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A legitimidade ativa das associações civis na ação de improbidade administrativa

A legitimidade ativa das associações civis na ação de improbidade administrativa

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1. Introdução

A Lei 8429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, surgiu para regulamentar o art. 37, §4, da Constituição Federal.

Trata-se de lei ordinária editada para estabelecer a forma de imposição e a gradação das sanções expressas na norma constitucional quando a conduta humana a ser sancionada se caracteriza como ato de improbidade administrativa, independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica.

Possuem legitimidade ativa para propor tal ação, segundo o senso comum teórico, o Ministério Público e a pessoa jurídica de direito público contra a qual foi praticado o ato de improbidade administrativa. Entretanto, acreditamos que o rol de legitimados não se limita a esses dois, possibilitando também a inclusão das associações civis.

Essa é a exclusiva razão das reflexões a seguir expostas.


2. A legitimidade ativa das associações civis.

A Lei de Improbidade Administrativa – LIA dispõe em seu art. 17 sobre os legitimados ativos a proporem tal ação :

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

Fica claro a legitimidade do Ministério Público, porém a lei traz a expressão "pessoa jurídica interessada". O entendimento é de que esta pessoa jurídica será de direito público (1), sendo aquelas que foram prejudicadas pelo ato de improbidade previstas no art. 1.º da referida Lei "a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual." Porém a lei não limitou a pessoa jurídica de direito público !!!

Por que uma pessoa jurídica de direito privado, ex.: uma associação civil, criada com a finalidade de combater os atos de improbidade administrativa e zelar pelo cumprimento dos princípios constitucional da legalidade, impessoalidade, moralidade, honestidade e eficiência não poderia ser legitimada ativa desta ação ?

Quem são os prejudicados pelos atos de improbidade ? Evidentemente que a sociedade civil como destinatária de todos os atos da Administração. Então porque utilizar esta interpretação extremamente restritiva retirando dos principais interessados, a sociedade civil organizada em associações civis para combater tais atos, a sua legitimidade ?

Apesar dos entendimentos limitadores das associações civis não vislumbramos qualquer óbice a sua legitimidade , até porque a natureza jurídica da ação é cível e estar-se-á defendendo interesse público primário.

2.1. Natureza jurídica

A Constituição em seu art. 37, § 4.º dispõe que :

"Art. 37 - ...

§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".

O jurista FÁBIO COMPARATO (2) analiando o art. acima esclarece que :

"Se, por conseguinte, a própria Constituição distingue e separa a ação condenatória do responsável por atos de improbidade administrativa às sanções por ela expresass, da ação penal cabível, é, obviamente, porque aquela demanda não tem natureza penal."

A própria Lei de Improbidade Administrativa - LIA trambém repete a regra constitucional em seu art. 12 :

"Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações."

Fica evidente pelas regras expostas acima que o agente que cometer um ato de improbidade administrativa terá um julgamento judicial cível pela LIA, além de outros julgamentos, entre eles, um julgamento judicial criminal pelo Código Penal e leis penais esparsas, que não se confundem com o primeiro.

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça afastou a natureza penal da LIA, embora que por maioria, conforme julgamento abaixo :

"Improbidade administrativa (Constituição, art. 37, § 4º, Cód. Civil, arts. 159 e 1.518, Leis nºs 7.347/85 e 8.429/92). Inquérito civil, ação cautelar inominada e ação civil pública. Foro por prerrogativa de função (membro de TRT). Competência. Reclamação.

1. Segundo disposições constitucional, legal e regimental, cabe a reclamação da parte interessada para preservar a competência do STJ.

2. Competência não se presume (Maximiliano, Hermenêutica, 265), é indisponível e típica (Canotilho, in REsp-28.848, DJ de 02.08.93). Admite-se, porém, competência por força de compreensão, ou por interpretação lógico-extensiva.

3. Conquanto caiba ao STJ processar e julgar, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, os membros dos Tribunais Regionais do Trabalho (Constituição, art. 105, I, a), não lhe compete, porém, explicitamente, processá-los e julgá-los por atos de improbidade administrativa. Implicitamente, sequer, admite-se tal competência, porquanto, aqui, trata-se de ação civil, em virtude de investigação de natureza civil. Competência, portanto, de juiz de primeiro grau.

4. De lege ferenda, impõe-se a urgente revisão das competências jurisdicionais.

5. À míngua de competência explícita e expressa do STJ, a Corte Especial, por maioria de votos, julgou improcedente a reclamação.( RCL 591/SP, DJ DATA:15/05/2000, PG: 00112, rel. Min. NILSON NAVES, julgamento de 01/12/1999. CE – CORTE ESPECIAL".

Como a natureza jurídica da ação é cível, não existe qualquer obstáculo a sua propositura por parte de uma associação civil. Se fosse penal, em virtude da Constituição em seu art. 129, I, afirmar competir, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública, esta legitimidade por nós defendida não poderia prosperar.

2.2. Interesse público primário.

O jurista italiano RENATO ALESSI em conhecida tese expôs a distinção entre interesse público primário (o interesse geral , da coletividade) e interesse público secundário (o interesse do Estado, ou fazendário). (3)

CONSUELO YATSUDA M. YOSHIDA (4) esclarece que já se questiona a validade desta distinção : "A partir da Constituição de 1988 está superado aquele entendimento que preconiza que o interesse público não se confunde com o interesse meramente patrimonial da Fazenda Pública. Havendo lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público, deixa de haver interesse meramente estatal, o chamado interesse público secundário, e concomitantemente surge o interesse público primário ou interesse social, ou, ainda, interesse difuso, de toda a coletividade, cuja defesa é função institucional do Ministério Público, entre outros legitimados"

Evidente que as condutas previstas na LIA, ou seja, os atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito, que causem prejuízo ao erário e que atentem contra os princípios da administração pública, irão atingir a coletividade como um todo, podendo ser classificados como interesse público primário, possível de ser perquirido pelas associações civis.


3. Conclusão

A sociedade civil é a mais interessada em coibir tais os atos de improbidade administrativa, pois é ela que sofre as consequências nefastas que estes atos provocam. Nada mais justo que ela possa se organizar em associações civis para coibir tais condutas.

Deste modo, entendemos que as associações civis que incluam entre seus objetivos a defesa das condutas prevista na LIA, estão de acordo com o art. 17, expressamente legitimadas a proporem tal ação para que o agente público (lato sensu) tenha seus direitos políticos suspensos, perca a função pública, fique com os bens indisponíveis e ressarça ao erário.


NOTAS

  1. Neste sentido : NERY, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor : atualizado até 22.02.2001. 5. ed. Revista dos Tribunais, 2001. p.2169; MASCARENHAS, Paulo. Improbidade Administrativa e Crime de Responsabilidade de Prefeito. Editora de Direito – LED, 2001. p. 54; MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do Patrimônio Público. Revista dos Tribunais, 2000. p.153; VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Tutela Jurisdicional Coletiva. Atlas, 1999. p.119-120; MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. Saraiva, 2001. p.310; PAZZAGLINI FILHO, Marino. Improbidade Administrativa : Aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. Atlas, 1999. p.207.
  2. COMPARATO, Fábio Konder. Ação de Improbidade : Lei 8429/92 – Competência ao juízo de 1.º grau, in Boletim dos Procuradores da República, n.º 9, jan/99. p.8.
  3. Sistema istituzionale del diritto amministrativo italiano, 1960, p.197-8 apud Mazzili, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo, 12 ed. São Paulo : Saraiva, 2000, p. 43.
  4. O Ministério Público e sua função institucional de defesa do patrimônio público lesado ou ameaçado de lesão. Boletim dos Procuradores da República, out. 1999, n.18, p.12 apud MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Popular. 4. Ed. São Paulo : RT, 2001, p. 105.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Emanuel Dhayan Bezerra de. A legitimidade ativa das associações civis na ação de improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 86, 27 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4235. Acesso em: 29 mar. 2024.