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A inobservância do prazo legal no julgamento do auto de infração ambiental diante dos princípios da legalidade e eficiência

A inobservância do prazo legal no julgamento do auto de infração ambiental diante dos princípios da legalidade e eficiência

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SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Breves considerações sobre os princípios da legalidade e da eficiência: 2.1 Princípio da legalidade; 2.2 Princípio da eficiência – 3. O auto de infração ambiental – 4. A ausência de julgamento do auto de infração no prazo legal – 5. Alternativas à manutenção da sanção imposta: 5.1 Suspensão compulsória do auto de infração; 5.2 Aumento legal do prazo para julgamento; 5.3 Prorrogação do prazo para julgamento; 5.4 Silêncio administrativo – 6. Considerações finais – Referências bibliográficas.


1. Introdução

O presente estudo visa abordar os efeitos e conseqüências da previsão legal contida na Lei dos Crimes Ambientais que limita o prazo para julgamento do auto de infração em trinta dias.

A matéria será abordada perante os princípios da legalidade e eficiência, sem embargo da importância dos demais, porquanto, acredita-se, serem os mais pertinentes ao objetivo do trabalho.

Optou-se, ainda, por excluir discussões doutrinárias acerca dos conceitos de processo e procedimento administrativo, bem como outras questões de extrema relevância, vez que demandaria dedicação mais intensa do que a proposta.

Dessarte, serão realizadas breves considerações sobre os citados princípios, precedendo uma análise processual administrativa mais específica. Por derradeiro, serão relacionadas alternativas, ainda que algumas de aplicação não imediatas, à preservação da validade do processo administrativo.


2. Breves considerações sobre os princípios da legalidade e da eficiência

A observância dos princípios constitucionais basilares da administração pública, inclusive na esfera ambiental, trazem segurança jurídica à sociedade, vez que garante o cumprimento das normas preestabelecidas, preservando, pois, o Estado Democrático de Direito. Entretanto, dentre todos os preceitos, ênfase foi dada aos da legalidade e eficiência, como a seguir exposto.

2.1 Princípio da legalidade [1]

O art. 37 da CF/88 [2] determina à administração pública a obediência, dentre outros, ao princípio de legalidade, que, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, [3] contrapõe-se a quaisquer tendência de exacerbação personalista dos governantes, opondo-se a todas as formas de poder autoritário, desde o absolutista até as manifestações caudilhescas e messiânicas típicas dos países subdesenvolvidos. O autor afirma, também, que o princípio da legalidade é o antídoto natural do poder monocrático ou oligárquico, pois tem como raiz a idéia de soberania popular, de exaltação da cidadania.

Hely Lopes Meirelles, [4] ao conceituar a legalidade, como princípio da de administração, afirma que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. Conclui, ainda, que na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal.

Ney de Barros Bello Filho, em artigo intitulado Aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa à atuação da administração ambiental brasileira [5] expõe:

O respeito à lei quando da prática dos atos administrativos é exatamente o que caracteriza um Estado de Direito, e o separa do Estado de Exceção, onde a obediência à legislação é prática que não se vê.

Já que é fruto de um projeto democrático de um Estado de Direito, o princípio da legalidade surge para extirpar o favoritismo e a proteção a particulares. Ele é exatamente a segurança de que os super-princípios da supremacia do interesse público sobre o interesse privado e da indisponibilidade dos bens públicos serão obedecidos, e os bens e interesses indisponíveis não serão objeto de tergiversações.

(...)

Constatam assim que a legalidade na verdade esquarinha o campo de atuação do administrador, definindo os limites, mas também impondo atuações.

Em síntese, é uníssono na doutrina publicista que o princípio da legalidade consiste na completa submissão da administração às leis, devendo, pois, obedecê-las, cumpri-las e pô-las em prática.

2.2 Princípio da eficiência

Positivado Constitucionalmente através da Emenda n. 19/98, a constitucionalização do princípio da eficiência não se deparou com uma reação pacífica da doutrina administrativista. Há manifestações de desnecessidade de se positivá-lo, bem como de repetição com o contido, em outros artigos, na própria Constituição Federal.

O que não cabe questionar é a sua vigência, seja positividado ou não, porquanto o Estado tem o dever de prestar os serviços de forma qualitativa, com a otimização e aperfeiçoamento dos recursos, inclusive humanos, assegurando, por conseguinte, a confiabilidade na máquina administrativa, pelo respeito a lei e aos demais princípios, satisfazendo, derradeiramente, os anseios da sociedade.

O Estado é diretamente responsável pela fiscalização em matéria ambiental e, ao mesmo tempo, é o maior poluidor, seja ativa ou passivamente. Assim, não há como determinar ao ente público que aplique as normas jurídicas como lhe convir. A preservação do meio ambiente só se dará com o cumprimento da excelente legislação vigente no país. Todavia, a aplicação da lei deve ser alcançada de forma eficaz, otimizada e revestida de qualidade funcional, critérios esses inseridos no conceito de eficiência.

O princípio da eficiência segundo Hely Lopes Meirelles pode ser conceituado da seguinte forma: [6]

O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o exercício público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. O dever que tal princípio impõe aos agentes públicos será analisado no item seguinte.

Alexandre de Morais, [7] sobre o tema, afirma:

(...) é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social. Note-se que não se trata da consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirige-se para a razão e fim maior do Estado, a prestação dos serviços públicos sociais essenciais à população, visando a adoção de todos os meios legais e morais possíveis para a satisfação do bem comum

Deve-se buscar a eficiência em todos os atos da administração pública e, segundo a doutrina do Prof. Paulo Modesto: [8]

...não são exigências apenas negativas, úteis para censurar, ou recusar a validade de comportamentos que contravenham aos valores por ela expressados, pois também são válidas "positivamente", para impor ao administrador a observância de cautelas e procedimentos que permitam a otimização possível na obtenção dos bens jurídicos prometidos pelo ordenamento. Exige-se do Estado "celeridade e simplicidade, efetividade e eficiência" na obtenção de utilidades para o cidadão, na regulação da conduta pública e privada, na vigilância ao abuso de mercado, no manejo dos recursos públicos. Hoje essas são pautas de comportamento exigíveis do administrador para a validade e legitimidade da ação estatal.

(...)

A boa gestão da coisa pública é obrigação inerente a qualquer exercício da função administrativa e deve ser buscada nos limites estabelecidos pela lei. A função administrativa é sempre atividade finalista, exercida em nome e em favor de terceiros, razão pela qual exige legalidade, impessoalidade, moralidade, responsabilidade, publicidade e eficiência dos seus exercentes.


3. O auto de infração ambiental

O auto de infração é o documento pelo qual inicia-se o processo administrativo destinado a apuração da existência, ou não, da infração ambiental. Deve, necessariamente, ser formal e preencher requisitos previstos na norma ambiental aplicável. É oriundo do poder de polícia que detém a administração pública e, por ser da espécie de atos administrativos punitivos, são vinculados à lei e devem respeitar, integralmente, o princípio da legalidade.

Colaciona-se, a título exemplificativo, a normatização ambiental vigente no Estado do Rio Grande do Sul, onde se impõe os seguintes requisitos à expedição do auto de infração:

Resolução n. 006/99 do CONSEMA/RS: [9]

Art. 7º - O auto de infração será lavrado pela autoridade ambiental que a houver constatado, na sede da repartição competente ou no local em que foi verificada a infração, devendo conter:

I - nome do infrator, seu domicílio e/ou residência, bem como os demais elementos necessários a sua qualificação e identificação civil;

II - local, data e hora da infração;

III - descrição da infração e menção do dispositivo legal ou regulamentar transgredido;

IV - penalidade a que está sujeito o infrator e o respectivo preceito legal que autoriza sua imposição;

V - ciência, pelo autuado, de que responderá pelo fato em processo administrativo;

VI - notificação do autuado;

VII - prazo para o recolhimento da multa;

VIII - prazo para o oferecimento de defesa e a interposição de recurso.

A exceção do suprimido inciso V, tais exigências constam, de forma idêntica, no Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul:

Lei Estadual n. 11.520/00:

Art. 116 - O auto de infração será lavrado pela autoridade ambiental que a houver constatado, na sede da repartição competente ou no local em que foi verificada a infração, devendo conter:

I - nome do infrator, seu domicílio e/ou residência, bem como os demais elementos necessários a sua qualificação e identificação civil;

II - local, data e hora da infração;

III - descrição da infração e menção do dispositivo legal transgredido;

IV - penalidade a que está sujeito o infrator e o respectivo preceito legal que autoriza sua imposição;

V - notificação do autuado;

VI - prazo para o recolhimento da multa;

VII - prazo para o oferecimento de defesa e a interposição de recurso.

Deve-se notar, em especial, a necessidade de constar no respectivo auto, além do prazo para oferecimento de defesa, o prazo para a interposição do recurso administrativo, que consiste na primeira manifestação do administrado contra a decisão do julgamento. Tal requisito, geralmente, é desatendido pelos órgão autuadores.

Salienta-se que no auto de infração não há falar em informalidade ou discricionariedade, porquanto trata-se de ato vinculado e punitivo, e a forma é requisito inafastável ao cumprimento do devido processo legal, constitucionalmente previsto no inciso LIV do art. 5º. [10]

Ademais, em relação a forma legal exigida, esta constitui requisito vinculado e imprescindível à sua perfeição, pois a inexistência de forma induz a inexistência do ato administrativo, viciando-o substancialmente e tornando-o, portanto, passível de invalidação. [11]

A Lei n. 10.177/98, que regula o processo administrativo no Estado de São Paulo, optou por prever, expressamente no inciso II do art. 8º, que a omissão de formalidades ou procedimentos essenciais invalida o ato administrativo. [12]

O poder de polícia da administração pública encontra limites e, tais limitações, por estarem previstas em lei, devem ser observadas. Sobre o tema, Hely Lopes Meirelles [13] expõe que:

Os limites do poder de polícia administrativa são demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na Constituição da República (art. 5º). Do absolutismo individual evoluímos para o relativismo social. Os Estados Democráticos, como o nosso, inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana.

O autor conclui os ensinamentos sobre as limitações do poder de polícia afirmando que se a autoridade ultrapassar o permitido em lei, incidirá o abuso de poder, corrigível por via judicial, pois o ato de polícia, como ato administrativo que é, fica sempre sujeito a invalidação pelo poder judiciário, quando praticado com excesso ou desvio de poder.

Em havendo exigência legal acerca dos requisitos do auto de infração, vislumbra-se descaber ao órgão autuador a discricionariedade de dispensalos. Para tanto, resgata-se, novamente, a pertinente doutrina de Hely Lopes Meirelles: [14]

O ato de polícia é, em princípio, discricionário, mas passará a ser vinculado se a norma legal que o rege estabelecer o modo e forma de sua realização. Neste caso, a autoridade só poderá praticá-lo validamente atendendo a todas as exigências da lei ou regulamente pertinente.

Quanto ao conceito de ato vinculado, como é o caso das autuações ambientais, são aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização. Nessa categoria as imposições legais para a efetivação do auto de infração absorvem, quase que por completo, a liberdade do administrador, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos estabelecidos pela norma legal para a validade da atividade administrativa. [15]

Dessarte, não há como excluir a infração ambiental do conceito de ato punitivo, vez que visa punir e reprimir as infrações administrativas dos particulares perante a administração, e, tratando-se de punição dirigida aos administrados é vinculada em todos os seus termos à forma legal que a estabelecer. [16]

Diante disso, caso seja constatada a inobservância da lei na expedição do auto de infração, sua nulidade é evidente, por afronta ao princípio da legalidade. [17]


4. A ausência de julgamento do auto de infração no prazo legal

Dentre outras questões ainda pouco abordadas pela doutrina, será apreciada, especificamente, o disposto no inciso II do art. 71 da Lei n. 9.605/98, que estabelece trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, visando, pois, elencar possíveis efeitos gerados por sua inobservância.

O processo administrativo é um iter pelo qual a administração pública exige do particular determinada obrigação, seja de fazer, não fazer ou até mesmo pecuniária. Do mesmo modo, assim como o auto de infração ambiental, o processo administrativo deve respeitar a determinação contida na legislação aplicável, sob pena de infringir o princípio da legalidade e, ainda, o princípio da eficiência, ambos constitucionalmente previstos.

A legislação aplicável na hipótese, que regulamentou a atividade da administração pública à fiscalização e punição das infrações administrativas ambientais, prevê prazos fixos, seja ao autuado, ou ao autuador, a saber:

Lei n. 9.605/98:

Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

(...)

§ 4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei.

Art. 71. O processo administrativo para apuração de infração ambiental deve observar os seguintes prazos máximos:

I - vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração, contados da data da ciência da autuação;

II - trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, contados da data da sua lavratura, apresentada ou não a defesa ou impugnação;

No mesmo sentido a Resolução n. 006/99 do CONSEMA/RS:

Art. 9º - O infrator poderá oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração, no prazo máximo de 20 (vinte) dias, contados da data de ciência da autuação.

Parágrafo primeiro – Apresentada ou não a defesa ou impugnação contra o auto de infração, este será julgado, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da sua lavratura, pela autoridade superior ao servidor autuante do Órgão competente, designado para tanto.

Dessa forma, note-se que a norma determina que a autoridade superior ao servidor autuante julgue o auto dentro de trinta dias, contados de sua expedição, apresentada ou não defesa ou impugnação.

No mesmo sentido da argumentação do item anterior, o princípio da legalidade deve ser observado. Sublinhe-se, ainda, que na espécie vige o poder vinculado da administração pública. [18] Assim, a inobservância da lei pode vir a macular todo o processo administrativo, pois há prazo legal para que o poder público se manifeste acerca da validade ou não do ato unilateral do servidor autuador.

Não se pode olvidar que a administração pública ambiental deve atender todos os princípios e normas. Evidente, também, que o bem jurídico tutelado merece especial atenção, todavia, a administração ambiental é apenas uma esfera da administração pública brasileira. [19]

Mister salientar que a omissão da administração no julgamento do auto de infração, além de contrariar dispositivo legal (princípio da legalidade), nega vigência ao princípio da eficiência.

Observa-se, igualmente, que a demora nos atos processuais administrativos, beneficia apenas o infrator que, por vezes, continuará degradando o ambiente ou postergará, ao máximo, o cumprimento da sanção imposta.

A celeridade processual produzirá efeitos positivos na maior parte das vezes, seja ao particular autuado de forma equivocada, na medida em que, acolhida sua defesa, desonerar-se-á do estigma do processo e sua implicações diretas e indiretas. Será de grande importância, também, à sociedade, que verá cumprida a sanção imposta mais rapidamente, situação fundamental quando exemplifica-se a sanção como uma recomposição do dano.

Evidente, ainda, que, muitas vezes, a falta de servidores é a principal causa da demora no julgamento do auto de infração. Porém, também é evidente que a sociedade não pode arcar com a deficiência de gestão política dos órgãos públicos, como comumente vem sendo constatado.

O cumprimento das determinações contidas na lei faz-se necessário para manter a segurança jurídica da sociedade, mormente nos casos em que seja obrigatório um procedimento administrativo externo e, nestes casos, irromperão princípios constitucionais dele informadores, ainda que sua normação careça de minudências ou seja omissa no que concerne à vigência de tais princípios. [20]

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao abordar o processo administrativo afirma, em suma, que cada um dos processos estatais está sujeito a determinados princípios próprios, específicos, adequados para a função que lhes incumbe. Não pode ser igual o processo legislativo, o processo judicial e um e outro não podem ser iguais ao processo administrativo. Porém todos eles devem obedecer, dentre outros, aos princípios da competência e da formalidade. [21]

Ainda no tocante ao dever de observância aos princípios que regem a administração pública, Lúcia Valle Figueiredo sustenta que eventual informalismo no processo administrativo deve ser aplicado sempre a favor do administrado, jamais contra. [22]

Outro ponto a ser observado é o prazo do julgamento que, segundo o texto legal, inicia-se com a lavratura do auto. Ora, acredita-se tratar de uma imperfeição legislativa relevante, que acarreta a invalidação de praticamente todos os processos administrativos. Isso porque o julgamento no prazo legal estabelecido é inviável, vez que, após a notificação – que poderá ocorrer via edital –, o autuado possui vinte dias para apresentação defesa ou impugnação. Ademais, para garantir a ampla defesa e o contraditório, poderá ser necessária a produção de provas, acarretando, por vezes, a expiração do lapso temporal contido no inciso II do art. 71 da Lei dos Crimes Ambientais.

Diferentemente do previsto na legislação ambiental, a Lei n. 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, utilizou-se de redação mais apurada ao determinar, no art. 49, que o prazo para julgamento inicia-se com a conclusão da instrução processual. [23]

A citada legislação, no § 1º do art. 59, [24] também determina, em regra, que o julgamento deve ocorrer no prazo máximo de trinta dias. Tais normas demonstram e consagram que a administração pública deve atender aos princípios da eficiência e da segurança jurídica, vez que a limitação temporal está presente para evitar abusos e arbitrariedades contra o administrado que, ante a tramitação de um processo punitivo administrativo, já carrega o estigma de uma iminente penalidade, gerando prejuízos, muitos desnecessários, de toda a espécie. A prolongação de tal situação vai de encontro com direitos fundamentais, mormente em um Estado de Direito, onde tais preceitos mantém-se, de forma pétrea, expressamente previstos na Constituição Federal.

Destarte, caso comprovada a inobservância da determinação legal que exige o julgamento do auto de infração dentro de trinta dias, competirá ao poder judiciário a garantia da aplicação da lei. [25]

Forçoso alvitrar a doutrina de Hely Lopes Meirelles: [26]

A legalidade do ato administrativo é a condição primeira para sua validade e eficácia. Nos Estados de Direito, como o nosso, não há lugar para o arbítrio, a prepotência, o abuso de poder. A administração Pública está tão sujeita ao império da lei como qualquer particular, porque o Direito é a medida-padrão pela qual se aferem os poderes do Estados e os direitos do cidadão.

Todo o ato administrativo, de qualquer autoridade ou Poder, para ser legítimo e operante, há que ser praticado em conformidade com a norma legal pertinente (princípio da legalidade), com a moral da instituição (princípio da moralidade), com a destinação pública própria (princípio da finalidade), com a divulgação oficial necessária (princípio da publicidade) e com a presteza e rendimento funcional (princípio da eficiência). Faltando, contrariando ou desviando-se desses princípios básicos, a Administração Pública vicia o ato, expondo-o a anulação por ela mesma ou pelo Poder Judiciário, se requerida pelo interessado.

Para evitar a invalidação do processo, poder-se-ia mencionar que, em nome do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, [27] supriria-se o manifesto descumprimento da lei. Entretanto, deve-se adotar cautela ao justificar a inobservância da lei, pois as normas que regem os atos vinculados devem ser integralmente cumpridas, sob pena de caos social e, ainda, a criação de precedentes que justificariam possíveis atos escusos da administração pública.


5. Alternativas à manutenção da sanção imposta

Evidente que não se está a defender a inimputabilidade dos infratores ambientais. Todavia, restou constatado a real possibilidade de anulação do processo administrativo, ante a inexistência do devido processo legal, vez que inobservados os princípios da legalidade e eficiência. Dessa forma, cumpre, pois, abordar eventuais alternativas à manutenção da sanção imposta e, por conseguinte, a preservação ambiental.

A Lei n. 9.605/98 não aponta solução aos casos em que o poder público deixa de proferir o julgamento do auto de infração ambiental, assim, vislumbra-se possíveis soluções para a peculiar situação, ainda que algumas inexistentes legalmente.

5.1 Suspensão compulsória do auto de infração

Consiste na suspensão automática dos efeitos do auto de infração, após ultrapassado o prazo legal para o julgamento pela autoridade competente. Deve perdurar até a data em que o autuado foi notificado do respectivo julgamento. Tal situação está prevista no §3º do art. 285 do Código de Trânsito Brasileiro, onde consta expressamente:

Lei n. 9.503/97:

Art. 285. O recurso previsto no art. 283 será interposto perante a autoridade que impôs a penalidade, a qual remetê-lo-á à JARI, que deverá julgá-lo em até trinta dias.

§ 1º O recurso não terá efeito suspensivo.

§ 2º A autoridade que impôs a penalidade remeterá o recurso ao órgão julgador, dentro dos dez dias úteis subseqüentes à sua apresentação, e, se o entender intempestivo, assinalará o fato no despacho de encaminhamento.

§ 3º Se, por motivo de força maior, o recurso não for julgado dentro do prazo previsto neste artigo, a autoridade que impôs a penalidade, de ofício, ou por solicitação do recorrente, poderá conceder-lhe efeito suspensivo.

Observa-se que a suspensão pode vir a ocorrer novamente se o recurso administrativo, interposto contra a decisão que julgou o auto de infração, também não for apreciado em tempo hábil.

5.2 Aumento legal do prazo para julgamento

A previsão legislativa de um aumento do prazo para que seja proferido o julgamento é uma alternativa. Porém, acredita-se tratar de algo que, embora com eficácia imediata, não subsistiria no tempo, pois se o julgador for contemplado com sessenta, noventa, ou cento e vinte dias para proferir a decisão, o prazo, provavelmente, será igualmente inobservado, na medida em que os processos se acumulariam em maiores proporções sem que fossem contratados e qualificados novos servidores, sob o argumento de que o lapso temporal previsto seria por demais suficiente.

Mais eficiente que o aumento do prazo, é a harmonia entre órgão autuador e julgador, garantindo a perfeita coesão entre a demanda de trabalho de ambos.

5.3 Prorrogação do prazo para julgamento

Tal situação está prevista nos artigos 49 e no §2º do art. 59 da Lei n. 9.784/99, onde consta que o prazo para julgamento poderá ser prorrogado, por igual período, desde que precedido de motivada justificação. O mesmo critério já havia sido adotado pela Lei Paulista n. 10.177/98, no §2º do art. 32. [28]

Identifica-se, na prorrogação, uma forma mais eficaz que o aumento legal do prazo, pois o agente público deve fundamentar o motivo pelo qual está prorrogando o lapso temporal. Poderá haver, quiçá, a previsão legal de um prazo maior do que o atual, e ainda, com a possibilidade de prorrogação. Será, com certeza, uma situação mais confortável aos agentes públicos sobrecarregados.

5.4 Silêncio administrativo

O silêncio administrativo consiste na ausência de manifestação da administração no prazo determinado. Não é ato administrativo, mas comportamento omisso do ente público e, quando ofende direito individual ou coletivo dos administrados ou de seus servidores, sujeita-se a correção judicial e a reparação decorrente de sua inércia, pois caracteriza, também, abuso de poder. [29]

Todavia, mister salientar que algumas legislações têm abordado a questão de forma a subtender que, nestes casos, o particular pode considerar rejeitada tacitamente sua pretensão, passando a contar prazo para eventual recurso cabível, seja administrativo ou judicial. É a situação adotada pela Lei n. 10.177/98 que regula o processo administrativo no Estado de São Paulo:

Art. 33 – O prazo máximo para decisão de requerimentos de qualquer espécie apresentados à Administração será da 120 (cento e vinte) dias, se outro não for legalmente estabelecido.

§1º - Ultrapassado o prazo sem decisão, o interessado poderá considerar rejeitado o requerimento na esfera administrativa, salvo previsão legal ou regulamentar em contrário.

(...)

§3º - O disposto no § 1º deste artigo não desonera a autoridade do dever de apreciar o requerimento.


6. Considerações finais

Ante todo o exposto, pode-se extrair, sinteticamente, as seguintes afirmações:

Os princípios da legalidade e da eficiência compreendem a administração pública em suas diversas esferas, inclusive os órgãos ambientais.

O auto de infração ambiental, oriundo do poder de polícia da administração pública, é ato formal, punitivo e vinculado, devendo, portanto, atender os requisitos legais previamente estabelecidos.

A Lei dos Crimes Ambientais exige que o julgamento do auto de infração seja proferido em trinta dias, contados de sua lavratura. Todavia, este exíguo lapso temporal é inexeqüível aos padrões atuais. Tal situação poderá ensejar contratempos incomensuráveis, ante a falta de previsão legal específica à manutenção da validade do processo administrativo.

Dentre as soluções apontadas, acredita-se que o prazo para julgamento deve, essencialmente, iniciar no término da instrução processual, com possibilidade de prorrogação por igual período, visando, pois, um processo administrativo célere e eficiente. Sublinhe-se, ainda, ser de fundamental importância a harmonia profissional entre órgão autuador e julgador, garantindo a perfeita coesão entre a produção laboral de ambos.


Notas

01. Sobre o tema, com maestria discorreu o prof. Almiro do Couto e Silva no artigo "Princípio da Legalidade da Administração Pública e da Segurança Jurídica no Estado de Direito Contemporâneo" In Revista do Ministério Público, n. 45, Porto Alegre: 2001, p. 35/60.

02. Art. 37. A administração pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, e eficiência e, também, ao seguinte:

03. In Curso de direito administrativo. 11º ed. Malheiros: São Paulo, 1999, p. 59.

04. In Direito administrativo brasileiro, 25º ed. Malheiros: São Paulo, 2000, p. 82.

05. In Revista de Direito Ambiental, n. 18, São Paulo: abr-jun/2000, p. 65.

06. Op. Cit., p. 90.

07. In Direito Constitucional. 5º ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 293.

08. In Notas para um Debate sobre o Princípio Constitucional da Eficiência. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 2, maio, 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 17 de outubro de 2002.

09. CONSEMA – Conselho Estadual do Meio Ambiente, do Estado do Rio Grande do Sul.

10. LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

11. MEIRELLES, Hely Lopes, Op. Cit., p. 142/143.

12. Artigo 8º - São inválidos os atos administrativos que desatendam os pressupostos legais e regulamentares de sua edição, ou os princípios da Administração, especialmente nos casos de:

(...)

II – omissão de formalidades ou procedimentos essenciais;

13. Op. Cit., p. 125/126.

14. Op. Cit., p. 127.

15. MEIRELLES, Hely Lopes, Op. Cit., p.156/157.

16. Idem, p. 184/185.

17. A inobservância da legalidade pode vir a gerar, inclusive, improbidade administrativa ou, ainda, o dever objetivo do Estado em reparar eventuais danos causados ao particular, conforme disposto no §6º do art. 37 da Constituição Federal de 1988.

18. Hely Lopes Meirelles conceitua o poder vinculado afirmando que é aquele que o Direito Positivo – a lei – confere à Administração Pública para a prática de ato de sua competência, determinando os elementos e requisitos necessários à sua formalização. In Direito administrativo brasileiro, 25º ed. Malheiros: São Paulo, 2000, p. 108.

19. BELLO FILHO, Ney de Barros. Op. cit., p. 58.

20. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11º ed. Malheiros: São Paulo, 1999, p. 369.

21. In Direito administrativo. 11º ed. Atlas: São Paulo, 1999, p. 481.

22. In Curso de direito administrativo, 2º ed. Malheiros: São Paulo, 1995, p. 293.

23. Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.

24. Art. 59 - Salvo disposição legal específica, é de dez dias o prazo para interposição de recurso administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida.

§ 1º Quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido no prazo máximo de trinta dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente.

25. Independente da possibilidade de responsabilização objetiva do Estado pelos atos de seus agentes, forte no art. 37, §6º da CF/88, há também eventual responsabilidade disciplinar ao servidor, como, por exemplo, encontra-se previsto na Lei Estadual Paulista n. 10.177/98: artigo 90 – O descumprimento injustificado, pela Administração, dos prazos previstos nesta lei gera responsabilidade disciplinar, imputável aos agentes públicos encarregados do assunto, não implicando, necessariamente, em nulidade do procedimento.

§1º - Respondem também os superiores hierárquicos que se omitirem na fiscalização dos serviços de seus subordinados, ou que de algum modo concorram para a infração.

26. Op. cit., p, 649.

27. Sobre o supremacia do interesse público sobre o particular, o prof. Humberto Ávila, em fundamentada manifestação, expõe a inexistência de um "princípio jurídico" propriamente dito, pois, em suma, ele não pode ser descrito separada ou contrapostamente aos interesses privados: os interesses privados consistem em uma parte do interesse público. In Repensando o "Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular". Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 7, outubro, 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 17 de outubro de 2002.

28. Artigo 32 – Quando outros não estiverem previstos nesta lei ou em disposições especiais, serão obedecidos os seguintes prazos máximos nos procedimentos administrativos:

(...)

§ 2º - Os prazos previstos neste artigo poderão ser, caso a caso, prorrogados uma vez, por igual período, pela autoridade superior, à vista de representação fundamentada do agente responsável por seu cumprimento.

29. MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p.106.


Referências Bibliográficas

ÁVILA, Humberto. Repensando o "Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular". Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 7, outubro, 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em: 17 de outubro de 2002.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Maurício Fernandes da. A inobservância do prazo legal no julgamento do auto de infração ambiental diante dos princípios da legalidade e eficiência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 69, 10 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4209. Acesso em: 29 mar. 2024.