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As publicações eletrônicas e a propriedade intelectual

As publicações eletrônicas e a propriedade intelectual

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É possível disponibilizar obras literárias na internet sem o intuito de lucro através do uso justo (fair use)?

Resumo: O artigo presente situa-se no contexto internacional e abrange os aspectos do direito autoral aplicado às publicações eletrônicas nos dias atuais. Tenta fornecer uma visão da importância do respeito à propriedade intelectual como um dos mecanismos para desenvolvimento e também oferece uma visão parcial das tendências presentes e futuras relacionadas à utilização das obras oriundas da criação humana.

Palavras-chave: Direito Autoral, Direito do Uso Legal, Propriedade Intelectual, Publicação Eletrônica, Tecnologia, Comércio Eletrônico.


INTRODUÇÃO

O meio eletrônico representa hoje um poderoso veículo para a transmissão do conhecimento, colocado agora em foco como fonte principal de poder. De acordo com BARRETO(1998), a comunicação eletrônica da informação modificou totalmente as relações da mesma com seus usuários. Esta comunicação eletrônica imprime mais velocidade na possibilidade de uso e acesso à informação, pois permite a interação direta entre o receptor e a informação. Graças às novas tecnologias de produção, processamento e difusão da informação, as práticas tradicionais sobre o uso da informação foram irreversivelmente modificadas. As informações são copiadas e armazenadas na forma digital e transmitidas muitas vezes instantaneamente para qualquer parte do globo terrestre. Na verdade, deu-se inicio a era da chamada "Economia da Informação", onde a propriedade intelectual assumiu a posição como uma das mais importantes mercadorias de nossa sociedade e onde a informação e o conhecimento vêm se expandindo aceleradamente, provocando transformações sem precedentes e operando uma verdadeira revolução na história da comunicação.

Historicamente, o aparecimento de novas tecnologias sempre gerou mudanças nos hábitos e atividades sociais, acarretando a necessidade de reformulação de muitas regras dentro da realidade de cada país. Nos dias de hoje, as novas tecnologias revolucionam os meios de comunicação e o processo de obtenção da informação, introduzindo novos conceitos como a interatividade, multimídia e conectividade de redes em escala mundial. Todo este avanço trouxe, também, alguns problemas a serem solucionados, como as novas formas de utilização da informação e a ampliação das fronteiras do direito autoral. Esta informação, que é fruto da criatividade e originalidade humana, agora disponível nos meios eletrônicos ou digitais tais como CD-ROM, Internet e bibliotecas virtuais, necessita de regras para a sua utilização. Deste fato surgiu a necessidade de se encontrar na história do direito à informação, o equilíbrio entre o direito do autor e o direito do consumidor da informação.

No presente trabalho serão apresentadas algumas das definições que delineiam a conceito do direito autoral e revistas algumas questões básicas que decorrem da utilização das obras intelectuais através da informática, sob os aspectos da Lei Brasileira de Direitos Autorais (nº 9.610/98), da Convenção de Berna, do Tratado da OMPI de 1996 e sob a interpretação de profissionais dedicados ao assunto da proteção e do exercício dos direitos autorais no espaço cibernético. Será apresentada, também, uma analogia entre sites de comércio eletrônico e softwares, e o tratamento dado aos mesmos com relação ao direito autoral. Por fim, será analisada a posição da doutrina, principalmente norte-americana, sobre o assunto, verificando a existência de uma tentativa de inclusão da disponibilização de obras literárias na internet sem o intuito de lucro através do uso justo (fair use), e como essa doutrina se adapta às constantes evoluções tecnológicas.


O DIREITO AUTORAL

As idéias não são protegidas mas sim a expressão dessas idéias de uma maneira original (CHAVES, 1996:1360). De acordo com BITTAR FILHO (1998,232) as idéias pertencem ao domínio cultural da humanidade.

Segundo MARTINS(1998:190) os conceitos de autoria e dos instrumentos que regem os seus direitos fundamentam-se na idéia da individualidade, na identidade formalizada do autor e na sua (suposta) objetividade, assim como na concepção de que a obra ou a produção intelectual e artística é única, original, íntegra e permanente; na separação entre autor e obra (sujeito versus objeto); na institucionalização das relações com o Estado e com o mercado; na aceitação e na obediência aos contratos éticos, sociais e jurídicos pertinentes.

Os direitos autorais lidam basicamente com a imaterialidade, a principal característica da propriedade intelectual(MARTINS, 1998:183). A obra intelectual é caracterizada como "as criações do espírito, de qualquer modo exteriorizadas" e de fato tem que haver na obra, a que o direito do autor se refere, o momento essencial da exteriorização. Por isso, não é a idéia que se tutela, e sim a sua exteriorização (GOMES, 1985:62).

Mas é fácil perceber que os conceitos sobre propriedade são mais claramente relacionados ao que é tangível do que ao que é intangível.

Direito autoral, então, é o que tem o autor (de obra literária, científica ou artística) de ligar o seu nome às produções do seu espírito e reproduzi-las. Ao ligar seu nome às produções ele manifesta a sua personalidade, e ao reproduzi-las manifesta a natureza real e econômica (Beviláquia apud CHAVES,1995:27). Esta concepção dá margem para que o autor possa fazer respeitar seu pensamento e, ao mesmo tempo, retirar proveito, para ele e sua família, de seu trabalho. Reconhece ao autor um poder discricionário e absoluto sobre sua obra e lhe dá, apenas a ele, o direito de divulgá-la (CHAVES,1995:14).

O direito de autor representa uma relação jurídica de natureza pessoal-patrimonial, pois traduz numa fórmula sintética o resultado da natureza especial da obra da inteligência e do regulamento determinado por esta natureza especial(CHAVES,1995:16).

Assim, o direito autoral se caracteriza pelo aspecto moral, o qual garante ao criador, além do direito de ter impresso o seu nome na divulgação de sua obra e o respeito à integridade da mesma, os direitos de modificá-la ou impedir a sua circulação; e pelo aspecto patrimonial, regulador das relações jurídicas da utilização econômica das obras intelectuais.

Muitas vezes a criatividade humana e geração novas tecnologias foram estimuladas pela proteção à inovação e por isto muitos países tem utilizado esta proteção à criação, como forma de aumentar o seu desenvolvimento econômico (SHERWOOD, 1992).

A proteção dos direitos autorais tem por objetivo o incentivo ao esforço criativo dos autores, reconhecendo um direito exclusivo sobre suas criações artísticas. No direito Brasileiro, se a criação tiver o requisito de originalidade, isto é, que tenha a capacidade criativa do artista, será o suficiente para merecer a proteção dos direitos autorais. Este direito manifesta-se assim que o seu trabalho sai do anonimato.

Até bem pouco tempo os juristas divergiam sobre o caráter da propriedade intelectual. Alguns estudiosos entendiam que a obra de criação era um bem público, patrimônio da humanidade. Outros acreditavam que o autor possuía apenas um privilégio temporário, uma propriedade limitada no tempo. E, por último, havia aqueles que conferiam ao autor um direito absoluto sobre sua obra, dela podendo dispor a qualquer tempo.

É compreensível a controvérsia, pois a obra, o produto da criação, é peculiar, ela gera um interesse universal e, sem dúvida alguma, um direito também especial: o direito que tem o cidadão, em qualquer tempo e em qualquer lugar, de apreciar e fazer uso de uma obra de arte. Nenhum escritor, artista, sábio ou cientista dedica-se anos a fio à determinada atividade para seu uso exclusivo, mas sim objetivando transmitir o conhecimento aos outros por intermédio da divulgação do resultado de seus esforços. Há, desse modo, o autor como proprietário da obra que cria, podendo dela dispor, mas essa obra é também feita para o público e sem ele, com certeza, perderia a sua finalidade maior. É uma contradição que se acentua na medida em que a divulgação do produto artístico adquire um caráter de massas, através de uma distribuição ampla e universal.

Segundo CHAVES(1995:18), a regulamentação positiva dos resultados das atividades intelectuais resultou sempre de uma escolha e freqüentemente de um compromisso entre duas exigências contrastantes: uma seria o interesse da coletividade em utilizar livre e imediatamente o resultado desta atividade do intelecto, e a outra seria o interesse em reverter para si o resultado econômico do seu trabalho, retirando benefício do aproveitamento alheio.

A questão da proteção à propriedade intelectual criou um entrave entre a tecnologia e a legislação, pois à medida que o progresso tecnológico aumenta as facilidades de transmitir, armazenar e copiar determinada informação, a legislação é alterada a fim de adaptar-se a essa nova realidade, definindo exceções e restrições, procurando equilibrar os interesses do autor e da sociedade.

A facilidade com que as informações são distribuídas, transmitidas e armazenadas no meio eletrônico, fez surgir então o fenômeno da obsolescência das leis de proteção à propriedade intelectual a qual cumpre a importante função de alavancar o progresso da humanidade, na medida em que incentiva a produção intelectual, pois as sociedades, ao encararem o fato de que a tendência humana para a criação e a invenção deve ser encorajada, têm descoberto as respostas que atendem de certa forma aos seus anseios e interesses específicos.

Confrontam-se, dessa forma, dois interesses igualmente legítimos, igualmente inafastáveis, que o Estado deve atender de maneira igualmente satisfatória para ambos: de um lado, o autor, cujo trabalho pessoal e criativo (dando uma forma especial às idéias) deve ser protegido e recompensado e, de outro, a sociedade que lhe forneceu a matéria-prima dessa obra e que é seu receptáculo natural. Como membro dessa sociedade, o autor não pode opor-lhe seu próprio interesse pessoal, em detrimento do interesse superior da cultura; e como mantenedora da ordem, não pode a sociedade subjugar o indivíduo, em seu exclusivo benefício, retirando-lhe aquelas mesmas prerrogativas que o governo confere ao autor, para o favorecimento da criação intelectual, e que são instrumento de importância relevante de seu próprio desenvolvimento e de sua subsistência soberana (MANSO, 1980).

É principalmente pelo interesse social que o Estado tem motivos para conferir ao autor da obra a proteção exclusiva aos direitos autorais, inclusive constitucionalmente. Diante disto, faz-se necessário um ajustamento objetivando a adequação das leis de proteção à propriedade intelectual ao novo fenômeno tecnológico, observando-se dois interesses: o interesse da sociedade e o interesse do autor que está subordinado ao primeiro.


AS PUBLICAÇÕES ELETRÔNICAS E OS DIREITOS AUTORAIS

Hoje em dia, qualquer um com acesso a um computador e uma conexão na Internet pode publicar e pode distribuir informação.

Desde a sua criação, a Internet tem passado por muitos desafios a fim de se adaptar às leis. A Internet provê um método para os autores e leitores evitarem os publicadores e para a informação vagar livremente em uma atmosfera onde é difícil proteger a propriedade intelectual. A Internet possibilita copiar, alterar e distribuir idéias e obras do intelecto humano, mas alguns mecanismos podem permitir violações a objetos protegidos por direitos autorais. Os legisladores acreditam que as leis de proteção aos direitos autorais se adaptarão, porém muitas figuras populares acreditam que essas leis não poderão nem deverão se adaptar para regular o meio eletrônico. Para eles, a Internet provê uma oportunidade para transformar ou igualar o que eles consideram um sistema radicalmente defeituoso.

As Obras Intelectuais

Segundo SANTOS(2000), a utilização de obras intelectuais no ambiente virtual ou espaço cibernético, também chamada utilização informática das obras intelectuais, caracteriza-se por três elementos principais: o meio informático, como o novo veículo; a digitalização, como a nova forma de reprodução; o sistema de comunicação instantânea e global, como a nova forma de comunicação.

O meio informático e a digitalização trouxeram como conseqüência um fenômeno que se denominou de desmaterialização das criações intelectuais. Os suportes convencionais de informação (impressos, magnéticos, foto-sensíveis, etc.) perderam muito de sua importância para os suportes digitais. Isso exigiu a revisão de antigos conceitos e princípios da disciplina autoral para se determinar até que ponto era necessária uma mudança legislativa. Logo, além da fixação da obra em suporte tangível, o direito passou a se preocupar com a fixação em suporte intangível, conforme dispõe o artigo 7º da Lei nº 9.610/98, a Lei Brasileira de Direitos Autorais.

Além de afetar o conceito de suporte, o acesso e o uso de recursos eletrônicos trouxeram profundas modificações em dois outros conceitos básicos do direito autoral: a reprodução e a distribuição.

O conceito tradicional de reprodução, tal como originalmente previsto na Convenção de Berna, implica a fixação da obra em um meio tangível e permanente. No ambiente digital, há a fixação em suporte intangível e a reprodução é de natureza transitória ou incidental, como, por exemplo, no acesso remoto mediante memorização e visualização. A Lei nº 9.610/98, artigo 5º, inciso VI, que trata da definição de reprodução, engloba a fixação em suporte intangível e a reprodução temporária, incluindo a previsão de "qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido", com o propósito de tornar a criação perceptível em meio eletrônico ou quando for de natureza transitória ou incidental.

O conceito de distribuição constante do artigo 6º do Tratado da OMPI sobre Direito de Autor e do artigo 5º, IV, da Lei Brasileira de Direitos Autorais, pressupõe a circulação física de exemplares, o que implica a existência de suporte material ou tangível. No entanto, a distribuição eletrônica opera com "arquivos de obras", que são mais comumente designados de objetos digitais. O artigo 29, inciso VII, da Lei Brasileira de Direitos Autorais, ao se referir à distribuição de obras ou produções mediante recursos de telecomunicações, abrange a chamada distribuição eletrônica que se aplica à circulação de objetos digitais no espaço cibernético, entretanto "não foi suficientemente inovador a ponto de atualizar o conceito tradicional de distribuição", segundo SOUZA(2000). Oliveira Ascensão(1999) observa que "quando a armazenagem, visualização e reprodução de obras disponibilizadas na Internet se fazem no computador pessoal, tais atos são livres de acordo com o regime autoral vigente".

A reformulação dos conceitos de reprodução e distribuição acabou por determinar uma revisão dos conceitos de cópia e uso privado. Quando a utilização informática da obra intelectual se faz dentro do âmbito do computador pessoal do usuário, sem fins lucrativos, tal ato se inclui na categoria de uso privado, sendo, em princípio, livre, ainda quando protegida pelo Direito do Autor. Entretanto, quando a armazenagem, a reprodução e a utilização da obra intelectual são processadas através de bases de dados eletrônicas, para disponibilização na rede, a situação é completamente diferente: a OMPI vem advogando a adoção de um regime sui generis de proteção, para bases de dados não originais, que leva em conta o investimento realizado na coleta e processamento de dados. Esses atos, que configuram a colocação da obra à disposição do público, constituem uma modalidade de utilização da obra e, por essa razão, são reservados para o titular do direito autoral (SOUZA,2000).

Comércio Eletrônico

Os problemas de direito de autor não se restringem à utilização de obras intelectuais no espaço cibernético, ou seja, à distribuição digital de obras intelectuais dentro do que se denomina de utilização informática. A versatilidade do ambiente digital, que sempre representou a maior vantagem da Internet como sistema de informação e comunicação, desafia os mecanismos de proteção e exercício dos direitos autorais no âmbito do comércio eletrônico.

O comércio eletrônico abrange operações de compra e venda de bens físicos ou desmaterializáveis (software, música, vídeo e informações), prestação de serviços de processamento remoto de dados, aluguel de espaço para a hospedagem de um website, dentre outras atividades que surgem diariamente. Segundo YAMASHITA(2000), "qualquer tipo de interação virtual, seja ela comercial ou institucional, pressupõe a presença eletrônica da empresa por meio de um site na Internet, doravante referido no seu termo original inglês website". Portanto, como peça-chave do comércio eletrônico, um website pode adquirir uma relevância econômica igual ou até maior que a de um estabelecimento físico comercial tradicional. Todo website tem basicamente dois aspectos: o site físico e o site intangível (Venetianer apud YAMASHITA, 2000).

O site físico consiste na instalação dos equipamentos onde se armazenam (hospedam) as páginas e todos os elementos digitais que as compõem. O computador que disponibiliza as páginas na Internet é chamado de servidor-hospedeiro (host).

O site intangível consiste no conjunto de arquivos e páginas codificadas em linguagem de programação (site lógico), sua representação visual-gráfica (site virtual) e suas características mercadológicas, tais como a lógica e ordenação de seu conteúdo, a coleta de dados sobre visitantes, as técnicas de projeto e etc. (site-mídia). Segundo YAMASHITA(2000), a natureza jurídica do site intangível é a mesma de um programa de computador (software), e se o site lógico, o site virtual e o site-mídia são software, então estão protegidos pela Lei nº 9.609/98, nos aspectos que lhes sejam relevantes.

Segundo a Lei nº 9.609/98, um site intangível poderia ser considerado um software se e somente se consistir numa "expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados".

Se do ponto de vista do site lógico, o mesmo se constitui essencialmente de um conjunto organizado de instruções codificadas em linguagens de programação que formam suas páginas, de acordo com a Lei nº 9.609/98, é de se concluir que, ao menos do ponto de vista estrutural, o site lógico é um software. Se, além disso, também tiver a finalidade de fazer funcionar, de modo e para fins determinados, máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, o site lógico adquire o seu elemento finalístico, aspecto sob o qual o site lógico também é um software, o que pode ser reforçado pela existência de aplicativos (applets e CGI - Common Gateway Interface) (YAMASHITA, 2000).

YAMASHITA ainda vai mais adiante: se o site lógico é software e se o site virtual é apenas a representação visual-gráfica do site lógico, logo o site virtual também é software. Da mesma forma, se o site lógico é software e os sites-mídias são apenas conjunto de características mercadológicas do site lógico, logo o site-mídia também é software. Finalmente, se o site intagível consiste no conjunto destas três espécies de site, logo sites intangíveis são software. Então, sites intangíveis são protegidos pela Lei nº 9.609/98.


A DOUTRINA DO FAIR USE

Isenções e limitações têm de ser claramente estabelecidas com relação ao direito à informação. O fair-use ou uso legal das obras protegidas é considerado uma doutrina que está entre as limitações mais significantes e extensamente aplicáveis nos direitos exclusivos de donos do direito autoral. O fair-use foi definido como uma permissão para reprodução de uma quantidade ou porção razoável de um trabalho protegido pelo direito autoral, sem permissão e quando necessário, para um propósito legítimo que não seja competitivo com o mercado do autor do trabalho protegido. Isto quer dizer que certos usos não constituem pirataria mas sim um uso que sai da esfera de proteção do direito autoral.

Existe uma grande variedade de situações que poderiam envolver o fair use, por isso é necessário analisar cada situação para determinar quando a doutrina será aplicada. Por exemplo, para verificar se uma determinada situação envolve fair use, alguns fatores podem ser avaliados como, otipo de uso, o propósito do uso envolvido, asubstancialidade da porção usada e o efeito do uso no valor do trabalho protegido. Isto é necessário especialmente em uma era onde a tecnologia varia tão rapidamente, a fim de adaptar a doutrina para situações individuais, à medida que elas surgem.

Com relação ao tipo de uso, os tribunais freqüentemente interpretam a apropriação de material registrado como fair use quando o propósito para o qual é utilizado corresponde a uma ilustração em uma revisão ou crítica, a uma paródia, a uma parte de um relatório de notícias, a uso pessoal e privado, à ausência de lucro em propósitos governamentais e às atividades de ensino.

Já no propósito do uso, a extração e utilização de trechos de trabalhos protegidos pela propriedade intelectual para propósitos de crítica e revisão tem sido reconhecido universalmente como fair use, porque a revisão não substitui a função do trabalho que é revisado. Semelhantemente, a citação de trecho ou porção de uma fala ou informação em um artigo de notícias também é considerado uso justo.

Na substancialidade do material usado deve se levar em consideração a quantidade ou porção do trabalho copiado. Isto é, se uma quantidade grande de um trabalho for usada, este uso é considerado indevido porque o usuário não precisa copiar tudo de um trabalho protegido por direitos autorais quando ele executa uma função diferente.

Com relação ao efeito no valor do trabalho protegido, todo caso que envolve a defesa de fair use ainda gera controvérsias quanto ao uso sem autorização do material registrado, levantando a questão se isso diminuiria ou prejudicaria o mercado potencial e o valor do trabalho registrado. Se a substancialidade do uso for materialmente tão grande a ponto de reduzir a demanda do espectador sobre o material original, então o fair use não é permitido. Porém se o usuário sem autorização, aplica o material em um meio diferente, como por exemplo, fazer um filme a partir de um romance, então as vendas potenciais do trabalho não estão reduzidas, podem até ser aumentadas e tal uso não destruiria o mercado do autor para a venda do romance. Neste caso o fair use pode ser reivindicado.

O fair use ajuda a solucionar um conflito básico travado entre o proprietário dos direitos autorais (o qual deseja proteger os seus direitos exclusivos) e o usuário (que nega que o uso do material protegido representa uma infração aos direitos de outro).

Porém até hoje o fair use ainda não é uma área solucionada dentro da lei de proteção aos direitos autorais, onde em algumas situações o uso de certa quantidade de trabalho protegido pode ser perfeitamente justificado e legitimado, e em outras o uso de uma quantidade similar pode ser caracterizado como uma infração aos direitos de autor. O fair-use pode ser visto como uma prática corrente que contribui tanto para uma melhor exploração dos documentos circulantes, quanto para a consolidação das posições dos editores e dos autores envolvidos.


CONCLUSÃO

É fato que a legislação vigente dos Direitos Autorais é carente no que diz respeito aos meios eletrônicos de distribuição e reprodução. A nova lei do Direito Autoral é uma lei que já nasceu ultrapassada, pois não prevê, em quase nenhum artigo, o advento da tecnologia das redes de computadores. Pode-se interpretar alguns artigos de modo extensivo, contudo, não existe qualquer referência expressa à Internet. As decisões neste escopo estão restritas às múltiplas interpretações dos juristas, não existindo um código claro, conciso e atual. Por enquanto, convenciona-se que o uso sem fins lucrativos de obras artísticas ou literárias na rede deve ser considerado lícito, visto que não há qualquer prejuízo por parte do autor. Ao contrário, há vantagens de divulgação de sua obra, além de ser do interesse da coletividade que o conhecimento seja espalhado da forma menos irrestrita possível. O uso, entretanto, com fins lucrativos é abusivo, desatendendo ao interesse coletivo e ao individual do autor.

O direito autoral na Internet é um tema dos mais atuais e necessita maior atenção e estudo por parte da doutrina e dos tribunais do País. Embora sejam poucos os julgados neste sentido, em breve este poderá constituir-se num dos maiores problemas judiciários. É preciso que os órgãos judiciais e legislativos estejam a frente de seu tempo, legislando para o futuro e não para o passado.

Este não é um problema apenas da legislação brasileira. As controvérsias sobre o direito autoral na Internet têm abrangência global. As convenções, doutrinas e tratados internacionais ainda não chegaram a um consenso. É necessário que países se reunam para estabelecer a postura a ser juridicamente adotada na Internet, de modo a criar uma legislação uniforme e evitar conflitos.

Enquanto as leis não regulamentam de forma satisfatória as questões do direito autoral, a própria tecnologia, através dos códigos de segurança, criptografia, números, etc... está se encarregando de disciplinar os novos usos gerados pela tecnologia. Esta, aliada a uma proteção jurídica globalizada e à crescente conscientização dos usuários, certamente permitirá, em futuro próximo, a circulação das obras protegidas pela Internet em proveito de todos.


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Abstract: This present article is situate in the international context and it embraces the aspects of copyright applied to the electronic publications nowadays. It Tries to offer a vision of the importance about respect to the intellectual property like one those mechanisms for development and also offers a partial view of the presents and futures tendences linked to the use of the works originating from of the human creation.

Keywords: Copyright, Fair Use, Intelectual Property, Electronic publication, Technology, Electronic Commerce.


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Terezinha Cristina Firmino da; SCHWARTZ, Fabiano Peruzzo. As publicações eletrônicas e a propriedade intelectual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 105, 15 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4214. Acesso em: 28 mar. 2024.