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Da aplicabilidade dos institutos da coautoria e participação nos crimes culposos no atual ordenamento jurídico criminal

Da aplicabilidade dos institutos da coautoria e participação nos crimes culposos no atual ordenamento jurídico criminal

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O presente trabalho acadêmico tem como propósito fazer um estudo minucioso no que tange ao instituto do concurso de pessoas, demonstrando em quais hipóteses o mesmo pode ser aplicado junto aos coautores e partícipes que venham a praticar crimes culposos.

RESUMO: O presente trabalho acadêmico tem como propósito fazer um estudo minucioso no que tange ao instituto do concurso de pessoas, demonstrando em quais hipóteses o mesmo pode ser aplicado junto aos coautores e partícipes que venham a praticar crimes culposos. O tema em análise vem a algum tempo gerando entendimentos divergentes, justamente porque parte da doutrina concorda com a punição dos referidos agentes nos crimes culposos, e outra leva de doutrinadores discorda desse entendimento, aduzindo que os referidos agentes não podem ser punidos em coautoria e participação em face da conduta culposa, faltando assim, o elemento essencial para a sua caracterização, qual seja o liame subjetivo. Destarte, diante desta celeuma, demonstraremos como o tema em debate vem sendo encarado atualmente pela doutrina majoritária brasileira, bem como pelos recentes precedentes dos nossos tribunais superiores, e ao fim, expuseremos o entendimento pessoal sobre o tema.

Palavras-Chave: Concurso de Pessoas. Coautoria. Participação. Crimes Culposos.


1.  INTRODUÇÃO

O Trabalho acadêmico em análise abordará de forma sucinta a problemática sobre a possibilidade da configuração do instituto do concurso de pessoas nos crimes culposos. Diante disto, exploraremos as principais teorias, posições doutrinárias e jurisprudenciais existentes sobre o tema, esgotando todas as discussões existentes sobre a mesma, e por fim nos posicionando retoricamente pela teoria à qual achamos mais adequada.

Posto isto, para a elaboração e confecção deste artigo científico, utilizarei de diversas fontes doutrinárias, da legislação nacional e internacional, dos artigos e revistas científicas pertinentes ao tema, além dos recentes julgados dos nossos tribunais superiores.

Sobre a metodologia empregada em nossa produção acadêmica, no que pertine a abordagem, acolhemos o método de natureza dedutiva, a natureza metodológica aplicada será a bibliográfica, e a pesquisa de procedimento escolhida foi a comparativa.

Ab Initio, iremos explanar sucintamente o instituto do concurso de pessoas, abordando sua noção conceitual, as teorias existentes sobre o mesmo, bem como os requisitos para a sua caracterização, além das suas principais características.

Após uma breve elucidação da noção conceitual do instituto do concurso de pessoas, passaremos a análise da Coautoria, conceituando-a, elucidando as suas teorias, prevendo os requisitos para a sua caracterização e abordando as suas respectivas modalidades.

Dentro do tema da coautoria, estudaremos as suas classificações e divisões. Dentre tantas teorias, existe uma que será minuciosamente estudada por nós. Essa teoria é de fundamental importância ao nosso estudo e possui estreita ligação com o tema em análise, sendo amplamente conhecida como teoria do domínio do fato. Em início essa teoria não era adotada no Brasil, sendo uma mera previsão doutrinária, contudo, ao passar dos anos e com a evolução das relações desenvolvidas no interior do direito penal, foi necessária a sua adoção para sanar algumas falhas existentes quando da adoção de outras teorias.

A teoria do domínio do fato, conforme será demonstrada mais à frente, ganhou muita notoriedade, principalmente nos julgamentos do caso “mensalão”, da Petrobras e de outros crimes que envolvem organizações criminosas, buscando através desta, abranger ainda mais o conceito de autor (conceito extensivo de autor).

 Assim sendo, logo após abordarmos o instituto da coautoria, conceituando, classificando e demonstrando as teorias existentes sobre esta, passaremos ao estudo detalhado da Participação, abordando os pontos primordiais do referido instituto e destacando as controvérsias e polêmicas a respeito do assunto.

Nesse ponto, abordaremos a possibilidade da existência da tentativa de participação, aonde adotaremos a corrente majoritária que entende que de acordo com o artigo 31 do Código Penal, não há a possibilidade de existir a tentativa de participação.

Também iremos elucidar o tema atinente à participação nos crimes omissivos próprios e omissivos impróprios (art. 13, §2º, CP), demonstrando como a doutrina e jurisprudência se posicionam sobre a aplicação dos mesmos.

A posteriori, passaremos a analisar a questão atinente à punição dos coautores e partícipes, e demonstraremos como o nosso Código Penal lida com as circunstâncias incomunicáveis, quando diante da punição destes agentes que se encontram interligados pelo concurso de pessoas.

Outro fator muito importante a ser abordado nessa obra, é a questão atinente à figura do partícipe que pretende participar de crime menos grave, mas que acaba se envolvendo em crime mais grave. Essa questão atualmente é pacífica e legislada de forma expressa no código penal, mas que será objeto de diversos desdobramentos quando do seu estudo.

Por fim, iremos adentrar na problemática da qual esta produção acadêmica procurou se alongar, problemática esta, que gira em torno da aplicação do concurso de pessoas nos crimes culposos. Iremos explicitar ao longo desta, o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência sobre o tema, e ao fim iremos aduzir o entendimento que nos parece mais acertado, qual seja, o da utilização do concurso de pessoas nos crimes culposos, desde que essa utilização seja feita com bastante cautela, devendo-se sempre olhar para o caso concreto.

Analisando de forma detalhada o supracitado instituto, iremos verificar que quando do cometimento de um crime culposo, só existe a possibilidade de fazê-lo por meio do instituto da coautoria, mas jamais através da participação, já que essa última modalidade não comporta tal possibilidade.

Esta é a posição a ser defendida em nossa confecção científica, aonde iremos demonstrar ao correr desta, que de acordo com a doutrina, legislação nacional e os recentes julgados dos tribunais superiores, que o nosso ordenamento jurídico criminal, atualmente só admite a figura da coautoria nos crimes culposos.


2.  CONCURSO DE PESSOAS 

2.1.  NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

O concurso de pessoas é uma criação doutrinária que está a muito tempo contida no Código Penal Brasileiro, e basicamente verifica-se a sua ocorrência, quando duas ou mais pessoas convergem seus esforços de qualquer modo para o cometimento de uma infração penal. Dessa maneira, é a ligação existente entre os agentes que vierem a cometer o crime, que configura o instituto do concurso de pessoas.

No atual ordenamento jurídico criminal, os crimes podem se dividir em unissubjetivos e plurissubjetivos. Os crimes plurissubjetivos são aqueles em que o próprio tipo penal reclama a presença de duas ou mais pessoas para a consumação do tipo. O melhor exemplo disso é o do crime de associação criminosa, que conforme expressa o artigo 288 do Código Penal, exige a presença de três ou mais agentes.

Sendo assim, os crimes plurissubjetivos encontram respaldo no próprio tipo penal incriminador, não necessitando do complemento do artigo 29 do código penal. Situação inversa é a encontrada nos crimes unissubjetivos, que podem ser entendidos como aqueles que são praticados por um único agente, mas que em determinadas situações são cometidas por duas ou mais pessoas. Assim, o tipo penal não prevê a conduta ou situação em que o crime é praticado por duas ou mais pessoas, sendo necessária a complementação por parte do artigo 29 do Código Penal, ou seja, deve-se recorrer ao instituto do concurso de pessoas, e utilizar no caso concreto a coautoria ou participação para dirimir a responsabilidade penal subjetiva.

Sendo assim, o legislador pátrio resolveu legislar esse instituto por meio do Código Penal (BRASIL, PLANALTO, 1940), conforme se infere a seguir: Art. 29, CP. “Quem de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

Destarte, a época da promulgação do Código Penal de 1940, o legislador previa a figura unitária da Coautoria, que a época abrangia todas as pessoas que tivessem qualquer tipo de vínculo com a atuação delituosa. Só depois, em 1984, é que o legislador ao verificar o erro de nomenclatura, modificou-o, sendo até hoje chamado de concurso de pessoas, da qual são espécies a coautoria e a participação.

A respeito do que fora explanado acima, torna-se necessária a transcrição das lições de Bitencourt (2012, epub reader):

O Código Penal de 1940 utilizava a terminologia “coautoria” para definir o concurso eventual de delinquentes. Mas na verdade coautoria é apenas uma espécie do gênero “codelinquência”, que também pode se apresentar sob a forma de participação em sentido estrito. Consciente desse equívoco, o Código Penal de 1969 utilizou a expressão “concurso de agentes”, que abrangeria as duas espécies referidas de concurso. A reforma de 1984 considerou, porém, que “concurso de agentes” não era a terminologia mais adequada por ser extremamente abrangente e poder compreender inclusive fenômenos naturais, pois agentes físicos também podem produzir transformações no mundo exterior. Na visão da reforma, “concurso de pessoas” é a melhor forma para definir a reunião de pessoas para o cometimento de um crime, adequando-se melhor à natureza das coisas.

Sendo assim, atualmente a legislação brasileira vem adotando a nomenclatura mais acertada no que tange ao instituto do concurso de pessoas, que por sua vez, divide-se em coautoria e participação, conforme será estudada mais à frente.

2.2.       TEORIAS SOBRE O CONCURSO DE PESSOAS

Ao decorrer dos tempos, e com o aprimoramento do estudo do instituto do concurso de pessoas, inúmeras teorias surgiram a respeito do mesmo, ao qual passaremos a discorrer.

Embora existam diversas teorias que tratem do referido assunto, iremos nos limitar a estudar as três principais teorias existentes sobre o tema, qual sejam a teoria pluralista, a teoria dualista e por fim a teoria monista, que representam as teorias mais importantes a respeito do conteúdo em análise.

A teoria pluralista entende que cada ação de cada agente configura um ilícito penal, ou seja, cada ação desenvolvida pelo agente configura um delito. Assim, cada autor e partícipe que agir de determinado modo para por em prática um delito, pratica um indiferente penal. Posto isto, a título de exemplo, numa empreitada criminosa em que três agentes se reúnem para roubar um banco, todos os agentes respondem cada um por um ilícito diferente, e não pelo crime ao qual pretendem praticar.

A respeito da teoria pluralista, vejamos as lições de Bitencourt (2012, epub reader):

Segundo essa teoria, a cada participante corresponde uma conduta própria, um elemento psicológico próprio e um resultado igualmente particular. À pluralidade de agentes corresponde a pluralidade de crimes. Existem tantos crimes quantos forem os participantes do fato delituoso [...]. Imagine-se, por exemplo, a prática do crime de roubo quando quatro pessoas entram em acordo para subtrair o dinheiro existente na caixa forte de uma agência bancária, mediante o emprego de grave ameaça contra o diretor da sucursal. Nesse caso, não estamos diante de quatro crimes de roubo, ou do “crime de concurso”, mas, sim, de um único crime que para a sua execução contou com a intervenção de quatro agentes. O resultado produzido também é um só. Na verdade, a participação de cada concorrente não constitui atividade autônoma, mas converge para uma ação única, com objetivo e resultado comuns.

Por sua vez, a Teoria Dualista, que possui inúmeros adeptos na doutrina brasileira, surgiu a época com várias aclamações, haja vista que possuía como postulado a divisão entre coautor e partícipe. Por essa teoria, deve-se entender que quando do cometimento de um crime, o coautor praticava um determinado ilícito e o partícipe praticava um outro delito, diverso do praticado pelo autor.

Por fim, a Teoria Monista ou Unitária que atualmente é adotada pelo nosso Código Penal, entende que todas as pessoas que concorrem de qualquer forma para o suposto crime, incidem nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. É o que diz o artigo 29 do Código Penal.

A respeito da Teoria Monista ou Unitária, assevera Rogério Greco (2014, p. 426):

Para a teoria monista existe um crime único, atribuído a todos aqueles que para ele concorreram, autores ou partícipes. Embora o crime seja praticado por diversas pessoas, permanece único e indivisível.

Sendo assim, quando do cometimento de um crime de furto, que seja realizado por diversos agentes que agem simultaneamente em coautoria e participação, deve-se imputar aos mesmos a figura única do crime de furto.

Além de estar expressamente contida no Código Penal, a Teoria monista ou unitária é há muito tempo consolidada na jurisprudência pátria. Sendo assim, olhemos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial nº 169.212-PE, 6º Turma, de relatoria do Ministro Fernando Gonçalves, de 24.06.199. (BRASIL, STJ, 1999):

O Ordenamento jurídico pátrio adotou, no concernente à natureza jurídica do concurso de agentes, a teoria unitária ou monista, segundo a qual todos aqueles que concorrerem para a crime incidem nas penas a ele cominadas (art. 29, CP). Entretanto, exceções pluralistas há em que o próprio Código Penal, desmembrando as condutas, cria tipos diferentes. É, por exemplo, o caso do falso testemunho, hipótese em que a testemunha que faz afirmação falsa responde pelo delito do art. 342 e quem dá, oferece ou promete dinheiro ou outra vantagem para que aquela cometa o falso no processo penal incide nas penas do art. 343.

Conforme assevera o julgado em questão, o nosso código penal adotou em regra a teoria monista, contudo, de forma excepcional utiliza-se da teoria dualista para punir de forma diversa o autor do partícipe em algumas hipóteses.

Essas exceções foram previstas de maneira expressa (numerus clausus), de acordo com que aduz o artigo 29, parágrafos primeiro e segundo do Código Penal (BRASIL, PLANALTO, 1940):

Art. 29, §1º, CP. Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço).

Art. 29, §2º, CP. Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada de até a 1/2 (metade), na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

Destarte, de forma excepcional o nosso Código Penal também admite a aplicação da teoria dualista, quando houver o cometimento do crime em qualquer das hipóteses constantes dos parágrafos primeiro e segundo do artigo 29.

Sendo assim, se a participação for de menor importância, ou seja, aquela participação que contribua de forma mínima para o resultado final, a pena do partícipe poderá ser diminuída no patamar de 1/6 a 1/3.

A respeito dessa causa de diminuição de pena, a doutrina pacífica entende que a mesma configura um direito subjetivo do réu, já que uma vez demonstrada cabalmente a sua intenção de participar de crime menos grave, o magistrado é “obrigado” a conceder essa diminuição de pena, podendo empregar o seu subjetivismo tão somente na parte que diz respeito ao patamar de redução a ser aplicado ao caso concreto, assim, cabe ao juiz dentro do seu subjetivismo, apenas a à adoção do patamar de redução da pena, que pode se dar entre um sexto a um terço.

Isto posto, assevera Nucci (2014, p.297):

[...] Também, possível admitir e reconhecer que há participações de somenos importância. Essas receberam um tratamento especial do legislador, pois fica criada uma causa de diminuição de pena. Assim, o partícipe que pouco tomou parte na prática criminosa, colaborando minimamente, deve receber a pena diminuída de um sexto a um terço, o que significa a possibilidade de romper o mínimo legal da pena prevista em abstrato. 

Por sua vez, o parágrafo segundo aduz que o agente que quis participar de crime menos grave, deverá a ele ser aplicada a pena deste crime, contudo, caso o agente ao agir preveja como possível o resultado mais grave, ser-lhe-á aplicada a pena do crime menos grave aumentada até a metade.

A doutrina explica que nesse caso, deve-se aplicar a pena do crime menos grave, porque no crime efetivamente praticado faltou o liame subjetivo que ligava supostamente “a” e “b” para a pratica deste crime, já que por exemplo, “a” queria praticar um determinado crime, e “b” efetivamente praticou um outro crime. Assim, “a” não poderá responder pelo crime mais grave, já que nunca se prestou a praticar aquele determinado crime, pelo contrário, desde o início teve o intuito de praticar outro crime, que por sua vez era menos grave.

A respeito do assunto, vejamos as lições de Nucci (2014, p. 298-299):

O agente que desejava praticar um determinado delito, sem condição de prever a concretização de crime mais grave, deve responder pelo que pretendeu fazer, não se podendo a ele imputar outra conduta, não desejada, sob pena de se estar tratando de responsabilidade objetiva, que a reforma do código penal de 1984 pretendeu combater. Quando um sujeito coloca-se no quintal de uma casa, vigiando o local, para que outros invadam o lugar, subtraindo bens, quer auxiliar o cometimento de crime de furto. Se, dentro do domicílio, inadvertidamente, surge o dono da casa, que é morto pelos invasores, não deve o vigilante, que ficou fora da casa, responder igualmente pelo latrocínio. Trata-se de uma cooperação dolosamente distinta: um quis cometer o delito de furto, crendo que o dono da casa estava viajando, e, portanto, jamais haveria emprego de violência; os outros, que ingressaram no domicílio e mataram o proprietário, evoluíram na ideia criminosa sozinhos, passando do furto para o latrocínio (grifos acrescidos).

Contudo, se diante das circunstâncias presentes no caso concreto o agente poderia prever o resultado mais grave, aumentar-se-á a pena em até a metade. Assim, se o agente poderia prever que algo mais grave poderia acontecer naquela empreitada criminosa, receberá nesse caso a pena do crime mais leve, aumentada, todavia, de até a metade.

Essa previsão deve ser verificada no caso concreto, diante da concepção de vida de um homem médio, assim, deve-se verificar como um homem médio lidaria com tal situação. Se o mesmo não conseguisse prever esta, aplicar-se-á a pena mais branda sem nenhum aumento. Por sua vez, se pela percepção do homem médio fosse possível prever tal resultado, deve-se aplicar a pena mais branda, aumentada em todo caso em até a metade.

2.3.       REQUISITOS PARA O CONCURSO DE PESSOAS

Após a leitura de vários manuais e doutrinas sobre o assunto, percebemos que a doutrina pátria é uníssona ao prever quatro requisitos de forma cumulativa para a configuração do concurso de pessoas.

Posto isto, os requisitos configuradores do concurso de pessoas são a pluralidade de agentes e de condutas; Relevância causal de cada conduta; Liame subjetivo entre os agentes, e a identidade de infração penal.

O primeiro requisito é o da pluralidade de agentes, ou seja, para que se configure o instituto do concurso de pessoas, é necessário que dois ou mais agentes convirjam seus esforços para o cometimento de um indiferente penal.

O segundo requisito diz respeito à relevância causal de cada conduta. Assim, para que se aplique tal instituto é necessário que o agente pratique uma conduta relevante para o desfecho final do crime, pois, caso contrário, a sua conduta será considerada irrelevante, e não será considerada para fins de punição do referido crime perpetrado.

O terceiro requisito pode ser considerado como um dos mais importantes para a configuração do concurso de pessoas, sendo aquele que exige o liame subjetivo entre os participantes da empreitada criminosa, é a convergência de vontades, é assim, o vínculo de natureza psicológica que ligam os agentes à aquela conduta criminosa.

A respeito do requisito do liame subjetivo, seguem as lições de Bitencourt (2012, epub reader):

Deve existir também, repetindo, um liame psicológico entre os vários participantes, ou seja, consciência de que participam de uma obra comum. A ausência desse elemento psicológico desnatura o concurso eventual de pessoas, transformando-o em condutas isoladas e autônomas. “Somente a adesão voluntária, objetiva (nexo causal) e subjetiva (nexo psicológico), à atividade criminosa de outrem, visando à realização do fim comum, cria o vínculo do concurso de pessoas e sujeita os agentes à responsabilidade pelas consequências da ação”.

O simples conhecimento da realização de uma infração penal ou mesmo a concordância psicológica caracterizam, no máximo, “conivência”, que não é punível, a título de participação, se não constituir, pelo menos, alguma forma de contribuição causal, ou, então, constituir, por si mesma, uma infração típica. Tampouco será responsabilizado como partícipe quem, tendo ciência da realização de um delito, não o denuncia às autoridades, salvo se tiver o dever jurídico de fazê-lo, como é o caso, por exemplo, da autoridade pública.

O liame subjetivo tem por objetivo reunir as vontades dos agentes para a “produção” do resultado criminoso almejado, e conforme ensina Bitencourt, caso inexista essa convergência de vontades para o cometimento de determinado crime, teremos apenas condutas isoladas, que serão punidas de forma autônoma e individual em face de cada agente.

Por fim, teremos o quarto e último requisito do concurso de pessoas, qual seja o da identidade de infração penal. Esse requisito é entendido como sendo aquele em que todos os agentes que participam ou colaboram de qualquer forma para o crime, devem responder pelo mesmo, configurando assim em “unidade de infração”. A exigência de tal requisito para o concurso de pessoas se dá pela adoção por parte do nosso Código Penal à teoria unitária ou monista.

Contudo, essa regra não é absoluta, já que admite algumas exceções. A título de exemplo, podemos evidenciar o fatídico caso dos crimes contra a administração pública, em que o agente particular responderá por corrupção ativa (art. 333, CP) e o agente público responderá por corrupção passiva (art. 317, CP).

2.4.       DAS CIRCUNSTÂNCIAS INCOMUNIVÁVEIS DO CONCURSO DE PESSOAS

Destarte, quando da criação do instituto do concurso de pessoas, o legislador pátrio e a doutrina entendiam que os agentes que participavam da mesma empreitada criminosa deveriam responder pelo mesmo delito, ou seja, deveria-se observar o requisito da unidade de infração, para que restasse configurada a figura do concurso de pessoas.

Contudo, atualmente essa regra não é absoluta, já que existe uma exceção prevista expressamente no texto de lei, à qual passaremos a estudar a seguir. Posto isto, o Código Penal (BRASIL, PLANALTO, 1940) prevê: “Art. 30, CP: Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.

Pela simples literalidade do dispositivo legal, podemos extrair que as circunstâncias e condições de caráter pessoal/subjetiva do agente não se comunicam aos demais coautores e partícipes da empreitada criminosa, salvo, quando estas forem elementares do crime.

Sendo assim, o texto de lei prevê uma única ressalva, qual seja, quando as elementares e circunstâncias de caráter pessoais forem elementares do crime.

Dessarte, mostra-se de extrema importância explicitar o que vem a ser elementares e circunstâncias, assim sendo, recorreremos mais uma vez as lições de Masson (2012, p. 524), grifo meu:

Elementares são os dados fundamentais de uma conduta criminosa. São os fatores que integram a definição básica de uma infração penal. No homicídio simples (CP, art. 121, caput), por exemplo, as elementares são “matar” e “alguém”.

Circunstâncias, por sua vez, são os fatores que se agregam ao tipo fundamental, para o fim de aumentar ou diminuir a pena. Exemplificativamente, no homicídio, que tem como elementares “matar” e “alguém”, são circunstâncias o “relevante valor moral” (§1.º), o “motivo torpe” (§2.º, I) e o “motivo fútil” (§2.º, II), dentre outras.

Desta forma, as circunstâncias podem ser entendidas como informações suplementares, dados secundários que apenas dizem respeito à circunstâncias que podem aumentar ou diminuir a pena.

Por sua vez, a doutrina classificou as circunstâncias em natureza objetiva e subjetiva. A de natureza objetiva, de acordo com Greco (2014), se relaciona com o fato criminoso, com os dados constantes da própria atividade criminosa, como por exemplo o tempo, o lugar, ocasião, modos de execução, uso de determinados instrumentos. Tais elementos, como fazem parte da atividade criminosa, se comunicam aos agentes se estes ingressarem na esfera de conhecimento dos coparticipantes.

As circunstâncias de natureza subjetiva ou pessoais, de acordo com Greco (2014), são circunstâncias que dizem respeito ao próprio agente, é um dado/informação pessoal, e por conta disso, via de regra não se comunicam aos coparticipantes. Contudo, se este dado pessoal for uma informação elementar do crime, deve-se obedecer a regra do artigo 30, e estendê-la aos demais coparticipantes.

Diante dos ensinamentos de Cleber Masson, percebe-se que a elementar é um dado fundamental da conduta criminosa descrita em lei, que caso não esteja presente, levará a atipicidade da conduta ou a desclassificação para um outro crime diferente daquela previamente planejado. Dessa maneira, de acordo com o exemplo citado acima, a conduta de “matar” seria a elementar do crime de homicídio (art. 121, CP).

Posto isto, essa ressalva se aplica a diversos dispositivos do Código Penal, a título exemplificativo, há determinadas circunstâncias de caráter pessoal, que configuram-se como elementares do crime. Como exemplo, podemos citar o crime de peculato (art. 312, CP), que é crime próprio de funcionário público (circunstância pessoal).

Sendo assim, a condição de funcionário público é circunstância de caráter pessoal, e poderá se transmitir ao coautor/partícipe a fim de estender a punição pelo delito de peculato aos mesmos, já que a figura do “funcionário público” é elementar do crime de peculato.

Por fim, a doutrina atualmente pacífica, entende que as circunstâncias e as condições pessoais do agente devem ser de conhecimento prévio dos demais agentes, a fim de estender aos mesmos a comunicabilidade de tais circunstâncias e condições de caráter pessoal, pois, caso os demais agentes não conheçam tais circunstâncias pessoas, estas não se estenderão aos demais comparsas, sob pena de responsabilidade penal objetiva.

O entendimento exposto acima é atualmente majoritário, sendo defendido por inúmeros doutrinadores, dentre os quais destacamos as elucidativas palavras de Nucci (2014, p. 307):

[...] é indispensável que o concorrente tenha noção da condição ou da circunstância de caráter pessoal do comparsa do delito, pois, do contrário, não se poderá beneficiar do disposto no art. 30. Assim, caso uma pessoa não saiba que está prestando auxílio a um funcionário público para apropriar-se de bens móveis pertencentes ao Estado (peculato para o funcionário público – art. 312, CP), responderá por furto.

2.5.       DA AUTORIA

Antes de adentrarmos ao estudo da Coautoria, vez que se torna necessário conceituarmos o que vem a ser Autoria. Apesar de encontrarmos forte resistência na doutrina, atualmente prevalece o entendimento do conceito restritivo de autor, e de forma excepcional, o nosso ordenamento jurídico e doutrina, admitem os chamados conceitos extensivos da autoria, da qual fazem parte as teorias do domínio do fato, autoria intelectual, autoria de escritório, e tantas outras que tentam estender o conceito de Autor.

Sendo assim, iremos nos limitar a conceituar de forma restritiva o autor, que nas palavras de Greco (2014, p. 427), pode ser entendido como:

Autor seria somente aquele que praticasse a conduta descrita no núcleo do tipo penal. Todos os demais que, de alguma forma, o auxiliassem, mas que não viessem a realizar a conduta narrada pelo verbo do tipo penal seriam considerados partícipes.

A autoria pode ser realizada de forma direta ou indireta. A autoria direta é aquela em que o agente pratica o verbo nuclear do tipo penal, pratica diretamente o fato definido como crime. Já a autoria indireta, também conhecida como autoria mediata, é aquela em que o agente utiliza de uma terceira pessoa para praticar o crime.

A respeito da autoria mediata, ensina Masson (2012, p. 512):

A pessoa que atua sem discernimento – seja por ausência de culpabilidade, seja pela falta de dolo ou culpa -, funciona como mero instrumento do crime. Inexistindo vínculo subjetivo, requisito indispensável para a configuração do concurso de agentes. Não há, portanto, concurso de pessoas. Somente o autor mediato pode ser atribuída a propriedade do crime.

Pelo exposto, podemos aduzir que apenas o autor mediato, aquele que dolosamente utiliza de terceiro para praticar o crime, é que de fato será punido pelo crime, sendo que o autor de fato/autor imediato, que foi utilizado como instrumento do crime, não deve ser responsabilizado, sob pena de incorrermos em responsabilidade penal objetiva.

Ainda no estudo da autoria, esse instituto comporta inúmeras classificações, contudo, trataremos de três das quais acredito serem as mais pertinentes ao estudo em análise, quais sejam, a autoria colateral, a autoria incerta e a autoria desconhecida.

Primeiramente trataremos da autoria colateral, que vem a ser aquela situação em que duas ou mais pessoas distintas, que não possuem ligação alguma, que não possuem vínculo subjetivo, acabam querendo atingir o mesmo bem juridicamente tutelado. Vejamos o que diz Masson (2012, p. 528):

[...] ocorre quando duas ou mais pessoas intervêm na execução de um crime, buscando igual resultado, embora cada uma delas ignore a conduta alheia. Exemplo: “A”, portando revólver, e “B”, uma espingarda, escondem-se atrás de árvores, um do lado direito e outro do lado esquerdo de uma mesma rua. Quando “C”, inimigo de ambos, por ali passa, ambos os agentes contra ele efetuam disparos de armas de fogo.

Isso ocorre porque simplesmente “A” e “B” sem vínculo subjetivo algum,  desejavam realizar o mesmo delito. Infere-se que a autoria colateral não está inserida no concurso de pessoas, por lhe faltar o vínculo subjetivo que ligam os coautores ou partícipes, assim, diante do caso prático, “A” e “B” deverão responder de forma autônoma pela figura delituosa praticada a título consumado ou tentado, caso tenham atingindo ou não o resultado almejado.

Após a análise da autoria colateral, estudaremos a autoria incerta, que por sua vez é uma teoria advinda daquela, e se caracteriza quando se sabe quem são os prováveis autores do crime, contudo, não se pode determinar com certeza quem de fato conseguiu atingir o bem jurídico protegido.

Diante de tal situação, como não se pode afirmar com grau de certeza quem conseguiu atingir o bem jurídico, e já que não se trata de concurso de pessoas, devem ser imputados aos mesmos a figura tentada do crime, numa nítida aplicação do princípio in dubio pro reo.

Insta salientar que a posição esposada acima é majoritária no âmbito dos tribunais superiores. Contudo, existem precedentes no Superior Tribunal de Justiça, que entendem que quando um dos coautores ou partícipes da coautoria incerta praticar um crime impossível por impropriedade absoluta do meio, essa causa se estenderá aos demais, sob pena de infringir o princípio do in dubio pro reo. Assim, como não se pode determinar com grau de certeza quem foi o autor do crime, se um dos agentes vier a cometer crime impossível, essa causa se estenderá a todos os demais.

Esclarecido o que vem a ser a autoria colateral e incerta, desse modo, devemos analisar a autoria desconhecida, que nas palavras de Masson (2012, p. 530) pode ser entendida como:

Cuida-se de instituto ligado ao processo penal, que ocorre quando um crime foi cometido, mas não se sabe quem foi seu autor. Exemplo: “A” foi vítima de furto, pois todos os bens de sua residência foram subtraídos enquanto viajava. Não há provas, todavia, do responsável pelo delito.

É nesse ponto que se diferencia da autoria incerta, de interesse do direito penal, pois nela conhecem-se os envolvidos em um crime, mas não se pode, com precisão, afirmar quem a ele realmente deu causa.

Na autoria desconhecida, conforme assevera Masson, diferentemente das demais, não se sabe afirmar quem de fato cometeu o crime, ou seja, ocorreu um delito, mas não se tem notícia alguma de quem cometeu o crime. Foi um fato oculto, feito as escondidas.

Questão importante a ser abordada em nosso artigo científico é a que diz respeito ao autor intelectual, que vem ganhando maior notoriedade no cenário jurídico-criminal brasileiro, principalmente nos últimos tempos, com a desarticulação do “mensalão” e dos processos do “lava-jato”, bem como a do escândalo da empresa estatal Petrobras.

Por autor intelectual, como o próprio nome já explica, pode ser entendido como aquele em que o agente que muito embora não esteja presente na empreitada criminosa praticando o verbo nuclear do tipo penal, está “por trás” de toda a trama criminosa, organizando e planejando toda a operação criminosa. A função por ele exercida se configura como de essencial importância para o desfecho final do crime.

Sendo assim, infere-se o conceito extraído da doutrina de Jesus (2014, epub  reader):

O sujeito planeja a ação delituosa, constituindo o crime produto de sua criatividade. É o caso do chefe de associação criminosa que, sem efetuar comportamento típico, planeja e decide a ação conjunta.

Por fim, devemos abordar todas as nuances que rondam a autoria de escritório, teoria essa oriunda da doutrina alemã. A teoria da autoria de escritório basicamente tenta inserir o “mandante” do crime como autor do delito, já que em diversas situações vislumbramos chefes de facções criminosas que detêm o poder sobre os demais integrantes, e simplesmente ordenam a seus subordinados a pratica de determinado crime.

Sendo assim, a referida teoria defende que a essa pessoa deve ser estendida o status de autor do crime, já que o mesmo tem o domínio da situação, tem o poder de ordenar o crime quando bem entender.

A respeito da teoria da autoria de escritório, os estudos e publicações científicas de Zaffaroni e Pirangeli (2007, p. 582-583), foram de longe as que ganharam maior notoriedade sobre o assunto, sendo assim, vejamos:

Esta forma de autoria mediata pressupõe uma “máquina de poder”, que pode ocorrer tanto num estado em que se rompeu com toda a legalidade, como numa organização paraestatal (um estado dentro do estado), ou como uma máquina de poder autônoma “mafiosa”, por exemplo. Não se trata de qualquer associação para delinquir, e sim de uma organização caracterizada pelo aparato de seu poder hierarquizado, e pela fungibilidade de seus membros (se a pessoa determinada não cumpre a ordem, outro a cumprirá; o próprio determinador faz parte da organização).

Conforme dito acima, a autoria de escritório é bastante comum nas grandes organizações criminosas, já que existe um poder hierarquizado, da onde provem ordens para serem executadas pelos seus subordinados, afim de que cometam, paralisem ou anulem a pratica de determinado crime, sendo uma ordem que deve ser obedecida pelo agente, já que existe uma hierarquia dentro daquele determinado grupo.

Assim sendo, a título de exemplo, existiria autoria de escritório no que pertine ao comandante do PCC (Primeiro Comando da Capital), organização criminosa bastante conhecida em São Paulo, que possui um comando central, que a qualquer momento poderá ordenar que os seus comandados procedam de determinado modo a cometerem determinado crime.

Sendo assim, o comandante do PCC deve ser encarado na óptica do direito penal como autor do crime, já que é da vontade dele que emana ou não a realização de determinado crime.

2.6.       TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO

A teoria do domínio do fato, nascida em 1939 pela criação do doutrinador Alemão Hans Welzel, surgiu para solucionar um grande problema enfrentado no direito penal, qual seja o da punição dos agentes que embora não cometessem a conduta elementar do tipo penal, o verbo do tipo, participavam de forma decisiva e essencial no resultado final do crime.

Como já fora abordado mais acima, o ordenamento jurídico-criminal brasileiro entendia que autor era tão somente aquele indivíduo que praticava o crime, e o partícipe era quem o auxiliasse moral ou materialmente para a confecção do crime. Contudo, em diversas oportunidades, os aplicadores da norma se depararam com situações em que o executor era apenas uma das pessoas que organizavam, maquinavam e executavam o crime, ou seja, cada pessoa desempenhava funções primordiais para que ao fim o crime fosse perpetrado.

Assim, sobre a referida teoria aduz Capez (2011, p. 362):

[...] autor é aquele que detém o controle final do fato, dominando toda a realização delituosa, com plenos poderes para decidir sobre sua prática, interrupção e circunstâncias. Não importa se o agente pratica ou não o verbo descrito no tipo legal, pois o que a lei exige é o controle de todos os atos, desde o início da execução até a produção do resultado. Por essa razão, o mandante, embora não realize o núcleo da ação típica, deve ser considerado autor, uma vez que detém o controle final do fato até a sua consumação, determinando a prática delitiva.

Destarte, para a teoria do domínio do fato, ainda que o agente não esteja cometendo o verbo nuclear, nem mesmo esteja presente na empreitada criminosa, mas que de qualquer forma possa intervir em seu resultado final, tendo poder para ordenar, paralisar e finalizar a hora que quiser o crime, a esse agente poderá ser estendido o status de autor/coautor. Isso se deve ao fato de que a teoria do domínio do fato, considera autor, o agente que detenha o domínio sobre a empreitada criminosa.

A teoria do domínio do fato é amplamente aplicável na Alemanha, contudo, no que pertine à sua aplicabilidade no Brasil, insta salientar que a mesma ficou muito tempo “esquecida”, sendo que atualmente ela vem sendo amplamente aplicada nos tribunais superiores, e vem sendo defendida por boa parte da doutrina pátria, como por exemplo, podemos citar Damásio de Jesus, Zaffaroni, Cleber Masson, Fernando Capez, Nilo Batista, Luis Régis Prado, Cezar Roberto Bitencourt, Luiz Flávio Gomes, e outros expoentes da doutrina criminal, configurando assim, aceitação majoritária da referida teoria.

No que tange a sua aplicação junto aos tribunais superiores, devemos colacionar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando da apreciação do Habeas Corpus nº 191444/PB – 2010/0217862-8, de relatoria do Ministro OG. Fernandes, 6º Turma, julgado em 06.09.2011 (BRASIL, STJ, 2011), que sobre o instituto da teoria do domínio do fato, acabou adotando o seguinte entendimento:

Ementa: HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E TENTATIVA DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. EXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. IMPROCEDÊNCIA.TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO. PENA-BASE FUNDAMENTADA. CONTINUIDADEDELITIVA. RECONHECIMENTO. 1. O habeas corpus não é o instrumento processual adequado para a operação do revolvimento aprofundado de elementos probatórios. A impropriedade da via se avulta quando o objetivo colimado é o de justamente desconstituir o acervo probatório coligido em processo criminal, e exposto por meio de decisão judicial fundamentada como suficiente a amparar a condenação. 2. Inviável, outrossim, é o reconhecimento do instituto da participação de menor importância, porquanto o acórdão, de maneira motivada, afastou o benefício legal, demonstrando que as ações do paciente, a saber, a locação de imóvel para acomodação dos comparsas, bem como o auxílio por ele prestado até o local dos fatos tiveram proeminente relevância causal. 3. Cumpre ressaltar, por relevante, que, em tema de concurso de agentes, a autoria pode se revelar de diversas maneiras, não se restringindo à prática do verbo contido no tipo penal. Assim, é possível, por exemplo, que um dos agentes seja o responsável pela idealização da empreitada criminosa; outro, pela arregimentação de comparsas; outro, pela obtenção dos instrumentos e meios para a prática da infração; e, outro, pela execução propriamente dita. Assim, desde cada um deles - ajustados e voltados dolosamente para o mesmo fim criminoso - exerça domínio sobre o fato, responderá na medida de sua culpabilidade. 4. No que diz respeito à aplicação da pena-base do paciente, não há constrangimento a ser sanado, visto que foram fixadas, em relação a cada infração (roubo circunstanciado e tentativa de roubo circunstanciado), três meses acima do mínimo legal, em conta, principalmente, das circunstâncias do crime e da acentuada culpabilidade. 5. O contexto fático leva à conclusão de que as infrações, da mesma espécie, e pelas condições de tempo, lugar e maneira de execução, foram cometidas de forma continuada, ou seja, a segunda infração (roubo tentado) nada mais constituiu do que o prolongamento da ação delitiva iniciada anteriormente. 6. Pela narrativa da denúncia, corroborada no título condenatório, é possível inferir que - conquanto autônomos na sua essência, já que um foi o roubo à residência e, outro, contra o estabelecimento comercial vizinho, com vítimas inclusive diferentes - o alvo principal dos réus sempre foi a empresa. Daí que a passagem pela residência constitui meio "útil" aos agentes para alcançar o objetivo maior: o estabelecimento comercial. 7. Por tal razão, é o caso de reconhecimento da continuidade entre os crimes de roubo circunstanciado e tentativa de roubo circunstanciado. 8. Readequação das sanções. 9. Ordem parcialmente concedida [...] (grifos acrescidos).

Por fim, resta evidenciado que a referida teoria busca abranger o conceito de autor, abarcando assim, até mesmo a figura daquele que não venha a cometer o núcleo do tipo penal, mas que venha de qualquer modo a influir de modo decisivo no sucesso da empreitada criminosa.

Assim, apesar de ainda sofrer resistência por parte de alguns doutrinadores, atualmente esta teoria vem sendo amplamente adotada no Brasil, principalmente quando se fala em crimes realizados em concurso de pessoas (art. 29 e seguintes do Código Penal) ou daqueles previstos na Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013).

2.7.       DA COAUTORIA

No que pertine ao instituto da Coautoria, esta se verifica toda vez que duas ou mais pessoas convergirem seus esforços para a prática de uma conduta criminosa. O conceito de Coautoria foi desenvolvido pelo doutrinador alemão Hans Welzel (1987, p. 129), que entendia o instituto como sendo:

[...] a coautoria é autoria; sua particularidade consiste em que o domínio do fato unitário é comum a várias pessoas. Coautor é quem possuindo as qualidades pessoais de autor é portador da decisão comum a respeito do fato e em virtude disso toma parte na execução do delito. 

Sendo assim, a coautoria não é nada mais do que a própria autoria, sendo que o núcleo do tipo deve ser praticada por mais de um autor, ou que algum dos coautores pratique uma ação/omissão decisiva para o resultado final da empreitada criminosa.

Questão atualmente intrigante é a que se refere a coautoria em crimes de mão própria. Destarte, insta salientar que o tema encontra bastante divergência doutrinária e jurisprudencial, sendo que atualmente o entendimento majoritário é o de que não se admite a coautoria em crimes de mão própria, haja vista que estes crimes são delitos personalíssimos, em que a figura do sujeito ativo já vem previamente indicada no texto legal. Ou seja, a própria lei exige uma condição do sujeito ativo.

Outro tema palpitante é o que discute a constitucionalidade da Coautoria nos crimes omissivos próprios ou impróprios. Sobre o tema existem inúmeras discussões doutrinárias, das quais passaremos à expor a seguir.

Insta salientar que o tema atualmente encontra-se controvertido, já que não há na doutrina e jurisprudência entendimento pacífico sobre tal. Contudo, diante de diversos entendimentos sobre o mesmo, me filio a corrente de Cezar Roberto Bitencourt (2012, epub reader), da qual acho a mais acertada sobre o tema, vejamos:

[...] Ser perfeitamente possível a coautoria em crime omissivo próprio. Se duas pessoas deixarem de prestar socorro a uma pessoa gravemente ferida, podendo fazê-lo, sem risco pessoal, praticarão, individualmente, o crime autônomo de omissão de socorro. Agora, se essas duas pessoas, de comum acordo, deixarem de prestar socorro, nas mesmas circunstâncias, serão coautoras do crime de omissão de socorro. O princípio é o mesmo dos crimes comissivos: houve consciência e vontade de realizar um empreendimento comum, ou melhor, no caso de não realiza-lo conjuntamente.

Insta salientar que Bitencourt assevera em sua obra, em consonância com a doutrina majoritária, que o entendimento exposto acima se aplica de igual modo aos crimes omissivos impróprios (art. 13, §2º, CP). Assim, para a maioria da doutrina pátria, é aplicável a coautoria nos crimes omissivos próprios e impróprios.

Uma figura que está presente no instituto da coautoria, e o executor de reserva, muito recorrente em determinados crimes, não estando contida na lei, sendo uma construção doutrinária. Nessa figura, o agente que atua como executor de reserva fica apenas assessorando o autor, e caso seja necessário, o mesmo irá atuar de forma ostensiva, praticando o núcleo do verbo.

A respeito de tal figura doutrinária assevera Masson (2012, p. 510):

Executor de reserva é o agente que acompanha, presencialmente, a execução da conduta típica, ficando à disposição, se necessário, para nela intervir. Se intervier, será tratado como coautor, e, em caso negativo, como partícipe.

Dessarte, a título de exemplo, quando dois ou mais agentes vierem a cometer um roubo a banco, e um deles vier a agir como executor de reserva, este agente ficará acompanhando a empreitada criminosa, observando de perto o que ocorre, e caso seja necessário deverá intervir neste. Assim, quando este agente tiver que intervir no crime, o mesmo deve estar pronto para tanto, e deverá por sua vez praticar o verbo nuclear do tipo penal, assim, este agente será encarado como coautor do crime, mas caso contrário, caso não seja preciso atuar, este agente será encarado como partícipe do crime praticado, já que ele apenas assessorou o autor, não praticando o verbo do tipo penal incriminador.

Quem conceitua de forma didática o instituto do executor de reserva, é o renomado doutrinador Sanches (2013, p. 356), que em sua obra aduz:

Finalmente, existe a figura do executor de reserva, que garante presença durante a execução e permanece a disposição para intervir caso seja necessário. Conservando-se a disposição, será considerado participe, mas, detectando-se sua intervenção, será coautor.

Posto isto, conforme se depreende do transcrito acima, a punição do executor de reserva ficará “condicionada” a atuação ou não do referido agente, já que se agir o mesmo será considerado coautor, caso contrário, ou seja, continue omisso será encarado como partícipe.


3.  DA PARTICIPAÇÃO

3.1.  CONCEITO

Por participação, pode-se entender a conduta do agente que induz, instiga ou auxilia o agente a praticar o núcleo do tipo, o verbo contido na norma penal incriminadora. É assim, uma ajuda para viabilizar a consecução final da conduta delituosa.

Nas lições do doutrinador Capez (2011, P. 365-366), o instituto da Participação pode ser entendido como:

[...] partícipe é quem concorre para que o autor ou coautor realizem a conduta principal, ou seja, aquele que, sem praticar o verbo (núcleo) do tipo, concorre de algum modo para a produção do resultado. Assim, no exemplo citado acima, pode-se dizer que o agente que exerce vigilância sobre o local para que seus comparsas pratiquem o delito de roubo é considerado partícipe, pois, sem realizar a conduta principal (não subtraiu, nem cometeu violência ou grave ameaça contra a vítima), colaborou para que os autores lograssem a produção do resultado.

Isto posto, de acordo com as esclarecedoras palavras do doutrinador Capez, a participação pode ser entendida como a ajuda do agente, que sem praticar o núcleo do verbo normativo, concorre para a prática do fim ilícito almejado.

Sendo assim, a diferença entre autor e partícipe esta justamente na de que o autor é o agente que pratica a conduta penal incriminadora descrita no tipo penal, e o partícipe, vem a ser o agente que de qualquer forma o ajuda, sem contudo, praticar o verbo.

Insta salientar que a doutrina majoritária entende como possível a aplicação da participação após a consumação do delito, desde que ainda haja espaço para o exaurimento do crime, e a participação venha a ser realizada antes que ocorra a mesma.

A Participação pode ser moral, quando o agente instiga ou induz o agente a praticar um determinado crime, ou material, que pode ser entendida como a ajuda efetiva para que a pessoa efetivamente prepare ou execute o delito. A título de exemplo, podemos elencar a carona, o empréstimo de uma arma de fogo, o dinheiro para que o agente compre os instrumentos posteriormente utilizados para a prática do crime, entre outros.

Apesar do tema da participação encontrar relativa pacificação conceitual no âmbito doutrinário, bem verdade é que parte significativa da doutrina critica pesadamente o legislador criminal. Essa crítica se deve pelo fato de que o mesmo acabou não esclarecendo de forma sucinta a forma de punição do partícipe.

Como já é sabido, o artigo 29 do Código Penal diz que quem de qualquer forma, concorrer para o crime, incidirá nas penas a este cominadas, na medida da sua culpabilidade. Ora, é claro que a pena do partícipe deve ser menor, por conta da sua culpabilidade que é reduzida. Mas como é que se dá essa redução?

Pois bem, agora fica clara a imprecisão legislativa, e por conta disso, podemos concordar com a doutrina brasileira, quando da crítica endereçada ao legislador pátrio.

Posto isto, vejamos o que diz a doutrinadora Camargo (2012), que em estudo publicado na revista científica do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), aduziu:

Enquanto a autoria é definida detalhada e casuisticamente, o Anteprojeto deixa uma porta aberta pelos fundos ao manter para a participação a definição extensiva fundada em qualquer modo de contribuição para o crime. Uma escolha duvidosa diante da função constitutiva da tipicidade das regras de participação: se o partícipe não realiza a lesão do dever de ação descrita no tipo delitivo como o autor, qual norma de comportamento ele violaria, em lugar disso?

A descrição da participação por omissão pelo Anteprojeto também demonstra que as proibições no Direito Penal não consistem na mera causação do resultado lesivo. A formulação inversa de tal dever na figura da omissão, i.e., o dever irrestrito de criação de uma causa que impeça a realização do tipo, não existe. É preciso primeiramente definir quando se deve agir para evitar o crime cometido por outrem e, sem nenhuma modificação nesse sentido (cf. art. 17 do Anteprojeto), ao menos a figura do garante institucional fundamenta não a participação criminosa, mas a autoria do delito. Trata-se de uma regra, se não contraditória, ao menos incompleta, pois não aponta o conteúdo de tal dever.

O Anteprojeto falha definitivamente por não oferecer uma definição dos critérios que fundamentam a punição pela participação, deixando o caminho livre para juízes que enxerguem nesse dispositivo a existência de uma responsabilidade subsidiária ilimitada pelo concurso de pessoas, fundada exclusivamente na causalidade da ação e na vontade de se concorrer para o crime.

Outro fator interessante no universo da participação é a chamada conivência ou participação negativa, que nas palavras de Capez (2011, p. 376-377) pode ser entendida como:

[...] ocorre quando o sujeito, sem ter o dever jurídico de agir, omite-se durante a execução do crime, quando tinha condições de impedi-lo. A conivência não se insere no nexo causal, como forma de participação, não sendo punida, salvo se constituir delito autônomo. Assim, a tão só ciência de que outrem está para cometer ou comete um crime, sem a existência do dever jurídico de agir (CP, art. 13, §2º), não configura participação por omissão.

Diante disso, podemos entender que salvo disposição legal em contrário, como ocorre, por exemplo, nos crimes de omissão de socorro (art. 135, CP), as pessoas só podem ser punidas pela sua omissão, quando possuírem o dever jurídico de agir, nos moldes do art. 13, §2º do Código Penal. Caso o agente não tenha o dever jurídico de agir, não se pode falar em punição da sua omissão.

Outro fato bastante intrigante dentro do instituto da participação, e o que diz respeito a repercussão aos partícipes quando do cometimento do crime pelo autor, que vem a incidir numa das causas de desistência voluntária e arrependimento eficaz do autor.

Vale lembrar que esse assunto possui enorme divergência doutrinária, existindo posicionamento para ambos os lados, contudo, acredito que a posição levantada por Ferraz (1976, p. 173-174) seja a mais correta, vejamos:

Se o executor desiste voluntariamente da consumação do crime ou impede que o resultado se produza, responderá apenas pelos atos já praticados (art. 13), beneficiando-se dessa circunstância inteiramente alheia às respectivas vontades os vários partícipes, uma vez que a isso conduz a doutrina unitária do concurso acolhida pelo art. 25.

Sendo assim, se a desistência voluntária ou o arrependimento eficaz realizado por parte do autor conduzir a redução da pena, ao partícipe se estende essa redução, assim como caso o leve à atipicidade da conduta inicial por ele praticada, tal fato também deverá ser estendido ao partícipe.

Também há forte divergência quando se fala em arrependimento do partícipe. Apesar de inúmeros posicionamentos sobre o tema, corroboramos com a doutrina de Greco (2014), que em sua obra admite tal aplicação, desde que o partícipe, após o auxílio, a instigação, consiga de qualquer forma cessar o ato do autor material do delito, sob pena de não configurar o arrependimento do partícipe. Posto isto, assevera Greco (2014, p. 452):

Entendemos que se o partícipe houver induzido ou instigado o autor, incutindo-lhe a ideia criminosa ou reforçando-a a ponto de este sentir-se decidido pelo cometimento do delito, e vier a se arrepender, somente não será responsabilizado penalmente se conseguir fazer com que o autor não pratique a conduta criminosa. Caso contrário, ou seja, se não tiver sucesso na sua missão de evitar que o delito seja cometido, depois de ter induzido ou instigado inicialmente o autor, o seu arrependimento nãos será eficaz e, portanto, não afastará a sua responsabilidade penal como ato acessório ao praticado pelo autor.

3.2.       TEORIAS SOBRE A PARTICIPAÇÃO

Antes de adentrarmos verdadeiramente ao assunto das teorias da participação, devemos transcrever o artigo 31 do Código Penal (BRASIL, PLANALTO, 1940), que remete ao nosso estudo, vejamos:

Art. 31, CP. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.

Pela leitura desse artigo, podemos extrair que a conduta do partícipe só será punível, se o crime chega ao menos a ser tentado. Assim, o ajuste, a determinação, a instigação e o auxílio que não saem do plano lógico e hipotético, não poderão ser punidos, sob pena de responsabilidade penal objetiva.

Sendo assim, a participação só se torna relevante, quando o agente começa de fato a executar o núcleo do tipo penal, já que de acordo com o artigo em análise, se o agente não começar a execução do crime, este ficará apenas no plano lógico hipotético, que por sua vez, não sofre reprimenda penal.

Contudo, na reforma da parte geral do código penal em 1984, o legislador infraconstitucional fez inserir no artigo 31 do texto da lei, a expressão “salvo disposição expressa em contrário”. Sendo assim, de forma excepcional, o legislador acabou admitindo a punição das condutas que não viessem sequer a ser tentadas. A respeito disso, a doutrina majoritária entende que esse comando legal se aplica a hipóteses restritivas, sendo uma exceção a regra geral.

A respeito disso, ensina Masson (2012, p. 522):

O Código Penal assim agiu para ressaltar que, em situações taxativamente previstas em lei, é possível a punição do ajuste, da determinação, da instigação e do auxílio como crime autônomo. Reclama, evidentemente, expressa previsão legal. É o que se dá nos crimes de incitação ao crime (CP, art. 286) e quadrilha ou bando (CP, art. 288).

Na quadrilha ou bando, por exemplo, a lei tipificou de forma independente a conduta de associarem-se mais de três pessoas para o fim de cometer crimes. Existe o delito com associação estável e permanente, ainda que os quadrilheiros não venham efetivamente a praticar nenhum delito. E, não fosse a exceção apontada pelo art. 31 do Código Penal, seria vedado punir o ato associativo, enquanto não se praticasse um crime para o qual a quadrilha fora idealizada.

Destarte, a respeito das teorias existentes sobre a participação, estas se dividem em quatro. A primeira é a teoria da Acessoriedade mínima, seguida da teoria da Acessoriedade limitada, depois vem a teoria da Acessoriedade máxima e por fim a teoria da Hiperacessoriedade.

A primeira teoria a ser analisada é a teoria da Acessoriedade mínima, que de acordo com as lições de Greco (2014, p. 447), é entendida como:

Para a teoria da Acessoriedade mínima haverá participação punível a partir do momento em que o autor já tiver realizado uma conduta típica. Basta, para essa teoria, que o autor pratique um fato típico, para que possa haver a responsabilização penal do partícipe.

Para a teoria da Acessoriedade mínima, para a configuração da participação punível, basta apenas que o agente pratique a conduta típica, para que o mesmo seja punido. Destarte, não é necessário que a conduta seja ilícita.

Já para a teoria da Acessoriedade limitada, de acordo com os ensinamentos do doutrinador Rogerio Greco (2014, p. 447-448), pode ser entendida da seguinte forma:

Pune a participação se o autor tiver levado a efeito uma conduta típica e ilícita. Portanto, para a teoria da Acessoriedade limitada, adotada pela maioria dos doutrinadores, é preciso que o autor tenha cometido um injusto típico, mesmo que não seja culpável, para que o partícipe possa ser penalmente responsabilizado.

A teoria da Acessoriedade limitada se diferencia da Acessoriedade mínima, porque nesta é necessária que haja uma conduta típica e ilícita, enquanto naquela exige-se apenas uma conduta típica.

Insta salientar que a teoria da Acessoriedade Limitada é adotada pela maioria dos doutrinadores brasileiros.

No que pertine a teoria da Acessoriedade máxima ou extremada, de acordo com os ensinamentos de Capez (2011, p. 369): “O partícipe somente é responsabilizado se o fato principal é típico, ilícito e culpável. Dessa forma, não responderá por crime algum se tiver concorrido para a atuação de um inimputável”.

Essa última teoria se destaca por exigir a culpabilidade do agente, e recebe muitas críticas da doutrina justamente por prever esse requisito, uma vez que auxiliando um inimputável, de acordo com essa teoria, não poderia ser punido, já que o agente que pratica o delito é inimputável, e assim, estenderia essa causa ao mesmo.

Por fim, temos a teoria da Hiperacessoriedade, e para explicá-la, mais uma vez recorreremos aos ensinamentos do doutrinador Rogerio Greco (2014, p. 448), grifo meu:

A teoria da Hiperacessoriedade vai mais além e diz que a participação somente será punida se o autor tiver praticado um fato típico, ilícito, culpável e punível. A punibilidade do injusto culpável levado a efeito pelo autor, para essa teoria, é condição indispensável à responsabilização penal do partícipe. Assim, por exemplo, se o partícipe estimula ou determina alguém, menor de 21 anos de idade, a praticar um delito de furto, e se, quanto ao autor, em razão de sua idade, for reconhecida a prescrição, uma vez que o prazo, nos termos do art. 115 do Código Penal, deve ser reduzido de metade, o partícipe não poderá ser punido.

Destarte, essa teoria também sofre grande resistência doutrinária, haja vista que parte significativa da doutrina não aceita os postulados desta teoria, dado que a mesma condiciona a punibilidade do partícipe, a efetiva punição do Autor. Ou seja, além de prever os três requisitos básicos para a configuração do crime (fato típico, ilícito e culpável), elenca mais um requisito, qual seja o da punição do autor, como sendo este condicionante para a punição do partícipe.

3.3.       DA TENTATIVA DE PARTICIPAÇÃO

Em que pese a previsão doutrinária a respeito, insta salientar que atualmente predomina o entendimento de que inexiste a figura da tentativa de participação. Isso se deve pelo fato do que expõe o artigo 31 do Código Penal (BRASIL, PLANALTO, 1940) afirma: “O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”.

Sendo assim, a respeito do assunto assevera Greco (2014, p. 452):

Se o partícipe estimula alguém a cometer uma determinada infração penal, mas aquele que foi estimulado não vem a praticar qualquer ato de execução tendente a consumá-la, a conduta do partícipe é considerada um indiferente penal.

Assim sendo, se a pessoa não praticar nenhum ato de execução, ou seja, se o ato não sai do plano hipotético, não chega ao menos a ser tentado, o partícipe estará cometendo um indiferente penal, já que o código penal não pune o querer interno do homem, mas só aquelas condutas que vierem a ser exteriorizadas.

3.4.       DA PARTICIPAÇÃO POR OMISSÃO

A participação por omissão é um dos assuntos mais intrigantes quando se fala em concurso de pessoas, sendo necessária a observância de certos requisitos para a sua caracterização. Insta salientar que a doutrina basicamente se divide em duas vertentes quando se fala em participação por omissão, uma primeira encabeçada por Rogerio Greco, sendo esta minoritária, e uma segunda defendida por Fernando Capez, Cleber Masson e Aníbal Bruno, a qual nos filiamos, e que iremos explanar à seguir.

Essa corrente que defende a participação por omissão pode ser entendida nas palavras de Capez (2011, p. 377), como sendo:

[...] dá-se quando o sujeito, tendo o dever jurídico de agir para evitar o resultado (CP, art. 13, §2º), omite-se intencionalmente, desejando que ocorra a consumação. A diferença em relação à conveniência é que nesta não há o dever jurídico de agir, afastando-se, destarte, a participação. Já no caso da participação por omissão, como o omitente tinha o dever de evitar o resultado, por este responderá na qualidade de partícipe.

Pelas elucidativas palavras de Fernando Capez, podemos entender que a participação por omissão é plenamente aplicável nas relações jurídico-criminais brasileiras, desde que o agente tenha o dever jurídico de evitar aquele resultado (omissão imprópria – art. 13, §2º, CP), pois caso contrário, não poderemos falar em participação por omissão.

Ainda sobre o tema, torna-se necessário transcrevermos o entendimento do renomado doutrinador Aníbal Bruno (1956, p. 278), que sobre o tema aduziu: “Os elementos de ser uma conduta inativa involuntária, quando ao agente cabia, na circunstância, o dever jurídico de agir, e ele atua com a vontade consciente de cooperar no fato”.

Sendo assim, essa corrente é a que me parece mais acertada para o tema, já que só seria possível a participação por omissão, nos crimes omissivos impróprios, quais sejam, aqueles crimes que a lei (art. 13, §2º, CP) impõe um dever subjetivo de agir à determinada pessoa, quando de alguma outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado, ou com a sua atividade anterior, acabou por criar o risco de ocorrência do resultado.


4. DA PROBLEMÁTICA DA APLICAÇÃO DO CONCURSO DE PESSOAS NOS CRIMES CULPOSOS 

4.1. COAUTORIA NOS CRIMES CULPOSOS 

De início, antes de entrarmos na celeuma da aplicação do instituto da coautoria nos crimes culposos, precisamos esclarecer o que vem a ser crime culposo.

O próprio Código Penal Brasileiro, em seu artigo 18, inciso II, se encarregou de conceituar de forma “tímida” e genérica o crime culposo. Contudo, o conceito extraído de tal dispositivo legal é incompleto, por isso, deveremos recorrer à analogia do conceito constante do Código Penal Militar (BRASIL, PLANALTO, 1969), que em seu artigo 33, inciso II o aborda de forma mais completa, vejamos:

Art. 33, II, CPM. Culposo, quando o agente, deixando de empregar a cautela, atenção, ou diligência ordinária, ou especial, a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado que podia prever ou, prevendo-o, supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo.

Para uma melhor elucidação desse instituto, recorreremos ao conceito doutrinário desenvolvido por Nucci (2014, p.198): 

[...] é o comportamento voluntário desatencioso, voltado a um determinado objetivo, lícito ou ilícito, embora produza resultado ilícito, não desejado, mas previsível, que podia ter sido evitado. O dolo é a regra; a culpa, exceção. Para se punir alguém por delito culposo, é indispensável que a culpa venha expressamente delineada no tipo penal. Trata-se de um dos elementos subjetivos do crime, embora se possa definir a natureza jurídica da culpa como sendo um elemento psicológico-normativo. Psicológico, porque é elemento subjetivo do delito, implicando na ligação do resultado lesivo ao querer interno do agente através da previsibilidade. Normativo, porque é formulado um juízo de valor acerca da relação estabelecida entre o querer do agente e o resultado produzido, verificando o magistrado se houve uma norma a cumprir, que deixou de ser seguida.

Assim sendo, crime culposo é aquele em que o agente agindo de forma voluntária, produz um resultado involuntário, justamente por Inobservar o dever objetivo de cuidado que é imposto a todos, atuando então, com negligência, imprudência ou imperícia.

Pois bem, após passarmos brevemente pela noção conceitual, voltemos à problemática proposta por este artigo, qual seja a da aplicabilidade do instituto da coautoria nos crimes culposos.

Destarte, a dúvida que impera é a da possibilidade ou não da aplicação da Coautoria nos crimes culposos. Isso se deve ao fato de que seriam necessárias a conjugação de vários requisitos para a aplicação do supracitado instituto, e parcela da doutrina entende que é impossível reuni-los quando da feitura de um crime culposo.

Assim, a título de exemplo, como seria possível provar o liame subjetivo entre os demais coautores do crime de homicídio culposo, por exemplo. Essa crítica é bastante recorrente, e é defendida por diversos doutrinadores, principalmente as teses provenientes da Alemanha.

Apesar das diversas críticas que rondam o entendimento contraposto, ressalta-se que a idéia apresentada acima não prosperou, e vige atualmente na doutrina majoritária brasileira, a possibilidade da aplicação da Coautoria nos crimes culposos.

Esse entendimento é majoritário no Brasil, e é sustentado por diversos autores criminais, dentre os quais, está presente Bitencourt, que em sua obra expõe (2012, epub reader):

A doutrina brasileira, à unanimidade, admite a coautoria em crime culposo, rechaçando, contudo, a participação. Pode existir na verdade um vínculo subjetivo na realização da conduta, que é voluntária, inexistindo, contudo, tal vínculo em relação ao resultado, que não é desejado. Os que cooperam na causa, isto é, na falta do dever de cuidado objetivo, agindo sem a atenção devida, são coautores. Nesse aspecto, a concepção brasileira assemelha-se, na essência, com a alemã, ao sustentar que toda contribuição causal a um delito não doloso equivale a produzi-lo, na condição de autor, para os alemães, na de coautor, para os brasileiros, pois, como dizia Welzel, “a coautoria é uma forma independente de autoria... A coautoria é autoria. Por isso, cada coautor há de ser autor, isto é, possuir as qualidades pessoais (objetivas e subjetivas) de autor...”. Assim, no exemplo do passageiro que induz o motorista de táxi a dirigir em velocidade excessiva e contribui diretamente para um atropelamento, que para os alemães seria autor, para os espanhóis seria simples partícipe, para a doutrina brasileira seria coautor. 

Sendo assim, a doutrina brasileira, diversamente da Alemã, que não admite a coautoria em crime culposo, é uníssona ao admiti-la nos crimes culposos, entendendo que quando duas ou mais pessoas agindo de forma conjunta, praticam atos de forma imprudente, negligente e imperita, violando o dever objetivo de cuidado a todos imposta, estaria cometendo o crime em coautoria com o agente que realizou a mesma atividade.

Esse é o entendimento que me parece mais correto, e que encontra amparo em toda a doutrina brasileira, e que vem ganhando cada vez mais respaldo da jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

 Destarte, para uma melhor visualização prática da aplicação da coautoria nos crimes culposos, o renomado doutrinador Magalhães Noronha (1966, p. 103), em uma de suas obras conseguiu sintetizar de forma didática a figura retro citada, vejamos: 

Suponha-se o caso de dois pedreiros que, numa construção, tomam uma trave e a atiram à rua, alcançando um transeunte. Não há falar em autor principal e secundário, em realização e instigação, em ação e auxílio, etc. Oficiais do mesmo ofício, incumbia-lhes aquela tarefa, só realizável pela conjugação das suas forças. Donde a ação única – apanhar e lançar o madeiro – e o resultado – lesões ou morte da vítima, também uno, foram praticados por duas pessoas, que uniram seus esforços e vontades, resultando assim coautoria. Para ambos houve vontade atuante e ausência de previsão. 

Sendo assim, coaduno com as ideias explicitadas acima, acreditando que quando duas pessoas diante de uma situação concreta, deixarem de observar o dever objetivo de cuidado, e juntos causarem um “dano” a um bem jurídico tutelado pela lei penal, ambos os agentes deverão ser punidos pela conduta criminosa em coautoria delinquente.

Por fim, para que não paire nenhuma dúvida sobre o tema em análise, devemos colacionar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que assim como o Supremo Tribunal Federal, é pacífico ao aceitar a coautoria em crime culposo, conforme se infere abaixo, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 40474/PR HC 2004/0180020-5, 5º Turma, julgado em 06.12.2005 (BRASIL, STJ, 2005), de relatoria da Ministra Laurita Vaz, que em suma aduziu: 

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO. DELITO DE TRÂNSITO. COAUTORIA. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE O COMPORTAMENTO DO PACIENTE E O EVENTO DANOSO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA INADEQUADA.

1. É perfeitamente admissível, segundo o entendimento doutrinário e jurisprudencial, a possibilidade de concurso de pessoas em crime culposo, que ocorre quando há um vínculo psicológico na cooperação consciente de alguém na conduta culposa de outrem. O que não se

admite nos tipos culposos, ressalve-se, é a participação.

Precedentes desta Corte.

2. Afigura-se inviável, conforme pretende o Impetrante, reconhecer, na via estreita do writ, a ausência, por falta de provas, do nexo causal entre o comportamento culposo do paciente - reconhecido na sentença - ao acidente em questão, uma vez que demandaria, necessariamente, a análise aprofundada do conjunto probatório dos autos.

3. Habeas Corpus denegado. 

4.2.       PARTICIPAÇÃO EM CRIMES CULPOSOS

Como bem exposto acima, o tema da coautoria em crime culposo encontra-se atualmente pacificado tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Isso se deve pelo fato de que a hermenêutica criminal Brasileira acabou adotando certos entendimentos que se coadunam com tal instituto, diferente de outros países, que não aceitam a coautoria em crimes culposos, como por exemplo, a escola Alemã de direito penal.

Diferentemente da pacificação encontrada na coautoria em crimes culposos, existe uma enorme divergência doutrinária e jurisprudencial que rondam a matéria atinente à participação nos crimes culposos.

Posto isto, a doutrina divide a participação em crimes culposos em duas vertentes, quais sejam a participação culposa em crime culposo e a participação dolosa em crime culposo.

A respeito da participação dolosa em crime culposo, assevera Greco (2014, p. 474) que essa modalidade não é admitida, conforme se infere abaixo:

A doutrina refuta com veemência tal situação, uma vez que o concurso de pessoas exige, como regra geral, em face da adoção da teoria monista, a identidade de infração penal, dividida por todos aqueles que concorreram para a sua prática.

A adoção desse posicionamento se deve ao fato de que o Brasil adotou a teoria monista ou unitária no concurso de pessoas (art. 29, CP), e diferentemente desse entendimento, toda vez que um agente induz, instiga ou auxilia dolosamente uma terceira pessoa a praticar erroneamente uma figura delituosa, estaríamos diante de diferentes tipos de infrações penais. Destarte, é por conta de tal fator que a participação dolosa em crime culposo não é admitida no ordenamento jurídico brasileiro. Diante disto, torna-se necessário demonstrarmos as duas correntes existentes sobre o assunto.

A primeira corrente, à qual acredito ser equivocada, é defendida por diversos doutrinadores, dentre os quais se destaca Greco, que em sua obra defende a aplicação da participação nos crimes culposos.

Para Rogério Greco (2014, p. 475), se aplica o retro instituto pelos seguintes motivos:

Quando alguém, no exemplo do automóvel, induz ou estimula outrem a imprimir velocidade excessiva, objetivando, geralmente, alcançar alguma finalidade lícita, era-lhe previsível, nas circunstâncias, que, anuindo ao pedido, a conduta do motorista poderia ocasionar o acidente. Era previsível, da mesma forma, ao motorista que detinha o controle do automóvel. Não foram as condutas conjugadas simultaneamente que levaram à eclosão do acidente, tal como no exemplo dos operários que, juntos, arremessam a tábua por sobre o tapume? Autor será aquele que praticar a conduta contrária ao dever objetivo de cuidado; partícipe será aquele que induzir ou estimular alguém a realizar a conduta contrária ao dever de cuidado. (grifos acrescidos).

Em posição oposta à maioria da doutrina brasileira, Rogério Greco entende ser plenamente possível aplicar tal instituto, já que para o mesmo, o autor seria aquele que pratica o núcleo do tipo, e o partícipe seria aquele que o auxiliasse na empreitada criminosa, ou seja, nada mudaria na conduta de crime culposo, permanecendo os mesmos preceitos ditados para os crimes dolosos.

Com todo o respeito que merece o supracitado doutrinador, entendo que a sua tese não pode prosperar, dado que o crime culposo possui determinadas peculiaridades que lhe são próprias, e que devem ser atendidas para a sua configuração. Assim, fica difícil vislumbrar a figura do partícipe que auxilia alguém a cometer um crime culposo.

Nesse mister, acompanho a doutrina majoritária ao entender que não se aplica a participação nos crimes culposos, dado que não pode existir a figura de uma pessoa que auxilie, instigue ou induza outrem a praticar um crime de forma culposa. Caso o agente consiga convencer outrem a praticar um determinado delito, este agente o produzirá de forma dolosa, e não de forma culposa.

Diante disto, me filio ao entendimento de Damásio de Jesus (2006, p. 422), que em sua obra aduz:

Todo grau de causação a respeito do resultado típico produzido não dolosamente, mediante uma ação que não observa o cuidado requerido no âmbito de relação, fundamenta a autoria do respectivo delito culposo. Por essa razão, não existe diferença entre autores e partícipes nos crimes culposos. Toda classe de causação do resultado típico e ilícito é autoria.

Portanto, quem instiga outra pessoa a tomar uma atitude imprudente, negligente ou imperita está cometendo o mesmo crime em coautoria com a pessoa que vier a cometer o núcleo do tipo penal.

A respeito das discussões travadas sobre o tema, conforme já fora exposta mais acima, a doutrina e jurisprudência pátria se inclinam de forma majoritária pela não aceitação da participação nos crimes culposos. Sendo assim, mostra-se necessário colacionarmos a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, STJ, 2013), que no julgamento do HC nº 235.827/SP (2012/0050257-8), de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, julgado em 18.09.2013, entendeu da seguinte forma:

[...] concurso de agentes pode se dar na forma de coautoria e de participação, que se distinguem em virtude de o partícipe apenas induzir, instigar ou auxiliar materialmente o autor, ou seja, não pratica a conduta típica, mas apenas uma conduta acessória, que não integra o fato típico. De fato, "coautor é aquele que pratica, de algum modo, a figura típica, enquanto ao partícipe fica reservada a posição de auxílio material ou suporte moral (onde se inclui o induzimento, a instigação  ou o  comando)  para a  concretização do  crime" (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado.10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 296).  

A doutrina majoritária admite a coautoria em crime culposo, contudo, não admite a participação. Com efeito, o crime culposo é definido, em regra, por um  tipo penal aberto, no qual se encaixa todo comportamento que viola o dever objetivo de cuidado. Assim, a contribuição para o evento culposo revela sempre coautoria e não participação, devendo aquele que de qualquer modo concorreu para o resultado, que violou o dever de cuidado, ser autor de sua própria negligência, imprudência ou imperícia.

Destaque-se que o liame subjetivo que se exige na coautoria em crime culposo se dirige à prática da conduta, inexistindo no que concerne ao resultado, que nem ao menos é desejado. Assim, aqueles "que cooperam na causa, isto é, na falta do dever de cuidado objetivo, agindo sem a atenção devida, são coautores" (Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 497.)

Nos termos do que bem elucida Rogério Greco, "duas pessoas podem, em um ato conjunto, deixar de observar o dever objetivo e cuidado que lhes cabia e, com a união de suas condutas, produzir um resultado lesivo". (Código Penal: comentado. 6. ed. Niterói: Impetus, 2012, p. 101/102). Não se deve descurar, ademais, do próprio conceito de culpa, que traduz conduta voluntária, dirigida a objetivo, em regra, lícito, porém que resulta em ilícito penal, não desejado, mas previsível e evitável. Ademais, como é cediço, nos delitos culposos, a autoria está atrelada à conduta que infringe o dever de cautela, limitando-se, portanto, àquele que tinha esse dever.

Outrossim, não há se falar em culpa presumida, devendo ser referido elemento sempre demonstrado e provado pela acusação. Assim, caracterizada a contribuição culposa para o resultado tem-se configurada a coautoria em crime culposo.

Nas palavras de Nilo Batista, "autor do crime culposo é o sujeito que 'deu causa' – tipicamente – 'ao resultado'". (Concurso de agentes.2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004,p. 80). Como se vê, plenamente possível a coautoria em crime culposo, devendo, no entanto, demonstrar-se, conforme já enumerado, a pluralidade de pessoas, relevância causal das várias condutas, liame subjetivo entre os agentes e identidade de infração penal. (grifos acrescidos).

Sendo assim, acompanhando a melhor doutrina e jurisprudência, que aduzem pela impossibilidade da existência de participação em crime culposo, entendo particularmente ser inviável o cometimento de um delito na figura de partícipe em crime culposo, dado que as duas figuras juntas não podem coexistir a fim de evidenciarem um delito de tal natureza, pelos fatos e motivos já evidenciados acima.


5.  CONCLUSÃO

No artigo científico realizado, trouxemos à tona um pouco do instituto do concurso de pessoas, abordando seus aspectos pertinentes e embasadores, trazendo conceitos e também as suas principais peculiaridades.

Sendo assim, antes de adentrarmos ao tema controvertido deste artigo, fizemos um estudo esclarecedor do conceito, dos requisitos, das teorias, e demais questões importantes que foram esclarecidos sobre o assunto.

Passamos também de forma minuciosa pelo estudo da autoria e da coautoria, abordando respectivamente as teorias adotadas pela doutrina e legislação pátria, trazendo as suas respectivas classificações e modalidades, estudando também as correntes doutrinarias e jurisprudenciais controvertidas sobre os respectivos assuntos.

Também passamos a estudar a possibilidade da existência da tentativa de participação, aonde demonstramos que apesar de grandes discussões sobre o tema, atualmente ainda é majoritário no Brasil pela impossibilidade da tentativa de participação, haja vista que o Código Penal Brasileiro em seu artigo 31 aduz de forma expressa que a participação só será punida caso o agente venha ao menos a produzir o crime de forma tentada, pois caso contrário, o agente “partícipe” não sofrerá nenhuma reprimenda estatal.

Dentre os assuntos tratados no interior da coautoria e participação, abordamos de forma sucinta e detalhada o instituto da teoria do domínio do fato, demonstrando que atualmente essa teoria vem sendo adotada e acolhida no Brasil, inclusive no âmbito dos nossos tribunais superiores, conforme julgados recentes colacionados no nosso estudo.

Não deixamos de abordar o instituto da participação por omissão. Em que pese a divergência sobre o tema, acompanhamos mais uma vez a doutrina majoritária, e entendemos que apenas se pode falar em participação em crime omissivo impróprio (art. 13, §2º,CP).

Por fim, fizemos um estudo esclarecedor a respeito da possibilidade da coautoria nos crimes culposos, aonde juntamos o entendimento da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, bem como o entender dos principais doutrinadores do país para chegar a nossa conclusão.

Assim, chegamos a conclusão pela possibilidade do instituto da coautoria em crimes culposos, já que aquele agente que cooperar para a prática delituosa, ainda que venha a agir de forma negligente, imprudente e imperita, com outrem, será considerado coautor para os olhos do direito penal. Isso é o que vem entendendo a doutrina majoritária.

Isto posto, em entendimento convergente ao da doutrina majoritária, rechaçamos a participação nos crimes culposos.

Por fim, esperamos que o artigo em questão possa sanar dúvidas e responder questionamentos sobre o assunto, objetivando que a comunidade acadêmica possa se servir de um estudo elucidativo sobre o a possibilidade da coautoria nos crimes culposos, pelos motivos que foram amplamente debatidos nesse estudo.


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