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Da demissão sem justa causa do empregado público

Da demissão sem justa causa do empregado público

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Questão importante que tem sido enfrentada pela Justiça do Trabalho diz respeito às regras que devem ser levadas em consideração quando da análise dos processos demissionários dos empregados públicos – funcionários das empresas públicas, sociedades de economia mista e, com a nova ordem constitucional, ainda aqueles funcionários da administração direta submetidos ao regime celetista.

O art. 173, § 1º, II da CF de 1998 indica que as empresas públicas e as sociedades de economia mista seguirão o regime próprio das empresas privadas quando tratar de matéria trabalhista. A alteração trazida pela EC nº 19 extinguiu o chamado Regime Jurídico Único, abrindo a possibilidade de vínculo empregatício – celetista – entre o cidadão e a administração pública direta. No entanto, todo o sistema constitucional, e aqui ruborizemos o art. 37 da carta magna, exige que todo e qualquer ato da administração – direta e indireta – esteja submetido a princípios próprios, gerando exceções ao regime privado impostas por normas de ordem pública.

Assim, como mencionado acima, a legislação trabalhista – de natureza privada – passa a ser a regra do sistema dos empregados públicos e sua publicização uma exceção. È aí, em meio a uma normatização mesclada por normas de Direito Público e de Direito Privado que se apresenta a questão "Demissão sem Justa Causa do Empregado Público". Por um lado temos o fato de que, sendo eles regidos pelo regime celetista, naturalmente serão regidos por todas as normas próprias do regime privado, inclusive a possibilidades de demissão sem justa causa. No entanto, o ato demissionário não deixa de ser um ato administrativo, sendo-lhe exigido todos os elementos próprios deste instrumento jurídico, entre eles a motivação.

Por motivação entendamos a exposição de motivos, demonstração clara – por escrito – de que os pressupostos de fato do ato administrativo realmente existam. Embora ainda haja doutrinadores questionando a exigibilidade ou não de motivação para os atos administrativos, ou apenas alguns deles, entendemos ser essencial à validade do mesmo a demonstração dos motivos que levaram o administrador a tomar esta ou aquela decisão, sob pena de tornar inócua a exigência constitucional de obediência aos princípios administrativos.

Maria Silvia Zanela di Pietro, tratando do assunto, leciona "Entendemos que a motivação é, em regra, necessária, seja para os atos vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia de legalidade, que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração Pública; a motivação é que permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até mesmo pelos demais Poderes do Estado." [1]

O C. Tribunal Superior do Trabalho, em reiteradas decisões acerca do assunto tem trazido a presente solução:

REINTEGRAÇÃO – MOTIVAÇÃO DA DISPENSA DO EMPREGADO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA – A jurisprudência deste colendo Tribunal Superior do Trabalho pacificou-se no sentido de que não se estende aos empregados celetistas da Administração Pública Indireta a garantia de dispensa necessariamente motivada ou mediante procedimento administrativo, por força da aplicação do art. 173, §1º, II, da Constituição Federal de 1988. Portanto, não se cogita, no presente caso, da existência de direito à reintegração no emprego, sob o pretexto de ser nulo o ato de demissão dos reclamantes por não ter sido procedido de motivação. Recurso de Revista do Banco do Estado do Rio de Janeiro S.ª parcialmente conhecido e provido (TST. Decisão 06.02.2002. Proc. RR num. 672575. Ano 2000 Região 01. Recurso de Revista Turma 04. Órgão Julgador – quarta turma) (grifo nosso).

DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. A empresa estatal, seja qual for o seu tipo, dedicada à exploração da atividade econômica, está regida pelas normas trabalhistas das empresas privadas, por força do disposto no art. 173,§1º, da Constituição Federal. Assim, dada a sua natureza jurídica, pode rescindir sem justa causa, contratos de empregados seus, avaliando apenas a conveniência e a oportunidade, porque o ato será discricionário, não exigindo necessariamente que seja formalizada a motivação. Ressalte-se que, no terreno específico da administração pública direta, indireta e fundacional, a constituição não acresceu nenhuma outra obrigação, salvo a investidura (art. 37, II) por meio de concurso público de provas e títulos. Não cogitou a Lei Magna em momento algum acrescer a obrigação de existir motivação da dispensa. Recurso conhecido e desprovido. (TST. Decisão 04.04.2001 Proc. RR Num 632808 Ano 2000 Região 07 Recurso de Revista Turma 01 Órgão Julgador – primeira Turma) (grifo nosso).

No entanto, data maxima venia, percebe-se um erro até mesmo conceitual nas referidas decisões – mais especificamente na segunda. De acordo com a ementa, seriam motivação e justa causa sinônimos, o que efetivamente não pode ser aceito. Como conhecimento geral justa causa são aquelas situações elencadas no art. 482 da CLT. Motivação seria toda e qualquer justificativa de ordem fática para, no caso em estudo, justificar a demissão do empregado público. Desta forma é que o administrador da empresa pública pode demitir sem justa causa e, no entanto, apresentar motivação específica – de existência obrigatória.

Para ilustrar a referida hipótese suponhamos que determinada empresa pública verifica gastos excessivos com seu quadro de pessoal. Daí, optar pela demissão de alguns deles. Como vemos, não significa que estes empregados a serem demitidos praticaram algum dos atos elencados como justa causa. No entanto, a administração tem motivos plausíveis para realizar a demissão.

Outra questão importante é que, tendo sido atribuído motivo ao ato demissionário – eis que obrigatório – o referido desligamento estará submetido à legalidade e real existência do motivo indicado, sob pena de nulidade do ato e retorno ao status quo ante, conforme a teoria dos motivos determinantes.

Assim é que, na hipóteses ilustrada anteriormente, acaso depois de efetuada a demissão do empregado público por motivo de falta de recursos financeiros para sua manutenção, em pouco tempo – a ser sopesado pelo magistrado – houver provimento do referido cargo por outro empregado, seja por concurso ou por seqüência na ordem de espera, ilustrada estará a falha no motivo elencado de maneira que poderá o juiz do trabalho – competente para julgamento da matéria – determinar a nulidade do ato demissionário e, por conseqüência, a reintegração do empregado demitido ilegalmente.

Há ainda aqueles que, diante da exigência do concurso publico para a admissão do empregado público (celetista), entendem incoerente a aceitação de demissão sem justa causa. Mais uma vez, guardado o devido respeito aos defensores desta tese, parece infundada tal afirmação. A nossa Constituição é clara ao indicar o regime celetista aos empregados públicos. Toda e qualquer exceção a este regime só pode ser criada por norma de igual suporte hierárquico, ou seja, originada do poder constituinte.

As regras de interpretação da Constituição indicam a necessidade de dar-se máximo efeito às normas constitucionais, daí porque as exceções criadas a sistemas indicados pelo poder constituinte devem ser interpretadas estritamente. Daí porque entendermos que a exigência de concurso público deve ser entendida como simples exceção à regra e que, no mais, seguem ilesas as demais normas celetistas dos contratos de trabalho dos empregados públicos.

Canotilho, entre os princípios e regras interpretativas das normas constitucionais, aponta a exigência da máxima efetividade ou eficiência, segundo a qual a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda. Estender efetividade à exigência de concurso público para diminuir a autonomia contratual do ato demissionário da administração em relação aos empregados públicos é, no mínimo, ofender o que dispõe o art. 173, § 1º, II da CF/88.

Ruborizando a tese ora defendida, apontamos posicionamento em texto feito conjuntamente por Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes no qual afirmam " Ainda que se devam tomar todas as cautelas na dispensa de servidores contratados mediante concurso público, é certo que a rescisão do vínculo não terá a mesma solenidade do desfazimento da relação administrativa no plano estatutário" [2].

Se diversa fosse a interpretação, criaríamos a seguinte situação: João, empregado público (portanto celetista) só pode ser demitido por justa causa, no entanto, quando de sua aposentadoria, poderá efetuar o saque do FGTS depositado por todo o contrato de trabalho. José, seu irmão, servidor público estatutário poderá ser demitido após processo administrativo que apure ato desabonador elencado em lei – muitas vezes em semelhança as hipóteses de justa causa –, bem como as hipóteses do art. 41, § 1º, I e II, e 169, § 3º, I e II e §4º da CF/88 e no entanto, quando da aposentadoria, não poderá gozar do FGTS.

Tal hipótese nos parece inadmissível em nosso sistema. Estaríamos criando um terceiro regime de trabalho, discriminatório e sem amparo legal.

Embora em situação jurídica e histórica diversa da ora comentada, o Tribunal Superior do Trabalho, por meio de seu En. 243 já indica a exigência de adoção de uma postura coerente quanto à adoção do regime a ser seguido pelo funcionário público (servidor ou empregado) quando leciona que "Exceto na Hipóteses de previsão contratual ou legal expressa, a opção do funcionário público pelo regime trabalhista implica a renúncia dos direitos inerentes ao sistema estatutário".

Por último, apresentamos ressalva importante e que ao final, acaba por confirmar a presente tese. A lei nº 9.962 de 22 de fevereiro de 2000 aponta taxativamente as hipóteses em que poderá a administração pública, unilateralmente, rescindir os contratos de trabalho de natureza celetista nas seguintes hipóteses:

"I – prática de falta grave, dentre as enumeradas no art. 482 da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT;

II – acumulação ilegal de cargos, empregos e funções públicas;

III – necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa, nos termos da lei complementar a que se refere o art. 169 da Constituição Federal;

IV – insuficiência de desempenho, apurada em procedimento no qual se asseguram pelo menos um recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento de padrões mínimos exigidos para continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas."

Em primeiro lugar é necessário ruborizar que a referida norma somente é aplicável ao emprego público do pessoal da Administração federal direta, autárquica e fundacional, razão pela qual, na inexistência de legislação especial, todos os fundamentos acima referidos permanecem plenamente válidos para os demais entes da administração pública direta e indireta.

Em segundo lugar, se verificarmos com mínima razoabilidade, os incisos III e IV do artigo supramencionado, apresentam hipóteses em que efetivamente não estamos diante de justa causa alguma e, ainda assim, o administrador público encontra-se obrigado a apresentar motivação a seus atos, confirmando assim a tese ora em comento.

Desta forma, podemos concluir pela exigência de motivação no ato demissionário do empregado público – recordadas as ressalvas da lei nº 9.962/00 – já que ato administrativo, sem que no entanto a motivação esteja adstrita às modalidades do art. 482 da CLT, eis que próprio do regime celetista a demissão sem justa causa.


Notas

01. DI PIETRO, Maria Silvia Zanela, Direito Administrativo. 13ª Edição. Editora Atlas S. A. São Paulo. 2001

02. MARTINS, Ives Gandra da Silva e MENDES, Gilmar Ferreira. A superação do regime único: admissão de servidos públicos sob a CLT. Retirado do site www.jus.com.br em 04/12/02.


Autor


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Carlos Eduardo C. B. dos. Da demissão sem justa causa do empregado público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 maio 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4057. Acesso em: 28 mar. 2024.