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O parágrafo único do art. 116 do código tributário nacional e o planejamento tributário

O parágrafo único do art. 116 do código tributário nacional e o planejamento tributário

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Sumário: 1. Introdução ; 2. Planejamento Tributário, 2.1.O Porquê do Planejamento Tributário, 2.2. Evasão e Elisão Fiscal; 3. O Parágrafo Único do Art. 116 do Código Tributário Nacional; 4. A Segurança Jurídica, o Princípio da Legalidade e a Norma Antielisão; 5. Conclusão; 6. Resumo ; 7. Bibliografia


1. INTRODUÇÃO

Num país onde a carga tributária é uma das maiores do planeta, o planejamento tributário, dentro de uma moldura legal, moral e ética, é a tábua de salvação dos contribuintes, que tentam pagar o mínimo possível de tributos. Porém, por outro lado, há o interesse coletivo, como elemento essencial para a existência do Estado que busca os recursos necessários através da arrecadação de tributos, para a prestação do bem comum.

Diante desse dilema entre o interesse individual e coletivo, é evidente que há combate acirrado por parte das autoridades fiscais, em prol do interesse público e do bem comum.

Até a edição da Lei Complementar nº 104/2001, a legislação permitia ao contribuinte estruturar os seus negócios da forma que melhor lhe conviesse, desde que utilizasse meios lícitos e antes da ocorrência do fato gerador. Mas, com a inclusão do parágrafo único, ao art. 116 do Código Tributário Nacional, pela Lei Complementar acima mencionada, cai por terra a possibilidade de um planejamento tributário, dificultando ainda mais a situação dos contribuintes.


2. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

O planejamento tributário é a atividade que cada vez mais os contribuintes buscam para, de forma estritamente preventiva, projetar os atos e fatos administrativos com a finalidade de informar os ônus tributários envolvidos em cada opção, com vistas à redução da carga tributária de forma lícita.

O objetivo do planejamento tributário, em última análise, é a economia tributária onde, cotejando as várias opções legais, o contribuinte obviamente procura orientar os seus passos de forma a evitar, sempre que possível, o procedimento mais oneroso do ponto de vista fiscal. Ou seja, o planejamento tributário busca a economia de tributos, sugerindo a escolha da opção legal menos onerosa.

A atividade empresarial [1] tem como finalidade a lucratividade do negócio, para isso, busca minimizar despesas e maximizar lucros. Com o planejamento tributário é possível estar dentro do que prescreve a lei e optar por uma forma menos onerosa de pagar o imposto de renda, por exemplo. É possível fazer do recolhimento de tributos uma ferramenta de administração no planejamento a longo prazo, chegando-se a um saldo menor de tributos a pagar ao final do mês. Um custo menor com tributos representa uma margem de lucro maior, num produto mais barato para o mercado, ou seja, mais competitividade.

Com a edição da Lei Complementar 104/2001, incluindo o parágrafo único ao art. 116 do Código Tributário Nacional, ficou o planejamento tributário posto à margem, obrigando os contribuintes a ter que arcar com toda a carga tributária existente, sem nenhuma forma de atenuar essa incidência.

Todavia, referida norma pende ainda de regulamentação. A própria lei complementar prevê a edição de uma lei ordinária como condição necessária para a sua aplicação. Porém, conforme se depreende da lei complementar, a lei ordinária, que lhe dará condições de aplicabilidade, deverá dispor apenas sobre aspectos procedimentais, o que parece insuficiente. Para que possa regular a conduta dos contribuintes e das autoridades fiscais, a lei a ser editada deverá indicar como e em quais circunstâncias de fato e jurídicas caberá a desconsideração dos efeitos dos atos e negócios jurídicos. E no dizer de Edmar Oliveira Andrade Filho [2], "o fato é que, tendo ou não o seu campo significativo determinável a nova lei modifica o quadro de aparente tranqüilidade que reinava entre a maior parte da doutrina tributária sobre o assunto".

Assim, a lei ordinária vem para trazer mais insegurança e incerteza no horizonte do Direito Tributário, pois, como adiante se verá, trazendo apenas regras sobre a aplicação do comando da Lei Complementar, legará ao Fisco a interpretação de quando e em quais casos poderá ser desconsiderado o ato, para cobrar o tributo como se ato não tivesse existido.

Não deixa muita opção aos contribuintes, restando-lhes, em praticando o planejamento tributário, correr o risco de ver os seus atos desconsiderados pela Administração Fazendária, com o intuito único de aumentar a arrecadação. Posto que, outro objetivo não se vislumbra para referida norma antielisão, senão aumentar a arrecadação.

Segundo Nilton Latorraca [3], a elisão fiscal ou planejamento tributário constitui atividade empresarial que, "desenvolvendo-se de forma estritamente preventiva, projeta os atos e fatos administrativos com o objetivo de informar quais os ônus tributários em cada uma das opções legais disponíveis". É atividade administrativa que envolve estudo da legislação tributária e a realização de projeções sobre os resultados dos negócios jurídicos com conteúdo econômico sujeito à tributação.

2.1. O Porquê do Planejamento Tributário

Algumas barbaridades jurídicas podem ter sido praticadas em nome do planejamento tributário, o que não significa que ele deva ser considerado como atividade condenável. Como já dito, os contribuintes buscam, através de um planejamento, minimizar o impacto causado pela grande incidência de tributos do nosso sistema, com vista a tornar seu produto mais competitivo e, ao mesmo tempo, visando uma maior lucratividade.

Por isso não se pode generalizar sobre o tema, igualando-se uma situação realizada dentro dos moldes legais, sem o intuito de lesar o fisco a outra situação que visa o "enriquecimento ilícito", com a intenção de lesar os cofres públicos.

Ensina Edmar Oliveira Andrade Filho [4]:

"Quando atrocidades acontecem há sempre a possibilidade de controle e resguardo da legalidade pela atuação das autoridades fiscais e do Poder Judiciário, se for o caso".

O planejamento tributário envolve a seleção de alternativas oferecidas pelo ordenamento jurídico de forma intencional ou não. De fato, existem lacunas que podem ser exploradas pelo contribuinte, mas o planejamento tributário não se resume só a isso. Ele tem em foco casos em que a legislação prevê a possibilidade de escolha entre regimes de tributação que podem levar a uma carga tributária menor. É clássica a exemplificação do imposto de renda, onde certas empresas podem optar pela tributação com base no lucro presumido ou com base no lucro real; a possibilidade que as pessoas físicas têm de considerar certos rendimentos como tributados exclusivamente na fonte; a possibilidade que as pessoas jurídicas têm de escolher, no caso de optar pela tributação com base no lucro presumido, pelo pagamento mensal ou trimestral do imposto.

Assim, fica claro que, em se tratando de elisão fiscal, o que se tem em mente, por parte do contribuinte, não é a lesão aos cofres públicos, mas uma forma de, mesmo recolhendo tributos, fazê-lo sem que isso lhe traga prejuízo ou que venha a tornar o seu produto incompatível com os preços praticados no mercado.

2.2. Evasão e Elisão Fiscal

Cumpre-se, neste momento tecer algumas diferenciações entre o que se entende por elisão e evasão fiscal. Segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa [5], evasão significa desvio ou sonegação da renda tributária por parte do contribuinte, detectada ou apurada em seu conjunto. Já elisão, vem de elidir, que significa fazer elisão de, retirar, excluir, eliminar, suprimir a ocorrência do fato gerador.

A expressão "elisão fiscal", de uns tempos para cá, deixou de ser apenas uma expressão utilizada no mundo jurídico, passando a figurar no vocabulário das pessoas. Tudo em função da edição de norma que, segundo o senso comum, teria a função de evitar que as pessoas deixassem de pagar tributos com a utilização dos vácuos legislativos. O objetivo era evitar ou minimizar a evasão ou sonegação fiscal.

É importante ressaltar a diferença entre a elisão fiscal e a evasão fiscal, havendo entre elas uma distância grande. A elisão fiscal é a atividade lícita de busca e identificação de alternativas que, observados os marcos da ordem jurídica, leve a uma menor carga tributária. Essa atividade – planejamento tributário – requer o conhecimento de duas grandes áreas do hodiernamente chamado Direito Empresarial: a do Direito Positivo e a dos Negócios e portanto, não se restringe à descoberta de lacunas ou "brechas" na lei. O planejamento tributário envolve o manejo inteligente dessa complexidade que é o Direito Positivo e a atividade Empresarial.

Por outro lado, evasão ou sonegação fiscal, é o resultado de engendramento ilícito, punível com pena restritiva de liberdade e multa. A expressão "sonegação fiscal" adveio com a Lei nº 4.502/64. De acordo com o preceito normativo citado, sonegação fiscal é o resultado de ação dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento da ocorrência do fato gerador da obrigação principal, sua natureza ou circunstâncias materiais; e das condições pessoais do contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação principal ou o crédito tributário correspondente.

A doutrina tem adotado critérios temporais e de validade para diferenciar elisão de evasão ou sonegação. Assim, afirma-se que o sujeito passivo que age conforme o Direito Positivo antes da ocorrência do fato gerador, a conduta é incensurável. Esse entendimento tem sido adotado por boa parte da doutrina, conforme o ensinamento de Ricardo Mariz de Oliveira [6]:

"Portanto, os limites entre elisão e evasão situam-se na anterioridade da ação ou omissão do sujeito passivo em relação à ocorrência do fato gerador e na perfeita juridicidade do seu ato ou omissão".

O Contribuinte tem o direito de adotar condutas que tornem menos onerosos, do ponto de vista fiscal, os negócios jurídicos que realiza. Esse direito subjetivo tem um limite que é o ordenamento jurídico, de modo que se não há comportamento ilícito não há censura jurídica.


3. O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 116 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

O parágrafo único do art. 116 do CTN inaugura uma nova etapa no combate à elisão fiscal, agora por intermédio de norma geral de competência deferida a todas as pessoas jurídicas de direito constitucional interno detentoras de parcelas do poder de tributar. Trata-se de norma com largo espectro de aplicação, o que pode dar motivo à exigência de tributar com base em simples raciocínio por analogia, que continua vedada a pelo inciso I do art. 108 do CTN.

O que importa, realmente, é saber se o comportamento adotado pelo contribuinte para fugir, total ou parcialmente, ao tributo (evasão fiscal, ou tributária), ou para eliminar, ou suprimir, total ou parcialmente, o tributo (elisão fiscal, tributária), é um comportamento lícito ou ilícito. Em outras palavras a questão essencial que deve ser enfrentada é a de saber se em determinado caso ocorreu, ou não, o fato gerador da obrigação tributária e qual a sua efetiva dimensão econômica.

Tomando-se por base a Lei Complementar 104/2001, está posto ser possível a desconsideração de atos ou negócios jurídicos que tenham sido praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.

É possível, portanto, desde logo afirmar-se a inutilidade dessa norma, se interpretada, como deve ser, nos limites que permitem sua compatibilidade com os princípios constitucionais, e com outros dispositivos do próprio Código Tributário Nacional. Fica claro que a desconsideração de atos e negócios jurídicos, pela autoridade administrativa, com fundamento no parágrafo único, de seu art. 116, depende de um procedimento especial, próprio para esse fim, a ser ainda estabelecido.

E como já dito, a lei ordinária que virá regulamentar dita Lei Complementar, trará apenas normas de aspecto procedimental ao Administrador Tributário, não trazendo critérios para se reconhecer em quais situações o negócio jurídico, praticado com vistas à redução da carga tributária, é permitido ou é passível de desconsideração.


4. A SEGURANÇA JURÍDICA, O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E A NORMA ANTIELISÃO

A vigência da norma do parágrafo único do art. 116, do CTN, como dito anteriormente, com redação dada pela Lei Complementar 104/2001, somente será plena quando entrar em vigor a lei ordinária a que a norma se refere. É norma cuja aplicação depende da disciplina, em lei ordinária, dos procedimentos a serem observados pela autoridade administrativa.

De qualquer forma, tem-se que admitir que a vigência da norma geral antielisão nada mais é do que um reforço aos poderes da Administração Tributária. Se colocada em texto de lei complementar pode ter sua constitucionalidade contestada, pois colide com o princípio da legalidade que tem como um de seus desdobramentos essenciais a tipicidade, vale dizer, a exigência de definição em lei, da situação específica cuja concretização faz nascer o dever de pagar tributo.

Marco Aurélio Greco [7], embora admita a norma antielisão, envolta em cautelas, diz:

"A própria noção de Estado Democrático de Direito repele uma norma antielisão no perfil meramente atributivo de competência ao Fisco para desqualificar operações dos contribuintes para o fim de assegurar de forma absoluta a capacidade contributiva. O fato gerador é qualificado pela lei e uma pura norma de competência não convive com a tipicidade, ainda que aberta".

Aliás, ainda que residente em norma da própria Constituição, nesta introduzida por Emenda, a norma antielisão, considerada como aplicação da competência tributária, capaz de amofinar o princípio da legalidade, pode ter sua validade contestada em face da cláusula de imodificabilidade albergada pelo art. 60, § 4º, inciso IV, de nossa Carta Maior, segundo a qual não será objeto de deliberação propostas de emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais.

Dirão que a norma antielisão constitui simplesmente uma diretriz hermenêutica. Apenas aponta um caminho para o intérprete, que deve dar maior importância à realidade econômica do que à forma jurídica. Essa norma simplesmente deixaria expressamente autorizada a denominada interpretação econômica, que já foi objeto de profundas divergências na doutrina dos tributaristas, no Brasil como em outros países. Ou seja, levaria em consideração única e exclusivamente a arrecadação; o interesse do Estado em cada vez arrecadar mais.

Não é necessário discorrer a respeito da importância da segurança jurídica como valor fundamental a ser preservado pelo Direito. Sabemos que a segurança, além de ser importante para viabilizar as atividades econômicas, é essencial para a vida do cidadão. Nem é necessário demonstrar a importância do princípio da legalidade como instrumento de realização da segurança jurídica. Ela é evidente. E qualquer amesquinhamento do princípio da legalidade implica sacrificar a segurança.

Por tais razões o princípio da legalidade tem sido concebido pela doutrina como uma exigência de previsão legal específica das hipóteses de incidência tributária, tendo essa concepção doutrinária sido incorporada pelo Código Tributário Nacional, que o explicitou em seu art. 97 [8], estabelecendo que somente a lei pode estabelecer, entre outros elementos essenciais na relação tributária, a definição do fato gerador da obrigação principal, vale dizer, o fato gerador do dever jurídico de pagar tributo.

O mestre Hugo de Brito Machado [9], assim nos ensina:

"Isto quer dizer que temos em nosso sistema jurídico o princípio da legalidade a exigir tipos tributários, tal como no direito penal existem os tipos penais. Ao legislador cabe, para preservar a segurança, definir com precisão esses tipos, pois a segurança jurídica propiciada pelo princípio da legalidade é diretamente a esta proporcional".

O próprio legislador brasileiro não é totalmente livre para definir as hipóteses de incidência dos tributos, pois a Carta Magna, reportando-se às espécies de tributos por ela autorizadas, definiu precisamente as atividades estatais às quais se devem ligar as taxas e a contribuição de melhoria. E quanto aos impostos, ao atribuir competência à União, aos Estados e Distrito Federal e aos Municípios, para criá-los, estabeleceu o âmbito de cada um dos impostos atribuídos a essas entidades.

Determina, no art. 150 da Constituição Federal, as vigas mestras do Sistema Tributário, estabelecendo as limitações impostas aos entes tributantes, restringindo o seu poder de tributar.

Assim, se nem o legislador pode alterar institutos, conceitos e formas de direito privado, é inadmissível que a autoridade administrativa possa simplesmente desconsiderar atos ou negócios jurídicos.

Para Hugo de Brito Machado [10]:

"A leitura atenta do art. 116 do CTN demonstra que a questão da elisão fiscal deve ser resolvida pelo legislador ordinário, ao definir a hipótese de incidência dos tributos. Se define a hipótese de incidência tributária como uma situação de fato, afasta desde logo quaisquer questionamentos jurídicos que a questionada norma antielisão possa resolver. O aplicador da lei tributária, neste caso, deve simplesmente cogitar da configuração, ou não, daquela situação de fato, para exigir, ou não exigir o tributo.

Entretanto, se o legislador define a hipótese de incidência de um tributo como situação jurídica, caso no qual a norma antielisão poderia ser aplicada, está editando uma norma de incidência tributária que não poderá ser alterada pelo intérprete, seja qual for o elemento de interpretação que utilize. Nem pode a omissão dessa norma ser suprida mediante integração analógica".

Diante disso, a norma antielisão somente pode abrange os casos em que os atos ou negócios jurídicos tenham sido praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.

Em linguagem jurídica, dissimular quer dizer disfarçar, alguém, artificiosamente, a vontade real. Procurar encobrir ou ocultar com astúcia a verdade do ato, ou fato, dando-lhe feição ou aparência diferente.

Seja como for, a dissimulação a que se refere o parágrafo único do art. 116, do CTN, é sempre um ato ilícito. Não se confunde com a situação na qual o contribuinte, embora com a intenção clara e até confessada de fugir ao tributo, ou de reduzir a sua carga, opta pela prática de um ato, ou a realização de um negócio, em vez de outro. Desde que não se trate de prática abusiva ou anômala, estará no campo da licitude e contra ele o fisco nada pode fazer.

Assim, essa norma geral antielisão, se interpretada em harmonia com a Constituição Federal, e assim aplicada apenas aos casos nos quais esteja configurado evidente abuso de direito, nada vai acrescentar, posto que nossa jurisprudência já admite a desconsideração de ato ou negócio em tal situação. Por outro lado, se interpretada de forma mais ampla, com alcance capaz de emprestar à autoridade administrativa o poder para desqualificar qualquer ato ou negócio jurídico apenas porque o seu conteúdo econômico poderia estar contido em ato mais oneroso do ponto de vista tributário, estará em flagrante conflito com o princípio da legalidade e em aberta contradição com as normas constantes do próprio Código Tributário Nacional, especialmente as dos artigos 108, § 1º e 116, caput, inciso I.

Porém, não é o que pretende o Administrador Fiscal. Teremos, assim, que conviver com abusos e ofensas a outros princípios tributários, como, por exemplo, o da igualdade [11], pois poderemos ter situações em que, em dado momento o Fisco entenda possível um determinado negócio jurídico, praticado por um contribuinte para reduzir a carga tributária, e, em outro dado momento, entenda, em situação análoga, não ser possível aquele mesmo negócio jurídico, praticado por outro contribuinte, desconsiderando-o, tributando o fato com se não houvesse aquele negócio. Ou seja, é o fim da segurança jurídica nos negócios jurídicos, que poderá levar ao fim de institutos jurídicos já sedimentados em nosso ordenamento jurídico.

A edição da Lei Complementar nº 104/2001 e a futura superveniência da Lei Ordinária Regulamentadora, trará ao sistema, hoje posto, um profundo desequilíbrio. Hoje convivem em perfeita harmonia o Sistema Tributário e a Elisão Fiscal. Os contribuintes buscam formas lícitas para diminuir a carga tributária, com vista a melhor a condição do seu produto no mercado.

Com o advento da Lei Complementar, essa harmonia vê-se abalada. O fisco, com uma ferramenta poderosa em suas mãos, pretende desconsiderar todos os negócios jurídicos ou atos tendentes a diminuir a incidência de tributos, para aumentar a sua arrecadação; por outros lado o contribuinte se vê acuado, sem nenhuma saída, restando a ele pagar o que se lhe é cobrado.

O que fazer? Agir de forma ilícita, dissimulando situações e correndo o risco de vir a ser autuado pelo Fisco, ou agir conforme a lei, dentro dos limites da licitude, mas correndo o risco de ver o seu negócio desconsiderado e compelido a pagar como se o negócio não existisse. É igualar o bom contribuinte, o contribuinte sério àquele que age à margem da licitude.

De forma brilhante, Leonardo Boff [12], fala esse desequilíbrio no sistema, e quais as conseqüências:

"Antecipamos aqui o que iremos detalhar num capítulo específico mas adiante. A lógica do universo e de todos os seres nele existentes é esta: organização – desorganização – interação – reestruturação – nova organização. Nunca há um equilíbrio estático, mas dinâmico e sempre por fazer. Sempre há a eco-evolução. A virtude principal não é a estabilidade, mas a capacidade de criar estabilidades novas a partir de instabilidades. A lógica da natureza não é recuperar o equilíbrio anterior, mas gestar novas formas de equilíbrio aberto. Esta aptidão permite à vida desenvolver-se, produzir a diversidade e perpetuar-se. A vida inventa até a morte para poder continuar num nível superior e mais aberto.

O universo se constitui e se constrói a partir e através do dia-bólico, do caos, o big bang primordial. Esse dia-bólico é generativo, pois propicia novas formas de organização. Faz evoluir o cosmos sob formas cada vez mais sim-bólicas, complexas e ricas.

Nas palavras de nosso tema, o sim-bólico se constrói a partir do dia-bólico. O sim-bólico se refaz e se reestrutura continuamente na medida em que se confronta, integra e eleva a níveis mais altos o dia-bólico que carrega sempre dentro de si.

...

A questão é complexíssima. Talvez o caminho seja até inacessível à pura razão analítica. Exige, antes, uma razão prática e simbólica, sensível a valores. Efetivamente. A demência humana comporta uma dimensão ética. Vale dizer, supõe responsabilidade, culpa, reparação, reversibilidade e evitabilidade. O mal ético na história sempre, desde Jó, foi e continua sendo um desafio para toda concepção humanística da vida.

O mal não está aí para ser compreendido, mas para ser combatido. Na medida em que é superado, deixa entrever sua ordenação a um todo maior no qual deixa de ser absurdo. Apresenta-se como incentivador na construção de novos caminhos e de estados de consciência mais altos e maduros. A partir daí ele vem investido de sentido. Do dia-bólico gesta-se o sim-bólico.

Importa, portanto, descongelar o mal e o dia-bólico. Colocá-los em movimento, como parte de um processo. Fazem parte da cosmogênese e da antropogênese. É condição originária da evolução.

Mas cabe honestamente reconhecer: nem sempre esse sentido é preceptível. Ele exige fé e esperança. Essas atitudes não são voluntarísiticas. Estão fundadas no caráter virtual da própria realidade que carrega em seu bojo o sentido encoberto. Num sentido global, esse sentido se revela em sua patência somente no fim. Até lá cabe-nos esperar e crer pacientemente. Essa atitude exige desprendimento, serenidade e sabedoria. É uma condição inevitável de nosso estado de criaturas, limitadas e sempre abertas para frente e para cima".

Mesmo com essas alterações, o sistema com o passar do tempo se adequará a essa nova realidade, possibilitando a volta do planejamento tributário.


5. CONCLUSÃO

Diante desse panorama apresentado, vê-se minguada a possibilidade de os contribuintes planejarem, programarem, projetarem estratégias e negócios, visando uma tributação mais condizente com a sua realidade, ou até mesmo, com a realidade do mercado, e também face a realidade econômica nacional e mundial.

O planejamento tributário tem como objetivo reduzir custos com vistas a diminuir o preço final de produtos e aumentar a lucratividade das empresas. E lógico que não é só o planejamento tributário que trará maior lucratividade às empresa, mas, como se sabe, é no recolhimento de tributos que reside a maior saída de numerário da empresas e que, na grande maioria das vezes, não há retorno.

A inclusão do Parágrafo Único no art. 116 do CTN trará, quando for aprovada a lei ordinária que o regulamentará, enormes prejuízos.

Sobre a lei ordinária, que dará aplicabilidade à Lei Complementar 104/2001, esta trará, apenas, normas de aspecto procedimental, o que é pouco. Deveria indicar como e em quais circunstâncias caberá a desconsideração dos efeitos dos atos ou negócios jurídicos praticados para a redução da carga tributária.

Deixa-se para o Administrador Tributário a incumbência de, caso a caso, determinar quando e em qual situação deverá desconsiderar o negócio jurídico, mesmo estando revestido de licitude.

Estará se dando muito poder ao Fisco, outorgando-lhe a possibilidade de decretar a morte de institutos do ordenamento jurídico.

O planejamento tributário (elisão fiscal) não visa a lesão aos cofres públicos, mas uma forma de recolhimento mais justo ao contribuinte.

A diferença entre elisão fiscal (planejamento fiscal) e evasão fiscal (sonegação fiscal) é que no primeiro caso, trata-se de atividade lícita de busca e identificação de alternativas que leve a uma menor carga tributária. No segundo caso, trata-se de engendramento ilícito, punível com pena restritiva de liberdade e multa.

Assim afirma-se que o sujeito passivo que age conforme o Direito Positivo, antes da ocorrência do fato gerador, a conduta é correta, lícita e incensurável. Tem o contribuinte direito de adotar condutas que tornem menos oneroso, do ponto de vista fiscal, os negócio jurídicos que realiza. É o ordenamento jurídico o limiar desse direito subjetivo. Não há comportamento ilícito onde não há censura jurídica.

A norma antielisão nada mais é do que um reforço aos poderes do Fisco, trazendo consigo a insegurança jurídica. A segurança, além de ser importante para viabilizar as atividades econômicas, é essencial para a vida do cidadão.

Estar-se-á dando poderes a quem, muita das vezes, não sabe usufruir desse de forma correta, agindo, em muitos casos, de forma arbitrária.

A segurança jurídica é realizada pelo princípio da legalidade. Por isso que esse princípio é concebido pela doutrina como uma das exigências de previsão legal específica da hipótese de incidência tributária, tendo sido incorporada pelo Código Tributário Nacional em seu art. 97., onde se estabelece que somente a lei pode definir o fato gerador da obrigação tributária.

Assim, nos dizeres de Hugo de Brito machado: "Isto quer dizer que temos em nosso sistema jurídico o princípio da legalidade a exigir tipos tributários". Assim, se nem o legislador pode alterar institutos, conceitos e formas de direito privado, absurdo é possibilitar que o Fisco desconsidere atos ou negócios jurídicos.

A interpretação da norma antielisão deve ser feita em harmonia com a Constituição Federal, devendo ser aplicada a casos onde haja evidente abuso de direito.

Todavia, não é o que pretende o Administrador Fiscal. A intenção não é outra senão agir de forma a desconsiderar, a seu livre convencimento, atos e negócios jurídicos que entender ser lesivo à arrecadação, sem considerar se estão ou não revestidos de forma legal e orbitam dentro da licitude.

Diante disso, teremos que conviver com abusos e ofensas a princípios que regulam o direito tributário e o direito como um todo. É o fim da segurança jurídica nos negócios jurídicos. É o fim do aparente equilíbrio que reina em nosso Sistema Tributário.

O Fisco ficará com amplos poderes para dizer o que é e o que não é possível, restando, mais uma vez ao contribuinte, buscar, dentro do Direito Positivo e da regras que regem os negócios, caminhos para diminuir ou minimizar o impacto tributário.


6. RESUMO

Num país onde a carga tributária é uma das maiores do planeta, o planejamento tributário, dentro de uma moldura legal, moral e ética, é a tábua de salvação dos contribuintes, que tentam pagar o mínimo possível de tributos.

Até a edição da Lei Complementar nº 104/2001, que incluiu o parágrafo único no art. 116 do CTN, a legislação permitia ao contribuinte estruturar os seus negócios da forma que melhor lhe conviesse, desde que utilizasse meios lícitos e antes da ocorrência do fato gerador.

O objetivo do planejamento tributário é a economia tributária onde, cotejando as várias opções legais, o contribuinte obviamente procura orientar os seus passos de forma a evitar, sempre que possível, o procedimento mais oneroso do ponto de vista fiscal.. Ele tem em foco casos em que a legislação prevê a possibilidade de escolha entre regimes de tributação que podem levar a uma carga tributária menor.

O contribuinte tem o direito de adotar condutas que tornem menos onerosos, do ponto de vista fiscal, os negócios jurídicos que realiza.

O parágrafo único do art. 116 do CTN inaugura uma nova etapa no combate à elisão fiscal, agora por intermédio de norma geral de competência deferida a todas as pessoas jurídicas de direito constitucional interno detentoras de parcelas do poder de tributar. Trata-se de norma com largo espectro de aplicação, o que pode dar motivo à exigência de tributar com base em simples raciocínio por analogia, que continua vedada a pelo inciso I do art. 108 do CTN.

A vigência da norma geral antielisão nada mais é do que um reforço aos poderes da Administração Tributária. O Fisco ficará com amplos poderes para dizer o que é possível e o que não é possível, restando, mais uma vez ao contribuinte, buscar, dentro do Direito Positivo e da regras que regem os negócios, caminhos para diminuir ou minimizar o impacto tributário.


NOTAS

01. Aqui não utilizamos a expressão contribuinte de forma genérica, posto serem as empresas as grandes utilizadoras do planejamento tributário. Não que a pessoa física não se valha também do planejamento tributário, mas a sua ocorrência é menor.

02. in Edmar Oliviera Andrade Filho, "Os Limites do Planejamento Tributário em face da Lei Complementar nº 104/2002",Revista Dialética de Direito Tributário, vol. 72, pags. 23 a 40.

03. in Nilton Latorraca, Direito Tributário: imposto de renda das empresas. 12ª ed, Editora Atlas.

04. Obra citada.

05 in Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Editora Objetiva.

06. In Ricardo Mariz de Oliveira – "Elisão e evasão fiscal". Cadernos de Pesquisas Tributárias nº 13. Resenha Tributária/CEUU, 1988, pág. 191.

07. in Marco Aurélio Greco e Elisabeth Levandowski Libertuci, Para uma Norma Geral Antielisão, IOB, São Paulo, Outubro de 1999, p. 10.

08. Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21. 26, 39, 57 e 65;

III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV - a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação de sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.

09. in Hugo de Brito Machado, " A Norma Antielisão e Outras Alterações no CTN", Repertório IOB de Jurisprudência – 1ª Quinzena de abril de 2001, nº 7/2001 – Caderno 1

10. Obra citada.

11. O princípio da igualdade, insculpido no art. 150, II, da Constituição Federal, é a vedação de instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibindo, inclusive e em especial, a distinção em razão de ocupação profissional ou função exercida. Por tanto, não pode existir uma obrigação tributária para um contribuinte e uma diferente para outro que se encontram em situação de igualdade. É o tratar os iguais, igualmente e desigualmente os desiguais.

12. in Leonardo Boff, O Despertar da Águia, Editora Vozes.


BIBLIOGRAFIA

ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. "Os Limites do Planejamento Tributário em face da Lei Complementar nº 104/2001", São Paulo: Revista Dialética de Direito Tributário, nº 72, 2001.

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CRUZ, Eduardo Pires Gomes. O parágrafo único do art. 116 do código tributário nacional e o planejamento tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4111. Acesso em: 29 mar. 2024.