurados com seus discursos, dirigindo-se a eles, com vistas a potencializar a emoção, a dar ensejo ao sentimentalismo da busca pela Justiça e da observância aos princípios fundamentais garantidos por lei.

2.CONTEXTO HISTÓRICO DO TRIBUNAL DO JÚRI NO PLANO INTERNACIONAL E NACIONAL

Não possui a pesquisa em destaque a intenção de esgotar a narrativa acerca do histórico e da evolução do Júri no mundo e, particularmente, no Brasil. No entanto, far-se-á, de forma sucinta, um esboço sobre o Júri no mundo e no ordenamento pátrio apenas para que o leitor possa ter uma visão desse contexto evolutivo.

A priori, cumpre ressaltar que o Júri tem antecedentes bem remotos: as primeiras notícias originam-se da Palestina, onde havia o Tribunal dos Vinte e Três nas vilas em que a população excedesse as 120 (cento e vinte) famílias. Vale dizer que tais Cortes eram competentes para julgar processos criminais relacionados a crimes puníveis com a pena de morte. Porém, é notório que a propagação do Tribunal Popular pelo mundo ocidental teve início na Inglaterra, em 1215, como um direito fundamental, uma vez que era uma garantia de julgamento imparcial, feito pela própria sociedade, contra o Absolutismo do soberano, espalhando-se pela Europa, após a Revolução Francesa, o que, de fato, ilustra o caráter político do Tribunal do Júri na época do seu surgimento.

No Brasil, estudos apontam que foi criado o Tribunal Popular por decreto do Príncipe Regente D. Pedro em 18 de junho de 1822, de forma a atender ao fenômeno de propagação da Instituição em comento em toda a Europa. Resta demonstrado que a nomeação destes juízes- 24 homens bons, honestos, inteligentes e patriotas- era da competência do Corregedor e dos Ouvidores do crime e que só era cabível, da Sentença dos mesmos, o Recurso de Apelação direto ao Príncipe Regente.

Com a promulgação da Constituição do Império, datada de 25 de março de 1824, o Tribunal do Júri adquire status constitucional, de forma a possuir competência para o julgamento de todas as infrações penais e, ainda, de fatos cíveis, consoante estabelecia o capítulo pertinente ao Poder Judiciário (art.151, do Capítulo Único, do Título VI). No entanto, justamente quando os direitos fundamentais estavam em ascensão em todo o mundo, o Brasil não considerou o Júri como tal.

Em 1889, com a Proclamação da República, foi mantido o Júri no Brasil. O Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, criou, ainda, o Júri Federal, determinando, em seu art. 40, que “os crimes sujeitos à jurisdição federal serão julgados pelo Júri”.

Em se tratando da Constituição Brasileira de 1891, infere-se que o § 31 do seu art.72 prevê a manutenção da Instituição do Júri.

Ademais, no que concerne à Carta de 1934, tem-se que a mesma deslocou o Júri para o capítulo referente ao Poder Judiciário (art.72), de modo a favorecer mudanças relacionadas à organização e às atribuições legalmente estabelecidas. Faz-se mister ressaltar, também, que este Texto Constitucional deixou consignado que a competência para a elaboração das leis processuais ficaria a cargo dos diversos Estados, o que, de fato, trouxe repercussão no âmbito da Instituição do Júri, haja vista que os crimes submetidos ao mesmo, bem como o rito processual para seu julgamento passaram a variar. Inclusive, pode-se dizer que a Instituição em debate foi suprimida no Estado do Rio Grande do Sul.

Por outro lado, a Constituição de 1937 retirou do seu texto a Instituição em questão. Em sendo assim, inevitável foi o desencadeamento dos debates acerca da manutenção ou não deste Instituto no país, até que o Decreto-Lei nº 167, de 1938, em seu art.96, ratificou a existência do júri, embora sem soberania.

Destarte, a Constituição de 1946 novamente inseriu o Tribunal do Júri dentre as garantias individuais, retomando a Soberania dos Veredictos. Pelo Texto de 1967, nos moldes do que dispõe o seu art.153, §18, ratificado pela Emenda Constitucional de 1969, foi mantida a Instituição do Júri, versando somente a respeito da competência para a apreciação dos crimes dolosos contra a vida. Em outros termos é dizer que não foi feito menção à Soberania, ao Sigilo das Votações ou à Plenitude da Defesa.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, em seu art.5º, inciso XXXVIII, c, no título que assegura os Direitos e Garantias Fundamentais, mais precisamente no Capítulo I, o qual se refere aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, houve a retomada do reconhecimento da Soberania dos Veredictos, que havia sido suprimida na Carta de 1967 (com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 01/ 1969).

Por oportuno, cabe transcrever o caput do mencionado artigo 5º, bem como o seu inciso XXXVIII, ambos da Constituição Federal de 1988:

Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXVIII- é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b)o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Ante o exposto, é notório o fato de que a Instituição Jurídica em comento é indicada para a aplicação da sanção penal àqueles que praticam crime doloso contra a vida, além dos demais delitos conexos, na forma da lei, com competência para julgamento destes, sendo-lhe, também, assegurada constitucionalmente a Plenitude da Defesa e o Sigilo das Votações, os quais, de fato, representam Princípios norteadores do Tribunal do Júri.

A par disso, entretanto, urge gizar que a reinserção, na Magna Carta de 1988, dos mesmos princípios constitucionais do Tribunal Popular, com poucas alterações, dispostos na Constituição de 1946, não foi resultado de um estudo detalhado ou, até mesmo, de uma necessidade premente, e sim correspondeu tão somente ao simples retorno da “realidade democrática”, já que passada à época da ditadura militar (1964-1985).

Por fim, insta salientar que, na legislação infraconstitucional, as regras do processamento do Júri estão igualmente dispostas no Código de Processo Penal, nos artigos 406 a 497, de sorte a disciplinar sobre a competência, a organização deste Instituto, o juízo de formação da culpa e o juízo da causa.

3. ANÁLISE DO RITO DO JÚRI NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

3.1. VISÃO GERAL DO RITO DO JÚRI

A priori, não é demais ressaltar que os Tribunais do Júri são órgãos cuja competência específica é o julgamento de crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados. Esses Tribunais são compostos de um magistrado, o qual exerce a função de decidir questões processuais incidentais e de aplicar a pena, sendo que as determinações acerca do caso concreto são delegadas ao Conselho de Sentença, popularmente chamado de Júri.

Assim, o Júri é composto por um Juiz de Direito, que é o seu presidente, e por vinte e cinco jurados, sorteados dentre os alistados, conforme prevê o art.447 do CPP. Para cada Sessão de Julgamento, dos vinte e cinco sorteados, sete jurados são escolhidos, igualmente por sorteio, para compor o Conselho de Sentença, com a participação da acusação e da defesa. Admite-se a presença de ao menos quinze jurados, dentre os vinte e cinco sorteados, para dar início aos trabalhos de julgamento, nos moldes do que dispõe o art.463 do CPP. Esta seleção é feita, em verdade, de forma aleatória, de sorte a se obter os nomes dos jurados por meio dos cartórios eleitorais da região do Tribunal do Júri, sendo verificados os antecedentes de cada um deles. Outros dados, como por exemplo, a capacidade e a aptidão do jurado ao exercício dessa função, somente são apurados no caso concreto, ou seja, no momento em que ele inicia sua atividade.

É cediço que o procedimento do Júri é trifásico e especial. Após a edição da Lei nº 11.689/08, destinou-se a Seção III, do Capítulo II (referente ao Júri), como fase específica denominada “Da Preparação do Processo para o Julgamento em Plenário”, o que, de fato, confirma a existência de três estágios para que seja atingido o julgamento de mérito, conforme explanação adiante.

3.2. PROCEDIMENTO ESPECIAL TRIFÁSICO

Concernente à primeira fase do Tribunal do Júri, acima citada, vale dizer que, transitada em julgado a decisão de pronúncia, abre-se vista ao órgão acusatório – Ministério Público ou querelante- e ao defensor para, no prazo de cinco dias, oferecer o rol de testemunhas que irão depor em Plenário (no máximo de cinco para cada parte), além de poder juntar documentos e requerer diligência, segundo previsão no art. 422 do CPP. Ainda nesta fase, far-se-á a ouvida das testemunhas por precatória, em caso das mesmas residirem fora da Comarca. Ultrapassado este momento, o magistrado providenciará a produção de provas necessárias, designando, posteriormente, dia e hora para a realização da Sessão Plenária e determinando a intimação das partes- membro do Ministério Público, querelante e seu defensor, quando houver, assistente da acusação, se existir, réu e seu defensor- e das pessoas a serem ouvidas no dia do julgamento- testemunhas, vítima, se houver, peritos, se necessário- consoante previsão no art.431 do Código de Processo Penal.

Ademais, merece destaque o fato de que os réus presos, e dentre eles os que estiverem há mais tempo na prisão, têm preferência para o julgamento. Em igualdade de condições, encontram-se os precedentemente pronunciados- art.429, III, CPP.

Com referência, ainda, à fase de preparação do Plenário, aduz-se que pode ser determinada, aqui, a juízo do magistrado, a reconstituição do crime, se ainda não tiver sido concretizada, haja vista que, algumas vezes, pode surgir dado novo que desperta o interesse para a reconstituição, por parte do órgão de acusação ou de defesa, de modo que haveria o requerimento para a sua produção.

3.3. SESSÃO DE JULGAMENTO EM PLENÁRIO

No que tange ao Procedimento em Plenário, assevera-se que o Juiz, ao ingressar no Plenário, deve certificar-se de estarem presentes os membros do Ministério Público, o assistente de acusação, se houver, o réu e seu defensor. Como regra, as partes já se encontram em plenário, cabendo, pois, ao magistrado decidir os casos de isenção e dispensa de jurados, como também analisar, se houver, pedido de adiamento do julgamento, formulado por qualquer dos interessados.

 Resta claro que não mais se indaga, diretamente, do réu o seu nome, a sua idade e se o mesmo tem advogado constituído, conforme a antiga redação do art. 449, caput, do CPP. Na realidade, tal omissão não significa a impossibilidade do acusado manifestar-se ao Juiz presidente, de forma a demonstrar sua insatisfação em face da defesa que lhe está sendo proporcionada. Em face disso, deve o magistrado, respaldado pelo Princípio da Plenitude da Defesa, colher o clamor, inscrever em ata e deliberar a respeito.

Seguidamente, o Juiz deve recolher as cédulas de dentro da urna, contendo os nomes dos jurados que compareceram à Sessão. Assim que for feita a contagem das cédulas e a chamada para atestar, publicamente, a presença dos jurados no local, colocam-se as referidas cédulas de volta na urna, a qual é fechada, e o Juiz, então, anuncia que está instalada a Sessão, determinando seja feito o pregão pelo Oficial de Justiça.

 Merece ressalva o fato de que, via de regra, as partes tomam conhecimento da lista dos jurados no próprio dia do julgamento e promovem as aceitações ou recusas sem a adoção de critérios objetivos, e sim baseados apenas em valorações subjetivas, surgidas no momento do sorteio do jurado para compor o Conselho de Sentença. Em caso de impossibilidade de instalação da Sessão de Julgamento, por falta de quorum, outra data deve ser designada, desde que seja compatível com a pauta da Vara do Júri, o que pode significar dias, semanas ou meses após.

Prosseguindo ao procedimento em Plenário e após a feitura do pregão, tem-se que a parte interessada em suscitar alguma nulidade ocorrida após a pronúncia deve pedir a palavra ao Juiz presidente, manifestando-se a respeito e colocando os seus fundamentos. Após, a parte contrária será ouvida, cabendo ao magistrado decidir, de imediato, pela suspensão da Sessão, quando for caso de nulidade absoluta e assim for declarada, ou pelo prosseguimento do julgamento, quando o pedido não for acolhido, restando apenas a simples anotação em Ata.

Vale lembrar, também, que estando ausente o membro do Ministério Público, não existe a possibilidade de que seja realizada a Sessão, com fulcro no art.455 do CPP. Neste caso, a conduta do Juiz Presidente é à de avaliar o motivo pelo qual o comparecimento deixou de ocorrer, ou seja, havendo justificativa plausível, outra sessão é designada, ficando, desde já, intimados os presentes; no caso de não haver motivação razoável, o fato é comunicado ao Procurador- Geral, para que o mesmo tome as medidas administrativas cabíveis e, conforme o caso, designe outro representante da instituição para atuar em Plenário. Em se tratando da ausência do Defensor, resta demonstrado a adoção do mesmo procedimento.

Neste sentido, cumpre mencionar que a ausência do réu preso somente deve proporcionar o adiamento do julgamento e a manutenção da custódia cautelar em situações excepcionais. Do contrário, inexistindo motivo razoável, convém ao Juiz determinar a soltura do acusado, por excesso de prazo quanto ao término da instrução. Com relação ao pedido de dispensa da presença, aplica-se, por decorrência lógica, o Princípio da Igualdade. Em outros termos é dizer que, se o réu solto pode deixar de comparecer, torna-se natural que o preso também possa fazê-lo. No entanto, somente haverá o adiamento obrigatório da Sessão, sem a soltura do acusado, quando o motivo para a não apresentação for considerado razoável.

Por oportuno, cabe a menção ao fato de que o Juiz Presidente tomará o cuidado de alertar os jurados do dever de incomunicabilidade. Melhor dizendo, assim que os jurados forem sorteados não mais se expressarão sobre a matéria contida no processo. Somente em votação, na sala especial, por meio do voto secreto, é que eles darão o seu veredito. A infringência ao dever de incomunicabilidade acarreta a exclusão do Conselho de Sentença e a pena de multa, consoante dispõe o art.466, § 1º, do CPP. Em havendo a exclusão, o julgamento torna-se prejudicado e uma nova Sessão será designada para tal fim.

Torna-se imprescindível ressaltar que a primeira parte da instrução do processo, em Plenário, é reservada à inquirição da vítima e das testemunhas arroladas pela acusação e, em seguida, pela defesa. Com a reforma processual penal, a fim de suprir a lacuna anteriormente existente, faz-se expressa referência à necessidade de se ouvir o ofendido, se possível (estando vivo e em local certo e conhecido), bem como as demais pessoas arroladas pelas partes- art.473, caput, CPP.

Em relação à colheita da prova testemunhal, no procedimento do júri, infere-se que, no caso de alguém proferir declarações distorcidas da realidade, a prova volta-se ao Conselho de Sentença, no qual somente o Colegiado de jurados poderá afirmar que alguém falseou a verdade. Por isso, torna-se essencial a existência de quesito específico, indagando se determinada testemunha afirmou algo não correspondente à realidade ou calou a verdade.

Um outro aspecto que merece destaque é que, com a reforma processual penal, deixa de existir o relatório oralmente produzido pelo Juiz, durante a instrução em Plenário, e sim cabe ao magistrado organizá-lo, por escrito, de maneira sucinta, na fase de Preparação do Plenário- art.423, II, do CPP.

No que tange à prova pericial, pode-se dizer que a mesma, como regra, é pré-constituída e, portanto, de natureza cautelar. Desse modo, torna-se difícil haver a produção de prova pericial em plenário.

Referente à prova documental, aduz-se que a juntada de qualquer documento relacionado ao caso em julgamento deve ser feita com tempo antecedente suficiente para que a ciência efetiva da parte contrária ocorra, pelo menos, três dias úteis antes da data da Sessão.

Com relação ao interrogatório do acusado, observa-se que, com a reforma, o mesmo será realizado ao final da colheita das provas em Plenário, sendo permitida a elaboração de reperguntas diretamente formuladas ao acusado pelo Ministério Público, Assistente de Acusação, querelante, se houver, e pelo Defensor. Em sendo o caso dos jurados fazerem reperguntas ao réu, o procedimento legal previsto permite que sejam feitas por intermédio do Juiz Presidente.

Após a colheita das provas, dá-se início aos debates. A Acusação e a Defesa terão uma hora e meia para cada uma, quando somente um réu for julgado- art.477, caput, CPP. Havendo mais de um réu, o tempo eleva-se para duas horas e meia a cada parte- art.477, § 2º, CPP. Além do mais, o Acusador tem direito à Réplica, em uma hora, e a Defesa à Tréplica, em igual tempo- art.477, caput, CPP. Havendo mais de um réu, o tempo é computado em dobro- art.477, § 2º, CPP.

Encerrados os debates, o Juiz Presidente deve indagar aos jurados se os mesmos estão preparados para julgar ou se necessitam de qualquer outro esclarecimento- art.480, § 1º, CPP. Caso se sintam habilitados a realizar o julgamento, devem responder “sim”. Almejando maiores informes, podem expor ao magistrado qual é a fonte de dúvida- se de direito ou de fato. Acrescente-se a isto o fato de que a negativa do magistrado em realizar a prova solicitada ou qualquer atitude, de sorte a obrigar o jurado a proferir o veredito contra a sua natural vontade, enseja nulidade. Para tanto, é fundamental o registro da ocorrência em Ata, devendo qualquer das partes agir para fomentar o protesto.

Concernente à exposição, explicação dos quesitos e alegação de nulidade, é de se observar que o momento processual adequado para questionar a forma, a ordem, o modo e o conteúdo das indagações redigidas pelo Magistrado é logo após a sua leitura e explicação em Plenário. Caso contrário, na hipótese do silêncio, haverá preclusão, não podendo mais ser alegada qualquer nulidade pela parte que deixou transcorrer este instante sem qualquer questionamento.

Terminada a leitura dos quesitos e realizada a explicação necessária, bem como atendidos os eventuais reclamos das partes, o Juiz Presidente anunciará que o julgamento será realizado em sala especial ou, na falta desta, solicitará aos presentes – réu e plateia- que deixem o recinto- art.485, § 1º, CPP.

Feito o julgamento em sala especial pelo Conselho de Sentença, cabe ao Juiz Presidente lavrar a sentença condenatória ou absolutória, conforme o caso. Urge gizar que a principal regra a ser observada consiste em não invadir o mérito da decisão, sob qualquer prisma. Portanto, o magistrado não necessita produzir o relatório, nem a fundamentação, e sim basta o dispositivo – art.492, I e II, CPP.

Enfim, para a fixação da pena, o Juiz levará em consideração as circunstâncias agravantes e atenuantes alegadas pelas partes nos debates. Em caso de absolvição, o acusado deve ser colocado em liberdade de imediato. Havendo desclassificação da infração para outra considerada de menor potencial ofensivo, poderá o Juiz Presidente aplicar os benefícios da Lei nº 9.099/95. No caso de desclassificação, por ocasião do julgamento de crime conexo, poderá o Juiz Presidente aplicar os benefícios da Lei nº 9.099/95, quando for o caso.

4. A DISCUSSÃO EXISTENTE EM RELAÇÃO À MANUTENÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI NO SISTEMA PÁTRIO

A Carta Política de 1988 reservou ao Tribunal do Júri a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, nas formas tentadas ou consumadas, quais sejam o homicídio, o infanticídio, o aborto em suas diversas formas e o induzimento, instigação e auxílio ao suicídio, além dos demais delitos conexos, na forma da lei. Deste modo, tem-se uma categoria de crimes que não seguem a regra geral de julgamento por parte dos juízes de direito (juízes togados) ou juízes federais.

Nos julgamentos em tela, o bem jurídico tutelado é a vida, a qual, de fato, nas precisas lições de NASSIF (1999, p. 46-49), representa o único bem irrecuperável e irreparável, seja por qualquer das visões que se permita ter a humanidade: religiosa, filosófica, antropológica, etc.

A par disso, sob a ótica do legislador, infere-se o conceito de que somente a sociedade, através de seus cidadãos comuns, pode julgar os delitos que ela própria comete, por intermédio de seus indivíduos, quando se leva em conta o entendimento de que crimes contra a vida podem ser praticados por qualquer pessoa. Em sendo assim, cabe aos cidadãos, no gozo dos seus direitos políticos e com suas diferentes personalidades, ao formarem o Conselho de Sentença, avaliarem as circunstâncias através do caso concreto, fato este ensejador de uma média social da visão do povo acerca dos motivos que inspiraram o acusado ao cometimento deste ato típico, ilícito e culpável.

Em face disto, a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida não é dos juízes togados, e sim do povo, que decide de acordo com os costumes e com a experiência adquirida pela vida.

Portanto, vislumbra-se, claramente, a opção do legislador em dar tratamento diferenciado a esses crimes, fazendo com que pessoas acusadas do cometimento de tais delitos, em que pese a individualidade de cada um, sejam julgadas por seus pares, produzindo, em alguns casos, conforme serão abordadas adiante, defesas “sensacionalistas”, que residem basicamente no aspecto emocional,  distanciando-se da melhor técnica jurídica. Pode-se dizer que é exatamente pela existência de problemas técnicos que subsistem, atualmente, grandes discussões acerca da manutenção do Tribunal do Júri no ordenamento jurídico pátrio.

Ante o exposto, imperioso se torna a necessidade de reforma processual penal, fato este acompanhado com expectativa não somente por juristas, como também, por toda a sociedade que acompanha o desenrolar dos fatos, pois, à evidência, o rito procedimental e recursal do Tribunal do Júri deve ser adequado, consoante será visto, a imperativos constitucionais e processuais, especialmente a Necessidade de Fundamentação dos Julgados, com fulcro no art.93, IX, CF/88, a Economia e a Celeridade, os quais são princípios processuais. Ademais, assevera-se que o grande número de Projetos de Lei em trâmite no Congresso Nacional, dentre eles destacam-se o PL nº 4.203/2001, o PL nº 4.204/2001 e o PL nº 5.295/2009, que sugerem as mais variadas modificações em relação ao Tribunal Popular, representa a prova maior da necessidade de mudanças relativas ao Tribunal do Júri no ordenamento pátrio.

Ainda neste diapasão, vê-se que a discussão existente é tão acentuada que alguns acreditam, rigorosamente, que a melhor solução seria a extinção do Tribunal do Júri.

Porém, de acordo com o art.60, § 4º, IV, da Constituição Federal, não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Percebe-se, como dito anteriormente, que o Júri se encontra elencado dentre tais direitos e, portanto, somente através de nova Constituição seria possível a retirada do Júri de nosso ordenamento jurídico, fato este que, dentro do cenário político e legislativo, não se apresenta uma hipótese de fácil ocorrência. Neste sentido, o legislador constituinte originário, ao restringir o poder de reforma do constituinte derivado, entendeu que ao Tribunal do Júri deveria ser dada uma posição que lhe garantisse a limitação da possibilidade de sua extinção ao arbítrio do poder reformador e, assim sendo, a princípio, estaria, enquanto vigente o atual texto, inviabilizada a possibilidade de eliminação deste Instituto do sistema jurídico pátrio, além desta problemática não ser objeto de análise do presente estudo.

Em suma, aduz-se que não são observadas nos diversos Projetos de Lei em trâmite no Congresso Nacional, tendo em vista os motivos acima elencados, as propostas de extinção do Tribunal do Júri por algum deles, e sim o fato da maioria das proposições versarem tão somente acerca de modificações no rito existente.

4.1. ARGUMENTOS ADERENTES AO TRIBUNAL DO JÚRI

Neste subtítulo, serão sopesados os argumentos doutrinários daqueles que se posicionam a favor da preservação da Instituição do Tribunal do Júri, considerando seus aspectos culturais, jurídicos, sociais e políticos, sem deixar de fazer uma análise crítica acerca do tema. 

4.1.1. Feição Política e Garantia Fundamental do Cidadão

Em síntese, ao se analisar a polêmica sobre os pontos aderentes ao Tribunal do Júri, vale o destaque para os defensores da Instituição que, além de ente jurídico na essência, buscam que se reconheça a sua feição política, bem como o seu evidente destaque como direito fundamental e garantia individual do cidadão.

Por oportuno, cabe transcrever a ilustre posição doutrinária de Rui Barbosa, quando afirma que o Tribunal do Júri possui forte conteúdo de independência de um povo, associando-se, portanto, à noção de liberdade e, até mesmo, de soberania dos povos. Outro não é o teor do seguinte texto:

Razão tinha, portanto, o barão Beyts em dizer, há sessenta e seis anos, na constituinte belga: todos os povos, mal lhes cabe a fortuna de reconquistarem a liberdade, apressam-se em assegurar a posse do julgamento por jurados [...] Essa instituição, acrescentava Siéyès: é a verdadeira garantia da liberdade individual, em todos os países do mundo que aspiram a ser livres. (RUI BARBOSA, 1976, p.157).

No que tange ao posicionamento do citado jurista baiano em relação ao Júri, não é demais ressaltar Rui Barbosa (1976 apud MANDUCA, 1976, p.157), para ratificar sua adesão a esta instituição quando diz: o júri é de origem moderna- nasce com a verdadeira liberdade. Sua aparição foi consequência natural da volta dos povos à vida livre. É uma instituição que surge e morre com a liberdade.

Neste sentido, infere-se que a instituição do Tribunal do Júri, consoante pensamento de Rui Barbosa e dos autores por ele citados, estaria vinculada à noção de soberania dos povos e de liberdade. Acrescente-se a isto o fato de que, para os adeptos do Tribunal Popular, a importância do Júri seria tamanha que a sua extinção de um ordenamento jurídico representaria, na pior das hipóteses, a morte da própria liberdade de um povo, tendo em vista que, neste contexto, tal instituto vai além de uma criação jurídica, a ponto de representar uma criação política de suprema importância no governo constitucional.

Enfim, resta claro que o Tribunal do Júri representa um órgão especial do Poder Judiciário, que assegura a participação popular direta nas suas decisões de caráter jurisdicional. Cuida-se de uma instituição de apelo “cívico”, por demonstrar a importância da cidadania e da democracia na vida em sociedade.

4.1.2. Extensão da Competência

Referente ao tópico proposto, cumpre mencionar que o Projeto de Lei nº 02192/91 representa uma das proposições doutrinárias e legislativas sobre a extensão da competência do Tribunal do Júri.

Sobre o tema, o magistrado baiano Marcos Bandeira, ao manifestar igual posicionamento, assim aduz:

Desta forma, entendemos nessa apertada síntese, que a instituição do Tribunal do Júri deve ser não apenas preservada, mas aprimorada à luz dos princípios constitucionais, no sentido de se adequar às exigências atuais, podendo, inclusive, ampliar a sua competência para julgar outros delitos além daqueles contra a vida, a fim de que continue a exercer soberanamente o seu excelso desiderato de realização da justiça humana, no âmbito de um Estado Democrático de Direito. (BANDEIRA, 2005, p. 3).

Pelo exposto, assevera-se que, além das propostas legislativas, existem, também, posicionamentos favoráveis de juristas acerca da extensão da competência do Tribunal do Júri. Entretanto, de igual modo, não se vislumbra, efetivamente, onde estaria o resultado positivo para o mundo jurídico e para a sociedade como um todo no tocante à ampliação da competência do Júri, haja vista tratar-se de uma Instituição tão combalida e que gera tanta controvérsia.

Além do mais, em que pese a possibilidade de criação do Instituto em apreço através de Lei Ordinária, haja vista que a Constituição Federal apenas fixa a competência mínima do Júri, tal hipótese seria completamente absurda em um momento em que a própria existência do Júri é questionada por muitos. O fato é que a extensão da competência do Tribunal Popular, o qual tem a possibilidade de julgar sem o apego a normas técnicas e sem a necessidade de motivar suas decisões, nada mais é do que o estabelecimento da insegurança jurídica, pelo simples fato de retirar, progressivamente, do Poder Judiciário, composto de membros preparados, a competência para a arte de julgar.

4.1.3. Julgamentos desprovidos de critérios rígidos

Para a corrente defensora do Júri, vale, ainda, a ressalva da severidade da figura do juiz togado, o qual, acostumado aos julgamentos diários, apega-se ao formalismo legal e interpreta a lei de forma puramente jurídica, como mero operador do Direito, sem que venha a preocupar-se com um julgamento mais humano.

Outro não é o entendimento manifestado por Aramis Nassif, quando aduz:

Nesse momento, não há que se falar em especialidade técnica, cuja ausência na cultura dos jurados abriga, injustificadamente, tantas críticas à instituição. Ao contrário, dispensa-se qualquer conhecimento da ciência jurídica ao jurado. Importa que seja idôneo e escolhido entre os membros da comunidade. Revela que, distante do conhecimento técnico-jurídico, possa ele ser o auferidor das emoções ou qualquer razão subjetiva que impulsionou o homicida para, distante do conceito homem-ação, fato-tipo, justificar ou censurar a conduta ofensiva à vida (NASSIF, 1999, p.48).

Em contrapartida, o Conselho de Sentença, sendo soberano em suas decisões, não fica “escravizado” aos critérios rígidos. Os adeptos ao Tribunal Popular afirmam que esse desconhecimento da técnica por parte dos jurados induz a um exame do caso simplesmente pelo bom senso, o que, muitas vezes, se dilui em meio ao rigor teórico e legalista do magistrado.

Vale ressaltar o fato de que os defensores do Tribunal do Júri argumentam, ainda, embora haja crítica ao fato das decisões do Júri não serem motivadas, que o simples ato de não fundamentar a decisão, muitas vezes, representa um fator positivo, na medida em que os jurados, sem o apego às formalidades legais e técnicas, valoram mais os fatos e, consequentemente, fazem efetivamente justiça, objetivo este não alcançado por muitas decisões técnicas dos juízes profissionais.  Além disso, a corrente defensiva enfatiza a ideia de que é menos suscetível a erros uma decisão proferida por várias pessoas do que àquela prolatada por um só Juiz.

Neste contexto, de acordo com os defensores do Tribunal Popular, a intervenção efetiva da sociedade e a participação popular fazem com que o sistema penal aproxime-se do momento social a que deva corresponder, de sorte a possibilitar que os julgamentos não externem somente a vontade da lei, mas, principalmente, que promovam o sentimento de justiça na sociedade.

O próprio Supremo Tribunal Federal, em 14 de julho de 1932, decidiu:

O Júri, Juiz de consciência, que está no meio do povo, conhece melhor que ninguém as circunstâncias do fato e as condições dos protagonistas (Ruy Barbosa, O Jury sob todos os aspectos, com introdução de Roberto Lyra, Rio de Janeiro: Ed. Nacional, 1950, p.15).

Por fim, pode-se dizer que aqueles que defendem o Júri chegam à conclusão de que seus benefícios são mais numerosos e os defeitos desta Instituição não podem ser adotados como justificativa plausível para sua extinção, impondo, em verdade, a busca pelo seu aprimoramento, de forma a adequar-se à realidade da sociedade brasileira.

4.2. ARGUMENTOS ANTAGÔNICOS AO TRIBUNAL DO JÚRI

Conforme explanação anterior, existe a corrente defensiva do Tribunal do Júri, cujos argumentos foram acima dispostos. Adiante, passa-se à análise crítica de argumentos desfavoráveis à Instituição, dando ênfase aos seus variados aspectos.

4.2.1. Ausência de conhecimento teórico-prático mínimo por parte dos Jurados

A princípio, vale o destaque para a crítica mais recorrente ao Tribunal do Júri, qual seja a ausência de técnica, de motivação das decisões e a falta de preparo dos jurados para o exercício das suas atribuições.

Em relação a tal posicionamento, não subsiste mais razão para que o Tribunal do Júri seja mantido, em face da não existência dos motivos que o originaram e, em sendo assim, não resta explicação para a preservação da figura do jurado, na medida em que o julgamento por pessoas despreparadas e que não são submetidas a uma avaliação prévia para desempenharem a função de Juiz leigo gera o desgaste de garantias que o julgamento técnico, proferido pelo magistrado togado, abarca, haja vista que a sociedade conta com um Poder Judiciário independente e autônomo no resguardo da interferência dos outros Poderes.

Em face do exposto, conclui-se, ante a explanação supracitada, que não se está considerando o juiz togado como um ser humano sem falhas e desprovido de incapacidades no exercício do julgamento. Porém, é preciso que se compreenda tal questão a partir de um mínimo de discernimento científico, fato este fundamental para o desempenho do ato de julgar. Resta evidente que o problema fica facilmente detectável no momento em que se verifica que a liberdade de convencimento imotivado do jurado é tão ampla que permite o julgamento a partir de elementos que não estão no processo, o que, juridicamente, é uma incoerência. Por conta disso, cria-se a insegurança e o descrédito de decisões excêntricas, fruto da falta de fundamentação e de vereditos desconexos.

Neste diapasão, tal crítica merece ser considerada, visto que, à evidência, carece o Conselho de Sentença de conhecimento teórico-prático mínimo para a realização das diversas análises de aspectos materiais e processuais aplicáveis ao caso concreto, adicionando-se à exigência de razoável poder de valoração da prova, em que vai prevalecer aquele discurso mais elaborado, mais convincente e mais sedutor. Concernente ao magistrado, não é demais afirmar que o mesmo tem, de forma extreme de dúvidas, maior aptidão para produzir julgados mais próximos do conceito de justiça, por possuir prévia e adequada preparação para julgar, além do conhecimento geral que se presume ter.

Faz-se mister ressaltar que, hodiernamente, reivindica-se que o Juiz tenha especialização, conhecimento e domínio da matéria e, nesse tocante, verifica-se, no mínimo, a incoerência a partir do momento em que a legislação prevê os julgamentos de crimes graves e de grande repercussão a pessoas que não possuem conhecimentos técnicos suficientes. Além disso, constata-se, na prática, que a existência de um julgador leigo acaba por desencadear um maior número de decisões injustas, principalmente porque, conforme mencionado anteriormente, são desprovidas de motivação e, não raras vezes, de fundamento.

Por outro lado, infere-se que o julgamento técnico evitaria a falta de motivação das decisões, o que resulta em maior índice de acertos e, por consequência, em um número menor de interposição de recursos, haja vista que, os Tribunais pátrios, em virtude da sobrecarga de trabalho, não são capazes de dar conta, em prazos razoáveis, dos processos que lhes são apresentados, protelando ainda mais a aflição vivenciada pelas partes envolvidas no processo, uma vez que este não consegue chegar ao seu final.

Dando continuidade à falta de fundamentação dos julgados e ao desprendimento dos jurados à prova constante dos autos, destaca-se a citação de Luiza Nagib Eluf, quando discorre sobre um crime onde a prova dos autos, de forma bastante convincente, apontava para o cometimento do crime de homicídio qualificado. No entanto, os jurados, em sentido contrário, amparados na Soberania dos Veredictos e demonstrando a falta de técnica à análise do caso concreto, vieram a absolver a acusada por duas vezes. É este o trecho em destaque:

Assim, tudo conspirou a favor de Zulmira e ela pôde voltar para casa, embora, talvez, a versão correta fosse à de homicídio qualificado. O Júri, algumas vezes, não se abala com a argumentação jurídica e absolve simplesmente porque quer. (ELUF, 2003).

Pelo exposto, torna-se intolerável que julgamentos de crimes tão graves, com grande repercussão social na maioria dos casos, sejam decididos simplesmente por uma questão de vontade dos jurados. Restaria, de fato, caracterizada a justiça de tais julgados? E o respeito à vítima e aos seus familiares? E a tão importante manutenção da pacificação social? À vista disso, vê-se que todos esses questionamentos não são facilmente rebatidos pela corrente defensiva do Tribunal do Júri.

No que tange ao aspecto da preparação prévia dos jurados para a arte de julgar, não se pode negar que o juiz togado possui uma série de garantias constitucionais (art.95 da CF/88), que o deixam, pelo menos no plano teórico, isento de interferências e pressões, diferentemente do leigo. Indubitavelmente, constata-se que tanto as vítimas, quanto os acusados e seus familiares podem exercer uma influência significativa na decisão dos jurados.

4.2.2. Morosidade no Rito adotado no Júri

Reportando-se a alguns pontos criticáveis da instituição do Tribunal Popular, não há como deixar de mencionar a morosidade observada no rito especial trifásico adotado no Júri, a qual se torna mais acentuada se comparada ao rito do procedimento comum ordinário.

Um traço marcante do rito adotado no Júri brasileiro é a divisão dos poderes conferidos ao magistrado e aos jurados. Cabe aos jurados, privativamente, vencida a fase de instrução processual, com a pronúncia do acusado e sua posterior submissão ao Tribunal do Júri, decidir sobre a materialidade e a autoria delitiva, assim como as causas excludentes de ilicitude, de culpabilidade e as circunstâncias majorantes e minorantes. Por seu turno, ao juiz togado, caberá somente ajustar o soberano veredito dos jurados à legislação vigente e aplicar, se for o caso, a dosimetria da pena do condenado.

Sem sombra de dúvidas, este procedimento é extremamente moroso, considerando, também, a possibilidade de interposição de recursos no decorrer do procedimento, antes que se alcance o julgamento pelo Conselho de Sentença.

Em face de todos os motivos acima elencados acerca das críticas ao Tribunal do Júri, é de se verificar o porquê de muitos países já o terem eliminado dos seus ordenamentos jurídicos, uma vez que tal Instituto diverge da reivindicação de celeridade por parte da sociedade nos procedimentos judiciais, a qual anseia por uma rápida e segura resposta aos seus reclamos de justiça.

5. A INFLUÊNCIA DO DISCURSO NA DECISÃO DOS JURADOS

Primordialmente, imprescindível se torna, ante o tema proposto, mencionar que os Operadores do Direito aprendem desde os bancos acadêmicos a importância da palavra e do seu bom uso. Neste sentido, seja em uma defesa oral ou em um discurso escrito, é necessário saber argumentar e se expressar de forma clara e convicta.

Sobre o assunto, vale a citação de Boaventura de Sousa Santos, in verbis:

O discurso jurídico em geral e o discurso judicial em particular é um discurso pluralístico que, apesar de antitético, não deixa de ser dialógico e horizontal. Consequentemente, a verdade a que aspira é sempre relativa, e as suas condições de validade nunca transcendem o circunstancialismo histórico-concreto do auditório. (SANTOS, 1988, p.8).

No Tribunal Popular, especificamente, vislumbra-se maior destaque à palavra, vez que representa o maior recurso utilizado pelos componentes do Júri em Plenário. Em outros termos é dizer que tudo funciona através da palavra, a saber: a leitura dos nomes dos jurados sorteados, suas admissões ou recusas, a abertura dos trabalhos na Sessão de Julgamento, o interrogatório do acusado, a oitiva de testemunhas, a sustentação da Promotoria, da defesa, a réplica, a tréplica, a quesitação e a Sentença de mérito.

Por oportuno, vale acrescentar que a linguagem no Júri é um complexo de palavras, expressões, ritmos, tons, gestos, emoções, dicção, argumentações, conjecturas, sedução. Melhor dizendo, tal linguagem engloba um composto de recursos orais, físicos, intelectuais, sentimentais e psicológicos, sendo considerado, até mesmo, o silêncio como parte desta linguagem em Plenário, haja vista que este atua, na maior parte das vezes, como um forte recurso de persuasão, já que incita seus receptores à reflexão, ao choque e ao questionamento íntimo.

Ademais, resta claro que o ser humano, ao se expressar, utiliza-se do aparelho fonador, das expressões faciais, dos gestos com as mãos, da entonação de voz, do raciocínio, do olhar, dos movimentos do corpo, ou seja, de todo um conjunto destinado a provocar no receptor aquilo que se deseja, qual seja: a emoção (representada pelos sentimentos de medo, ódio, raiva, piedade, compaixão, amor, etc); a introspecção; o raciocínio; a atitude; a reflexão, dentre outros. Deste modo, ao expressar-se através da linguagem, busca-se seduzir, convencer e persuadir o ouvinte, uma vez que é possível avaliar com maior precisão a veracidade das argumentações, a segurança daquilo que se está afirmando, o teor de sinceridade ou fingimento, simplesmente pelo fato de se estar ouvindo e interpretando a linguagem corporal.

É cediço que o bom orador é aquele que sabe equilibrar a mensagem comunicada com os sinais externos, de sorte a não contradizê-los, e sim exprimir com o “corpo” aquilo que se está dialogando. Entretanto, frise-se que o excesso de acessórios durante a sustentação oral desvia a atenção dos receptores para eles, deixando o discurso longínquo e não ativando o raciocínio dos mesmos; o perfume exagerado chega a incomodar e a provocar antipatia gratuita por parte dos jurados; a eloquência exacerbada ou o abuso nos gestos também pode provocar desagrado, não adesão, insegurança e desaprovação pelos mesmos; a voz baixa e a má dicção não ganham pontos entre os jurados, bem como o uso de palavras de baixo calão ou ofensivas, seja direcionadas à parte contrária, ao réu ou genérica; a caminhada de um lado para o outro do Plenário ou a permanência em um mesmo local e posição, igualmente, não representam atitudes positivas num discurso.

Outrossim, o discurso deve ser claro e com uma sequência lógica (introdução, desenvolvimento e conclusão), além de se levar em consideração, também, a simpatia, a acessibilidade, a boa aparência e a tranquilidade do orador. Acrescente-se a isto o fato de que o direcionamento da oratória a um jurado, de maneira persistente, representa atitude constrangedora tanto para o jurado fixado, quanto para os demais.

Em contrapartida, insta salientar que o silêncio também representa um dos meios de expressão da linguagem, conforme relato acima, e que foi expressamente disciplinado na Lei Maior de 1988, em seu art. 5º, inciso LXIII, quando prevê que o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado. No mesmo sentido, dispõe o artigo 186 do Código de Processo Penal, a saber: antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa.

Enfim, o silêncio pode provocar a certeza, a dúvida, a reflexão, a conclusão, o suspense, o questionamento, a afirmação ou a negação, a depender do contexto, da forma, do momento e de que maneira ele é acionado. Além do mais, assevera-se que esta forma de expressão da linguagem também pode finalizar um discurso proveniente de uma das partes presentes no plenário (réu, testemunha, advogado, promotor), representar a confissão ou a ausência de conhecimento ou resposta, gerar a dúvida, ensejar a conclusão e configurar a surpresa ou a inação.

5.1. PODER DE PERSUASÃO DOS DISCURSOS

Registre-se que outro aspecto muito censurado pelos críticos do Júri é o poder de persuasão do discurso, facilmente verificado em quase todas as Sessões deste Tribunal. Alguns chegam ao ponto de comparar a Sessão de Julgamento a um grande teatro, onde as melhores atuações convencerão os jurados que, nesse caso, funcionam quase que completamente como verdadeiros expectadores de uma encenação.

É neste sentido que se fala na retórica, a qual, nos moldes atuais, é entendida como a arte de bem falar, de usar os recursos de linguagem, com vistas a produzir reação nos receptores de um discurso, cujo objetivo precípuo reside na persuasão, no convencimento, no incitamento, na provocação, na manipulação, na sedução, na instigação, na indução, no agrado ou desagrado, na modificação, na explicitação, dentre outros.

Dando continuidade, vê-se que várias são as técnicas à disposição do orador. Este pode, utilizando-se da retórica, aproveitar-se das fraquezas ou falhas do opositor, com o fito de formular falsos sofismas; usar de estratégias psicológicas; manipular opiniões; induzir raciocínios; aproveitar-se de mal-entendidos, entrelinhas, contradições, ao ponto de criar confusões ou falsas lógicas; usar de “pré-conceitos” ou “pré-juízos” e impor alternativas ao adversário, de forma a fazer interpretações ampliativas ou restritivas.

De forma notória, o Plenário do Júri dá vazão a atuações teatrais que, se por um lado, não possuem guarida em julgamentos técnicos proferidos por juízes togados, por outro, em sentido contrário, encontram perfeita disposição no Tribunal do Júri, no qual, em sua Sessão, tanto a acusação quanto a defesa dividem a técnica com as atuações cênicas, conduzindo, consequentemente, os jurados à paixão, à simulação, à emoção, ao sentimentalismo, e, porque não dizer, culminando com o risco iminente de vereditos injustos e incoerentes com as provas constantes dos autos, passando a justiça, pois, a ser refém do talento individual dos profissionais, e estes, da maneira que melhor lhes convier, aproveitam-se do fato de que o Direito não é uma ciência exata.

Outro não é o entendimento de Gabriel Chalita, quando leciona a respeito do tema em questão:

Nenhuma dúvida parece perdurar a respeito do papel decisivo e fundamental que exerce a exploração da sedução nos debates de um Tribunal do Júri, tanto por parte da defesa quanto por parte da acusação. Nenhuma dúvida parece perdurar, também, acerca do fato de os advogados utilizarem conscientemente essa ferramenta, às vezes, o que é de lamentar, com intenção declarada ou subjacente de conduzir para o lado incorreto a decisão do Júri (CHALITA, 2007, pg.170).

E mais adiante conclui:

Não adianta, em suma, o conhecimento afunilado das técnicas e dos jargões jurídicos. De nada vale a cultura puramente jurídica ou o amplo conhecimento do Direito Penal e Processual Penal, ou ainda o domínio sobre as legislações extravagantes. É preciso mais: o poder da palavra, o toque imponderável e intangível da sedução (CHALITA, 2007, pg.171).

Urge gizar que, na maioria das Sessões, ante a perplexidade em que se vê envolto o jurado pela complexidade das questões, os argumentos valem menos por seu conteúdo jurídico do que pela forma teatral com que são expostos. As partes se valem de linguagem rebuscada, com o claro propósito de impressionar os jurados. Outrossim, existe a linguagem corporal demonstrada pelo Promotor e pelo Advogado de Defesa, a qual, por meio das expressões faciais, dos olhares, das gesticulações, bem como das suas vestimentas e das suas posturas, representam aspectos de suma importância, capazes de influenciar na decisão dos jurados. Prepondera, em face do exposto, a atuação, além de prevalecer a experiência do profissional e a impressão que este passa aos julgadores.

5.2. O ALCANCE DA MÍDIA NO ÂNIMO DOS JURADOS

Não se pode olvidar, também, do poder da mídia sobre a sociedade e a influência que a mesma exerce, juntamente com a imprensa em geral, no ânimo dos jurados.

Em determinadas ocasiões, através dos meios de comunicação de massa, são apresentados verdadeiras impropriedades e prejulgamentos realizados pela imprensa, o que, de fato, além de extremamente perigoso, pode conduzir, invariavelmente, a grandes erros judiciários, eis que, com tais condutas, erradica-se a possibilidade de busca pela verdade, com reflexo direto nos vereditos dos jurados, os quais, ao acompanharem os noticiários, chegam à Sessão do Tribunal do Júri com suas convicções já firmadas, não se atendo às exposições de partes técnicas, assim como à prova constante nos autos.

É notório que alguns componentes do Tribunal do Júri são muito típicos desta Instituição, tais como o excesso de emotividade e a narração teatral dos fatos que, em diversas ocasiões, passam distante das provas colacionadas aos autos, aliados à pressão da opinião pública, fatos estes que afetam, sobremaneira, a atuação do jurado na Sessão de julgamento, ao ponto de, especialmente nos casos de grande repercussão, seu veredicto já se encontrar preparado mesmo antes de seu nome ter sido sorteado para compor o Conselho de Sentença, incluindo aquilo que ele possa ouvir ou ver durante a sessão.

O jurado, que é um leigo, diferentemente do magistrado togado, se vê incumbido, de forma repentina, a um ofício que desconhece e para o qual não foi preparado, sendo imerso em um universo estranho, cuja linguagem não lhe é familiar, e conduzido, muitas vezes, a julgar pelo que anteriormente conhecia do caso através dos meios de comunicação. Um bom exemplo disso é o fato de se observar, enquanto telespectador do Júri Popular, o interesse ou desinteresse dos jurados diante das explanações orais. Alguns deles são capazes de tão grande desprendimento que chegam até a “dormir”, fato este verificado em pequenas cidades, com pouca opção de jurados, em que estes passam a ter suas opiniões conhecidas, sendo denominados por “aqueles que sempre condenam ou sempre absolvem”.

Desta forma, reconhece-se que a mídia pode, antecipadamente, absolver ou condenar um réu, em face da sua capacidade de convencimento e de formação da opinião pública e, reflexamente, dos jurados.

Assim, é necessário que se admita que o livre convencimento do juiz também pode sofrer influências externas ao processo em relação a um determinado crime, tendo em vista que as versões e opiniões e a repercussão que lhes são apresentadas exteriormente podem, efetivamente, influenciar as suas decisões, pelo fato de não haver a possibilidade de isolamento dos juízes do convívio em sociedade, a fim de que se possa garantir suas isenções.

Contudo, é inegável que, em que pese a verdade concernente ao fato de que as sentenças prolatadas por juízes togados estão suscetíveis a erros e, também, a injustiças, o preparo técnico do magistrado faz com que tais erros ocorram em menor escala que no Tribunal do Júri, no qual o despreparo técnico e o desapego à prova dos autos, aliado à desnecessidade de fundamentação das decisões, contribuem para o acentuado grau de equívocos e, certamente, para o acometimento de injustiças.

6. ANÁLISE CRÍTICA DA INFLUÊNCIA DO DISCURSO NA DECISÃO DOS JURADOS: PROPOSTAS PARA MODIFICAÇÕES LEGISLATIVAS

Atualmente, em virtude de toda a controvérsia apresentada acerca do Tribunal do Júri, não faltam propostas para modificações legislativas referentes à influência da oratória em Plenário na decisão dos jurados, cabendo o destaque para o fato de que o presente estudo não tem a pretensão de analisar detalhadamente os Projetos de Lei apresentados, e sim considerar as necessidades observadas na prática jurídica ensejadoras de mudanças no funcionamento de tal Instituição.

6.1. REDUÇÃO DA COMPETÊNCIA DOS JURADOS

Considerando que o Júri Popular é uma forma democrática de julgamento, igualmente correta é a assertiva de que as dificuldades que apresenta são abundantes, além de ser mais oneroso que o julgamento de um processo por um juiz de carreira. Exemplificando, tem-se que seria muito mais fácil que os jurados apenas decidissem se o réu é culpado ou inocente, reservando as demais questões jurídicas para os magistrados, já que a parte técnica da sentença não pode e não deve ser avaliada por leigos. Desta maneira, os quesitos formulados aos jurados ficariam restritos à questão da autoria delitiva, enquanto que a análise das demais circunstâncias do crime, das características pessoais do autor e de outros fatores essencialmente técnicos ficaria sob a atribuição do juiz togado.

6.2. SUPRESSÃO DO RECURSO DE OFÍCIO NO CASO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA

Outro aspecto importante merecedor de ressalva é a supressão do recurso de ofício no caso de absolvição sumária, limitando-se apenas à interposição do recurso de apelação em tal caso.

Por oportuno, vale mencionar que a atual redação do art.415 do CPP omitiu, por completo, no que tange à absolvição sumária, qualquer referência ao dever do Juiz de remeter a sua decisão ao Tribunal para reavaliação. Já o art.416 deste mesmo dispositivo legal prevê, expressamente, o cabimento do recurso de apelação contra a sentença de absolvição sumária.

Em relação à modificação ora analisada, aduz-se que a extinção do citado recurso reflete a desnecessidade de sua interposição pelo próprio magistrado prolator da sentença, uma vez que, à evidência, cabem às partes o controle e o inconformismo com o teor da decisão, pois, afinal de contas, não é concebível que, tendo em vista a existência de preparados membros do Ministério Público ou, até mesmo, de eventual assistente de acusação, uma errônea ou contestável decisão de absolvição sumária passe desapercebida aos seus atentos olhos.

Portanto, resta comprovado que, sendo o recurso de ofício suprimido da legislação processual penal, o processo atingirá sua resolução e termo em período de tempo muito menor, acrescendo-se, ainda, o fato de que apenas alguns recursos, considerados realmente importantes e necessários, chegarão à instância superior e serão analisados com maior celeridade pelos Tribunais, o que, de fato, contribui para a tão combatida morosidade do Poder Judiciário.

6.3. POSSIBILIDADE DE ESCOLHA POR PARTE DO ACUSADO

Enfim, cumpre mencionar uma proposta doutrinária segundo a qual caberia ao acusado a possibilidade de optar entre ser julgado por seus pares, através do Tribunal do Júri ou, se assim desejar, ser julgado por um juiz togado. Essa seria, então, uma espécie de solução híbrida, na qual, por um lado, não se teria a extirpação do Júri, porém, por outro lado, seria dada ao réu a possibilidade de escolha de ser submetido a julgamento por um magistrado. Neste sentido, tal argumento foi sustentado por Miguel Bruno, quando assim redigiu:

Nesse altiplano argumentativo, cabe destacar um artigo publicado recentemente na revista Consulex, onde um Promotor de Justiça de Brasília, Diaulas Costa Ribeiro, escreve a respeito, e dentre alguns comentários, pudemos observar uma idéia interessante, vez que mantém sob os auspícios da própria sociedade o julgamento de seus pares, entretanto amparando-se no fato de que o Tribunal do Júri é um direito e uma garantia. Seria então possível conceder ao réu o direito de escolher entre ser julgado por um Conselho de Sentença, ou então, para que não se constitua uma obrigação, optar por ter o seu futuro decidido por um juiz togado[1].

Não há dúvida, pelo exposto, de que o argumento em questão tem sua importância.  Entretanto, a sua aplicabilidade torna-se complexa, posto que, ainda assim, a proposta estaria em conflito com o preceito constitucional da cláusula pétrea, sem deixar de ressaltar o fato de que poderia causar grande contratempo à administração da justiça, ante a separação de ritos para o julgamento de crimes da mesma espécie.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do presente estudo, por meio dos objetivos já mencionados e da metodologia aplicada, conclui-se que o Tribunal do Júri é, hoje, uma instituição político-jurídica que gera grande discussão acerca da sua importância e, principalmente, da sua existência. Foram analisados, no transcorrer deste trabalho, diversos argumentos aderentes e antagônicos à manutenção do Júri no sistema pátrio, dando ênfase à análise crítica do Tribunal do Júri referente à influência do Discurso na decisão dos jurados.

Por oportuno, cumpre mencionar que os jurados, os quais formam o Conselho de Sentença, são considerados juízes leigos, fato este notadamente comprovado. Neste diapasão, pode-se dizer que estas pessoas são geralmente indicadas dentro das mais diversas classes culturais, sociais e econômicas, sendo notória a heterogeneidade no “Corpo de Jurados”. Ademais, aduz-se que estas pessoas não são previamente avaliadas para exercerem a função de juiz leigo, assim como não têm contato com os autos da ação criminal antes do julgamento. Nada impede, portanto, que se reconheça o fato de que, embora sejam totalmente despreparados, os jurados têm grande responsabilidade em suas mãos, qual seja a de decidir o destino de uma pessoa, a de condenar ou não um cidadão.

Ainda neste contexto, tem-se que, muitas vezes, os jurados não têm a mínima ciência dos termos jurídicos que estão sendo mencionados pela Acusação e pela Defesa e é, neste momento, que vai valer o discurso elaborado, seja ele mais sedutor, mais convincente. Em outros termos é dizer que o operador do Direito que melhor se utilizar da linguagem e dos discursos e que tiver maior poder de convicção convence o jurado, visto que este é totalmente leigo em matéria de Direito.

Em sendo assim, imperioso se torna o reconhecimento de que é no Tribunal do Júri que acontece o auge da argumentação e da oratória, vez que um dos princípios basilares deste Instituto é o da Oralidade, com vistas a se permitir “palpitantes” e emocionantes debates orais. É através dos discursos da Acusação e da Defesa que as teses são apresentadas aos jurados membros do Conselho de Sentença, os quais têm a importante função de julgar o réu como sendo culpado ou inocente na etapa final da Sessão de Julgamento, quando já ocorreu toda a instrução em plenário, bem como as argumentações sobre as teses do Promotor e do Advogado de Defesa feitas durante o discurso das partes. Contudo, pode-se dizer que esta decisão nem sempre é fácil de ser tomada, pois para os jurados que não conhecem sobre o Direito e que têm apenas suas convicções filosóficas, religiosas e políticas, torna-se complexo terem que optar pela condenação ou absolvição.

Dando continuidade, faz-se mister ressaltar que, na realidade, a linguagem utilizada pelo Ministério Público e pelo Advogado de Defesa nas Sessões de Júri inclui palavras, gestos, diferentes entonações de voz, expressões, emoções, variadas argumentações e, até mesmo, certa sedução. Tendo em vista que tanto a intenção do Ministério Público quanto à do Advogado de Defesa é de envolver e encantar cada um dos jurados, fazendo com que estes adotem sua teoria, é cediço que são utilizados todos os recursos possíveis e disponíveis para que se consiga alcançar o resultado desejado.

Ainda referente ao tema, cabe salientar que tanto a argumentação quanto a criatividade estão sempre presentes no Tribunal do Júri, além de serem essenciais. Uma boa argumentação acompanhada de criatividade no Tribunal Popular é imprescindível para que as partes possam expor suas teses, além de avaliarem e interpretarem as provas existentes nos autos do processo, elucidando-as aos jurados, os quais, no momento da votação, irão se utilizar das propostas e dos argumentos que melhor lhes convenceram.

Um outro aspecto importante é o de que a argumentação jurídica sofre variações a depender da pessoa para quem se direciona tal argumento e, em alguns casos, a argumentação não procura a veracidade científica, e sim o convencimento das pessoas que compõem o Conselho de Sentença a respeito de uma tese que justifique ou enfatize uma determinada situação de fato. Desta forma, na busca de convencimento, as partes utilizam-se de diferentes recursos, tanto orais quanto teatrais, para persuadir e convencer os jurados, sendo certo que sempre vai sobressair aquele que tem maior destreza e mais traquejo com a oratória.

Em síntese, é correto afirmar que os debates orais que acontecem no Tribunal do Júri têm como objetivo primordial a influência dos jurados no momento da votação dos quesitos, haja vista que estes “sofrem o domínio” do operador do Direito que melhor argumentou sua tese, que melhor se utilizou dos meios de persuasão e que melhor expôs suas ideias de forma  lógica.  

Considerando a outra vertente objeto deste estudo, infere-se que, hodiernamente, concernente aos moldes do Tribunal do Júri, tem-se que a realização da Justiça resta comprometida, além da contribuição para um Judiciário moroso e contraproducente.

Em sendo assim, é imperativo que algumas propostas para modificações legislativas sejam acatadas e postas em prática, a fim de reduzir as dificuldades inerentes ao funcionamento desta forma democrática de julgamento.

Neste contexto, registre-se que seria muito mais fácil que fosse da competência dos jurados somente a análise da questão da autoria delitiva, reservando-se ao Juiz togado a análise das demais circunstâncias do crime, das características pessoais do autor e de outros fatores essencialmente técnicos.

Outrossim, não resta dúvida que, ao ser suprimido o Recurso de Ofício no caso de Absolvição Sumária, o processo atingirá sua resolução e termo em período de tempo muito menor, além da sensível redução de recursos que, de forma desnecessária, chegam à Instância Superior, fato este que em muito se distancia dos Princípios da Economia e Celeridade Processuais.

Por fim, merece igual destaque a proposta segundo a qual o réu teria a possibilidade de optar entre ser julgado por um magistrado ou por seus pares, através do Tribunal do Júri. Todavia, vislumbra-se que tal argumento apresenta aplicabilidade complexa, posto que, ainda assim, a proposta estaria em conflito com o preceito constitucional da cláusula pétrea, sem deixar de ressaltar o fato de que poderia causar grande contratempo à administração da justiça, ante a separação de ritos para o julgamento de crimes da mesma espécie. 

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[1] Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n.41, maio 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1069



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