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Arbitragem e o Direito Empresarial: alterações da Lei de Arbitragem pela Lei nº 13.129/2015

Arbitragem e o Direito Empresarial: alterações da Lei de Arbitragem pela Lei nº 13.129/2015

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O novo Código de Processo Civil, a Lei de Arbitragem (alterada em 2015) e a Lei de Mediação fortaleceram os meios alternativos de resolução de conflitos, visando romper definitivamente com os seus antigos paradigmas negativos.

Sumário. 1 Introdução; 2 Resgate histórico sobre os meios de resolução de conflitos; 3 Breves considerações sobre os Meios de Resolução de Conflitos; 3.1 Autotutela; 3.2 Autocomposição; 3.3 Conciliação; 3.4 Mediação; 3.5 Arbitragem; 3.5.1 Da natureza jurídica; 3.5.2 Dos pressupostos da formação do juízo arbitral; 4 As novas alterações da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96); 5 Da Arbitragem no Direito Empresarial; 5.1 Dos limites subjetivos da arbitragem no Direito Societário; 6 Dos Meios Alternativos de Resolução de Conflitos e o Novo Código de Processo Civil; 7 Conclusão; Referências.


1 INTRODUÇÃO

Busca-se, com o presente artigo, apresentar as alternativas para a resolução pacífica de conflitos, com destaque, sobretudo, para a Arbitragem no Direito Empresarial, bem como discorrer, de forma despretensiosa, quanto ao tratamento conferido a tais institutos no novo Código de Processo Civil – Lei  nº 13.105, de 16 março de 2015 e a Lei de Arbitragem - Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 alterada pela Lei nº 13.129, de 26 de maio de 2015.

Será necessário grande empenho dos doutrinadores e operadores do direito para que os meios alternativos de resolução de conflitos sejam opções usuais e eficazes, rompendo com os paradigmas arraigados, intenção já flagrante na edição destas recentes legislações.

Espera-se pelo presente trabalho contribuir com o intuito de disseminar tais institutos.


2 RESGATE HISTÓRICO SOBRE OS MEIOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Consabido é que a escolha de terceiros confiáveis para dirimir conflitos não é questão recente.

O dileto Professor Rosemiro Pereira Leal (2010) consigna ao Direito Romano, no período da legis actiones (século VIII ao V a.C.), o primeiro registro da participação de figura semelhante a um árbitro nas decisões levadas a juízo.

Contudo, foi a partir do estabelecimento da República Romana (século V a.C.) que a função do então árbitro passou a ser mais evidenciada quando, eleito pelas próprias partes, recebiam as demandas dos jurisconsultos e pretores, estando as decisões em consonância com os parâmetros culturais da sociedade à época.

Já na fase do período clássico e pós-clássico do direito romano, novos contornos foram conferidos aos primórdios da Mediação, como com a nomeação do ‘’juiz de fato’’ realizada pelo próprio pretor e com a imposição da vontade do árbitro às partes, para, no final do século III d. C., vir a prevalecer a decisão do pretor (pautada em leis estabelecidas), extinguindo-se a figura do árbitro, como forma do Estado promover a arbitragem estatal obrigatória, isto é, a Jurisdição.

Depreende-se que a jurisdição, em sua origem, é a estratificação histórica da figura da arbitragem legalmente institucionalizada e praticada de modo exclusivo e monopolístico, pelo Estado. (LEAL, 2010, p. 26).

A história registra que os meios alternativos de resolução têm origem muito mais remota, quando era utilizada há mais de três mil anos nos conflitos entre as cidades-nações da Grécia, Egito e Babilônia, assim como entre disputas por terras de cultivo pastoreio.

Contudo, observa-se que, no século XX, sobretudo a Mediação passou a ser empregada como um sistema de resolução de contendas, especialmente nos Estados Unidos, como forma de diminuir as demandas, e, consequentemente, os custos processuais, bem como, e sobretudo, promover as resoluções dos conflitos de forma célere e eficaz. Desde então, vem sendo amplamente utilizada por países como Argentina, França, Bélgica, e União Europeia como um todo.

No Brasil, a arbitragem já era legalmente reconhecida desde o período de colônia portuguesa, quando vigoravam as Ordenações Filipinas, inserida na Constituição Política Imperial de 1824, na qual também constava a primeira notícia do emprego do instituto da Conciliação, esta empregada antes do julgamento da causa como requisito para a sua procedibilidade.

Embora as constituições que se seguiram não a tenham expressamente consagrado, a arbitragem foi mantida pela legislação infraconstitucional, destacando-se, pelo Código de 1850, indicada para as causas entre os sócios das sociedades comerciais, durante sua existência, liquidação ou em caso de partilha, o Decreto nº 3.084, de 5 de novembro de 1898, e os Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1973.

A busca pelos meios alternativos de resolução de conflitos tornou-se crescente diante da flagrante sobrecarga e morosidade do Poder Judicial, contexto o qual incentivou a edição da Lei nº 9.307 de 23 de setembro de 1996 que passou a ser um marco no ordenamento jurídico.

Desde então, a temática tem ganhado merecida efervescência, o que reflete, especialmente, na posterior alteração da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976) pela Lei 10.303, de 31 de outubro de 2001, que, dentre os seus acréscimos, constou a expressa possibilidade de o estatuto social de determinada companhia estipular a arbitragem, bem como a inovação no Novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, com a inclusão de seção específica para os meios alternativos de conflitos como auxiliares da justiça (arts.165 a 175) e a alteração da Lei de Arbitragem, pela Lei nº 13.129, de 26 de maio de 2015, que, dentre outras modificações, passou a permitir expressamente a utilização da arbitragem pela Administração Pública direta e indireta, quando dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. 

Ainda, no mesmo contexto, editou-se a Lei nº 13.140, de 29 de junho de 2015, como marco legal da Mediação que vem consagrar os esforços pela mudança de paradigma, incentivando o uso dos meios alternativos de resolução de contendas, incluindo o âmbito do Direito Público.

Observa-se que os fundamentos históricos dos meios de resolução de conflitos assemelham-se, porquanto partem da premissa de promoverem a autonomia das partes sob a decisão de suas contendas. O que os diferem, ao revés, são sua natureza e peculiaridades. O que procuramos aclarar no próximo tópico.


3 BREVES CONSIDERAÇÕES DOS MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

3.1 Autotutela

Trata-se da forma de resolução de conflito mais primitiva, pela qual uma das partes emprega, à força, os seus interesses sob a outra, de forma imediata e sem a participação de um terceiro na lide, correspondendo, pois, ao emprego da violência na defesa das próprias razões.

Acerca desse instituto contextualiza-nos GRINOVER que:

Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares: por isso, não só existia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia sequer as leis (normas gerais e abstratas impostas pelo Estado aos particulares). Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão. (GRINOVER, 2004, p.23).

Há divergência doutrinária quanto à previsão de tal instituto no ordenamento pátrio, verbi gratia, nas situações previstas nos artigos 24 e 25 do Código Penal Brasileiro, a saber:

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. [...]

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (BRASIL, 1948).

Contudo, em consonância com o que pensa o Professor Rosemiro Pereira Leal (2010), não há que se falar em autotutela sob a égide do Estado Democrático de Direito, porquanto a Constituição de 1988, em seu artigo 5º, recepcionou o princípio da reserva legal, pelo qual a lei precede à violação.

O instituto moderno da autodefesa não guarda qualquer relação com a autotutela, não regulada em lei, dos povos primitivos, ou dos Estados autocráticos cuja soberania não tem origem no processo constituinte popular. A autotutela, na modernidade, é uma tutela substitutiva do provimento jurisdicional, legalmente permitida e que se faz pelos ditames diretos da norma preexistente à lesão ou ameaça de lesão a direitos. (LEAL, 2010, p. 23)

Prevê, portanto, a lei, o instituto da autodefesa, reconhecida evolução histórica da autotutela.

3.2 Autocomposição

Comparada à autotutela, a autocomposição demonstrou significativo avanço na resolução dos conflitos, pois as partes buscaram entrar em consonância através da disposição, ainda que parcial de seus interesses, com métodos como a submissão, a renúncia e a transação.

Tanto na submissão como na renúncia, partia apenas de uma das partes a solução do conflito. Ambas diferem porque a submissão consiste na aceitação das condições estabelecidas, enquanto a renúncia consiste na abdicação do direito pretendido. Na transação, por sua vez, as partes discutiam e cediam parcialmente seus direitos, fazendo concessões recíprocas na tentativa de resolução do conflito.

Dessa forma, na autocomposição, a solução era parcial, isto é, dependia da vontade e da ação de uma das partes (ou de ambas).

Quando, pouco a pouco, os indivíduos foram se apercebendo dos males desse sistema, eles começaram a preferir, ao invés da solução parcial dos seus conflitos (parcial = por ato das próprias partes), uma solução amigável e imparcial através de árbitros [...]. (GRINOVER, 2004, p. 23).

Com o reconhecimento do dever de agir do Estado e, sobretudo, com o seu fortalecimento, sua participação na ordem privada tornou-se cada vez mais necessária para dizer e garantir os direitos individuais e coletivos.

3.3 Conciliação

Quando o Estado se incumbiu do dever legal de dirimir formalmente eventuais conflitos individuais e coletivos, estabelecendo normas abstratas e objetivas, instituiu a jurisdição, recaindo sobre os juízes o direito/dever de aplicarem o direito aos jurisdicionados.

Para tanto, normas foram estabelecidas em procedimentos que, dado o excessivo formalismo, tornavam-se onerosos, morosos e angustiantes para as partes, evidenciando, sobremaneira, certa deficiência do sistema jurisdicional em dirimir conflitos com agilidade e eficiência.

Insuficiência esta ressaltada por GRINOVER (2004) nos seguintes dizeres: “O ideal seria a pronta solução dos conflitos, tão logo apresentados ao juiz. Mas como isso não é possível, eis aí a demora na solução dos conflitos como causa de enfraquecimento do sistema.”. Por tais motivos, eis que vão sendo exercidos de forma contundente os meios de resolução de conflitos.

A conciliação, a seu turno, encontra previsão legal em diversos textos legais brasileiros, tais como: Código de Processo Civil (CPC), Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Código de Processo Penal (CPP), Leis dos Juizados Especiais (Lei no 9099/1995). Com o condão de que os envolvidos entrem em acordo, difere pois, da Mediação, por não promover a discussão sobre os aspectos que particularizam o conflito, trabalhando-o com as partes, conforme será pormenorizado no item a seguir.

3.4 Mediação

A recente Lei da Mediação – Lei nº 13.140, de 29 de junho de 2015, conceitua o instituto como a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.

A edição desta legislação foi um reconhecimento ao crescente exercício do instituto, que, até então, não possuía regulamentação concedendo-lhe a devida legalidade.

Diferentemente da arbitragem, que é mais próxima do Judiciário – tendo em vista o fator vinculante da decisão pelo árbitro construída –, na mediação, o mediador não emite decisão, apenas auxilia as partes a chegarem ao consenso. O mediador exerce uma função catalizadora das questões e necessidades do conflito e auxilia as partes a se tornarem autoras das soluções adequadas aos seus próprios conflitos.

Como objeto tem a Mediação, nos termos do art.3º de sua Lei, os conflitos que versem sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação, tendo, pois, um âmbito de aplicação extensa.

3.5 Arbitragem

A arbitragem adveio da transição da resolução dos conflitos entre os próprios particulares para a indicação de um terceiro, com caráter e condutas moralmente reconhecidas socialmente, para dirimir as controvérsias.

A arbitragem, embora regulada pela Lei nº 9.307/96, não é conceituada pela mesma, ficando à cargo das fontes informais do direito sua delimitação.

A arbitragem, portanto, é definida como o meio alternativo de solução de controvérsia, através de intervenção de uma ou mais pessoas, que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial. Na arbitragem, portanto, um terceiro estranho às partes é chamado a solucionar os litígios, relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Ao contrário do que ocorria quando da sua criação, época em que a decisão era incontestável, ainda que pessoalizada, favorecendo a uma das partes, na atualidade, os árbitros devem agir com independência, imparcialidade e seguem normas preestabelecidas.

3.5.1 Da natureza jurídica

A Arbitragem para alguns doutrinadores possui natureza jurídica contratual uma vez que advém do acordo mútuo das partes, as quais, com interesses diversos, elegem um terceiro para que arbitre, reconhecendo, criando, modificando ou mesmo suprimindo direitos.

Contudo, outros doutrinadores afirmam que o instituto possui caráter híbrido, pois há aspectos de Direito Privado e Público. Privado por decorrer de uma declaração de vontade das partes, traduzida no compromisso arbitral ou na cláusula compromissória. Após a instauração da arbitragem, surge a natureza pública, pois pelo árbitro é exercida a jurisdição, dever de dizer o direito, prerrogativa que, inicialmente, é do Estado, por meio do Poder Judiciário.

Corrobora nesse entendimento CARMONA (2004, apud DIAS, 2007), que ressalta que “a arbitragem, embora tenha origem contratual, desenvolve-se com garantia do devido processo e termina com ato que tende a assumir a mesma função da sentença judicial”.

Na qualidade de contrato, pode-se classificá-lo como plurilateral, constituído por duas ou mais partes interessadas; informal, vez que é pautado em regras que atendam às vontades das partes (regras estas flexíveis e variáveis de acordo com as particularidades do caso em si); consensual, porquanto é erigido do acordo das partes; oneroso, considerando-se a contraprestação conferida ao árbitro, bem como as eventuais despesas decorrentes do procedimento; e vinculante, uma vez que a decisão final irá gerar obrigações recíprocas aos demandantes, com natureza de título executivo judicial.

Ademais, o procedimento é baseado nos princípios norteadores da teoria dos contratos, quais sejam: boa-fé, autonomia das vontades, igualdade das partes, dentre outros princípios, podendo as partes, inclusive, escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.

Infere-se, ainda, que a Arbitragem busca referência na principiologia do Estado de Direito quando constatada a sua intenção em oportunizar aos cidadãos meios e mecanismos de vincularem-se à ordem jurídica democrática.

Ademais, o instituto se reveste de caráter não adversarial, ainda que os envolvidos debatam sobre interesses antagônicos, pois estes, mutatis mutandis, tal como no instituto da mediação, conforme salientado pelo Professor Fernando Horta Tavares (2013, p.68), “estão desarmados do “espírito guerreiro”, talvez próprio das lides forenses, já que todos estão imbuídos de chegarem a um denominador comum, que seja de soluções convergentes.”.

3.5.2 Dos pressupostos da formação do juízo arbitral

O procedimento arbitral inicia-se somente mediante a observância da arbitrabilidade subjetiva, da arbitrabilidade objetiva e da declaração de vontade das partes de submeter a lide ao instituto.

Temos pela arbitrabilidade subjetiva que a arbitragem, uma vez que emana da vontade das partes, compete apenas àqueles capazes civilmente de contratar. Já a arbitrabilidade objetiva delimita as matérias submetidas à arbitragem. Definiu o legislador que apenas os direitos patrimoniais disponíveis serão objeto de solução por meio da arbitragem, quais sejam: aqueles direitos que possam ser economicamente mensuráveis e que possam ser alienáveis, renunciáveis ou negociáveis.

O terceiro pressuposto é a declaração de vontade, a qual se materializa na celebração da convenção arbitral. A declaração pode ser manifestada em dois momentos distintos: na forma contratual, inserida por meio de cláusula compromissória, ou quando do surgimento do litígio, por força do compromisso arbitral. Seja em qualquer destas formas, a convenção de arbitragem tem natureza de negócio jurídico processual, com poder vinculante das partes ao instituto, no caso de existência do conflito, bem como reflete na afastabilidade da competência do juiz estatal para processar e julgar a demanda perante o Poder Judiciário, sendo causa, até mesmo, de extinção do processo sem resolução de mérito, desde que invocada pelo interessado, a tempo e modo, na sua contestação. O poder vinculante da cláusula compromissória confere a possibilidade, em caso de resistência da parte, de ser esta compelida judicialmente (via execução específica) à celebração do compromisso arbitral.

No momento da celebração da cláusula compromissória, adverte-nos os doutrinadores, quanto ao cuidado da cláusula compromissória vazia, cuja disposição apenas revela a opção das partes pela arbitragem como método de solução de conflitos, sem especificar de forma clara e precisa as regras de indicação dos árbitros ou o regulamento de arbitragem que será adotado, em caso de arbitragem institucional.

Nesse sentido, enfatiza Tiago Fantini Magalhães (2012) os efeitos desse descuido:

Ora, é muito comum que as partes, evidentemente pelo desconhecimento desse procedimento, ao fixarem a cláusula arbitral, estabeleçam, apenas, que desejam a solução arbitral, sem qualquer especificação ou detalhamento das regras. Essa situação torna a cláusula arbitral imprópria, não sendo possível qualquer produção de efeitos a partir da mesma, a não ser que as partes fixem o compromisso arbitral quando do surgimento do litígio, o que implicaria num procedimento novo, totalmente desconectado da vazia cláusula compromissória, anteriormente firmada. (...)

Strenger, baseado em Eisemann, afirma que é patológica toda cláusula que não preencha uma das quatro funções consideradas essenciais: produzir efeitos obrigatórios sobre as partes; descartar a intervenção de tribunais estatais, ao menos antes da prolação da sentença arbitral; dar aos árbitros poder de regular os litígios; permitir a formação de procedimentos que conduzam as partes nas melhores condições de pronunciamento de uma sentença eficaz.

O ideal é a elaborarão da cláusula compromissória cheia, ou seja, aquela que preveja a nomeação dos árbitros ou a forma pela qual se dará, a forma de remuneração dos árbitros, a lei a ser aplicada e o procedimento a ser seguido, o prazo limite de proferimento da decisão arbitral e demais elementos que se fizerem necessários.

Com a cláusula compromissória cheia busca-se evitar cláusulas compromissórias patológicas ou lacunosas, descartando-se, por conseguinte, uma possível intervenção do Judiciário quanto a sua existência, validade ou eficácia.

No que tange ao compromisso arbitral, entende-se este como a convenção através da qual as partes submetem o litígio à arbitragem, podendo ser judicial ou extrajudicial. A existência do litígio é pressuposto da celebração do compromisso arbitral. Esta é a principal diferença entre a cláusula compromissória e o compromisso arbitral: aquela é firmada previamente ao litígio, sendo este avençado quando o conflito já instaurado.

Nesse quesito a relevância da cláusula compromissória cheia é novamente enaltecida por Jader Augusto Ferreira Dias, o qual afirma:

Apenas quando a cláusula compromissória for realizada pela forma cheia, definindo com perfeição como deverá ser realizada a arbitragem, não será necessária a celebração de compromisso arbitral, podendo ser o procedimento iniciado desde logo, após a aceitação dos árbitros. (DIAS, 2007, p.410)

O compromisso arbitral será igualmente exigido quando se tratar de arbitragem voluntária, que é aquela na qual não existe relação contratual, mas, diante do surgimento do conflito, as partes optam pela via arbitral.

Cumpre ressaltar que a força vinculante da cláusula compromissória foi um dos mais importantes marcos da Lei de Arbitragem, correspondendo a uma mudança de paradigma conduzindo à efetividade do instituto. A partir de então, a cláusula compromissória passou a gerar dois efeitos: um de natureza positiva, uma vez que os futuros litígios necessariamente deverão ser submetidos à arbitragem, e outro de natureza negativa, ao afastar o Poder Judiciário da análise desses conflitos, ressalvados os casos consignados na lei.


4 As novas alterações da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96)

Seguindo a demanda de desenvolvimento efetivo da prática dos meios alternativos de conflitos e evidenciada na edição do novo Código de Processo Civil, a Lei de Arbitragem foi recentemente alterada, contendo como uma das principais inovações a sua aplicabilidade na Administração Pública Direta e Indireta.

Tal posição, segundo Silvia Rodrigues Pachikoski (2015), uma das juristas que compôs a comissão de elaboração da reforma da Lei de Arbitragem, buscou respaldo no fato de que a Administração Pública já vinha sendo parte em arbitragens, baseando-se na jurisprudência de nossos Tribunais, na Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei nº 11.079/04, art. 11), Leis estaduais (Lei Mineira de Arbitragem: Lei Estadual nº 19.477/11) e na própria Lei de Arbitragem vigente, que não restringia expressamente a participação das entidades públicas em procedimentos arbitrais.

A disposição expressa na Lei de Arbitragem é louvável, pois busca sedimentar as divergências doutrinárias quanto à arbitrabilidade das pessoas jurídicas de Direito Público, não só pela capacidade em si desses entes de se submeter à arbitragem, mas também por eles lidarem com interesse público, que, a princípio, seria indisponível e, portanto, não arbitrável.

Ao fazer apontamentos quanto à arbitrabilidade subjetiva de ente público, PACHIKOSKI (2015) ressalta o leading case do Supremo Tribunal Federal da década de 1970, conhecido como Caso Lage, o qual reconheceu não haver proibição de per se para que pessoa de Direto Público participe de arbitragem[2].

O fato de que no caso Lage havia decreto específico autorizando a arbitragem levou alguns autores a entenderem que a participação de entes públicos na arbitragem dependeria de autorização legal específica, considerando, principalmente, a primazia do princípio da legalidade aplicável a entes públicos. Essa “necessidade” de autorização passa a ser suprida pela nova disposição do artigo 1º da Lei de Arbitragem.

Controvérsia maior surgiu quanto à arbitrabilidade objetiva, ou seja, quanto a qual matéria a pessoa jurídica de direito público poderia discutir em sede de arbitragem. A polêmica se dá em reflexo do princípio da indisponibilidade do interesse público e em que matérias esse interesse está presente. Os doutrinadores administrativistas distinguem atos de império (aqueles praticados com supremacia sobre o particular) de atos de gestão (aqueles em que o Estado se encontra no mesmo patamar que o particular).

Considerando tais conceituações teóricas do Direito Administrativo no âmbito da arbitragem, os atos de império seriam indisponíveis e, portanto, inarbitráveis, já os atos de gestão, por serem atos concernentes a funções instrumentais, mesmo que efetuados por pessoas jurídicas de direito público, seriam direitos disponíveis e transacionáveis.

Nesse ponto, a jurista PACHIKOSKI salienta que toma força o posicionamento de que:

(...) sempre que a controvérsia possa ser resolvida por meio de acordo entre as partes, sem necessidade de intervenção do Judiciário, será arbitrável. Assim, o obstáculo à arbitrabilidade das disputas não residiria na natureza dos direitos envolvidos, mas na compatibilidade do meio processual adotado com o pedido. (PACHIKOSKI, 2015, p.14)

Parece-nos que tal tendência tenha se consolidado, considerando a previsão do Novo Código de Processo Civil[3] da criação pelos entes federados de câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo.

O projeto de lei que culminou na Lei nº 13.129/2015 foi sancionado com três vetos presidenciais, precisamente aos §§ 2º, 3º e 4º, constantes do art. 4º, que ampliavam o escopo da arbitragem para as relações de consumo e algumas situações trabalhistas.

No que tange aos motivos dos vetos, ressalta PACHIKOSKI (2015) que, “em sentido contrário ao defendido pela comunidade arbitral, prevaleceu o entendimento tecnicamente equivocado e demagógico de que haveria prejuízos aos consumidores e trabalhadores”.

Não obstante tais vetos, permaneceu a tentativa de ampliação do uso da arbitragem nas relações trabalhistas e de consumo, dispondo que a cláusula compromissória terá eficácia somente na hipótese de o trabalhador ou consumidor tomarem a iniciativa de instituir a arbitragem, ou concordarem expressamente com a sua instituição. Já nos contratos de trabalho, a cláusula compromissória só poderá ser pactuada entre empregadores e empregados que ocupem ou venham a ocupar cargo ou função de administrador ou diretor estatutário[4].

Uma notável alteração da Lei de Arbitragem no Direito Societário foi a disposição expressa do direito de recesso nas Sociedades Anônimas quando, por deliberação da maioria, insere-se no estatuto social a convenção de arbitragem, aspecto que, em tópico apropriado, analisaremos de forma pormenorizada.


5 DA ARBITRAGEM NO DIREITO EMPRESARIAL

A utilização da arbitragem em Direito societário, como se viu no capítulo dois, não é fato recente. A Lei de Arbitragem buscou sanar os primeiros obstáculos no intuito de viabilizar sua utilização. Com a edição da Lei nº 13.129/2015, por sua vez, almeja-se a efetividade do instituto e sua popularização, no sentido estrito do vernáculo.

No que tange ao Direito Societário, considerando que sua essência se perfaz na prosperidade da empresa, o instituto da arbitragem coaduna-se, diametralmente, ao seu escopo, notadamente, no que se refere à solução de seus eventuais conflitos.

A dinamicidade da atividade empresarial exige soluções igualmente céleres, o que, ao se buscar o Judiciário em eventual litígio, é inviável, pois a formalidade exigida em juízo acaba por prejudicar a sociedade empresária, como bem salienta-nos DIAS:

Na prática, uma grande e demorada celeuma, estabelecida dentro de uma sociedade empresária, indiretamente diminui sua credibilidade junto aos parceiros comerciais, principalmente seu crédito perante as instituições financeiras nacionais. O custo operacional, consequentemente, aumenta, diminuindo e, às vezes, até acabando com os lucros. (DIAS, 2007, p.414)

Além da dinamicidade do direito empresarial, a especificidade e a exigência técnica presentes em suas questões vão de encontro ao instituto da arbitragem, que tem como princípios a informalidade, celeridade, confidencialidade e sigilo, bem como a primazia da adequação da legislação aplicável ao caso; especificidade dos árbitros, que certamente serão escolhidos pela sua capacidade técnica atrelada ao litígio; e economia, onde o custo benefício, capacidade técnica e consequente celeridade corresponde a um valor inferior ao da demora do Judiciário e seus custos indiretos.

A arbitragem, portanto, é como ressalta DIAS (2007) “medida que se impõe à boa saúde das sociedades brasileiras”, podendo ser utilizada por qualquer espécie societária.

5.1 Dos Limites subjetivos da arbitragem no Direito Societário

Não obstante ser possível a utilização do instituto por todas as sociedades empresárias, restringiremos nossa análise à sociedade limitada e à sociedade anônima por serem as mais usuais.

Uma vez inserida a cláusula compromissória nos estatutos e, por conseguinte, renunciando os sócios ou acionistas à jurisdição estatal, surge, quanto ao alcance subjetivo, a celeuma relativa a quais sócios e acionistas estariam vinculados. A omissão legislativa a esse respeito deixou a cargo da doutrina a interpretação de seu alcance, levando os doutrinadores a longos debates e posicionamentos divergentes.

Para melhor exame do tema os doutrinadores, dentre eles Luís Loria Flaks, distinguiam a natureza do acionista da seguinte forma:

(a) é fundador da companhia; (b) aprovou em assembleia geral a alteração do estatuto social que inseriu a cláusula arbitral ou passou a deter ações da companhia após a referida alteração estatutária; (c) dissentiu da deliberação assemblear que inseriu a cláusula arbitral no estatuto da companhia, absteve-se de votar na referida deliberação ou não compareceu à respectiva assembleia geral; ou (d) era detentor apenas de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito, quando da aprovação da alteração estatutária que inseriu a cláusula arbitral. (FLAKS, 2003, p.101)

A celeuma em questão não tem lugar nas pequenas companhias fechadas, onde, em regra, todos aprovam o estatuto original ou a deliberação pela inclusão posterior da cláusula compromissória. Mesmo raciocínio se faz nas grandes companhias em que, em sua criação ou na inclusão da cláusula compromissória, esta foi aprovada por unanimidade, pois, por óbvio, todos declararam a vontade pela arbitragem, renunciando expressamente à jurisdição estatal.

A discussão se acirra, notadamente, em duas situações: quando o acionista adquire suas ações após a deliberação social que inseriu a cláusula compromissória no estatuto; e quando a inclusão da cláusula compromissória não é por unanimidade.

Alguns doutrinadores afirmam que os sócios ou acionistas que não concordaram com a inclusão da cláusula compromissória, seja porque ingressaram no quadro social após sua inclusão ou por não ter anuído com tal deliberação, não estariam sujeitos ao juízo arbitral e estariam, portanto, livres para levarem os eventuais litígios societários ao Judiciário, direito este, por sinal, constitucional.

Prosseguem os doutrinadores desse posicionamento ressaltando que eventual compulsoriedade fere os princípios do próprio instituto da arbitragem o qual só se instaura pela manifestação de vontade do particular, portanto, incabível a obrigatoriedade de se submeter ao processo arbitral em decorrência da concordância de terceiros.

Para consubstanciar este posicionamento seus defensores ainda concluíam que a cláusula compromissória trataria de pacto parassocial ou mesmo que o estatuto se trataria de contrato de adesão e, sendo assim, estariam vinculados apenas aqueles que formalmente, em documento em separado, manifestassem seu interesse de se submeter às regras arbitrais.

Tais interpretações somente depõem contra o instituto em apreço, propondo unicamente o estímulo ao seu desuso. Evidente é a sujeição dos novos sócios à cláusula compromissória, pois, ao se adquirir determinadas ações, estará acatando, por conseguinte, as disposições estatutárias que foram aprovadas pela maioria de seus acionistas.

Em consonância com este raciocínio, FLAKS assevera:

Todos os acionistas que, posteriormente à constituição da companhia, tenham aprovado a introdução da cláusula compromissória em seu estatuto social, estarão a ela vinculados, sem a necessidade do cumprimento de qualquer outra exigência formal.

Da mesma forma, todas as pessoas, sejam elas naturais ou jurídicas, que passarem a fazer parte do quadro acionário de determinada companhia, que já contenha em seu estatuto social cláusula compromissória arbitral, estarão vinculados à arbitragem. Essa vinculação é imediata desde a data da subscrição de capital ou aquisição de ações. (FLAKS, 2003, p.102)

Aos autores que aventavam ser os estatutos das sociedades contratos de adesão e, em decorrência da disposição do art. 4º, §2°, da Lei de Arbitragem, deveriam formalizar o consentimento da escolha da arbitragem em documento anexo, adverte FLAKS (2003) que o referido dispositivo legal se refere tão somente aos contratos de adesão, e "os estatutos sociais não podem jamais ser confundidos com contratos de adesão”, vez que estes divergem conceitual e instrumentalmente dos contratos de sociedade.

(...) o contrato de adesão se caracteriza, em regra, pela bilateralidade da relação jurídica, ou seja, pela existência de interesses distintos das partes contratantes, diferentemente do que acontece em uma sociedade.

Ocorre que os interesses dos acionistas de uma companhia, independentemente de seu objeto social, convergem necessariamente para um mesmo fim: a obtenção de lucro pela sociedade. Essa convergência de interesses é uma das principais características dos chamados contratos plurilaterais – como são os estatutos sociais – os quais, de modo algum, poderiam ser considerados como contratos de adesão. (FLAKS, 2003, p.103)

A alegação de alguns autores quanto ao eventual desconhecimento do novo sócio acerca da cláusula compromissória não procede, vez que, ao buscar fazer parte de uma sociedade empresária, este deve procurar ter conhecimento de seu estatuto, e a publicidade deste instrumento é tamanha que há, inclusive, a presunção deste conhecimento[5]. Caso o potencial novo sócio ou acionista discorde da cláusula compromissória contida no estatuto tem a opção de não se vincular à sociedade empresária.

Na hipótese do sócio ou acionista dissidente da deliberação que inseriu a cláusula compromissória abstenha-se de votar na referida deliberação ou, até mesmo, não compareça na assembleia, para alguns doutrinadores, como já mencionado, não estariam vinculados, notadamente, em consonância com princípio de que ninguém pode ser submetido, contra sua vontade, ao processo arbitral. Nessa linha de raciocínio, estariam os sócios vinculados a todas as disposições do estatuto social, exceto à cláusula compromissória.

Nesse tocante, necessário evidenciar que a vontade de uma sociedade empresária, em regra, é expressada através da maioria, qual seja, a vontade social. O princípio majoritário concede a segurança jurídica societária necessária para que sempre prevaleça a vontade social, pois seria impraticável a exigência da unanimidade em todas as reuniões deliberativas de uma organização.

Sobre o princípio da maioria, DIAS (2007) ressalta a explanação de Trajano de Miranda Valverde:

Não há renúncia de direitos, mas, única e exclusivamente, sujeição de pessoa, que adquire a qualidade de membro da sociedade ou corporação, às regras que disciplinam as relações internas entre os seus componentes, regras dentre as quais figura, como elementar, a de que as resoluções ou deliberações se vencem por maioria. (VALVERDE, 1959 apud DIAS, 2003, p.423)

Ao cogitar a hipótese de que a cláusula compromissória não vincula a todos os sócios, tenham ou não aprovado a sua inclusão, cria-se a insegurança jurídica de que um mesmo conflito de interesse possa ser submetido, ao mesmo tempo, à apreciação do Poder Judiciário e do juiz arbitral, podendo existir decisões conflitantes.

A Lei nº 13.129/2015, visando superar a aparente incompatibilidade existente entre o princípio da maioria, vigente nas sociedades, com a vontade individual do acionista e seu direito de acesso à Justiça, colocou fim a tais divergências e, tal como sugerido por alguns doutrinadores, incluindo DIAS (2007), criou o direito de recesso nas companhias, quando, por deliberação da maioria, insere-se no estatuto social a convenção de arbitragem.

Nos termos de seu art. 3º, a Lei previu que a Lei da S/A passa a vigorar acrescida do art. 136-A, na Subseção “Direito de Retirada” da Seção III, do Capítulo XI, com a seguinte redação:

Art. 136-A. A aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quorum do art. 136, obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 45.

§ 1o A convenção somente terá eficácia após o decurso do prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação da ata da assembleia geral que a aprovou.

§ 2o O direito de retirada previsto no caput não será aplicável:

I - caso a inclusão da convenção de arbitragem no estatuto social represente condição para que os valores mobiliários de emissão da companhia sejam admitidos à negociação em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% (vinte e cinco por cento) das ações de cada espécie ou classe;

II - caso a inclusão da convenção de arbitragem seja efetuada no estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das alíneas “a” e “b” do inciso II do art. 137 desta Lei. (BRASIL, 2015)

Impende ressaltar que, ao se optar pela arbitragem, em nenhuma hipótese, retirar-se-á dos sócios ou acionistas o acesso às ações a que têm direito. Para defenderem-se, sentindo-se prejudicado, deverão pleitear no juízo arbitral o que for de seu interesse.


6 DOS MEIOS ALTERNATIVOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (LEI Nº 13.105/2015)

O antigo Código de Processo Civil Brasileiro (Lei nº 5.869) data de 1973 e, portanto, fora promulgado em momento anterior à Constituição da República Federativa de 1988. Ademais, considerando os avanços sociais, jurídicos, políticos, econômicos e tecnológicos desde a sua promulgação até os dias hodiernos, uma reforma em seu texto fez-se cada vez mais salutar.

Por esse motivo, editou-se o Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015), no qual estão contempladas mudanças referentes à celeridade, desburocratização do procedimento judicial, dentre outras mais.

Os meios alternativos de resolução de conflitos, notadamente a conciliação e a mediação, encontram previsão expressa nos art.165 a 175, sendo-lhes dedicada seção específica dentro do capítulo referente aos auxiliares da justiça.

O novo Código inova não só pela forma incisiva de estimular o uso dos meios alternativos de conflitos em diversas disposições, mas, notavelmente, por dispor quanto à estrutura que deverá garantir a efetividade dos meios alternativos de conflitos, com a criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição (art.165); por elencar como requisito da petição inicial a opção das partes pela conciliação ou mediação (art.319, VII); criando capítulo específico sobre a audiência de conciliação ou de mediação (art.334); bem como por conceituar os institutos da conciliação e mediação, aclarando a amplitude de ambos meios de resolução (art.165, §2º e 3º) e elencar os princípios que os regem (art.166).

Verifica-se, pois, que o novo Código de Processo Civil versa sobre a Mediação e Conciliação realizada no âmbito do Judiciário, o que não afasta o seu uso prévio, tampouco o uso de outros meios alternativos de resolução de conflitos, que “deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”, conforme expresso no art. 3º, §3º e art 175, ambos do referido Código.


7 CONCLUSÃO

Diante dos aspectos levantados, percebemos que não se trata de inovação o uso do instituto da Arbitragem no Direito Societário, pois, já pela edição da Lei nº 9.307/96, buscou o legislador sanar os primeiros obstáculos. Com a edição da Lei nº 13.129/2015, por sua vez, almeja-se a efetividade do instituto e sua popularização, no sentido estrito do vernáculo.

O instituto da arbitragem encontrou respaldo e terreno fértil no ambiente empresarial, vez que suas especificidades vão de encontro aos princípios do instituto, por refereciar a celeridade, a especialidade técnica dos árbitros, a confidencialidade, a segurança, a flexibilidade das provas ou custos.

Em que pese as vantagens louváveis, divergiam os doutrinadores quanto aos alcances subjetivos do instituto no ambiente societário, cuja celeuma o legislador pôs fim pela Lei nº 13.129/2015, ao criar o direito de recesso nas Sociedades Anônimas, quando, por deliberação da maioria, insere-se no estatuto social a convenção de arbitragem.

No mesmo contexto de busca pela efetividade dos meios alternativos de resolução de conflitos, o Novo Código de Processo Civil inova não só pela forma contundente de incentivá-los em diversas disposições, mas, notavelmente, por dispor quanto à estrutura, por conceituar os institutos da conciliação e mediação, aclarando a amplitude de ambos meios de resolução, por elencar os princípios que os regem e evidenciar a possibilidade do uso dos demais meios autocompositivos, dentre os quais se encontra a arbitragem.

O instituto da arbitragem sai fortalecido, não só pela complementação das alterações da Lei de Arbitragem e disposições do Novo Código de Processo Civil, mas também pela própria discussão gerada, o que acabou por unir a comunidade arbitral composta por advogados, professores, entidades acadêmicas, câmaras de arbitragem e o setor empresarial em torno de tão relevante matéria, sendo desfeitas as incertezas e solidificados os posicionamentos relevantes para a segurança jurídica no país


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 13.140. 26 de junho de 2015. Brasília: Senado, 2015.

BRASIL. Lei nº 13.129. 26 de maio de 2015. Brasília: Senado, 2015.

BRASIL. Lei nº 13.105 - Código de Processo Civil. 16 de março de 2015. Brasília: Senado, 2015.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 5 outubro. 1988. Brasília: Senado, 2013.

CARMONA, Carlos Alberto; apud DIAS, Jader Augusto Ferreira. A Arbitragem como meio alternativo na solução de conflitos societários. In: BERALDO, Leonardo de Faria (Org. e Coord.). Direito societário na atualidade: aspectos polêmicos. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p.403 - 426

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral do processo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004.

DIAS, Jader Augusto Ferreira. A Arbitragem como meio alternativo na solução de conflitos societários. In: BERALDO, Leonardo de Faria (Org. e Coord.). Direito societário na atualidade: aspectos polêmicos. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p.403 – 426

FLAKS, Luís Loria. A arbitragem na reforma da Lei S/A. Revista de Direto Mercantil: industrial, econômico e financeiro nº 131. São Paulo: Malheiros Editores, julho-setembro/2003. p. 100-121

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 9a. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

MAGALHÃES, Tiago Fantini. Direito societário: análise crítica. Sergio Botrel coord. São Paulo:Saraiva, 2012.

PACHIKOSKI, Silvia Rodrigues. Reforma da lei de arbitragem: comentários ao texto completo. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, com as alterações da Lei nº 13.129, de 26 de maio de 2015. Disponível em http://oabam.org.br/downloads/comentarios_lei_arbitragem1.pdf.

TAVARES, Fernando Horta. Mediação, processo e Constituição: considerações sobre a autocomposição de conflitos no novo código de processo civil. Novas Tendências do Processo Civil: estudos sobre o projeto do novo código de processo civil. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 56-74.

VALVERDE, Trajano de Miranda. DIAS, Jader Augusto Ferreira. A Arbitragem como meio alternativo na solução de conflitos societários. In: BERALDO, Leonardo de Faria (Org. e Coord.). Direito societário na atualidade: aspectos polêmicos. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p.403 - 426


Notas

[2] Nesse caso, a União Federal incorporou ao seu patrimônio bens de Henrique Lage durante a 2ª guerra mundial. Surgiu controvérsia sobre o valor da indenização devida e, com base em autorização legal específica (Decreto-Lei 9.521/1946), a controvérsia foi levada à arbitragem. Após a prolação do laudo arbitral, a União Federal impugnou a decisão por suposta inconstitucionalidade. Ao final de um contencioso de quase três décadas, o STF confirmou a constitucionalidade da submissão da União Federal ao juízo arbitral. Ratificando esse posicionamento, confira, por exemplo: STJ, MS 11308-DF, Rel. Min. Luiz Fux , j. em 09.04.2008; STJ, REsp 904813-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 20.10.2011; STJ, REsp 606345-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 17.05.2007 (PACHIKOSKI, 2015, p.14)

[3] Art. 174.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como: I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública; II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública; III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.

[4] Art. 4º (...) §2º. Nos contratos de adesão a cláusula compromissória só terá eficácia se for redigida em negrito ou em documento apartado. §3º. Na relação de consumo estabelecida por meio de contrato de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem, ou concordar, expressamente com a sua instituição. §4º. Desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar, expressamente, com a sua instituição.

[5] Alterações relevantes, como a inclusão da cláusula compromissória nas companhias abertas, devem ser imediatamente comunicadas à Comissão de Valores Imobiliários e tornadas públicas. No mesmo intuito, a BOVESPA – Bolsa de Valores, como norma de boa governança corporativa, divulga no endereço eletrônico a relação das companhias que incluíram compromissos arbitrais em seus respectivos estatutos.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Bruna Nogueira Tosta Machado de. Arbitragem e o Direito Empresarial: alterações da Lei de Arbitragem pela Lei nº 13.129/2015. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4407, 26 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41169. Acesso em: 6 maio 2024.