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As isenções tributárias e o ITCMD paulista

As isenções tributárias e o ITCMD paulista

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As isenções fiscais ora em vigor, relacionadas com o Imposto sobre Transmissão causa mortis e Doações – ITCMD, foram introduzidas pela Lei n.10.992, de 21 de dezembro de 2001, que deu nova redação às disposições do art. 6º. da Lei n°. 10.705, de 28 de dezembro de 2000, instituidora do imposto no Estado de São Paulo.

A nova lei trouxe alterações importantes quanto às isenções concedidas aos contribuintes do imposto, tanto nas transmissões causa mortis como nas doações.

Foram criadas diferentes hipóteses de isenção, que deixaram de ser limitadas exclusivamente a valores, passando a vincular-se, também, a condições específicas dos contribuintes, fato que veio a exigir um exame acurado do texto da lei, com a finalidade de identificar e delimitar seu exato alcance.


I - As isenções do ITCMD nas transmissões causa mortis

Os casos de isenção do ITCMD nas transmissões causa mortis foram os que apresentaram maiores inovações.

1 - As isenções na lei anterior – imperfeições da norma

Na curta vigência da Lei 10.705/2000, na sua versão original, o critério de isenção do ITCMD, adotado para as transmissões causa mortis, era o do valor do patrimônio total do espólio; concedia-se a isenção em caráter geral e incondicionado, desde que aquele valor não ultrapassasse 7.500 UFESPs. Esse limite de isenção prevalecia mesmo quando o valor total do patrimônio do espólio fosse superior, hipótese em que o ITCMD incidia somente sobre o excesso, conforme estabeleciam o Art. 6º, inciso I, alínea a, e o Parágrafo Único do mesmo artigo, na redação original:

Artigo 6º - Fica isenta do imposto:

I - a transmissão causa mortis:

a) do patrimônio total do espólio, cujo valor não ultrapassar 7.500 (sete mil e quinhentas) UFESPs

...........................

Parágrafo único - Nas hipóteses previstas na alínea "a" do inciso I e na alínea "a" do inciso II, se os valores excederem os limites ali fixados, o imposto será calculado apenas sobre a parte excedente.

Bastaria considerar o fato de que, nas transmissões causa mortis, o fato gerador do ITCMD corresponde ao recebimento, pelos contribuintes do imposto - herdeiros ou legatários, da parcela do espólio que lhes cabe na partilha (nota 1), para se identificar a imperfeição técnica da norma isentiva que concedia o benefício fiscal com base no valor total do espólio, sem indagar da eventual existência de cônjuge ou companheiro com direito a meação, cujo valor não configuraria transmissão causa mortis e estaria fora do campo de incidência do ITCMD, e sem indagar, também, de quantos contribuintes – herdeiros e legatários - havia e, conseqüentemente, quantas transmissões causa mortis - fatos geradores do imposto - ocorreriam na divisão do espólio em questão (nota 2).

Além de não ser coerente com a sistemática de incidência do ITCMD, o critério então adotado para concessão do favor fiscal, por não levar em conta a situação pessoal de cada contribuinte e nem considerar sua capacidade contributiva, tornava-o essencialmente injusto.

Diante desse quadro, impunha-se ao legislador introduzir alterações na lei, de tal forma que, ao levar em conta as características de incidência do imposto, permitissem realizar a justiça tributária.

2 - As isenções do ITCMD na legislação vigente

A alteração efetuada através da Lei n°.10.992/2001 representou um aperfeiçoamento, ao escoimar, do texto antigo, aquele dispositivo que atentava contra a justiça tributária de forma tão evidente.

Quando da edição das novas normas, o legislador mostrou-se sensível àquela imperfeição já mencionada e, na nova redação dada ao artigo 6º. da lei que instituira o imposto, revogou o critério que, nas transmissões causa mortis, vinculava a isenção ao valor total do patrimônio do espólio, criando novas hipóteses de isenção, agora condicionadas a critérios relativos à pessoa dos contribuintes.

O exame das hipóteses de isenção introduzidas pela lei 10.992 e atualmente em vigor permite verificar que as modificações efetuadas foram hábeis a torná-las coerentes com as características de incidência do imposto, além de propiciar aos contribuintes um tratamento eqüitativo:

- a nova alínea "a" do inciso I do artigo 6º. prevê a isenção do ITCMD na transmissão causa mortis de imóvel de residência, desde que os contribuintes sejam familiares do de cujus, residam no imóvel e não tenham outro imóvel;

- a alínea "b", instituída quando da alteração, concede isenção ao contribuinte, familiar ou não, na transmissão causa mortis de imóvel cujo valor não ultrapassar 2.500 (duas mil e quinhentas) UFESPs, desde que seja o único transmitido (nota 3);

- a alínea "d", por fim, determinou a isenção, nas transmissões causa mortis, de depósitos bancários e aplicações financeiras, cujo valor total não ultrapassar 1.000 (mil) UFESPs:

"Artigo 6º - Fica isenta do imposto:

I - a transmissão causa mortis:

a) de imóvel de residência, urbano ou rural, cujo valor não ultrapassar 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESPs e os familiares beneficiados nele residam e não tenham outro imóvel;

b) de imóvel cujo valor não ultrapassar 2.500 (duas mil e quinhentas) UFESPs, desde que seja o único transmitido;

c) de ferramenta e equipamento agrícola de uso manual, roupas, aparelho de uso doméstico e demais bens móveis de pequeno valor que guarneçam os imóveis referidos nas alíneas anteriores, cujo valor total não ultrapassar 1.500 (mil e quinhentas) UFESPs;

d) de depósitos bancários e aplicações financeiras, cujo valor total não ultrapassar 1.000 (mil) UFESPs; "

Restou evidente, da formulação das novas regras, que houve a preocupação de vincular a concessão de isenções às condições pessoais e à capacidade contributiva demonstrada pelos contribuintes, proporcional à herança havida.

Ainda que os novos critérios possam significar, na maioria dos casos, uma redução das isenções anteriormente concedidas, porque já não se aplica aquela isenção incondicional até o limite de 7.500 UFESPs, foram por eles beneficiados, especificamente, os contribuintes que dispõem de pouco ou nenhum recurso pessoal, como aqueles que não são proprietários de imóveis, ou cujos quinhões apresentam expressão econômica mínima, como o que inclua um único imóvel de valor limitado ou uma quantia de moeda pouco expressiva; resta assegurado, em qualquer caso, um tratamento igualitário.

A justiça tributária estabelecida com as novas normas de isenção iria se concretizar de fato pela simples aplicação da lei, se esta tivesse sido homenageada pela Fazenda Pública Paulista, por meio de uma interpretação e aplicação que se subordinassem aos comandos específicos do Código Tributário Nacional (art. 111, II, e art. 110) que determinam, respectivamente:

- que as leis que instituem isenção sejam interpretadas literalmente;

"Artigo 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

... . . ................

II – outorga de isenção ";

- e que sejam respeitados, na lei tributária, a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas do direito privado, utilizados pelas normas que regulam a instituição dos tributos, como é o caso do instituto da "transmissão causa mortis", inteiramente regulamentado pelo Código Civil:

Art. 110 – A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas do direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

3 - Interpretação Oficial – 0s equívocos da Fazenda Pública

Debalde o empenho do legislador em aperfeiçoar a lei, veio a Fazenda Pública Paulista a adotar, para as novas hipóteses de isenção, uma interpretação que contraria a norma escrita, porque calcada integralmente naquele critério revogado, que tomava como limite o "patrimônio total do espólio".

Assim é que, conforme vêm sendo orientados os contribuintes que procuram as repartições fiscais, é o seguinte o entendimento oficial:

- o dispositivo de lei que estabelece a isenção "de imóvel de residência, urbano ou rural, cujo valor não ultrapassar 5.000 UFESPs e os familiares beneficiados nele residam e não tenham outro imóvel" deve ser lido e entendido como "do imóvel de residência, urbano ou rural, que seja o único do patrimônio total do espólio, cujo valor não ultrapassar... ";

- o que determina a isenção "de imóvel cujo valor não ultrapassar 2.500 UFESPs, desde que seja o único transmitido" deve ser lido e entendido como "do imóvel que seja o único do patrimônio total do espólio, cujo valor não ultrapassar... ";

- a isenção "de depósitos bancários e aplicações financeiras, cujo valor total não ultrapassar 1.000 UFESPs" deve ser lida e entendida como "dos depósitos e aplicações financeiras cujo valor total, existente no patrimônio total do espólio, não ultrapassar l.000 UFESPs".

4 - Interpretação Oficial – contrariedade à lei e a princípios constitucionais

Além de não atender ao comando legal que delimita a atividade interpretativa das leis que instituem isenções fiscais, vinculando-a à interpretação literal, comando que se aplica, obviamente, tanto aos contribuintes como às entidades tributantes, o entendimento adotado pela Fazenda Pública cria situações de flagrante injustiça, com prejuízo concreto para determinados contribuintes.

O resultado prático da interpretação adotada pela Fazenda Pública, que se caracteriza pela lesão à ordem jurídica e a imposição ilegal de carga tributária a contribuintes que deveriam ser beneficiados pela lei, evidencia-se claramente na apreciação de dois casos, tomados como exemplo:

- primeiro, o caso de haver um único herdeiro, que receba como herança todos os bens e direitos do espólio, cujo patrimônio total inclui apenas um imóvel, no valor de 2.500 UFESPs, mais depósitos bancários no montante de 1.000 UFESPs. Neste caso, havendo um só herdeiro, como contribuinte do ITCMD, haverá também, conforme determina a lei, um só fato gerador, cuja base de cálculo corresponde a 3.500 UFESPs.

- segundo, o caso de haver dois herdeiros, que dividirão entre si os bens de um espólio cujo patrimônio total inclui apenas dois imóveis de valor unitário equivalente a 2.500 UFESPs, mais depósitos bancários no montante de 2.000 UFESPs. Neste segundo caso, a cada herdeiro caberá um imóvel no valor de 2.500 UFESPs, mais depósitos bancários no montante de 1.000 UFESPs e o valor total do seu quinhão será de 3.500 UFESPs, tal como o herdeiro único do primeiro caso. Ainda, em decorrência da lei, como são dois os herdeiros, haverá também dois fatos geradores, um para cada herdeiro, e a base de cálculo de cada um desses fatos geradores corresponderá, também, a 3.500 UFESPs.

Entretanto, não obstante a absoluta igualdade que se observa entre o herdeiro – contribuinte do primeiro caso e os herdeiros – contribuintes do segundo, tanto em termos pessoais como de capacidade contributiva, a interpretação adotada pela Fazenda Pública implica que o contribuinte do primeiro caso receberá sua herança livre de qualquer imposição tributária, enquanto os contribuintes do segundo, mesmo recebendo, cada um, heranças exatamente iguais à do primeiro, terão o valor recebido tributado integralmente pelo ITCMD, pelo simples motivo de suas heranças provirem de um espólio onde havia, em vez de um, dois imóveis, e em vez de 1.000 UFESPs, o dobro desse valor.

É como se, ao contrário do que diz a lei, contribuinte do ITCMD fosse o próprio defunto, que teria se tornado devedor do imposto pelo fato de sua morte; o fato gerador do imposto fosse a sua própria morte e a base de cálculo do imposto fosse o valor do patrimônio total do espólio, que, no caso, se constituiria no parâmetro para aferir a capacidade contributiva do falecido.

Comprova-se, pela apreciação dos dois casos, que a interpretação dos dispositivos de isenção do ITCMD adotada pela Fazenda Pública, além de ilegal, conduz a tratamentos diversos para contribuintes que se encontram em situações rigorosamente idênticas, em atentado a princípios que a Constituição Federal impõe sejam adotados na instituição de tributos, tanto na incidência como nas isenções tributárias (nota 4), quais sejam:

- O princípio da igualdade ou da isonomia, insculpido no artigo 150, II, da Constituição Federal, que veda "instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente"; e

- o princípio da capacidade contributiva, estabelecido no artigo 145, §1º., primeira parte, da Magna Carta, que impõe que "sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte".


II - As isenções do ITCMD na doações

As isenções tributárias aplicáveis às doações de bens e direitos não sofreram grandes alterações.

A isenção concedida às transmissões por doação cujo valor não ultrapassar 2.500 UFESPs, prevista no artigo 6º., inciso II, da Lei 10.705/2000, foi preservada pela Lei 10.992/2001.

Duas restrições, porém, foram acrescentadas:

- Primeiro, com a revogação do antigo parágrafo único do artigo 6º. Da lei 10.705, deixou de prevalecer, nas doações de valor superior a 2.500 UFESPs, o critério de calcular o imposto apenas sobre a parte excedente;

Depois, com a acréscimo do § 3º. ao artigo 9º. da lei 10.705, ficou determinado que, na hipótese de sucessivas doações entre os mesmos doador e donatário, serão consideradas todas as transmissões realizadas a esse título, dentro de cada ano civil, devendo o imposto ser recalculado a cada nova doação, adicionando-se à base de cálculo os valores dos bens anteriormente transmitidos e deduzindo-se os valores dos impostos já recolhidos. O efeito prático deste dispositivo foi o de impedir que, com o fracionamento de doações, em valores iguais ou inferiores a 2.500 UFESPs, os contribuintes pudessem obter o benefício da isenção, furtando-se ao pagamento do imposto.

Cabe observar que, com a revogação do antigo parágrafo único do artigo 6º. Da lei 10.705, criou-se uma situação injusta para os contribuintes que receberem doações de valores pouco acima de 2500 UFESPs. O donatário que receber, na vigência da lei atual, uma doação no valor de 2510 UFESPs, estará obrigado ao pagamento de ITCMD à alíquota de 4%, e verá sua doação reduzida ao valor líquido de 2.409,6 UFESPs, enquanto que, se a doação fosse no valor de 2.500 UFESPs, não haveria pagamento de imposto.

A situação mencionada configura, novamente, um atentado ao princípio constitucional da capacidade contributiva, e sem dúvida, merece reparos. Mas, desta feita, o princípio da interpretação literal das leis de isenção trabalha contra o contribuinte, que não poderá pleitear, judicialmente, a extensão do benefício em seu favor (nota 5).

Com referência à isenção do ITCMD sobre doações, merece consideração especial o tratamento legal que vincula o valor da doação à pessoa do donatário, sem indagar do patrimônio total do doador, de onde se originou a doação ou mesmo de quantas doações o doador fez a donatários diversos.

Verifica-se, no caso, uma demonstração objetiva do enfoque do legislador, que, diante de uma transmissão de bens ou direitos de caráter não oneroso, como é o caso, também, das transmissões causa mortis, despreza a fonte dos bens – o patrimônio do doador - para vincular o limite de isenção exclusivamente ao valor do fato gerador ocorrido – a doação recebida pelo donatário. O contrário do que pretende a Fazenda Pública na sua interpretação das isenções nas transmissões causa mortis, que leva em conta exclusivamente a fonte dos bens – patrimônio total do espólio, e despreza os valores dos fatos geradores ocorridos.


III - Conclusão

Os diferentes ângulos sob os quais se analisaram a evolução das normas de isenção tributária do ITCMD no Estado de São Paulo e as disposições atualmente em vigor permitem concluir que:

- as alterações introduzidas pela lei 10.992/2001 resultaram, na maioria dos casos, na redução dos benefícios auferidos pelos contribuintes a título de isenção, em virtude da revogação do antigo Parágrafo único do artigo 6º. da Lei 10.705, que determinava a aplicação do limite inicial de isenção a quaisquer transmissões causa mortis e doações, quaisquer que fossem seus valores.

- embora a extinção do limite inicial de isenção, antes aplicado a todos os casos de doações ou transmissão causa mortis, independentemente dos valores totais dos fatos geradores respectivos, possa resultar em tratamento desigual e injusto entre diferentes contribuintes, não é possível qualquer questionamento judicial que os beneficie, uma vez que não se permite, para as normas de isenção, qualquer interpretação que seja contrária ou além da lei.

-ainda assim, houve um avanço quanto às hipóteses de isenção do ITCMD previstas para a transmissão causa mortis, que agora estão subordinadas a critérios que se ajustam perfeitamente a determinadas condições pessoais dos herdeiros ou ao valor e composição dos quinhões e legados por eles recebidos;

- o reconhecimento ao direito de isenção, com a atribuição de seus benefícios conforme se apresentem as condições pessoais de cada um dos herdeiros e a composição e valor do fato gerador que o vincula, ou seja, do quinhão por ele recebido, além de atender a lei e ser coerente com a sistemática do ITCMD, resulta em tratamento eqüitativo para todos os contribuintes do imposto;

- de outro lado, a interpretação das normas de isenção adotada pela Fazenda Pública Estadual, nos casos de transmissão causa mortis, não atende ao requisito de se ater à interpretação literal, infringindo a lei complementar que a regula, além de estar fundada em um critério – o valor total do patrimônio do espólio –que, embora constasse da lei anterior, foi revogado quando das alterações introduzidas pela lei 10992/2001, descartando-se, totalmente, a possibilidade de sua utilização pela Administração Pública, em relação aos fatos geradores ocorridos sob a égide da lei vigente.

- o confronto entre a opção do legislador, explicitada nos limites que impôs para a isenção sobre doações, no sentido de desprezar a fonte dos bens – o patrimônio do doador - para vincular o limite de isenção exclusivamente ao valor do fato gerador ocorrido – a doação recebida pelo donatário, e a interpretação adotada pela Fazenda Pública, relativamente às isenções nas transmissões causa mortis, que leva em conta exclusivamente a fonte dos bens – patrimônio total do espólio, e despreza os valores dos fatos geradores ocorridos, demonstra que a escolha desta última contraria, também, o próprio espírito da lei, uma vez que, nos dois casos, tratam-se de aquisições de bens e direitos a título gratuito.

- além de estar fundada em critério revogado e desatender a letra da lei vigente, a interpretação da Fazenda Pública resulta em tratamento desigual a contribuintes que se apresentam em situações idênticas, ofendendo os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva e criando situações de flagrante injustiça.

- em razão dos desvios apontados, os contribuintes devem considerar a possibilidade de questionar a interpretação oficial, sempre que esta resultar em prejuízo de seus interesses, para que prevaleça, integralmente, a justiça fiscal garantida pela Constituição da República.


NOTAS

Nota 1

O fato gerador do ITCMD, nas transmissões causa mortis, corresponde ao recebimento, pelos contribuintes do imposto - herdeiros ou legatários, da parcela do espólio que lhes cabe na partilha.

Dois comandos, contidos na lei 10.705, de 28.12.2000, no capítulo relativo à incidência do imposto, esclarecem o tema:

- no caput do Artigo 2º., o legislador define que o imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido, ou seja, conseguido, obtido, recebido, adquirido.

- no § 1º do mesmo artigo, determina que, nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários, ou seja, o total dos bens e direitos que cada herdeiro tiver obtido, havido, adquirido, é considerado pela lei como uma transmissão distinta, isolada, para efeito de incidência do imposto.

LEI Nº 10.705, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2000

.........................................................................

"Artigo 2º - O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido:

I - por sucessão legítima ou testamentária, inclusive a sucessão provisória;

II - por doação.

§ 1º - Nas transmissões referidas neste artigo, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários.

.........................................................................

Nota 2

Conforme dispõe a Lei n°. 10.705, de 28 de dezembro de 2000, que instituiu o ITCMD no Estado de São Paulo, no artigo 2º., parágrafo 1º., nas transmissões causa mortis ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários.

Esse dispositivo da lei paulista reproduz norma do Código Tributário Nacional, Art. 35, parágrafo único, o qual determina que, nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.

O comando em questão é coerente com o instituto da transmissão causa mortis, tal como regulado no Código Civil, que o considera como forma de aquisição de propriedade, conforme dispunha o artigo 530, inciso IV, do Código Civil de 1916.

Em confirmação a esse entendimento, conforme jurisprudência citada por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, em Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados, Ed. Revista dos Tribunais,SP, 2002:

"Aquisição da propriedade imóvel pela abertura da sucessão. O direito hereditário é modalidade de aquisição da propriedade imóvel, que, como a posse, se transfere aos herdeiros com a abertura da sucessão (STJ, 4ª. T, Resp 48199-MG, rel. M. Sálvio de Figueiredo Teixeira, v.u., j.30.5.1994, DJU 27.6.1994, P.16990)

Nota 3

O entendimento comum da expressão "transmitido" é aquele derivado do verbo transmitir tomado no seu significado geral, aquele em que "alguém transmite alguma coisa a alguém"; Com esse significado, adquire vulto a atividade do transmissor, como na transmissão de notícias pelo rádio, na transmissão da dengue pelo mosquito e inúmeros outros exemplos.

No caso particular da legislação relativa ao ITCMD, a expressão "transmitido" está relacionada com a "transmissão" que é objeto do tributo, ou seja, a transmissão causa mortis, a transmissão que se opera por direito hereditário. O imposto, no caso, incide sobre as transmissões que ocorrem sob a égide do direito das sucessões, as transmissões de herança.

A lei civil, a seu turno, considera a transmissão causa mortis como forma de aquisição de propriedade, conforme dispunha o artigo 530, inciso IV, do Código Civil de 1916 (vide nota 2).

Ocorre que, como a lei do ITCMD faz incidir o imposto sobre fatos plenamente regulados pela lei civil, é necessário que preserve, nas suas disposições, o conteúdo e o significado originais daqueles fatos, tal como delimitados pelo direito privado. Devem ser respeitados, por exemplo, os significados mais restritos dos termos "transmissão" e seu derivado "transmitido", utilizados neste, uma vez que, conforme dispõe o artigo 110 do Código Tributário Nacional,

"A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas do direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias".

Esse requisito foi atendido pela Lei 10.705/2000, ao determinar, no art. 2º., § 1º., que, nas transmissões causa mortis ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros ou legatários, e ao designar como contribuintes do imposto, na hipótese, os mesmos herdeiros ou legatários. Comprova-se, assim, que o legislador adotou plenamente o significado de transmissão como sendo "aquisição", fazendo incidir o imposto sobre os bens da herança adquiridos individualmente pelos herdeiros e legatários.

Diante desse significado restrito atribuído ao termo "transmissão" no âmbito da legislação do ITCMD, o termo "transmitido", dele derivado, há que ser tomado com o sentido de "adquirido", reportando-se, portanto, à pessoa do herdeiro ou legatário, que adquire os bens ou direitos; em decorrência, a expressão "único transmitido" deve ser considerada no seu significado de "único adquirido", fato a ser verificado pelo exame do conteúdo do quinhão recebido pelo contribuinte.

Quanto à subordinação da lei tributária à lei civil, no caso, merecem referência os comentários de Regina Celi Pedrotti Vespero Fernandes, in Imposto sobre Transmissão causa mortis e Doação – ITCMD, Editora Revista dos Tribunais, 2002, onde, embora não tenha tratado da questão das isenções, a autora aponta a necessidade de se recorrer aos conceitos e institutos de direito civil para se analisarem o conteúdo e alcance do dispositivo constitucional que trata do ITCMD, no que se refere à transmissão causa mortis.

Nota 4

O poder de isentar de tributos constitui-se em uma das manifestações do poder de tributar; e deve subordinar-se às mesmas limitações. Da mesma forma que, na instituição de tributo, há necessidade de se observar o princípio da igualdade, deve ele ser observado quando da concessão de isenção.

Se, na isenção, não se observasse o mesmo princípio, estaria criada a possibilidade de burlá-lo na própria instituição do tributo: para atender o princípio da igualdade, o legislador imporia o tributo a todos os contribuintes; para burlá-lo, de forma indireta, usaria do mecanismo da isenção, criando, por essa via, os privilégios que não pode criar diretamente quando da instituição do tributo.

O mesmo se aplica ao princípio da capacidade contributiva.

O tema foi explorado por Roque Antonio Carrazza, in Curso de Direito Constitucional Tributário, 16ª. edição, Malheiros Editores, 2001, páginas 701 e segs., que transcreve observação de Souto Maior Borges: "Além disso, a Constituição estabelece princípios expressos, como o de legalidade tributária (...) e implícitos, como o de isonomia fiscal ou de igualdade perante o Fisco (...) que vinculam a legislação ordinária e complementar (...) na instituição de isenções." "Conseqüentemente, estão sujeitas as isenções, pelo ordenamento constitucional tributário, a condicionamentos idênticos aos que são estabelecidos para a instituição de tributos".

Nota 5

As leis que concedem isenção tributária admitem apenas a interpretação literal, conforme dispõe o Código Tributário Nacional, no artigo 111:

"Artigo 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

... . . ................

II – outorga de isenção";

São vedadas, portanto, a interpretação extensiva ou a interpretação analógica, para estender o benefício da isenção a situações que não estejam especificadas na lei.

Sobre o tema, observa Vittorio Cassone, in Direito Tributário, Ed. Atlas, 10ª. edição, 1997, páginas 93 e segs.: "O STF – à falta de funções de legislação positiva – jamais se arrogou a possibilidade de corrigir ofensa à isonomia pela extensão, aos excluídos, do benefício restringido pela lei a terceiros: é, por exemplo, a tese da Súmula 339, freqüentemente reafirmada pela casa".



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JARDIM FILHO, Manoel Ferreira. As isenções tributárias e o ITCMD paulista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 maio 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4024. Acesso em: 29 mar. 2024.