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A amplitude das decisões judiciais em sede de Mandado de Injunção

A amplitude das decisões judiciais em sede de Mandado de Injunção

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O presente trabalho busca esclarecer e estudar a efetividade do Mandado de Injunção, mais especificamente no que tange a evolução da amplitude das decisões judiciais proferidas em sede injuncional.

RESUMO

O presente estudo objetiva delimitar a real amplitude das decisões judiciais em sede de mandado de injunção. Para tanto passa-se a abordar, por primeiro, a origem histórica deste instrumento, contrapondo-o à sua gênese na Constituição Federal de 1988, como instrumento hábil a combater certas omissões constitucionais. Em seguida, adentra-se ao conceito didático da ação injuncional, pontuando suas principais características doutrinarias e jurisprudenciais. Mais adiante, por oportuno, aponta-se as principais diferenças teóricas e práticas entre o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Finalmente, em capítulo especifico para tratar do tema em si, aborda-se a amplitude das decisões judiciais em sede de mandado de injunção, analisando as principais teorias que norteiam o tema e trazendo à baila as posições doutrinárias e jurisprudenciais que se consolidaram ao longo dos anos. No derradeiro capítulo, visando analisar brevemente a evolução histórica do mandado de injunção, faz-se um adentro ao ativismo judicial, correlacionando-o às mudanças de posição ocorridas dentro do Supremo Tribunal Federal no tocante ao tema. Em conclusão, percebe-se que, como em todos os ramos do direito, o dinamismo das posições doutrinárias e jurisprudenciais é altamente visível, fazendo com que o mandado de injunção evolua de uma ação constitucional sem eficácia, à um instrumento hábil para combater as omissões e a inércia do poder público.

ABSTRACT

This study aims to delineate the actual extent of judicial decisions in place of writ of injunction . Firstly we seek to make a historical approach of this instrument until its emergence in the federal constitution of 1988 as an effective instrument to combat certain constitutional omissions. Then enters to the didactic concept of action injuncional, punctuating its main features doctrinal and jurisprudential. Further , for appropriate, we point out the main theoretical and practical differences between the injunctive writ and direct action of unconstitutionality by omission . Finally , in chapter specific to address the issue itself , addresses the breadth of judicial decisions in place of writ of injunction , analyzing the major theories that guide the topic and bringing up the doctrinal and jurisprudential positions that have been consolidated over the years. In the final chapter , in order to analyze briefly the historical evolution of the writ of injunction , it is one inside the judicial activism , correlating to the position changes occurred within the Supreme Court regarding the issue . In conclusion , it is clear that , as in all branches of law , the dynamism of doctrinal and jurisprudential positions is highly visible , making the writ of injunction evolve a constitutional action ineffective , the one instrument to combat omissions and the inertia of government .

SUMÁRIO

            INTRODUÇÃO........................................................................................................... 09

            CAPÍTULO 01 – BREVE HISTÓRICO DO MANDADO DE INJUNÇÃO............ 11

            CAPÍTULO 02 – CONCEITO................................................................................... 13

2.1       OBJETO E REQUISITOS........................................................................................... 13

2.2       LEGITIMIDADE......................................................................................................... 15

2.3       PROCEDIMENTO E COMPETÊNCIA.................................................................... 16

            CAPÍTULO 03 – MANDADO DE INJUNÇÃO X AÇÃO DIRETA DE .............INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO 18

             CAPÍTULO 04 – AMPLITUDE DAS DECISÕES.................................................. 20

4.1        TEORIA NÃO CONCRETISTA............................................................................... 22

4.2        TEORIA CONCRETISTA......................................................................................... 24

4.2.1     Teoria Concretista Geral......................................................................................... 25

4.2.2     Teoria Concretista Individual.................................................................................. 29

4.2.2.1  Teoria Concretista Individual Direta........................................................................... 29

4.2.2.2  Teoria Concretista Individual Intermediária............................................................... 32

             CAPÍTULO 05 – MANDADO DE INJUNÇÃO E AS PERSPECTIVAS DO  ...........   ATIVISMO JUDICIAL         35

             CONCLUSÃO........................................................................................................... 38

           

             REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 40

INTRODUÇÃO

                                                                                  

Sem dúvida a Constituição Federal é o texto máximo que compõe o ordenamento jurídico, político e social de um país. Nela que estão asseguradas as garantias e valores mais importantes de uma nação.

Assim, quando de sua elaboração, o poder constituinte originário abordou e regulamentou os assuntos julgados mais relevantes para o funcionamento e harmonia de uma sociedade pautada nos princípios inerentes ao estado democrático de direito, ressalvando, em alguns casos, a necessidade de normas regulamentadoras infraconstitucionais para tratar de determinados direitos já assegurados pela Carta Política, ficando a cargo do legislador ordinário promover tal regulamentação.

Nesta senda, vislumbra-se que de nada basta uma Constituição que assegure diversos direitos e garantias, se esta não for efetiva, como bem preleciona Dirley da Cunha Jr. (2012, p. 851) ao comentar a justificativa da proposta de criação do Mandado de Injunção:

Não basta a mera enunciação de direitos na Carta Magna. De que adianta, ao cidadão, que a lei suprema do país declare, expressamente, o direito, por exemplo, à Educação ou à Saúde, se o Estado não é compelido a pôr em prática o mandamento constitucional.

Como sabido, a efetividade de algumas normas constitucionais tem eficácia imediata, pois sua aplicação no mundo prático independe de norma regulamentadora. Todavia, para aquelas normas que necessitam de lei infraconstitucional complementar para efetivar o direito trazido pela Constituição, pode-se enfrentar problemas por conta das omissões legislativas a respeito do tema constitucionalmente assegurado.

É nesse cenário, visando evitar ou minimizar a inércia do poder legislativo, que surge, juntamente com a Constituição Brasileira de 1988, a figura do mandado de injunção, tido como instrumento hábil a compelir e sanar, mesmo que indiretamente, as lacunas normativas deixadas pelo legislador quando não observada a necessidade de criação de normas complementares à Constituição.

Porém, não obstante a existência da ação injuncional, deparamo-nos com a necessidade de definir como dar maior eficácia a tal instrumento, seja por meio da maior amplitude das decisões judiciais ou até mesmo por meio da criação de mecanismos idôneos a vincular o legislativo na promoção do saneamento das normas faltantes.

É justamente nesse ponto que o presente estudo encontra sua principal justificativa: na busca da análise das principais teorias e entendimentos jurisprudenciais que norteiam o tema, visando sempre conciliar comentários voltados à máxima efetividade da Mandado de Injunção, sem que para isso exista desrespeito ao princípio republicano da separação dos poderes.

Atualmente a doutrina busca, por meio de seus conceitos, dar maior amplitude ao verdadeiro significado do Mandado de Injunção. Todavia, durante o curto período de sua existência, a maior marca deixada por este instrumento foi a da inefetividade; talvez por isso Luís Roberto Barroso o defina como “o que foi sem nunca ter sido”.

Diante das novas ondas do ativismo judicial, o STF vem mudando o antigo entendimento outrora consolidado. Buscando dar maior efetividade à norma Constitucional e a combater a inatividade do poder Legislativo, a Corte Suprema evoluiu e acatou o clamor doutrinário no sentido de concretizar as decisões em sede injuncional.

1 BREVE HISTÓRIO DO MANDADO DE INJUNÇÃO

Muito se discute a respeito da origem do mandado de injunção utilizado pela Constituição Brasileira. Alguns autores apontam sua gênese no direito Inglês, em um sistema criado para abranger os casos não amparados por conta de omissões legislativas ou pelo próprio sistema Commom Law, chamado de equity.

Neste sentido, José Afonso da Silva, apud Carvalho (2008, p.782):

O mandado de injunção é um instituto que se originou da Inglaterra, no séc. XIV, como essencial remédio da Equity. Nasceu, pois, do Juízo de Equidade. Ou seja, é um remédio outorgado, mediante um juízo discricionário, quando falta norma legal (statues) regulando a espécie, quando o Common Law não oferece proteção suficiente. A equidade, o sentido inglês do termo (sistema de estimativa social para a formulação da regra para o caso concreto), assenta-se na valoração judicial dos elementos do caso e dos princípios de justiça material, segundo a pauta de valores sociais, e assim emite a decisão fundada não no justo legal mas no justo natural [...].

Outros acreditam que o Mandado de Injunção Brasileiro tenha suas raízes nos instrumentos de controle de constitucionalidade do antigo direito Português, cuja única finalidade da ação injuncional seria dar ciência da omissão legislativa ao poder competente, tal como na teoria não concretista – como será tratado em capítulo oportuno.

Todavia, grande parte da doutrina autorizada indica o direito Norte-Americano como principal fonte inspiradora do mandado de injunção brasileiro, a partir do modelo writ of injunction, cuja finalidade precípua é a tutela dos direitos fundamentais comprometidos diante da ausência de normais legais para concretizá-los.

Um dos maiores precedentes do writ of injunction no direito Norte-Americano é o caso que ficou conhecido como Brown x Board Education of Topeka, no qual a ação injuncional foi julgada favorável no sentido de efetivar o direito de estudantes negros à educação de escolas “brancas” (não segregadas).

Não obstante o reconhecimento da influência superficial do direito estrangeiro na criação do instrumento em tela, alguns doutrinadores, como Alexandre de Moraes, acreditam que o mandado de injunção brasileiro possui características próprias, sendo que,

apesar das raízes históricas do direito anglo-saxão, o conceito, estrutura e finalidade da injunção norte-americana ou dos antigos instrumentos lusitanos não correspondem à criação do mandado de injunção pelo legislador constituinte de 1988, cabendo à doutrina e jurisprudência pátrias a definição dos contornos e objetivos desse importante instrumento constitucional de combate à inefetividade das normas constitucionais que não possuam aplicabilidade imediata. (MORAES, 2008, p. 168).

E é justamente com o final da ditadura militar, num período de extremo clamor social pela democracia outrora privada pelos militares, que nasce a Constituição Federal de 1988, buscando assentar ideais de igualdade e justiça à República.

Assim, quando de sua elaboração, o poder constituinte originário abordou e regulamentou os assuntos julgados mais relevantes para o funcionamento e harmonia de uma sociedade pautada nos princípios inerentes ao estado democrático de direito, ressalvando, em alguns casos, a necessidade de normas regulamentadoras infraconstitucionais para tratar de determinados direitos já assegurados pela Carta Política.

Nesta senda, vislumbra-se que de nada basta uma Constituição que assegure diversos direitos e garantias, se esta não for efetiva. Como sabido, a efetividade de algumas normas constitucionais é imediata (eficácia plena), pois sua aplicação no mundo prático independe de norma regulamentadora. Todavia, para aquelas normas que necessitam de lei infraconstitucional complementar, pode-se enfrentar problemas pela vacância legislativa a respeito do tema constitucionalmente assegurado.

É nesse cenário, visando evitar ou minimizar a inércia do poder legislativo, que constantemente deixa de cumprir sua função precípua, que surge, juntamente com a Constituição Brasileira de 1988, a figura do mandado de injunção, tido como instrumento hábil a compelir e sanar, mesmo que indiretamente, as lacunas normativas deixadas pelo legislador quando não observada a necessidade de criação de normas complementares à Constituição.

2 CONCEITO

Primeiramente, antes de adentramos ao conceito didático da ação injuncional, cabe comentar, ainda que com brevidade, que determinadas normas constitucionais dependem de atuação ulterior, por parte do legislador, para garantir sua aplicabilidade. São as chamadas normas de eficácia limitada de princípio institutivo de caráter impositivo e normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade, ou seja, são aquelas que, por exemplo, “valem-se de expressões como ‘conforme definido pela lei’ para evidenciar que necessitam de complementação infraconstitucional” (MARINONI, 2012, p. 788).

Justamente nesses casos, quando a norma constitucional de eficácia limitada carece de norma complementar infraconstitucional regulamentadora, inviabilizando, assim, o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, que surge, como “remédio”, a figura do mandado de injunção, previsto no artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal.

Neste sentido, visando combater a chamada síndrome de inefetividade das normas constitucionais, o mandado de injunção “consiste em uma ação constitucional de caráter civil e procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuído de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal” (MORAES, 2008, p. 169).

Em suma, podemos concluir que o mandado de injunção corresponde a um instrumento de controle concreto ou incidental de constitucionalidade por omissão, posto à disposição de quem tiver seus direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania obstados por conta de uma omissão legislativa do poder público.

2.1 OBJETO E REQUISITOS

Desta feita, temos que o objeto da ação injuncional consiste na efetivação do direito/liberdade/prerrogativas constitucionais não regulamentadas por conta das omissões legislativas, ou melhor, “o mandado de injunção há de ter por objeto o não cumprimento de dever constitucional de legislar que, de alguma forma, afeta direitos constitucionalmente assegurados [...]” (MENDES, 2012, p. 1359).

Nas sábias palavras de Dirley da Cunha Júnior (2012, p. 860),

O mandado de injunção destina-se a viabilizar o exercício de um direito fundamental, que sempre se pressupõe plenamente eficaz, a teor do §1º do art. 5º da Constituição, mas cujo desfrute está interditado pela omissão do poder público em prestar a providência necessária de que ele depende. Para tanto, cumpre ao Poder Judiciário julgar o caso concreto, decidindo sobre o direito pretendido e suprindo a omissão criando, se necessário, a norma para o caso concreto, com efeitos limitados às partes do processo.

Logo, temos que os requisitos para o uso de tal remédio constitucional são: falta de norma reguladora de uma previsão constitucional (omissão constitucional do poder público) e o nexo de causalidade entre a omissão e a inviabilização do exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Importante mencionar que também é cabível mandado de injunção diante da omissão parcial à complementação das normas constitucionais, como bem explica Willis Santiago Gerra Filho, apud Kildare Gonçalves Carvalho (2008, p. 783):

Caberia, no entanto, recorrer ao mandado de injunção não só quando houvesse falta completa de norma para regular o caso concreto, mas também quando se verificasse ‘omissão parcial’, em havendo norma que regulasse de forma insuficiente certo direito ou prerrogativa constitucional, que não estariam regulamentados com efetividade, por não se atender plenamente ao estabelecido na nova Constituição. Também, por essa via interpretativa, seria possível lançar mão do instituto futuramente, para retirar a eficácia de normas que, com o passar do tempo, entram em dessintonia com o entendimento a que se chegou a disposição que elas regulamentam.

No mesmo sentido, Gilmar Mendes (2012, p. 1359) explica:

Tal como tem sido frequentemente apontado, essa omissão tanto pode ter caráter absoluto ou total como pode materializar-se de forma parcial.

Na primeira hipótese, que se revela cada vez mais rara, tendo em vista o implemento gradual da ordem constitucional, tem-se a inércia do legislador que pode impedir totalmente a implementação da norma constitucional.

A omissão parcial envolve, por sua vez, a execução parcial ou incompleta  de um dever constitucional de legislar, que se manifesta seja em razão do atendimento incompleto do estabelecido na norma constitucional, seja em razão do processo de mudança nas circunstâncias fático-jurídicas que venha a afetar a legitimidade da norma (inconstitucionalidade superveniente), seja, ainda, em razão de concessão de benefício de forma incompatível com o princípio da igualdade (exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade).

Também vale ressaltar que, como bem analisa Alexandre de Moraes (2008, p.70),

não caberá, portanto, mandado de injunção para, sob a alegação de reclamar a edição de norma regulamentadora de dispositivo constitucional, pretender-se a alteração de lei ou ato normativo já existente, supostamente incompatível com a Constituição ou para exigir-se uma certa interpretação à aplicação da legislação infraconstitucional, ou ainda, para pleitear uma aplicação “mais justa” da lei existente. [...]

O mandado de injunção somente se refere à omissão de regulamentação de norma constitucional. Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, não há possibilidade de ação injuncional, com a finalidade de compelir o Congresso Nacional a colmatar omissões normativas alegadamente existentes na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em ordem a viabilizar a instituição de um sistema articulado de recursos judiciais, destinado a dar concreção ao que prescreve o Artigo 25 do Pacto de S. José da Costa Rica.

Portando, como já explanado, o mandado de injunção visa tutelar, tão somente, as omissões constitucionais, ainda as parciais, que figurem como empecilho às garantias asseguradas pela própria carta magna.

Todavia, visando não se antecipar ao foco principal do presente estudo – a amplitude das decisões judiciais em sede de mandado de injunção – que acaba por se confundir com o objeto do mandado de injunção, daremos maior importância ao mencionado item em capítulo específico.

2.2 LEGITIMIDADE

Qualquer pessoa, nacional ou estrangeira, física ou jurídica, capaz ou incapaz, que tiver seus direitos, liberdades e prerrogativas constitucionais obstados por ausência de norma regulamentadora (omissão legislativa) é legitimado para propor mandado de injunção.

Apesar de não existir previsão legal expressa, a doutrina autorizada acredita ser plenamente possível o cabimento de mandado de injunção coletivo, por meio das “entidades de classe ou associativas e os sindicatos, substituindo processualmente seus membros ou filiados, a exemplo do que ocorre no mandado de segurança” (BARROSO, 2004, p. 95).

 Pode também figurar no polo ativo da ação injuncional as pessoas jurídicas de direito público que tiverem seus direitos constitucionais obstados pela ausência de regulamentação, conforme bem decidiu o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Mandado de Injunção 725.

Cabe pontuar também que, no caso de serem os direitos protegidos e não resguardados pela omissão inconstitucional difusos e coletivos, poderá o Ministério Público promover a ação injuncional, nos termos do artigo 6º, VIII, da Lei Complementar nº 75/1993.

Todavia, quando o assunto é o polo passivo do mandado de injunção, o assunto não é pacífico, pois o próprio texto constitucional, mesmo tendo instituído o remédio, deixou a cargo de lei complementar a sua regulamentação, o quê até hoje não ocorreu. Desta forma, coube a jurisprudência e doutrina enfrentarem o tema.

Para Luís Roberto Barroso (2004, p. 96/97), duas construções parecem rezoáveis no tratamento da legitimação passiva:

A primeira é que ela recaria sobre a autoridade ou órgão público a que se imputa a omissão, bem como, em litisconsórcio necessário, sobre a parte privada ou pública que viria a suportar o ônus de eventual concessão de ordem de injunção. Se, por exemplo, o legislativo federal se omitir em regulamentar um benefício constitucional outorgado aos segurados da Previdência Social, partes passivamente legitimadas seriam o Congresso Nacional e o INSS, a quem caberia, em última análise, suportar as consequências de eventual desfecho favorável ao impetrante.

A segunda posição em relação a esse tema é no sentido de que a legitimação passiva deve recair, tout court, sobre a parte à qual cabe prestar a obrigação decorrente da norma a integrar, ficando de fora o órgão que haja quedado inerte. Todavia, mesmo que não figure como parte, parece de todo conveniente que se dê ciência ao responsável pela omissão, que poderá, inclusive, trazer elementos e informações relevantes para a decisão. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, afastando-se das duas correntes acima, firmou jurisprudência no sentido de que a legitimação passiva recai somente sobre a autoridade ou órgão omisso, sem incluir a parte privada ou pública devedora da prestação. 

Entretanto, não obstante às posições acima colacionadas, a doutrina predominante dispõe que somente poderá ser demandado no polo passivo o ente estatal, ou seja, aquele que teria competência e obrigação de legislar diante da omissão; pelo quê afasta-se a possibilidade de qualquer particular figurar no polo passivo desta ação constitucional, ainda que seja em litisconsórcio com entes estatais.

2.3 PROCEDIMENTO E COMPETÊNCIA

Não obstante ser um instrumento que visa combater a chamada síndrome de inefetividade das normas constitucionais, o Mandado de Injunção, desde sua concepção, carece de regulamentação infraconstitucional procedimental.

Assim sendo, visando impedir que o remédio idôneo à suprir tal síndrome também caia na inefetividade por conta da omissão legislativa, o STF decidiu que tal instituto é autoaplicável, adotando-se, analogicamente e no que couber, o rito do mandado de segurança, nos termos do parágrafo único do artigo 24 da Lei n. 8.038/90.

Nesta senda, se faz pertinente transcrever o entendimento da doutrinadora Flávia Piovesan (2003, p.143):

Admitir o contrário resultaria no curioso paradoxo de a ação constitucional dirigida contra a inação normativa permanecer inerte em virtude de norma regulamentadora. Assim, enquanto não for instituído um procedimento específico, aplicar-se-á ao mandado de injunção o procedimento do mandado de segurança previsto pela Lei 1.533/51, como determinou o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MI 107-3, determinação seguida pelo Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 216 do Regimento Interno deste Tribunal.

Quanto à competência para apreciação e julgamento da ação injuncional, a solução se restringe à lei, como bem demonstra, didaticamente, a compilação realizada Pedro Lenza (2008, p.740):

A competência vem prevista nos arts.: 102, I, “q”, 102, II, “a”, 105, I, “h”, 121, § 4º, V, e 125, §1.º:

102, I, “q”: compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, o mandado de injunção quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio STF;

102, II, “a”: compete ao STF processar e julgar em recurso ordinário o mandado de injunção decidido em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão;

105, I, “h”: compete ao STJ processar e julgar, originariamente, o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do STF e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;

121, § 4, V: competência atribuída ao TSE para julgar em grau de recurso mandado de injunção denegado pelo TER;

125, §1.º: estabelece que os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos na CF, sendo a competência dos tribunais definida na Constituição do Estado. No estado de São Paulo, o mandado de injunção contra autoridades estaduais e municipais é de competência originária do TJ  (art. 74, V, da CE/SP ).

3 MANDADO DE INJUNÇÃO x AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

Tanto o mandado de injunção quanto a ação direta de inconstitucionalidade por omissão foram instrumentos criados pelo constituinte de 1988 para combater a inefetividade material da Constituição.

Ambos visam conceder máxima efetividade às normas constitucionais, principalmente àquelas que carecem de complementação infraconstitucional por conta das omissões do poder público.

Todavia, apesar de cuidarem de um assunto em comum – combate à inefetividade da norma constitucional por conta das omissões legislativas tais institutos guardam entre si diferenças primordiais para o aplicador do direito.

Como o principal objetivo do presente estudo não visa, diretamente, diferenciar o mandado de injunção da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, seremos breves na explanação dos seus principais pontos diferenciadores:

Enquanto “a ação direta de inconstitucionalidade por omissão é mecanismo institucional de fiscalização abstrata, de competência concentrada do Supremo Tribunal Federal e materializada em processo objetivo” (BARROSO, 2004, p. 92), o mandado de injunção “destina-se ao controle incidental da omissão, tendo sido concebido para a tutela de direitos subjetivos constitucionais, frustrados pela inércia ilegítima do Poder Público.”.

Desta forma, resta demonstrada a primeira diferença entre os institutos em tela: a ação injuncinoal cuida da tutela de um direito subjetivo, tendo como objeto primordial a viabilização do exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, como bem demonstra o artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição Federal; já a ação direta de inconstitucionalidade por omissão cuida da tutela de direitos objetivos, por meio de um controle constitucional abstrato, ou seja, não precisa de uma violação específica como no caso do mandado de injunção, pois seu objeto primordial é, em si, tornar efetiva a própria norma constitucional.

Outro ponto hábil a distinguir tais instrumentos, reside na legitimação para propositura da ação. “O mandado de injunção tem como legitimados ativos quaisquer dos titulares de direitos subjetivos constitucionais que se pretende exercer, enquanto na ação de inconstitucionalidade por omissão a legitimidade ativa está reservada nos termos da lei.” (CARVALHO, 2008, p. 255).

Tal fato deriva do objeto de cada instituto. Como o mandado de injunção visa tutelar o direito subjetivo (individual) ferido pela omissão constitucional, o agente lesado pela omissão é o legitimado para propositura da ação. De outro prisma, como a ação direta de inconstitucionalidade por omissão busca, de forma objetiva e abstrata, sanar as omissões constitucionais, os legitimados para propositura de tal ação estão taxativamente enumerados no artigo 103 da Constituição Federal.

Nestes termos ensina Marcelo Novelino (2010, p. 292):

Trata-se de uma ação (o mandado de injunção) de contrele difuso-concreto de constitucionalidade, na qual a pretensão é deduzida em juízo por meio de um processo constitucional subjetivo destinado a assegurar o exercício de direitos subjetivos.

A ação direita de inconstitucionalidade por omissão (ADO) tem por finalidade precípua a defesa da ordem constitucional objetiva, de modo a assegurar a supremacia e a força normativa da Constituição no tocante às normas constitucionais cuja efetividade dependa de alguma medida a ser tomada pelos poderes públicos. Caracteriza-se por ser uma ação de controle concentrado-abstrato de constitucionalidade, na qual a pretensão é deduzida em juízo mediante um processo constitucional objetivo, cuja finalidade principal é a defesa da ordem constitucional objetiva. (Grifamos).

Outro ponto que também merece destaque quando a questão é diferenciar o mandado de injunção da ação direta de inconstitucionalidade por omissão é que esta ação é processada e julgada exclusivamente pelo STF (omissões da Constituição Federal); enquanto aquele é processado e julgado de acordo com a competência definida em razão do órgão competente para editar a norma faltante.

Por fim, em resumida explicação a repeito das diferenças levantadas, Kildere Gonçalves Carvalho (2008, p. 189) dispõe que, apesar das semelhanças,

diferença há entre o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, embora ambos se refiram a incompletude normativa. A segunda ação tem a legitimidade ativa restrita e definida no artigo 103 da Constituição, e por objeto a omissão legislativa considerada em si mesmo, sendo forma de controle abstrato ou concentrado, em processo objetivo. Sua finalidade é colmatar a omissão normativa inconstitucional dos Poderes Públicos, constatando, em tese, a existência da lacuna que restringe a efetividade da ordem jurídica. Já o mandado de injunção tem uma legitimidade ativa mais ampla, e visa socorrer direito subjetivo concreto do titular prejudicado em seu exercício pela ausência de norma regulamentadora, por meio de uma sentença. Não se trata de defesa genérica e concentrada da integridade do ordenamento jurídico, mas da viabilização de um direito, no caso concreto, em processo subjetivo.

4 AMPLITUDE DAS DECISÕES

Considerando que o presente capítulo estreita-se ao máximo com o tema do estudo proposto, daremos maior à explanação, adentrando, com pouco mais profundidade, às teorias e jurisprudências que norteiam o assunto.

Sem dúvida, o ponto mais controvertido em sede de mandado de injunção é a amplitude das decisões judiciais tomadas nesses processos, sendo difícil, tanto para doutrina quanto para jurisprudência, definir quais são os reais efeitos das decisões das ações injuncionais.

Neste sentido, corrobora Barroso (2004, p.80):

A determinação do objeto do mandado de injunção tem sido uma das questões mais tormentosas na matéria. Há dissensão entre alguns autores, mas, sobretudo, uma grande oposição entre o que pensa a maior parte da doutrina e jurisprudência que se formou no âmbito do Supremo Tribunal Federal. A discordância reside, sobretudo, em estabelecer se o mandado de injunção se destina a possibilitar o suprimento judicial da norma faltante ou a estimular a produção da norma pelo órgão competente.

Ratificando a dificuldade de delimitação do objeto da ação injuncional, Dirley da Cunnha Júnior (2012, p. 864) dispõe que:

A questão dos efeitos da decisão no mandado de injunção ainda nutre forte testilha na doutrina e na jurisprudência, posto que reflete certamente a controvérsia a respeito do objeto desta ação: visa o mandado de injunção à expedição da norma regulamentadora ou a garantir o exercício imediato do direito, independentemente de regulamentação?

Outrossim, a controvérsia do tema vai muito além do simples efeito das decisões, pois sagra-se como uma necessidade de delimitar a real efetividade do remédio constitucional idôneo à sanar certas omissões inconstitucionais.

Todavia, os efeitos de cada teoria devem ser analisados com bastante cuidado, contrapondo não só a necessidade de efetividade das decisões, mas também o respeito ao princípio republicano da separação dos poderes, ponderando a teoria dos freios e contrapesos e as perspectivas atuais do “ativismo judicial”.

Atualmente, por meio da análise das decisões e debates a respeito do tema em foco, a doutrina delimita a existência de, a princípio, duas teorias no que tange à amplitude das decisões judiciais em sede de mandado de injunção, a saber: teoria não concretista e teoria concretista.

Basicamente, tais teorias apontam para dois lados, como bem dispõe Kildere Gonçalves Carvalho:

A natureza da providência judicial deferida com a impetração do mandado de injunção tem provocado pronunciamentos de eminentes juristas. Alguns entendem que o alcance do mandado de injunção é análogo ao da inconstitucionalidade por omissão, escrevendo Manoel Gonçalves Ferreira Filho que sua concessão leva o Judiciário a dar ciência ao Poder competente da falta da norma sema a qual é inviável o exercício do direito fundamental. Não importa no estabelecimento pelo próprio órgão jurisdicional da norma regulamentar necessária à viabilização do direito. Aliás, tal alcance está fora da sistemática constitucional brasileira, que consagra a “separação de Poderes” para concluir que “não se pode dar ao mandado de injunção um alcance que não tem a inconstitucionalidade por omissão”.

Outros juristas pensam de modo diferente. José Afonso da Silva entende que “o conteúdo da decisão consiste na outorga direta do direito reclamado. Compete ao Juiz definir as condições para a satisfação direta do direito reclamado e determiná-la imperativamente”.

Neste mesmo sentido, tecendo seus respeitáveis comentários a respeito das teorias da ação injuncional , no ano de 1995, o então Ministro do Supremo Tribunal Federal, Néri da Silveira, apud Alexandre de Moraes (2008, p.175), dispõe,

Há, como sabemos, na Corte, no julgamento dos mandados de injunção, três correntes: a majoritária, que se formou a partir do Mandado de Injunção nº 107, que entende deva o Supremo Tribunal Federal, em reconhecendo a existência da mora do Congresso Nacional, comunicar a existência dessa omissão, para que o Poder Legislativo elabore lei. Outra corrente, minoritária, reconhecendo também a mora do Congresso Nacional, decide, desde logo, o pedido do requerente do mandado de injunção e provê sobre o exercício do direito constitucionalmente previsto. Por último, registro minha posição, que é isolada: partilho do entendimento de que o Congresso Nacional é que deve elaborar a lei, mas também tenho presente que a Constituição, por via do mandado de injunção, quer assegurar aos cidadãos o exercício de direitos e liberdades, contemplados na Carta Política, mas dependentes de regulamentação. Adoto posição que considero intermediária. Entendo que se deva, também, em primeiro lugar, comunicar ao Congresso Nacional a omissão inconstitucional, para que ele, exercitando sua competência, faça a lei indispensável ao exercício do direito constitucionalmente assegurado aos cidadãos. Compreendo, entretanto, que, se o Congresso Nacional não fizer a lei, em certo prazo que se estabeleceria na decisão, o Supremo Tribunal Federal pode tomar conhecimento de reclamação da parte, quanto ao prosseguimento da omissão, e, a seguir, dispor a respeito do direito in concreto. É, por isso mesmo, uma posição que me parece conciliar a prerrogativa do Poder Legislativo de fazer a lei, como o órgão competente para a criação da norma, e a possibilidade de o Poder Judiciário garantir aos cidadãos, assim como quer a Constituição, o efetivo exercício de direito na Constituição assegurado, mesmo se não houver a elaboração da lei [...].

Isto posto, passaremos a analisar cada teoria individualmente, traçando suas peculiaridades e características.

4.1 TEORIA NÃO CONCRETISTA

Por muito tempo considerada a posição dominante do Supremo Tribunal Federal, e sempre muito criticada pela doutrina majoritária, a teoria não concretista aproxima os efeitos do mandado de injunção aos efeitos da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Para os defensores dessa teoria, o mandado de injunção teria como finalidade, tão somente, o reconhecimento formal, por parte do poder judiciário, da inércia do Poder Público responsável pela omissão, ou seja, “a decisão apenas decreta a mora do poder omisso, reconhecendo-se formalmente a sua inércia” (LENZA, 2009, p.741).

Assim, diante dos efeitos não concretistas do mandado de injunção, “não há falar em medidas jurisdicionais que estabeleçam, desde logo, condições viabilizadoras do exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucionalmente previstas [...]” (MORAES, 2008, p. 178), pois a decisão judicial não possui qualquer cunho mandamental ou constitutivo, mas sim meramente declaratório, aproximando-se de uma “recomendação” ao legislador para que este sane a omissão.

Adotando tal entendimento, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, apud CHIMENTI (2009, p. 413) preleciona:

O alcance do mandado de injunção é análogo ao da inconstitucionalidade por omissão. Sua concessão leva o Judiciário a dar ciência ao poder competente da falta de norma sem a qual é inviável o exercício do direito fundamental. Não importa no estabelecimento pelo próprio órgão jurisdicional da norma regulamentadora necessária à viabilização do direito.

Na primeira oportunidade em que o mandado de injunção (MI) foi apreciado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mais especificamente no MI 107, proposto por Oficial do Exército contra o Presidente da República, a Corte Suprema entendeu que “a possibilidade de o Tribunal editar uma regra geral, ao proferir a decisão sobre o mandado de injunção, encontraria insuperáveis obstáculos constitucionais. Tal prática não se deixaria compatibilizar com o princípio da Separação dos Poderes e com o princípio da democracia” (MENDES, 2012, p.1360).

Logo, seguindo tal linha de raciocínio, o Tribunal acabou por decidir no sentido de que deveria apenas limitar-se a declarar a inconstitucionalidade por omissão, comunicando o legislador, em caráter de mera recomendação, que empreendesse providências para suprir a lacuna.

Uma das linhas defendidas pelos adeptos de tal posição é a necessidade de dar cumprimento ao princípio da Separação dos Poderes, pois, em tese, ao viabilizar o direito perquirido pelo impetrante do MI, criando “norma” por meio de uma decisão, ou até mesmo abrindo prazo formal para que o legislativo crie a norma, o judiciário estaria imiscuindo-se na função legisladora, desrespeitando, sobremaneira, o princípio em tela.

Apesar de ter sido uma posição por muito tempo presente nas decisões judiciais em sede injuncional, a teoria não concretista enfrentou, ferrenhamente, muitas críticas por parte da doutrina autorizada, pois acabava por tornar inócuo e totalmente sem sentido o mandado de injunção, além de tornar seus efeitos idênticos aos da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Para José Afonso da Silva (2008, p. 450), um dos maiores críticos da teoria não concretista,

O mandado de injunção tem, portanto, por finalidade realizar concretamente em favor do impetrante o direito, liberdade ou prerrogativa, sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o seu exercício. Não visa obter a regulamentação prevista na norma constitucional. Não é função do mandado de injunção pedir a expedição da norma regulamentadora, pois ele não é sucedâneo da ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º). É equivocada, portanto, data vênia, a tese daqueles que acham que o julgamento do mandado de injunção visa a expedição de norma regulamentadora do dispositivo constitucional dependente de regulamentação, dando a esse remédio o mesmo objeto da ação de inconstitucionalidade por omissão. Isso quer dizer que o mandado de injunção não passaria de ação de inconstitucionalidade por omissão subsidiária, a dizer: como os titulares dessa ação (art.103) se omitiram no seu exercício, então fica deferido a qualquer interessado o direito de utilizar o procedimento injuncional para obter aquilo que primeiramente ocorria aqueles titulares buscar.

No mesmo sentido, enumerando os equívocos da teoria não concretista, o mesmo autor complementa:

A tese é errônea e absurda, porque: (1) não tem sentido a existência de dois institutos com o mesmo objetivo e, no caso, de efeito duvidoso, porque o legislador não fica obrigado a legislar; (2) o constituinte, em várias oportunidades na elaboração constitucional, negou ao cidadão legitimidade para a ação de inconstitucionalidade; por que teria ele que fazê-lo por vias transversas?; (3) absurda mormente porque o impetrante do mandado de injunção, para satisfazer seu direito (que o moveu a recorrer ao Judiciário), precisa percorrer duas vias: uma, a do mandado de injunção, para obter a regulamentação que poderia não vir, especialmente se ela dependesse de lei, pois o legislativo não pode ser constrangido a legislar; admitindo que obtenha a regulamentação, que será genérica, impessoal, abstrata, vale dizer, por si, não satisfatória de direito concreto; a segunda via é que, obtida a regulamentação, teria ainda que reivindicar sua aplicação em seu favor, que, em sendo negada, o levaria outra vez ao Judiciário para concretizar seu interesse, agora por outra ação porque o mandado de injunção não caberia.

Portanto, nota-se que, apesar de ter sido usada pelo STF como posição majoritária, a teoria não concretista foi superada por ter sido demonstrava inócua, praticamente anulando o real objetivo do mandado de injunção, tendo a doutrina e a jurisprudência moderna enveredado por outras vias, visando elevar o conceito constitucionalmente buscado pelo constituinte.

4.2 TEORIA CONCRETISTA

Diferentemente da teoria não concretista, acima exposta, a teoria concretista, que acabou por ganhar espaço com o passar dos anos nas decisões judiciais, sempre foi a preferida da esmagadora doutrina que escreve sobre o tema.

Buscando dar maior efetividade ao real sentido constitucional da ação injuncional, o concretismo do mandado de injunção visa assegurar, por meio de sentença judicial declaratória, constitutiva e mandamental, o direito constitucionalmente assegurado que antes era tolhido por conta da omissão inconstitucional, até que sobrevenha regulamentação por parte do poder competente.

Todavia, do tronco da teoria concretista surgiram diversas ramificações no que tange aos efeitos das decisões judiciais em sede das ações injuncionais, as quais passaremos a analisar nos tópicos seguintes.

A saber, a teoria concretista, segundo as noções didáticas de Alexandre de Moraes, subdivide-se em: Concretista Geral e Concretista Individual; esta por sua vez, subdivide-se em Concretista Individual Direta e Concretista Individual Intermediária.

4.2.1 Teoria Concretista Geral

Para tal teoria, “através de normatividade geral, o STF legisla no caso concreto, produzindo a decisão efeitos erga omnes até que sobrevenha norma integrativa pelo Legislativo” (LENZA, 2008, p. 741).

Das teorias concretistas a geral foi a que encontrou maior resistência por parte da doutrina e, até certo ponto, jurisprudência, por conta da amplitude de seus efeitos, ou seja, as decisões em sede de mandado de injunção, quando tomadas para suprir as lacunas normativas deixadas pelas omissões do legislativo, teriam, segundo essa posição, efeito erga omnes.

Criticada por conta da elasticidade de seus efeitos, é a teoria que mais se aproxima ao desrespeito, em tese, da Separação dos Poderes, já que o Judiciário, ao implementar a norma faltante por meio de uma decisão, estaria, em análise superficial, legislando no caso concreto.

Além do que, para muitos doutrinadores, dar elasticidade geral aos efeitos do mandado de injunção, além de ferir a Separação de Poderes, também tornaria a ação injuncional idêntica à ação direta de inconstitucionalidade por omissão, dado que, neste caso, ambas teriam como foco a tutela de um direito objetivo. Todavia, sabe-se que para tutela objetiva das omissões inconstitucionais, como bem já explicado no tópico específico deste trabalho, o instrumento hábil é a ação direta de inconstitucionalidade por omissão; enquanto para a tutela subjetiva das omissões inconstitucionais, o remédio idôneo é, sem dúvida, a ação injuncional.

Esse é o entendimento da renomada doutrinadora constitucional Flávia Piovesan (2003, p. 148/149):

Ao pretender que no mandado de injunção seja elaborada a norma regulamentadora faltante de modo a suprir a omissão do legislador, a primeira corrente não pode ser admitida. Caso contrário, importaria em converter o mandado de injunção, de instrumento de tutela de direito subjetivo em instrumento de tutela de direito objetivo. Já se disse que, ante a Carta de 1988, em caso de omissão inconstitucional, constitui a ação direta de inconstitucionalidade por omissão instrumento de defesa de direito objetivo. Isto é, enquanto esta ação apresenta por objeto a ordem jurídica lacunosa propriamente dita, o mandado de injunção tem por objeto o direito subjetivo, que se encontra violado no caso concreto, posto que inviabilizado por falta de regulamentação. Se assim o é, não seria razoável que o Poder Judiciário elaborasse norma geral e abstrata, quando da apreciação de um caso concreto cujo pedido é a restauração de direito subjetivo violado. Não condiz com a finalidade de um instrumento de tutela de direito subjetivo, o intuito de sanear vícios da ordem jurídica, ou seja, do direito objetivo.

Ainda assim, não obstante as inúmeras críticas, a doutrina minoritária que defende a aplicação da teoria concretista geral dispõe que inexiste qualquer afronta à separação dos poderes, dado que ao suprir as lacunas de forma geral o judiciário não está propriamente legislando, mas sim criando alternativas subsidiárias para viabilizar direito que a própria Carta Magna assegura, não furtando, de tal modo, a função do Poder Legislativo, posto que este, a qualquer momento, poderá criar norma para suprir a omissão e, assim, substituir a decisão judicial para os demais casos vindouros.

Nesta senda, cabe ressaltar a decisão tomada pelo STF quando do julgamento dos “MIs” 670, 708 e 712, conforme citado por Pedro Lenza (2008, p. 742), ajuizados, nessa ordem, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep), buscando assegurar o direito de greve para seus filiados, tendo em vista a omissão legislativa criada pela inexistência de lei regulamentadora do artigo 37, VII, da Constituição Federal.

A apreciação dos MIs e propositura de revisão do entendimento até então adotado pelo STF ocorreu em 07 de junho de 2006, quando os Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes apresentaram votos de recomendação da adoção de uma sentença concretizadora, com efeito erga omnes, para omissão levantada, sendo que em 25 de outubro de 2007, o Tribunal, por maioria, conheceu dos mandados de injunção e determinou a aplicação, no que couber, da Lei n. 7.783/89 para suprir, provisoriamente, a lacuna legislativa.

Neste sentido, citamos partes das recomendações realizadas por Gilmar Mendes (2012, p. 1366), no MI 670:

Assim como na interessante solução sugerida pelo Ministro Vellso (MI 631/MS), creio parecer justo fundar uma intervenção mais decisiva desta Corte para o caso da regulamentação do direito de greve dos servidores públicos (CF, art. 37, VII).

[...] A não regulamentação do direito de greve acabou por propiciar um quadro de selvageria com sérias consequências para o Estado de Direito. Estou a lembrar que o Estado de Direito é aquele no qual não existem soberanos.

Nesse quadro, não vejo mais como justificar a inércia legislativa e a inoperância das decisões desta Corte.

Comungo das preocupações quanto à não assunção pelo Tribunal de um protagonismo legislativo. Entretanto, parece-me que a não atuação no presente momento já se configuraria quase como uma espécie de “omissão judicial”.

Assim, tanto no caso da anistia, essa situação parece impelir intervenção mais decisiva desta Corte.

Ademais, assevero  que, apesar da persistência da omissão quanto à matéria, são recorrentes os debates legislativos sobre os requisitos para o exercício do direito de greve.

[...] Nesse contexto, é de se concluir que não se pode considerar simplesmente que a satisfação do exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis deva ficar ao bel-prazer do juízo de oportunidade e conveniência do Poder Legislativo.

Estamos diante de uma situação jurídica que, desde a promulgação da Carta Federal de 1988 (ou seja, há mais de 17 anos), remanesce sem qualquer alteração. Isto é, mesmo com as modificações implementadas pela Emenda n. 19/1988 quanto à exigência de lei ordinária específica, o direito de greve dos servidores públicos ainda não recebeu o tratamento legislativo minimamente satisfatório para garantir o exercício dessa prerrogativa em consonância com os imperativos constitucionais.

Por essa razão, não estou a defender aqui a assunção do papel de legislador positivo pelo Supremo Tribunal Federal.

Pelo contrário, enfatizo tão somente que, tento em vista as imperiosas balizas constitucionais que demandam a concretização do direito de greve a todos os trabalhadores, este Tribunal não pode ser abster de reconhecer que, assim como se estabelece o controle judicial sobre a atividade do legislador, é possível atuar também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo.

[...] acolho a pretensão tão somente no sentido de que se aplique a Lei n. 7.783/1989 enquanto a omissão não seja devidamente regulamentada por Lei específica para os servidores públicos.

                     

Assim, de forma inédita, o STF adotou, no caso da greve dos servidores públicos, a teoria concretista geral, afastando o antigo entendimento de que o mandado de injunção deveria se limitar a “declarar” a mora legislativa, passando a implementar, de maneira ativista, um direito assegurado constitucionalmente, mas tolhido, em tese, pela morosidade do poder Legislativo.

O direito de greve sempre esteve assegurado na Constituição, não ficando ao bel prazer do legislador ordinário decidir se deve ou não implementá-lo, pois a ele cabe apenas a regulamentação – que jamais pode servir de barreira (a omissão) para impedir o gozo um “direito máximo”. A morosidade do legislativo não pode furtar direitos constitucionalmente.

Cabe ressaltar que, em momento algum, o poder judiciário assume, tipicamente, a função legislativa. Muito pelo contrário, o Judiciário age, de acordo com as prerrogativas constitucionais e balizado pela teoria dos freios e contrapesos, de modo a efetivar um direito que transcende a esfera subjetiva e atinge a esfera objetiva – o interesse público, como bem aponta Gilmar Ferreira Mendes (2002, p. 1375):

Interessante ressaltar, ainda, a extensão possível dos efeitos advindos de decisão em mandado de injunção. O que se evidencia é a possibilidade de as decisões nos mandados de injunção surtirem efeitos não somente em razão do interesse jurídico de seus impetrantes, estendendo também seus efeitos normativos para os demais casos que guardem similitude. Assim, em regra, a decisão em mandado de injunção, ainda que dotada de caráter subjetivo, comporta uma dimensão objetiva, com eficácia erga omnes, que serve para tantos quantos forem os casos que demandem a concretização de uma omissão geral do Poder Público, seja em relação a uma determinada conduta, seja em relação a uma determinada lei.

Por oportuno e pela extrema pertinência ao tópico em comento, transcrevemos parte do informativo nº 480, de 17 a 21 de setembro de 2007, do Supremo Tribunal Federal, que trata da adoção da Teoria Concretista Geral por esta Egrégia Corte:

Mandado de Injunção e Direito de Greve - 4

O Tribunal retomou julgamento de mandado de injunção impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa - SINTEM em face do Congresso Nacional, com o objetivo de dar efetividade à norma inscrita no art. 37, VII, da CF ("Art. 37. ... VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;") - v. Informativo 468. O Min. Ricardo Lewandowski, em voto-vista, acompanhou a conclusão do voto do relator. Salientando, entretanto, que a incidência pura e simples da Lei 7.783/89 à hipótese, ainda que com algumas alterações tópicas, não se mostraria de todo devida, por serem alguns de seus dispositivos inadequados ou insuficientes para regular a greve no serviço público, concedeu o mandado de injunção, desde que atendidas determinadas exigências. Aplicou, ainda, apenas à categoria representada pelo Sindicato requerente, a solução que preconizou para assegurar-lhe o exercício do direito de greve. No ponto, considerou o fato de tratar-se de mandado de injunção e não de ADI por omissão.MI 708/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 19.9.2007. (MI-708)

Mandado de Injunção e Direito de Greve - 5

Nesse sentido, o Min. Ricardo Lewandowski determinou que: 1) a suspensão da prestação de serviços deve ser temporária, pacífica, podendo ser total ou parcial; 2) a paralisação dos serviços deve ser precedida de negociação ou de tentativa de negociação; 3) a Administração deve ser notificada da paralisação com antecedência mínima de 48 horas; 4) a entidade representativa dos servidores deve convocar, na forma de seu estatuto, assembléia geral para deliberar sobre as reivindicações da categoria e sobre a paralisação, antes de sua ocorrência; 5) o estatuto da entidade deve prever as formalidades de convocação e o quorum para a deliberação, tanto para a deflagração como para a cessação da greve; 6) a entidade dos servidores representará os seus interesses nas negociações, perante a Administração e o Poder Judiciário; 7) são assegurados aos grevistas, dentre outros direitos, o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os servidores a aderirem à greve e a arrecadação de fundos e livre divulgação do movimento; 8) em nenhuma hipótese, os meios adotados pelos servidores e pela Administração poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem; 9) é vedado à Administração adotar meios para constranger os servidores ao comparecimento ao trabalho ou para frustrar a divulgação do movimento; 10) as manifestações e os atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa; 11) durante o período de greve é vedada a demissão de servidor, exceto se fundada em fatos não relacionados com a paralisação, e, salvo em se tratando de ocupante de cargo em comissão de livre provimento e exoneração ou, no caso de cargo efetivo, a pedido do próprio interessado; 12) será lícita a demissão ou a exoneração de servidor na ocorrência de abuso do direito de greve, assim consideradas: a) a inobservância das presentes exigências; e b) a manutenção da paralisação após a celebração de acordo ou decisão judicial sobre o litígio; 13) durante a greve, a entidade representativa dos servidores ou a comissão de negociação, mediante acordo com a Administração, deverá manter em atividade equipes de servidores com o propósito de assegurar a prestação de serviços essenciais e indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da coletividade; 14) em não havendo o referido acordo, ou na hipótese de não ser assegurada a continuidade da prestação dos referidos serviços, fica assegurado à Administração, enquanto perdurar a greve, o direito de contratação de pessoal por tempo determinado, prevista no art. 37, IX, da Constituição Federal ou a contratação de serviços de terceiros; 15) na hipótese de greve em serviços ou atividades essenciais, a paralisação deve ser comunicada com antecedência mínima de 72 horas à Administração e aos usuários; 16) a responsabilidade pelos atos praticados durante a greve será apurada, conforme o caso, nas esferas administrativa, civil e penal.
MI 708/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 19.9.2007. (MI-708).

Mandado de Injunção e Direito de Greve - 6

Quanto à remuneração dos dias parados, o Min. Ricardo Lewandowski inspirou-se na redação proposta ao art. 9º do Projeto de Lei 4.497/2001, para determinar que os dias de greve serão contados como de efetivo exercício para todos os efeitos, inclusive remuneratórios, desde que atendidas as exigências acima formuladas, e desde que, após o encerramento da greve, sejam repostas as horas não trabalhadas, de acordo com cronograma estabelecido pela Administração, com a participação da entidade representativa dos servidores. No que concerne especificamente à questão da fixação de parâmetros de definição de competência para a apreciação de dissídios de greve instaurados entre o Poder Público e seus servidores, adotou a regra fixada pelo relator de competência da Justiça Estadual comum para dirimir os conflitos. O Min. Gilmar Mendes, relator, aditou seu voto para determinar que o Congresso Nacional, no prazo de 60 dias, supra a omissão legislativa. Após os votos dos Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Celso de Mello e Carlos Britto, acompanhando o voto do relator, pediu vista dos autos o Min. Joaquim Barbosa.
MI 708/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 19.9.2007. (MI-708).

4.2.2 Teoria Concretista Individual

A teoria concretista individual, didaticamente, divide-se em duas vertentes, a saber: Teoria Concretista Individual Direta e Teoria Concretista Individual Intermediária.

Basicamente, a diferença chave entre as duas teorias derivadas da teoria concretista individual, encontra-se no momento da concretização do exercício do direito impedido pela omissão legislativa, conforme veremos abaixo.

4.2.2.1 Teoria Concretista Individual Direta

Defendida pela maioria da doutrina, a teoria concretista individual direta busca dar maior efetividade ao mandado de injunção, por meio de uma decisão judicial que implemente, de imediato, o direito obstado pela ausência de norma regulamentadora às partes do processo.

Diferentemente da teoria concretista geral que, como já visto, o STF profere uma decisão erga omnes para sanar a omissão até que sobrevenha norma regulamentadora por parte do órgão competente, a teoria concretista individual direta busca a efetivação e reparo da omissão inconstitucional tão somente para as partes envolvidas no processo; ou seja, “a decisão, implementando o direito, valerá somente para o autor do mandado de injunção, diretamente” (LENZA, 2008, p.741).

Para o atual ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso (2004, p.98/99), tal corrente demonstra-se a mais acertada em termos de mandado de injunção:

Já houve quem sustentasse que o mandado de injunção cumula as duas finalidades alvitradas acima (finalidade de implementar o direito no caso concreto ou finalidade de meramente comunicar o legislativo, recomendando o saneamento da omissão). Assim, na apreciação do writ, poderia órgão julgador: (i) determinar à autoridade ou órgão competente a expedição da norma regulamentadora do dispositivo constitucional; ou (ii) julgar o caso concreto, decidindo sobre o direito postulado e suprindo a lacuna legal. Sem embargo da respeitabilidade de uma e de outras opiniões, somente a segunda parece acertada. É que não ajusta aos lindes do instituto a ideia de determinar a quem quer se seja que expeça um ato normativo. Tal objeto – e, assim mesmo, com caráter de mera ciência – aproxima-se mais da tutela a ser prestada na ação direta de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º).

A vista da clara distinção entre os dois remédios, afigura-se fora de dúvida que a melhor inteligência do dispositivo constitucional (art. 5º, LXXI) e de seu real alcance esta em ver no mandado de injunção um instrumento de tutela efetiva de direitos que, por não terem sido suficientes ou adequadamente regulamentados, careçam de um tratamento excepcional, qual seja: que o Judiciário supra a falta de regulamentação, criando norma para o caso concreto, com efeitos limitados às partes do processo. O objetivo da decisão não é uma ordem ou uma recomendação para a edição de uma norma. Ao contrário, o órgão jurisdicional substitui o órgão legislativo ou administrativo competentes para criar a norma, criando ele próprio, para fins estritos e específicos do litígio que lhe cabe julgar, a norma necessária. A função do mandado de injunção é fazer com que a disposição constitucional seja aplicada em favor do impetrante, “independentemente de regulamentação e exatamente porque não foi regulamentada”. (Grifamos).

Desta forma, temos que, em suma, na teoria em análise, cabe ao pode judiciário, diante do julgamento da ação injuncional, implementar, de imediato e inter partes, a eficácia da garantia constitucional buscada pelo impetrante, outrora obstada pela ausência de norma infraconstitucional regulamentadora.

O Constitucionalista José Afonso da Silva (2008, p.450/451) vai além, dispondo que não é função do mandado de injunção “pedir” a expedição da norma regulamentadora faltante ao poder competente. “É equivocada, portanto, data vênia, a tese daqueles que acham que o julgamento do mandado de injunção visa a expedição de norma regulamentadora do dispositivo constitucional dependente de regulamentação [...]”.

E ainda, para o referido autor, 

o conteúdo da decisão consiste na outorga do direito reclamado. O impetrante age a busca direta do direito constitucional em seu favor, independentemente da regulamentação. Por isso é que dissemos que ele precisa ter interesse direto no resultado do julgamento. Compete ao Juiz definir as condições para a satisfação direta do direitos reclamados e determiná-la imperativamente.

Portanto, tem-se que o mandado de injunção, segundo a teoria concretista direta, busca, acima de tudo, implementar, por meio de uma sentença de cunho constitutivo-mandamental, que atingirá somente as partes envolvidas no processo, o direito constitucionalmente assegurado e impedido por conta da omissão em sua regulamentação.

De tal forma, segundo a doutrina, não há de se falar em qualquer afronta à teoria da Separação de Poderes, visto que a atividade jurisdicional, neste caso, não se confunde, em momento algum, com a atividade legislativa, pois ao implementar a regulamentação para o caso concreto, o judiciário apenas efetiva, conforme atribuição que lhe é imposta pela própria constituição, o direito assegurado ao impetrante. “Na injunção, o juiz julga sem lei, porque é ele quem cria a lei para o caso concreto, servindo-se para tanto da equidade como critério de julgamento” (CARVALHO, 2008, p. 785).

Importante salientar, também, as precisas lições de Alexandre de Moraes ao tecer comentários a respeito da Teoria da Separação de Poderes, mencionando o sistema de freios e contrapesos (check and balances) para justificar a harmonização dos poderes em prol de um bem maior. Logo, visando impedir o arbítrio estatal – e podemos citar como tal as duradouras omissões inconstitucionais por conta do legislativo – o sistema cria mecanismos de fiscalização e compensação mútua, por exemplo: “Poderá o Poder Legislativo sustar a executoriedade da lei delegada editada pelo Chefe do Poder Executivo que exorbite os limites constitucionais; o Senado Federal processará e julgará o Presidente da República e os Ministros do Supremo Tribunal Federal em crimes de responsabilidade [...]”.

Complementando, MORAES (2008, p. 177), ensina que é

[...] plenamente conciliável o art. 5º, LXXI (conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania) e o artigo 5º, XXXV (a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito), com o artigo 2º (são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário), todas da Constituição Federal, pois o Poder Judiciário, no exercício da atividade jurisdicional, deverá evitar a ameaça ou lesão de direitos, liberdades ou prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, decorrentes da omissão do Poder competente, declarando a existência da omissão e permitindo que o prejudicado usufrua da norma constitucional, nos moldes previstos na decisão, enquanto não for colmatada a lacuna legislativa ou administrativa.

Assim agindo, não estará o Judiciário regulamentando abstratamente a Constituição Federal, com efeito erga omnes, pois não é sua função; mas ao mesmo tempo, não estará deixando de exercer uma de suas funções precípuas, o resguardo dos direitos e garantias fundamentais. Como destaca Carlos Augusto Alcântara Machado, “não se trata de pretensa usurpação da função legislativa pelo Poder Judiciário e, sim, de exercício de uma atribuição conferida constitucionalmente.”.   (GRIFAMOS)

4.2.2.2 Teoria Concretista Individual Intermediaria

Tendo como uns dos seus principais defensores o outrora Ministro do Supremo Tribunal Federal, Néri da Silveira, e os doutrinador Alexandre de Moraes e Pedro Lenza, a teoria concretista individual intermediária surge como uma solução que oportuniza o poder omisso de sanar a mora antes da implementação do direito obstado por parte do Judiciário.

Trata-se de uma alternativa que se difere da teoria concretista individual direta apenas pelo momento da implementação do direito constitucional. Enquanto nesta teoria o judiciário implementa, de plano, o exercício do direito obstado pela ausência da norma infraconstitucional, na teoria concretista individual intermediária o Poder judiciário abra prazo para o poder omisso sanar a omissão antes de agir concretamente no  caso.

Neste ponto, imprescindível se faz transcrever, novamente, parte do pronunciamento de Néri da Silveira, citado por Alexandre de Moraes (p.175, 2008):

Partilho do entendimento de que o Congresso Nacional é que deve elaborar a lei, mas também tenho presente que a Constituição, por via do mandado de injunção, quer assegurar aos cidadãos o exercício de direitos e liberdades, contemplados na Carta Política, mas dependentes de regulamentação. Adoto posição que considero intermediária. Entendo que se deva, também, em primeiro lugar, comunicar ao Congresso Nacional a omissão inconstitucional, para que ele, exercitando sua competência, faça a lei indispensável ao exercício do direito constitucionalmente assegurado aos cidadãos. Compreendo, entretanto, que, se o Congresso Nacional não fizer a lei, em certo prazo que se estabeleceria na decisão, o Supremo Tribunal Federal pode tomar conhecimento de reclamação da parte, quanto ao prosseguimento da omissão, e, a seguir, dispor a respeito do direito in concreto. É, por isso mesmo, uma posição que me parece conciliar a prerrogativa do Poder Legislativo de fazer a lei, como o órgão competente para a criação da norma, e a possibilidade de o Poder Judiciário garantir aos cidadãos, assim como quer a Constituição, o efetivo exercício de direito na Constituição assegurado, mesmo se não houver a elaboração da lei [...]. (GRIFAMOS)

Corroborando o Néri da Silveira, Alexandre de Moraes (2008, p. 177) dispõe que,

Filiamo-nos à posição concretista individual intermediária, criada pelo Ministro Néri da Silveira, parecendo-nos, com a devida vênia, que a ideia do Poder Judiciário, após julgar procedente o mandado de injunção estabelecer um prazo para que a Constituição Federal seja regulamentada, antes de efetivamente colmatá-la, adéqua-se perfeitamente à ideia de Separação dos Poderes. Assim, a partir da decisão do Judiciário, o poder competente estaria oficialmente declarado omisso, devendo atuar.

Assim, em suma, antes de suprir a omissão inconstitucional, o Judiciário comunica o Poder Omisso – oportunizando ao mesmo que supra por si mesmo a omissão, harmonicamente à separação dos poderes – abrindo prazo para tal adimplemento. Caso o mesmo não seja realizado no prazo estipulado, estaria o Judiciário, diante da “confirmação da omissão”, apto a saná-la sem qualquer prejuízo aos princípios constitucionais.

Foi nesta esteira que o Supremo Tribunal Federal, na apreciação do Mandado de Injunção nº 283, pela primeira vez, abriu prazo para que o Poder Legislativo suprisse a mora:

Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito à reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8º, §3º, ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da morae, caso subsusta a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença líquida de indenização com perdas e danos.

1. O STF admite – não obstante a natureza mandamental do mandado de injunção (MI 107 – QO) – que no pedido constitutivo ou condenatório, formulado pelo impetrante, mas de atendimento impossível, se contém o pedido, de atendimento possível, de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra (cf. Mandados de Injunção 168, 107 e 232).

2. A norma constitucional invocada (ADCT, art. 8º, §3º - ‘Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica n. S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e n. S-285-GM5 será concedida reparação econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição’ – vencido o prazo nela previsto, legitima o beneficiário da reparação mandada conceder a impetrar mandado de injunção, dada a existência, no caso, de um direito subjetivo constitucional de exercício obstado pela omissão legislativa denunciada.

3. Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado é a entidade estatal à qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu exercício, é dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quando possível, a satisfação provisória do seu direito.

4. Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de injunção para:

a) declarar em mora o legislador com relação à ordem de legislar contida no art. 8º, §3º, ADCT, comunicando-se ao Congresso Nacional e à Presidência da República;

b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada;

c) se ultrapassado o prazo acima, sem que seja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença líquida de condenação à reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem.

d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência da lei não prejudicará a coisa julgada, que, entretanto, não impedirá o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável. (MI 283, Rel. Sepúveda Pertence, Dj de 14-11-1991). (GRIFAMOS)

Na mesma orientação, transcrevemos a ementa do Mandado de Injunção nº 232, que teve como relator o Ministro Moreira Alves:

Mandado de Injunção. Legitimidade ativa da requerente para impetrar mandado de injunção por falta de regulamentação do disposto no § 7º do artigo 195 da Constituição Federal. Ocorrência, no caso, em face do disposto no artigo 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso Nacional, na regulamentação daquele preceito constitucional. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas que se impõe para o cumprimento da obrigação de legislar decorrente do artigo 195, §7º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra, passar o requerente a gozar da imunidade requerida (MI 232, Rel. Moreira Alves, DJ de 27-3-1992).

Trata-se, pois, de uma oportunidade de o poder omisso suprir a omissão, afastando a necessidade de implementação por parte do judiciário. Outrossim, caso tal omissão não seja suprida, estaria então o judiciário, diante da mora ratificada pelo poder omisso, autorizado – afastando de qualquer forma quaisquer possibilidades de usurpação de poder – a sanar, por meio de uma sentença, a vacância normativa.

5 MANDADO DE INJUNÇÃO E AS PERSPECTIVAS DO       ATIVISMO JUDICIAL

Tido como uma nova forma de interpretação da Constituição Federal, o ativismo judicial, seguindo os moldes do fenômeno da “judicialização”, busca a interpretação da Norma Magna de forma mais proativa, amplificando o seu alcance no sentido de torna-la mais efetiva diante de lacunas e inoperância das outras esferas do Poder.

Nas palavras de Luís Roberto Barroso (2008, p. 6),

O ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico de interpretar a Constituição, expandindo seu sentido e alcance. Normalmente ela se instala em situações de retração do poder legislativo, de um certo deslocamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.

A ideia do ativismo judicial esta associada a uma participação mais ampla e intensa do judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente da manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos de que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.

Nesse contexto, correlacionando o ideal ativista ao tema proposto no presente estudo, temos que a posição ativista cujo judiciário vem exercendo no campo do mandado de injunção consiste na implementação da Constituição Federal, no sentido de efetivar os direitos fundamentais nela previstos, diante da inoperância do Poder Legislativo, dando, conforme às necessidades sociais, o equilíbrio outrora furtado pelo poder omisso. “O judiciário está atendendo as demandas da sociedade que não puderam ser satisfeitas pelo parlamento, em temas como greve no serviço público, eliminação do nepotismo ou regras eleitorais.” (BARROSO, 2008, p. 9).

Portanto, há de se afirmar que as posições adotadas pelo STF na esteira de dotar as decisões em sede injuncional de amplitude concretista – seja geral ou individual, a depender do caso – não se misturam com o desrespeito a separação dos poderes. Não se pode, diante de todas as garantias asseguradas pela Constituição Cidadã, aceitar que a inoperância do poder omisso inviabilize o exercício de qualquer direito, à qualquer pessoa, pois se assim fosse estaríamos pregando a ordem retrógada da auto-contenção judicial.

O ativismo não surge como um problema, e sim como uma solução para impedir que a mora torne inefetivos os direitos mais importantes da nação, que são aqueles previstos na Carta Magna. Ilustrando essa nova perspectiva judiciária, Barroso (2008, p. 7) exemplifica com casos concretos:

O judiciário, no Brasil recente, tem exibido em determinadas situações, uma posição claramente ativista. Não é difícil ilustrar a tese. Veja-se, em primeiro lugar, um caso de aplicação direta da Constituição em situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário: o da fidelidade partidária. O STF, em nome do princípio democrático, declarou que a vaga no Congresso Nacional pertence ao partido político. Criou, assim, uma nova hipótese de perda de mandado parlamentar, além das que se encontravam expressamente previstas no texto constitucional. Por igual, a extensão da vedação do nepotismo aos poderes Legislativo e Executivo, com a expedição de súmula vinculante, após o julgamento de um único caso, também assumiu uma conotação quase-normativa. O que a Corte fez foi, em nome dos princípios da moralidade e da impessoalidade, extrair uma vedação que não estava explicitada em qualquer regra constitucional ou infraconstitucional expressa.

Neste sentido, acompanhando a evolução das decisões do STF em sede de mandado de injunção, tem-se, como já demonstrado, que a posição durante muito tempo adotada pela Corte Suprema seguiu o sentido de não substituição ao legislador, ou seja, o STF, mantendo-se alheio a quaisquer possibilidades de furtar a função legislativa, em dito respeito à separação dos poderes, achou por bem agir nos casos concretos de mandado de injunção somente por meio da declaração da mora, aos moldes da teoria não concretista, fato que acabou por esvaziar, por um longo período, a função da ação injuncional.

Todavia, com o passar dos anos e com a grande pressão exercida pela doutrina de modo geral, nas linhas do ativismo judicial, o STF acabou flexibilizando a postura conservadora outrora adotada, passando a admitir, quando dos julgamentos de mandado de injunção, especificamente a partir do mandado de injunção nº 107/STF, a possibilidade de implementar, por meio de sentença, o direito obstado por conta da omissão Constitucional, utilizando-se, primeiramente, das posições concretistas individuais.

Assim, diante da evolução das decisões do Supremo Tribunal Federal, passou-se a uma nova concepção do Mandado de Injunção, na qual a omissão desarrazoada do legislativo começou a ser interpretada como um abuso às garantias constitucionais, cabendo, nestes casos, ao Poder Judiciário colocar um freio na inatividade legislativa e sanar, por meios próprios, as omissões que maculavam os direitos constitucionais.

Nessa nova perspectiva ativista, a Corte Suprema passou a adotar, mais precisamente a partir dos mandados de injunção nº 670, 708, 712, como já explanado em capítulo oportuno, a teoria concretista geral, aplicando, de maneira supletiva, a Lei nº 7.783/89 para a regulamentação da greve dos servidores públicos que, por tempo desarrazoado, por conta da insistente desídia e omissão legislativa, ficou sem qualquer regulamentação como exigido na Constituição Federal.

Neste sentido, Pedro Lenza (2008, 743) preleciona com autoridade:

Não se pode admitir que temas tão importantes, como o direito de greve dos servidores públicos, por exemplo, possam ficar sem regulamentação por mais de 20 anos. O Judiciário, ao agir, realiza direitos fundamentais, e, nesse sentido, as técnicas de controle das omissões passa a ter efetividade.

Isto posto, essa nova ordem ativista busca dar maior efetividade a Constituição, deixando de lado, todavia sempre ponderando a razoabilidade, a retrógada visão de que a teoria da separação dos poderes é uma premissa intocável. O Judiciário deve agir, sim, ativamente, nos casos em que a mora dos outros poderes acabarem prejudicando e inviabilizando o exercício de prerrogativas Constitucionais, pois a própria Corte Suprema tem como principal atribuição o zelo pela ampla aplicabilidade da nossa norma máxima, que não pode ser obstada por omissões injustificadas.

CONCLUSÃO

Diante da intensa pesquisa realizada a respeito da amplitude das decisões judiciais em sede de mandado de injunção, é possível extrair diversas considerações finais.

Conforme explicado ao longo do estudo, o mandado de injunção consiste em uma ação constitucional de controle concreto ou incidental de constitucionalidade por omissão, posto à disposição de quem tiver seus direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania obstados por conta de uma omissão legislativa do poder público.

Qualquer pessoa que tiver seus direitos, liberdades e prerrogativas constitucionais obstados por ausência de norma regulamentadora (omissão legislativa) é legitimado para propor mandado de injunção, inclusive é possível a impetração de mandado de injunção coletivo, por meio de entidades de classe ou associativas e sindicatos, substituindo processualmente seus membros ou filiados.

Considerando a inexistência de lei infraconstitucional que regulamente o procedimento do Mandado de Injunção, o STF decidiu que tal instituto é autoaplicável, adotando-se, analogicamente e no que couber, o rito do mandado de segurança, nos termos do parágrafo único do artigo 24 da Lei n. 8.038/90.

No que cerne à amplitude das decisões judiciais em sede de mandado de injunção, verificou-se que diante do advento desta ação injuncional em conjunto com a Constituição Federal de 1998, a doutrina e jurisprudência evoluiu gradativamente no sentido de dar maior efetividade à ação, sem, contudo, usurpar a função do Poder Legislativo.

Apesar das diversas críticas por parte da doutrina, o STF, por muito tempo, adotou a posição não concretista para as decisões em sede de mandado de injunção, limitando-se, assim, a comunicar a mora legislativa ao poder omisso, sem qualquer efeito vinculativo para sanar a mora, fato que acabou colocando em dúvida o verdadeiro sentido deste remédio.

Todavia, diante do dinamismo do direito e das diversas críticas doutrinárias, o Supremo Tribunal Federal acabou revendo, acertadamente, sua primeira posição, passando a dar maior efetividade às decisões de Mandado de Injunção, adotando, então, as teorias concretistas individuais, que permitiram a implementação, entre as partes do processo, do direito constitucionalmente assegurado que outrora era obstado por conta da ausência de regulamentação. Esse novo entendimento externou-se por meio das teorias concretista individual direta e teoria individual intermediária, que, basicamente, se diferenciam pelo momento em que o direito constitucional é implementado.

Por fim, em decisão história, o STF passou a adotar, por motivos de razoabilidade e somente em casos específicos, a Teoria Concretista Geral, que dá uma amplitude erga omnes à decisão injuncional, criando, por meio de uma “sentença normativa”, a regulamentação constitucional para o exercício do direito obstado pela omissão legislativa., como no caso da “Greve dos Servidores Públicos”.

Desta forma, nota-se que o judiciário passou a adotar uma posição ativista, aproximando-se do verdadeiro sentido buscado pelo mandado de injunção desde sua concepção, pois de nada basta um instrumento hábil à sanar certas omissões constitucionais se este não gozar de efetividade. É como um carro sem rodas; como um avião sem asa; como um livro sem letras.

Outrossim, sem dúvida essa evolução jurisprudencial é de grande valia para todo ordenamento jurídico e político do nosso país, dado que o mandado de injunção, diante de tal evolução, alcançou seu principal objetivo: dar maior efetividade as normas constitucionais, oportunizando a aplicação da Carta Magna com maior justiça, democracia e dignidade.

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Autor

  • Filipe Soares Alho

    Advogado na cidade de Santarém e região, especialista em Direito Constitucional Aplicado e MBA em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas.

    Atuante na área Civil, Processual Civil, Direito do Consumidor, Direito Imobiliário, Direito de Família e Sucessões; e Direito Comercial.

    Corretor de imóveis e avaliador.

    Sócio da Imobiliária Alho LTDA., empresa estabelecida há mais de 30 anos na cidade de Santarém.

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