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Da exclusão do condômino nocivo

uma perspectiva civil-constitucional

Da exclusão do condômino nocivo: uma perspectiva civil-constitucional

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Não se pode admitir que a falta de autorização legal expressa sobre a possibilidade de exclusão de condômino impeça a aplicação direta das normas constitucionais.

INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, abandonando histórica feição de neutralidade e indiferença, passou a cuidar, também, das relações entre particulares. Vindo sua nova tábua axiológica, com a primazia dos direitos fundamentais e sociais, a influenciar todos os ramos do direito, redefinindo seus institutos.

Com o direito de propriedade não foi diferente. Não mais podendo ser tratado divorciado do princípio da função social, fincando superada a noção de um direito ilimitado.

Primeiramente destacada pela Igreja Católica, por São Tomás de Aquino, e sistematizada no mundo jurídico por Leon Duguit, já no início do século XX, quando ainda estavam no auge os princípios do liberalismo e individualismo jurídico, a questão da função social ganhou fundamental importância. Sendo reconhecida, hoje, em qualquer ordenamento jurídico.

Como o Direito compõe um sistema lógico e integrado, suas influências sobre o direito de propriedade acabaram por repercutir, dentre outros, no instituto do condomínio edilício, de crescimento desenfreado dos centros urbanos de médio e grande porte, diga-se de passagem.

Se por um lado tais condomínios são uma ótima solução de política urbana, por outro, são também sinônimo de conflito de interesses entre seus ocupantes. Exigindo regulação eficaz para que as relações ali travadas realizem sua função social.

Intromissões excessivas e caprichosas no exercício de direito alheio perpetradas por ocupante de um condomínio horizontal devem ser afastadas com rigor, sob pena de se inviabilizar o exercício de seu próprio direito, e, principalmente, de todos os demais condôminos.

Com o advento da Lei nº 10.406, de janeiro de 2002 (DOU de 11/01/2002), disciplinando a matéria dos Condomínios Edilícios, muito se discutiu sobre a possibilidade de exclusão do condômino antissocial diante do parágrafo único do artigo 1.337, do Código Civil:

O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia. (original sem grifo)

Nesses termos, com base em princípios constitucionais; no direito à vida (saúde, sossego, privacidade, moralidade), à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, este transformado e limitado pela função social; considerando ainda a tendência jurídica internacional de admitir a exclusão do condômino nocivo como medida extrema, esse posicionamento ganha cada vez mais força. Vindo, ao que parece, finalmente a prevalecer em nossa ordem jurídica.


1. ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE PROPRIEDADE

Sobre o direito de propriedade, é importante destacar que sua ideia enquanto direito ilimitado há muito foi superada.

Segundo Roberto de Ruggiero:

A propriedade tem uma função social, visto satisfazer uma exigência humana e, até onde a satisfaz, o direito, protege-a, garantindo ao indivíduo as mais latas faculdades de uso, de gozo e de disposição. Pode por isso o proprietário destruir o que lhe pertence, não porque o direito repute tal destruição útil, mas porque ele tem ao seu arbítrio a sua disposição. Mas, para além desse destino negativo, não se pode ir até ao ponto de querer um destino antissocial, usando a coisa em prejuízo de outrem. A propriedade moderna – repetimo-lo com Filomusi – deve ser exercida civilmente segundo os fins do direito, e não se age segundo estes, quando, sem qualquer utilidade própria se exerce o domínio com fins vexatórios.

Aquele absolutismo das faculdades de gozo e de disposição, que o nosso legislador levou a caráter fundamental na definição de propriedade, deve pois ser entendido não na sua mais ampla e hiperbólica extensão, mas com limitações racionais que o próprio conceito moderno de propriedade impõe.(RUGGIERO, Roberto. Apud Antônio Chaves. Direitos de Vizinhança – Uso Nocivo da Propriedade – RT-689 – São Paulo, 1993, p. 17)

Felipe Peixoto Braga Netto (BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Teoria dos ilícitos civis. Belo Horizonte: DelRey, 2003, p. 122.), compartilhando essa ideia, pondera que, atualmente, é lugar comum a afirmação da relatividade dos direitos, já que esses existem em situação de absoluta harmonia. Existindo para se realizar socialmente, colidem, entram em choque, superpõem-se, às vezes, dificultando o exato vislumbre de seus limites.

Nossa Lei Civil (artigo 1.228, caput) atribui ao proprietário as faculdades de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Definida essa gama de faculdades, nosso legislador seguiu a tradição romana, adotando concepção absolutista.Todavia, a fim de se evitar abusos pelo proprietário em detrimento dos interesses sociais e coletivos, esse direito sofre cada vez mais restrições e limitações de diversas ordens. Ficando abandonado aquele enfoque individualista.

Fazendo um breve resumo histórico (DANTAS JR., Aldemiro Rezende. O direito de vizinhança. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 18/19), entre os romanos a concepção da propriedade passou por várias fases: inicialmente, coletiva; até que, no período clássico do Direito Romano, profundamente individualista. Cada coisa tinha apenas um dono, que sobre ela exercia poder absoluto e ilimitado.

Entre os germanos, em contrapartida, a propriedade do solo era sempre coletiva: num primeiro momento, de toda a tribo, permitindo-se aos indivíduos, tão somente, seu uso e gozo; posteriormente, da família, havendo uma compropriedade entre filhos e pais, enquanto vivos.

Até que, na invasão do Império Romano pelos povos “bárbaros”, do choque dessas diferentes concepções surgiram outras formas de propriedade, dentre elas a beneficiária, que culminou no nascimento dos feudos, predominantes na Idade Média, em que um proprietário da terra concedia sua exploração a outrem.

Houve, então, uma quebra do conceito unitário que havia entre os romanos, repartindo-se a propriedade entre aquele que detinha o domínio direto (eminente) e o que detinha o domínio útil. Pagando este uma renda àquele, em bens ou serviços, em troca do direito de explorá-la.

A situação de dependência de quem explorava a terra com seu proprietário, todavia, não se coadunava com os ideais da Revolução Francesa. Buscando o o Código Civil francês a reunificação dos sujeitos. Cabendo ao proprietário a exploração de sua terra.

A Igreja Católica, contudo, passou a combater, firmemente, essa concepção individualista e absolutista.No século XIII, em plena Idade Média, destacava-se a opinião de Santo Tomás de Aquino. Ao mesmo tempo em que defendia a propriedade individual ao argumento de que o homem é mais cuidadoso para administrar o que só a si pertence, apontava que essa deveria ser usada no interesse de todos.

No final do século XIX, a encíclica Rerum Novarum (1891) (que quarenta anos depois, em 1931, viria a ser reforçada pela Encíclica papal Quadragesimo Anno) retomou os ensinamentos de Santo Tomás de Aquino, posteriormente, inclusive, repetida, de forma mais amadurecida, na Encíclica Mater et Magistra do Papa João XXIII, de 1961:

[...] a propriedade é um direito natural, mas esse direito deve ser exercido de acordo com uma função social, não só em proveito do titular, mas também em benefício da coletividade. Destarte, o Estado não pode omitir-se no ordenamento sociológico da propriedade. Deve fornecer instrumentos jurídicos eficazes e justos para tornar todo e qualquer bem produtivo e útil. Bem não utilizado ou mal utilizado é constante motivo de inquietação social. A má utilização da terra e do espaço urbano gera violência.[...](VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. vol. V. 2. ed. São Paulo: Atlas S.A., 2002, p. 176.)

Fortalecida a discussão em vista das manifestações da Igreja Católica, a ideia de exploração da propriedade voltada para um interesse mais amplo ganhou espaço na sociedade. Ingressando no mundo jurídico com a sistematização, por Leon Duguit, da necessidade de mudança do conceito individualista de propriedade.

Segundo ele, o instituto jurídico da propriedade surgiu para atender a uma necessidade econômica. Tendo esta sofrido profunda alteração, naturalmente, o instituto da propriedade também precisava se transformar, devendo atender à sua finalidade social.

Reconheceu-se, então, a propriedade como fonte de deveres fundamentais decorrentes da sua própria natureza, de sua destinação normal. Deveres estes a cargo não só do Estado, como também dos particulares.

Essa nova dimensão, todavia, demorou a refletir no direito positivado, observa Aldemiro Rezende Dantas Jr. (DANTAS JR., Aldemiro Rezende. op. cit., p. 25.). Mas foi se arraigando nas mentes dos magistrados, até se atingir a imprescindibilidade de sua consideração na análise dos casos em concreto que lhes eram submetidos.

Assim, aos poucos, a ideia do direito de propriedade, enquanto isoladamente considerado, começa a desaparecer, perdendo a plena proteção legal quando o interesse social não é atendido.

 Apesar da concepção, marcadamente, individualista da propriedade no Direito Romano, hoje, nota-se que, desde aquele tempo, a propriedade nunca foi realmente ilimitada.

Ensina Caio Mário da Silva Pereira (PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil. vol. IV. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 141.) que se dizia ser lícito a qualquer proprietário proceder quanto a sua propriedade como melhor lhe aprouvesse, desde que não viesse a interferir na propriedade alheia. Tendo todas as legislações posteriores que harmonizarem o exercício dos poderes jurídicos que compõem a propriedade por parte dos proprietários de prédios vizinhos.

Mesmo o Código Civil Francês que, expressamente, previu a propriedade como direito absoluto, acrescentou ao respectivo dispositivo que dela não se poderia fazer um uso proibido pelas leis ou regulamentos.

No direito contemporâneo, dúvida não subsiste quanto à relatividade do direito de propriedade, reconhecendo-se ao seu titular, além de direitos, a obrigação de exercê-los respeitando os interesses coletivos predominantes.

Tal noção foi insculpida como preceito em nossas Constituições desde 1946, condicionando-se o uso da propriedade ao bem-estar social. Vindo tanto o direito de propriedade como a função social da propriedade a serem elevados à categoria de direitos fundamentais, na Carta Magna de 1988, ganhando posição de destaque na localização topográfica do texto constitucional (DANTAS JR., Aldemiro Rezende. op. cit., p. 34.).

Diferentemente das Constituição de 1946 e 1967, em que as disposições relativas à função social da propriedade foram tratadas junto com Ordem Econômica e Social, na atual Constituição, além de arrolados entre os princípios da ordem econômica, artigo 170, o direito de propriedade e sua função social foram inseridos entre os direitos e garantias fundamentais, artigo 5°, incisos XXII e XXIII.

Por isso, inúmeros foram os reflexos no nosso ordenamento jurídico, traduzindo as variadas facetas destes conceitos indissociáveis, como no artigo 1.228, § 1º, do Código Civil:

O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

A atual Constituição da República apresentou ainda diretrizes em relação à propriedade imóvel rural, a saber, hipóteses de desapropriação, usucapião especial, regra específica para aquisição e arrendamento por pessoa estrangeira, impenhorabilidade da pequena propriedade rural trabalhada pela família, ainda, quando se realiza ou não a função social; sobre a propriedade imóvel urbana, que esta cumpre sua função social quando atendidas as exigências fundamentais contidas no plano diretor, obrigatória para as cidades com mais de vinte mil habitantes (artigo 182, §§ 1º e 2º), e a hipótese de usucapião especial de imóvel de pequeno tamanho.

Sabiamente conclui Aldemiro Rezende Dantas Jr.:

Como se vê, portanto, a propriedade deixou de ter uma conceituação abstrata, desvinculada da situação concreta, passando a ter um conceito variável, estabelecido em função de “centros de interesses extraproprietários”, e é exatamente por isso que passa a ser uma noção pluralista, variável em função da mudança desses fatores extraproprietários, com o quais se relaciona. (DANTAS JR., Aldemiro Rezende. op. cit., p. 42.)

Da análise dos dispositivos constitucionais, observa-se, então, um campo vasto para a definição em concreto da função social da propriedade, respeitados os princípios fundantes do nosso ordenamento.


2. CONDOMÍNIO EDILÍCIO OU HORIZONTAL

Como um imóvel não se encontra isolado no espaço, sendo confinante ou próximo de outros, inúmeras são as situações em que podem surgir conflitos de interesses entre proprietários, possuidores e detentores de dois prédios vizinhos . Lembrando que vizinhança não se confunde com contiguidade. Considerando-se prédio vizinho aquele que sofre influência de atos praticados em outro.

Consoante Ihering, o poder de dispor livremente da coisa, que habitualmente se atribui ao proprietário, como essência de seu direito, só corresponde à verdade em relação às coisas móveis. Quem pretendesse afirmá-lo com aplicação à propriedade imobiliária, fracassaria ante as consequências:

Se os proprietários de prédios vizinhos, por exemplo, pudessem praticar, cada qual no seu, tudo quanto lhe ditasse a fantasia, sem atender aos prejuízos, perturbações, incômodos que o outro pudesse proporcionar, poria este numa situação intolerável, e teria, por sua vez, de suportar todos os efeitos dos atos nocivos que, em represália, lhe fossem opostos pelo vizinho. (IHERING, De Rudolf Von . Apud Antônio Chaves op. cit., p. 14.)

Tratando-se o condomínio edilício, uma das formas de exercício da propriedade, de um ponto de tensão entre interesses individuais e coletivos, cuidou o legislador de estabelecer uma série de normas conciliatórias para prevenir conflitos ou, quando impossível, solucioná-los, a fim de que o instituto seja bem sucedido na sua função social.

Hoje, esse complexo de direitos e restrições atribuídos a cada ocupante de prédio e dos prédios que lhe são vizinhos é conhecido como Direito de Vizinhança.

Matéria de suma importância para a viabilidade dos condomínios edilícios, nos quais se percebe com ainda mais intensidade os reflexos dos atos dos ocupantes de prédios vizinhos em razão da contiguidade que lhe é comum.

Consoante pesquisa histórica (NADER, Paulo. Curso de direito civil. vol. IV. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 281/283.), registra-se que, dois mil anos antes de Cristo, na Babilônia, já se praticava modalidade de edificação semelhante à do condomínio edilício. Usava-se construir em pavimentos, método que veio a ser adotado na Palestina e no Egito.

Conta-se, que no período de Imerum, Rei de Spar, houve um ato que dizia da venda do pavimento térreo, permanecendo o primeiro andar sob o domínio do vendedor. 

Quanto à presença dos condomínios edilícios nas instituições romanas não há unanimidade. Sabe-se, sim, da prática da insulae (ilhas), destinada à residência plebeia, que consistia em pavimentos levantados sobre a casa de outra pessoa, imóvel designado como crypta.

Mais tarde, no século XIV, nas numerosas cidades, foi implementada a prática da divisão horizontal, quando o condomínio edilício logrou regulamento nos Costumes de Bretanha, nos de Orléans, nos de Berry, entre outros, sendo o Código de Napoleão o primeiro ordenamento moderno a prever a modalidade.

O condomínio horizontal difundiu-se de tal forma na Europa, especialmente nas cidades de Grenoble e Reims, que alguns o denominaram por sistema de Grenoble. 

Já na Idade Contemporânea, por um tempo tido como fonte de problemas, foi considerado nocivo à sociedade, tendo sido, inclusive, proibida sua instituição na Argentina.

No Brasil, a matéria só veio a ganhar espaço no ordenamento jurídico em 1928, com o Dec. nº 5.481, de 15 de junho, modificado pelo Dec. Lei nº 5.234 em 08 de fevereiro de 1943.

Revogado o último, pela Lei nº 285, de 5 de junho de 1948, passou a ser tratada pela Lei dos Condomínios e Incorporações, nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, aperfeiçoada pela Lei nº 4.864/65.A partir de 2002, o instituto tornou-se objeto de capítulo próprio no Livro do Direito das Coisas, artigos 1.331 a 1.358, no Código Civil.

Também chamado de condomínio horizontal, especial, relativo, sui generis, em edifícios, de edificações, de edifícios divididos por planos horizontais, por andares, ainda, propriedade horizontal, copropriedade de prédio de apartamentos, consiste em um direito real advindo da combinação de dois outros: da propriedade individual sobre as unidades autônomas (salas, lojas, apartamentos) e da copropriedade sobre as partes comuns (terreno, telhado, corredores, fachada).

Fala-se em uma fusão da propriedade particular com a comum, de forma a ser impossível juridicamente separar este complexo. Impondo-se a definição de disciplina jurídica especial para atender à sua estrutura peculiar (PEREIRA, Caio Mário da Silva Pereira. op. cit., p. 185.).

Dentre suas principais garantias, tem o condômino, em vista do seu direito subjetivo de propriedade, as faculdades de uso, gozo, disposição e reivindicação das unidades. Possui legitimidade para, até mesmo isoladamente, proteger as partes comuns por inteiro, reavendo-as de quem injustamente as possua, já vez que titular de uma fração ideal.

O condômino pode fazer uso das partes comuns dentro da destinação que lhes foram atribuídas e sem exclusão da utilização dos demais compossuidores.

O direito de votar e participar das deliberações nas assembleias também é assegurado por lei, bastando ao condômino a quitação das obrigações como forma de estimular o adimplemento.

Todavia, seus poderes não são absolutos. Paralelamente, impõem-se deveres a serem cumpridos, como por exemplo, o de pagar em dia as contribuições para as despesas condominiais (de acordo com os critérios estabelecidos na convenção); de abster-se de reforma que possa comprometer a segurança do prédio, dentre outros.

Além disso, deve-se dar às unidades individuais a destinação atribuída no ato de instituição do condomínio. Não se permitindo utilização prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores e ou aos bons costumes.

A fim de realizar a função precípua do instituto, o exercício harmônico dos direitos dos comproprietários, a legislação civil cominou consequências em caso de seu mau uso (artigo 1.336, §§ 1º e 2º, do Código Civil).

O não pagamento da contribuição sujeita o condômino aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de 1% (um por cento) ao mês e multa de 2% (dois por cento) sobre o débito.

A realização de obras que comprometam a segurança da edificação; a alteração da forma e cor da fachada, partes e esquadrias externas; o uso com das partes para destinação diversa da edificação, ou de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes sujeita a infrator ao pagamento de multa prevista no ato constitutivo ou convenção, limitada a cinco vezes o valor da contribuição mensal, independentemente das perdas e danos.

Quando inexistir disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços, no mínimo, dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.

Em caso de condômino ou possuidor contumaz nas infrações, ou seja, que não cumpre reiteradamente seus deveres perante o condomínio, poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independente das perdas e danos que se apurem. 

Vindo, contudo, o condômino ou possuidor (locatário, comodatário), por seu reiterado comportamento antissocial, a gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, pode, ainda, ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.


3. CONDUTA NOCIVA

Sem olvidar a funcionalidade do conceito, cuja feição só se estabelece, de fato, no caso concreto, pode-se afirmar que o mau uso da propriedade é o uso excepcional ou anormal, que gera ingerências no direito de propriedade alheio.A depender da natureza da repercussão, a intromissão constituirá ou uma restrição das vantagens que o prédio oferece a seu dono, ou uma admissão do estranho a essas vantagens. Tendo aquele o direito de reprimir uma invasão que fere o seu direito de propriedade (CHAVES, Antônio. op. cit., p.15.).

Louis Josserand compreendia, em três categorias, os atos produtores de responsabilidade entre vizinhos, definição particularmente interessante para delinear o mal uso da propriedade:

 1° atos ilegais, os que se realizam com a violação de um preceito legislativo ou regulamentar; 2° atos abusivos, ou, de modo mais geral, atos culposos, quando o proprietário exerce uma prerrogativa que lhe caiba, mas obedecendo a uma finalidade que não corresponde à natureza do direito, ou, mais frequentemente, agindo com culpa, causando prejuízos a outrem, cumprindo a este provar a realidade e o quantum desse prejuízo; 3° atos excessivos, que são os realizados em virtude de um direito certo e com um fim legítimo, mas produzindo dano anormal. (JOSSERAND, Louis. Apud Antônio Chaves. op. cit, p. 17.)

De acordo com Felipe Peixoto Braga Netto, em releitura da Teoria dos Ilícitos Civis (Braga Netto, Felipe Peixoto. op. cit., p. 118/119) os atos abusivos, bem como os excessivos cuidam-se de ilícitos funcionais. Não há, a princípio, contrariedade ao direito. Esta surge ao se verificar uma distorção funcional, quando o direito é exercido de maneira desconforme com os padrões aceitos como razoáveis para a utilização de uma faculdade jurídica.

Segundo ele, para cada direito corresponde um perfil, mais ou menos nítido, com as proporções de sua utilização. Se ocorre desvio no perfil objetivo do direito, cessa a tutela e passa a haver uma situação contrária ao direito.

Sempre que os limites socialmente aceitos forem ultrapassados, dando lugar a situações geradoras de perplexidade, espanto ou revolta, decorrentes do exercício de direitos, a resposta do ordenamento só pode ser uma: a repulsa ao agir abusivo, desarrazoado.

O direito moderno repudia a utilização arbitrária, caprichosa ou inconsequente das situações jurídicas.Conclui Roberto de Ruggiero que o direito só dá a sua proteção aos atos humanos que tenham utilidade, não se protegendo o domínio pelo simples capricho de cada um.

Atualmente, mercê da força, no direito atual, das diretrizes constitucionais pertinentes, é algo fora de dúvida que a utilização de um direito não pode se prestar a fins opostos àqueles que orientam seu nascimento, nem tampouco podem colidir com princípios maiores, se em choque. (RUGGIERO, Roberto de. Apud Antônio Chaves. op. cit, p. 17.)

Nossa legislação, por seu turno, dispõe que comete ilícito civil, todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral (artigo 186, do Código Civil).

Também incorre em ilícito o titular de um direito que ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (artigo 187, do Código Civil).

Constatado um dano, surge, então, o dever de indenizar (artigo 927, do Código Civil), ou seja, a responsabilidade civil.

Sua relação exclusiva com equivalentes econômicos, contudo, muitas vezes não se revela uma tutela adequada.

A visão do ilícito civil como um conceito fundamentalmente tradutor de equivalentes econômicos para as lesões ocorridas implica, aos olhos contemporâneos, uma concepção marcada por certo sabor anacrônico (BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. op, cit., p. 16/17).

A função do direito contemporâneo, nessa perspectiva, é otimizar instrumentos para que o dano não ocorra, para que o ilícito não se perfaça.

Não se pode tutelar direitos, mormente direitos não patrimoniais, apenas com a possibilidade de indenizar, em pecúnia, o dano experimentado. O tratamento conferido aos direitos patrimoniais, reais ou obrigacionais, pode ser, em grandes linhas, semelhante. Porém, os não patrimoniais exigem uma tutela qualitativa diversa.

Restringir o efeito do ilícito civil ao dever de indenizar impossibilita uma atuação reativa do sistema que realmente evite a continuação ou a repetição das agressões aos valores e princípios protegidos pelo direito, como pode vir a ocorrer em hipóteses de mau uso da propriedade.

Clóvis Beviláqua preleciona que o uso normal da propriedade é determinado pelo costume do lugar ou pela extensão do prejuízo causado:

Se o incômodo excede ao que é razoavelmente tolerável, segundo as circunstâncias, haverá mau uso da propriedade. Não havendo medida precisa para o direito do vizinho queixoso, o juiz decidirá segundo o seu justo critério, quando o caso não se mostrar suficientemente claro. (BEVILÁQUA,Clóvis. Apud Antônio Chaves. op. cit, p. 18.)

Afere-se, portanto, o mau uso da propriedade pelo incômodo excessivo, capaz de causar prejuízo, o que Antônio Chaves (CHAVES, Antônio. op. cit., p. 18.) divide em três classes, ofensa à segurança pessoal ou dos bens, ofensa ao sossego e ofensa à saúde.

Na comunidade de um condomínio edilício, tal situação não é diferente, em razão do que, conforme tratado em tópico próprio, a legislação prevê diretrizes para a conciliação do exercício do direito de propriedade pelos condôminos e meios de efetivá-la, sob pena de se tornarem meros preceitos morais.

Eventualmente, em que pese a imposição de multas gradativas, pode acontecer de algum condômino continuar a exercer seu direito de propriedade de forma ofensiva ao direito dos demais, criando uma situação insuportável.

Para tal hipótese, dispõe o artigo 1.337, parágrafo único, do Código Civil, que o condômino ou possuidor que, por reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.

Vê-se que o legislador sabiamente optou por uma cláusula aberta, tanto no que tange ao comportamento a ser combatido, como nas possíveis soluções a serem adotadas pela assembleia.

A propósito, Felipe Peixoto Braga Netto:

Os novos padrões de conduta, na esfera civil, são iluminados por valores, tais como a dignidade da pessoa humana, justiça social, igualdade substancial, solidariedade, entre outros. Não existe mais uma rígida tipologia de condutas possíveis e condutas vedadas. Não pelo menos, na órbita civil. As ações permitidas e as ações repudiadas são definidas em razão dos condicionamentos históricos, recebendo substancial influência de outros setores sociais, que penetram no sistema jurídico através dos princípios, que por sua vez carecem de concretização mediadora. (BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. op. cit., p. 128.)

Impõe-se, então, uma reflexão, caso a caso, sobre a abrangência da expressão “comportamento antissocial”, tomando-se como referencial a noção do homem médio na aferição do grau de tolerância ordinário, e das medidas adequadas à sua cessação.

O que não se pode é tolerar a perpetuação desse exercício abusivo ao extremo mediante simples pagamento de multas ou indenizações, em detrimento dos demais que fazem o uso adequado, se não suficientes para por fim ao abuso.

Nas palavras de Américo Isidoro Angélico:

 (...) Antissocial quer dizer contrário à sociedade (condominial); aquele que se opõe ao convívio social; insociável; contrário à organização, costumes ou interesses da sociedade (Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa e Dicionário da língua portuguesa Larousse). Imaginemos a hipótese de um condômino dado ao exacerbado alcoolismo, frequentemente é encontrado nas escadas do condomínio em desalinho, bem como desfalecido nos elevadores, expelindo vômitos e dejetos. (...) (ANGÉLICO, Américo Isidoro. Exclusão do condômino por reiterado comportamento anti-social à luz do novo código civil, Revista de Direito Privado, São Paulo: RT, nº 17, 2004, p. 99/101.)

Depreende-se que não é o simples comportamento antissocial que merece restrição, e, sim, quando ele ocorre gerando prejuízo, causando mal, dano. Por isso, muitos juristas preferem a expressão “conduta nociva” que abarca, também, o resultado dos atos perpetrados, o que, verdadeiramente, se busca evitar.

Assim, a nocividade de uma conduta, ilegal, ilícita funcional ou contrária à convenção do condomínio, determinar-se-á de acordo com suas potenciais ou efetivas consequências na esfera juridicamente protegida dos demais condôminos.

Como observa Jorge Elias Nehme (NEHME, Jorge Elias. Tutela de exclusão do condômino nocivo, Revista dos Tribunais, São Paulo, Dez/2002: RT, nº 806, p. 46) os atos nocivos não têm enumeração taxativa: basta que sejam contrários à lei ou à convenção de condomínio, trazendo perturbação ou perigo ao sossego, à salubridade e à segurança dos demais condôminos e à arquitetura do conjunto condominial, para estarem caracterizados e repudiados pelo direito.

Pode-se pensar em construções e modificações da coisa comum (alteração de fachada, supra-elevação, uso exclusivo de área comum); alteração da destinação do imóvel (manutenção de prostíbulo, exercício de atividade profissional em imóvel residencial, república de estudantes etc.); inadimplência; uso nocivo, propriamente dito, como ruídos excessivos, algazarras, gritarias, diversões espalhafatosas altas horas da noite, exalações, emissões de odores, fumaça, fuligem, gases tóxicos, interferências, imissões anormais, guarda de animais, infiltrações de águas, falta de higiene, dentre outras, que se reiteradas pelo condômino, gerando situação insuportável perante os demais, pode levar, independentemente das perdas e danos que se apurarem, até à sua exclusão.

Ensina Clóvis Beviláqua (BEVILÁQUA, Clóvis. Apud Antônio Chaves. op. cit., p. 18.) que tudo quanto possa prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos, segundo nosso Código Civil, constitui uso nocivo da propriedade, e autoriza o proprietário ou morador do prédio a pedir que cesse o dano ou seja reparado, se já produzido.

Neste sentido, a nossa legislação criou alguns mecanismos já comentados, como imposição de juros moratórios e multas crescentes em conformidade com a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.

Deixou, contudo, campo aberto para busca da solução mais adequada, em caso de fracasso dos mecanismos de natureza econômica para por fim ao reiterado comportamento antissocial gerador de incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores.

É certo que o Código Civil assegura ao proprietário ou possuidor de um prédio o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha (artigo 1.277).

Prevê, ainda, a possibilidade de se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão a direito da personalidade, e de reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei (artigo 12).

Somado a isso, tem-se que a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a essa norma (artigo 21).

Assim, imaginemos a hipótese de um condômino nocivo, que em vista do seu reiterado comportamento antissocial gere incompatibilidade de convivência com a comunidade condominial:

O síndico, no estrito cumprimento da lei (artigo 1.345, do Código Civil), convoca uma Assembleia Geral Extraordinária para discutir a aplicação do constrangimento, àquele condômino, de pagar até dez vezes a taxa condominial.

A assembleia, então, por ¾ (três quartos) dos condôminos (artigo 1.337, do Código Civil), observado o direito de defesa do transgressor, aplica a multa de dez vezes o valor da contribuição condominial (artigo 1.337, parágrafo único, do Código Civil).

Todavia, paga a multa, suponhamos que o condômino não cesse o comportamento intolerável, podendo vir, até mesmo, a piorá-lo.

Nesta hipótese, sustenta Américo Isidoro Angélico:

(...) O condomínio ingressa com pedido de tutela jurisdicional antecipada, colimando a exclusão do condômino, trazendo inequívoca prova dos fatos ocorridos, demonstrando a verossimilhança das alegações e preenchendo todos os demais pressupostos legais exigidos (art. 273, do CPC), requerendo a exclusão do condômino daquele condomínio. O condomínio, então autor, pode também, com base no art. 461, § 5º, do CPC, requerer ao juiz a concessão da tutela específica da obrigação, e, assim, de ofício ou a requerimento, poderá determinar a remoção de pessoas e coisas (arts. 273 ou 461 do CPC, confronte-se com Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado, 6. ed., São Paulo: RT, atualizado até 15.03.2002, e Theotonio Negrão, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 34. ed., São Paulo: Saraiva, atualizado até 04.06.2003, art. 461 e acréscimos, inclusive § 5º, consoante a Lei 10.444, de 07.05.2002). (ANGÉLICO, Américo Isidoro. op. cit., p. 100.)

Defende o jurista a possibilidade de exclusão pelo juiz do coproprietário da unidade condominial, mantido, contudo, seu patrimônio. Ou seja, poderá locá-lo, emprestá-lo ou vendê-lo. Porém, perderá ou terá suspenso, a depender do caso, o direito de convivência naquele condomínio.

Em suma, defende que o juiz poderá adotar as providências necessárias para evitar a continuidade do comportamento, no caso concreto, lançando mão da sistemática do art. 461, do CPC, que prima pela concessão da tutela específica da obrigação ou determinação de providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, se procedente pedido de obrigação de fazer ou não fazer, convertendo-se a obrigação em perdas e danos, tão somente, se o autor assim requerer, ou impossíveis as primeiras opções.

Pode-se, inclusive, conceder a antecipação dos efeitos da tutela, satisfeitos os requisitos do art. 273, do CPC, relevante fundamento da demanda e justificado receio de ineficácia do provimento final.

Sabe-se que para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, inclusive, com requisição de força policial, se necessário. Rol meramente exemplificativo que não exclui a possibilidade de afastamento de convivência de condômino.

No mesmo sentido, Álvaro Villaça Azevedo defende que a assembleia geral pode:

exigir o afastamento desse condômino de comportamento nocivo, que não perderá seu direito de propriedade sobre sua unidade autônoma, mas sim o direito de usá-la, de habitar nela. A exclusão do condômino nocivo é a única solução de conter os aludidos abusos no direito de propriedade, que tem seu fundamento, principalmente constitucional, na idéia de função social. (AZEVEDO, Álvaro Villaça. Apud, Paulo Nader, op. cit., p. 301.)

Como Fábio Konder Comparato bem pondera:

A Constituição brasileira de 1988, com efeito, declara que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (art. 5°, §1°).

 (...) Como foi salientado, os deveres fundamentais contrapõem-se, logicamente aos direitos fundamentais. Ius et obligatio correlata sunt. A existência de alguém como sujeito ativo de uma relação jurídica implica, obviamente, a de um sujeito passivo, e vice-versa. Não se pode, pois, reconhecer que alguém possui deveres constitucionais, sem ao mesmo tempo postular a existência de um titular do direito correspondente. Em conseqüência, quando a Constituição reconhece que as normas definidoras de direitos fundamentais têm aplicação imediata, ela está implicitamente reconhecendo a situação inversa; vale dizer, a exigibilidade dos deveres fundamentais é também imediata, dispensando a intervenção legislativa. É claro que o legislador pode nesta matéria, incorrer em inconstitucionalidade por omissão, mas não será nunca obstáculo à aplicação direta e imediata das normas constitucionais. A aplicação das normas do Código Civil e do Código de Processo Civil nunca é demais repetir, há de ser feita à luz dos mandamentos constitucionais, e não de modo cego e mecânico, sem atenção às circunstâncias de cada caso, que podem envolver o descumprimento de deveres fundamentais. (COMPARATO, Fábio Konde. op. cit., p. 96/97.)

Não se sustenta a perda da propriedade, o que seria desproporcional, dada a fundamentalidade do direito. Mas, sim, em casos extremos, a exclusão do coproprietário da unidade condominial, o afastamento da convivência naquele condomínio, por período a ser definido conforme a situação em concreto, com a manutenção de seu patrimônio.

Alternativa absolutamente viável dentro do nosso ordenamento e imperiosa, de acordo com o caso, para assegurar a realização dos fins sociais do condomínio edilício.

Em que pese posição em sentido contrário, contemplando, tão somente a possibilidade de multas, data venia, não se pode admitir que a proteção do direito dos demais condôminos limite-se à imposição de sanção que se mostre ineficaz.

Se assim for, estaremos diante de uma contradição grosseira em nossa ordem jurídica, na qual se estará premiando o exercício abusivo do direito do condômino tido como nocivo, em detrimento do direito de todos os demais, exercido com a devida realização de sua função social.

Nesta linha, na V Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal, doutrinadores de Direito Civil aprovaram, em novembro de 2011, o enunciado de nº 508. Senão vejamos:

“Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, da CRFB e 1.228, § 1º, do CC) e a vedação ao abuso do direito (arts. 187 e 1.228, § 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil deliberea propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal.”

Malgrado tal enunciado não pode ser tido como jurisprudência, de acordo com a classificação das fontes do direito, tampouco tenha a força das súmulas dos Tribunais Superiores, não deixam de refletir o pensamento de boa parte da doutrina sobre o tema.

Pela possibilidade da exclusão, diversos já são os julgados pelos Tribunais brasileiros:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXCLUSÃO DE CONDÔMINO ANTISSOCIAL. TUTELA ANTECIPADA. DEFERIMENTO. POSSIBILIDADE. Verossimilhança dos fatos alegados, tendo em vista que o agravado comprova, de forma inequívoca, o comportamento antissocial do demandado a impedir a convencia pacífica com os demais moradores. Receio de dano irreparável ou de difícil reparação, uma vez que a permanência do réu no condomínio coloca em risco à segurança e à integridade dos demais moradores. Manutenção da decisão que deferiu a tutela antecipada de exclusão do condômino, nos termos do art. 273, I, do CPC. NEGARAM SEGUIMENTO ao recurso, por decisão monocrática. (Agravo de Instrumento Nº 70065533911, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 13/08/2015)

Obrigação de não fazer – Condômina violenta - Prova irrefutável acerca da conduta antissocial e agressiva. Verossimilhança das alegações, com mais de 3A dos condôminos a favor do afastamento, eis que não mais suportavam a conduta da ré, que se mostrava anormal às regras de convivência em sociedade, devendo ser reprimida. Sentença de procedência mantida. Apelo improvido. (Relator(a): Ramon Mateo Júnior; Comarca: Jundiaí; Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 28/11/2012; Data de registro: 17/04/2013; Outros números: 994081357619)

APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO VERTICAL. PRELIMINAR. INTEMPESTIVIDADE.INOCORRÊNCIA. APELO INTERPOSTO ANTES DA DECISÃO DOS EMBARGOS. RATIFICAÇÃO.DESNECESSIDADE. EXCLUSÃO DE CONDÔMINO NOCIVO. LIMITAÇÃO DO DIREITO DE USO/HABITAÇÃO, TÃO-SOMENTE.POSSIBILIDADE, APÓS ESGOTADA A VIA ADMINISTRATIVA. ASSEMBLÉIA GERAL REALIZADA. NOTIFICAÇÕES COM OPORTUNIZAÇÃO DO CONTRADITÓRIO.QUORUM MÍNIMO RESPETITADO (3/4 DOS CONDÔMINOS). MULTA REFERENTE AO DÉCUPLO DO VALOR DO CONDOMÍNIO.MEDIDA INSUFICIENTE. CONDUTA ANTISSOCIAL CONTUMAZ REITERADA. GRAVES INDÍCIOS DE CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL, REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. CONDÔMINO QUE ALICIAVA CANDIDATAS A EMPREGO DE DOMÉSTICAS COM SALÁRIOS ACIMA DO MERCADO, MANTENDO-AS PRESAS E INCOMUNICÁVEIS NA UNIDADE CONDOMINIAL. ALTA ROTATIVIDADE DE FUNCIONÁRIAS QUE, INVARIAVELMENTE SAIAM DO EMPREGO NOTICIANDO MAUS TRATOS, AGRESSÕES FÍSICAS E VERBAIS, ALÉM DE ASSEDIOS SEXUAIS ENTRE OUTRAS ACUSAÇÕES.RETENÇÃO DE DOCUMENTOS. ESCÂNDALOS REITERADOS DENTRO E FORA DO CONDOMÍNIO. PRÁTICAS QUE EVOLUIRAM PARA INVESTIDA EM MORADORA MENOR DO CONDOMÍNIO, CONDUTA ANTISSOCIAL INADMISSÍVEL QUE IMPÕE PROVIMENTO JURISDICIONAL EFETIVO. CABIMENTO.CLÁUSULA GERAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. MITIGAÇÃO DO DIREITO DE USO/HABITAÇÃO. DANO MORAL. NÃO CONHECIMENTO. MATÉRIA NÃO DEDUZIDA E TAMPOUCO APRECIADA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS FIXADOS EM R$ 6.000,00 (SEIS MIL REAIS). MANTENÇA. PECULIRIDADES DO CASO CONCRETO.SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR, AC. 957743-1, 10ª Câmara Cível, Rel. Arquelau Araujo Ribas, j. 13/12/2012, p. 22/01/2013)


CONCLUSÃO

De acordo com as diretrizes da Constituição da República de 1988, assim como a propriedade, o condomínio edilício deve atender à sua função social.

Tratando-se de um complexo de propriedade individual e coletiva, busca-se, pois, a melhor e possível conciliação dos interesses daqueles que o integram.

Nosso ordenamento jurídico prevê então direitos e deveres aos ocupantes das habitações estruturadas em condomínio horizontal, abarcando tanto os proprietários, possuidores e detentores, como os visitantes.

Incentiva-se a realização da função social de cada unidade autônoma, bem como da parte comum, o que não se verifica sem uma mútua cooperação.

Nessa relação, tão peculiar, as condutas devem pautar-se na dignidade, justiça social, igualdade substancial, solidariedade, entre outros valores. Garantindo-se aos condôminos, principalmente, segurança pessoal e de seus bens, sossego e saúde.

Para que esse princípio não se torne mero preceito moral, a legislação, em contrapartida, prevê meios reais de concretizá-lo, responsabilizando aqueles que incorrerem em “mau uso da compropriedade”.

O mau uso, que só poderá ser aferido caso a caso, dada à flexibilidade do conceito, em síntese, consiste no uso excepcional ou anormal da propriedade, gerando ingerências no direito alheio. Ora restringe as vantagens que o prédio oferece ao seu ocupante, ora admite a estranho essa vantagem, saltando aos olhos sua contrariedade ao direito.

Trata-se, portanto, de um agir abusivo, desarrazoado, constituindo um ilícito civil, a ensejar responsabilização. Afinal, a utilização de um direito para fins opostos aos que orientam seu nascimento, não pode ter outra resposta do ordenamento se não a sua repulsa.

Nossa legislação lista algumas hipóteses de mau uso, cominando penas pecuniárias.

Em caso mais extremo, na eventualidade do condômino ou possuidor que, por seu comportamento antissocial, vier a gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, permitiu a lei seu constrangimento a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.

Atentou-se o legislador para o fato de que nem todos os danos decorrentes de ilícito civil são reparáveis por pecúnia.

Os direitos não patrimoniais, principalmente, exigem tutela qualitativa diversa, sob pena de se impossibilitar uma atuação reativa do sistema para, de fato, evitar a continuação ou a repetição das agressões aos valores e princípios protegidos pelo direito.

Se um condômino, mesmo depois de constrangido a pagar multas gradativas, continuar exercendo seu direito de propriedade de forma ofensiva aos demais, criando uma situação de insuportabilidade de convivência, perfeitamente cabível a exigência pelo proprietário ou possuidor da exclusão do condômino nocivo da unidade condominial.

Mostrando-se o sistema de penas pecuniárias ineficaz, em casos extremos, enquanto a perda da propriedade parece por demais gravosa, violando, pois, o princípio hermenêutico da proporcionalidade, a exclusão do condômino nocivo, com a manutenção de seu patrimônio, por período a ser definido consoante situação concreta, apresenta-se como razoável e compatível com nosso ordenamento jurídico.

Do contrário, inadmitindo-se a medida mais séria de exclusão para o infrator contumaz que utiliza seu direito de forma arbitrária, caprichosa ou inconsequente, estar-se-ia premiando o exercício abusivo do direito do condômino tido como nocivo, em detrimento do direito de todos os demais em exercício legítimo. Situação em total descompasso com o próprio Direito. 

Ademais, a função do direito contemporâneo, nessa perspectiva, é otimizar instrumentos para que o dano não ocorra, para que o ilícito não se perfaça.

Nosso ordenamento exige que o exercício de um direito não viole direito alheio ou cause dano a outrem, que sejam observados os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Assegura, ainda, ao proprietário ou possuidor de um prédio o direito de fazer cessar as interferências provocadas pela utilização de propriedade vizinha prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam.

Em caso de ameaça ou lesão a direito da personalidade, é cabível se exigir sua cessação, bem como, eventuais perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Além disso, a vida privada da pessoa natural é inviolável, devendo o juiz adotar, a requerimento do interessado, as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a essa norma.

Conta-se com o procedimento específico para ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, no qual, se procedente o pedido, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de resultado prático equivalente, pode o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se preciso com requisição de força policial. Rol exemplificativo que não exclui a possibilidade de afastamento de convivência de condômino.

Atendidos os requisitos de relevante fundamento da demanda e justificado receio de ineficácia do provimento final, pode-se, ainda, antecipar os efeitos da tutela de mérito.

Ora, a Constituição da República declara que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Logo, inexistindo direitos e garantias sem deveres correspondentes, implicitamente, reconhece-se a situação inversa, ou seja, a aplicação imediata das normas definidoras de deveres.

Não se pode, nestas condições, admitir que a falta de autorização legal expressa sobre a possibilidade de exclusão de condômino obstaculize a aplicação direta e imediata das normas constitucionais.

Aplicando-se as normas materiais e processuais à luz dos mandamentos constitucionais, atentando-se às circunstâncias fáticas peculiares, não há porque se limitar a proteção dos direitos fundamentais do comproprietários a um sistema de multa ineficaz, em casos extremos, sob pena de desrespeito à própria dinâmica social.


REFERÊNCIAS:

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VICTORASSO, Lorena Junqueira Victorasso. Da exclusão do condômino nocivo: uma perspectiva civil-constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4465, 22 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42524. Acesso em: 27 abr. 2024.