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O fim do abono de permanência

O fim do abono de permanência

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O artigo discute a questão da eliminação do abono de permanência dentre as medidas tomadas no chamado "ajuste fiscal".

O abono de permanência no Brasil é o reembolso da contribuição previdenciária devido ao funcionário público que esteja em condição de aposentar-se  mas que optou por continuar em atividade. O abono de permanência foi instituído pela Emenda Constitucional nº 41/03, e consiste no pagamento do valor equivalente ao da contribuição do servidor para a previdência social, a fim de neutralizá-la.

Ao  contrário da isenção prevista na Emenda Constitucional nº 20/98, o servidor continua contribuindo para o regime próprio de previdência a que está vinculado, cabendo ao Tesouro pagar-lhe o abono no mesmo valor da contribuição.

Trata-se de um bônus, um “plus”, já que há ganho na remuneração do servidor. Para fazer jus à concessão do abono de permanência, o servidor deverá completar os requisitos necessários, constantes na legislação vigente, para a obtenção da aposentadoria voluntária.

Incentiva-se com o abono de permanência ao servidor que implementou os requisitos para aposentar-se a permanecer na ativa, pelo menos, até a aposentadoria compulsória.

Com a formalização da aposentadoria voluntária, com a concessão de aposentadoria por invalidez e ainda com o adimplemento da idade limite para a concessão da aposentadoria compulsória, cessa o abono de permanência.

Ocorre que entre as medidas previstas pelo governo dentro do chamado ajuste fiscal está o fim do abono de permanência em serviço.

Espera o Executivo uma diminuição de cerca de R$1,2 bilhão.

Não se trata de direito adquirido uma vez que se está nos limites de uma existência de direitos e não de uma aquisição de direitos.

Em matéria de alteração de regime jurídico não  há falar em direito adquirido.

Não  estamos diante de aquisição de direitos, como ensinou Savigny (Traité de Droit Romain, Paris, Tomo VIII, 1851, pág. 363 e seguintes), mas de existência de direitos. É sua lição que leis relativas à existência, inexistência, ou modo de existência dos direitos eram definidas como aquelas leis que têm por objeto o reconhecimento sob tal ou tal forma, antes que se coloque a questão de sua aplicação a determinado indivíduo, antes da criação de uma relação jurídica concreta. Essas leis têm efeito retroativo, pois a proibição da retroatividade ou ainda a manutenção dos direitos adquiridos não têm sentido.

Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, 1971, volume V, pág. 51), na mesma linha de Reynaldo Porchat (Da retroatividade das leis civis, 1909, pág. 59 e seguintes), assim disse:

¨Partiu ele da afirmação da equivalência das  duas fórmulas, a que corresponde ao critério objetivo(as leis novas não têm efeito retroativo) e a que corresponde ao critério subjetivo(as leis novas não devem atingir os direitos adquiridos) e assentar que somente a certas categorias de regras – as relativas a aquisição de direitos, à vida deles, escapam à duas expressões da mesma norma de direito intertemporal. E.g, a lei que decide se a tradição é necessária para a transferência da propriedade, ou se o não é, pertence àquela espécie; bem assim, a que exige às doações entre vivos certas formalidades, ou que as dispensa. De ordinário, na regra de aquisição está implícita a de perda. A não retroatividade é de mister em tais casos, quer as consequências sejam anteriores, quer posteriores ao novo estatuto.¨

É sabido que Carlo Gabba (Teoria della retroattivitá della legge, 3ª edição, volume I, pág. 191) fundamenta o principio da irretroatividade das leis no respeito aos direitos adquiridos. Define-o como sendo todo o direito que é consequência de um fato apto a produzi-lo em virtude da lei do tempo em que foi o fato realizado, embora a ocasião de o  fazer valer não se tenha apresentado antes da vigência de uma lei nova sobre o assunto e que, nos termos da lei sob a qual ocorreu o fato de que se originou, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.

Reynaldo Porchat (obra citada, pág. 11 e seguintes) lembra definições: direito adquirido é o que entrou em nosso domínio e não pode ser retirado por aquele de quem o adquirimos.

Para Bergman, citado por Reynaldo Porchat, é o direito adquirido de modo irrevogável, segundo a lei do tempo, em virtude de fatos concretos.

É certo que Paulo de Lacerda (Manual do Código Civil Brasileiro, vol. I, 1ª parte, pág. 115 a 214) obtemperou, ao aduzir que na definição de Gabba se encontra apenas defeito de redação uma vez que segundo ele, o patrimônio individual, mencionado na definição geral de direito adquirido, não há razão para ser entendido unicamente em sentido econômico, sendo a condição jurídica do indivíduo composta não só de direitos econômicos, mas de atributos e qualidades úteis pessoais de estado e de capacidade.

Na lição de Limongi França (A irretroatividade das leis e o direito adquirido, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1982, pág. 204), o direito adquirido é a consequência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fato idôneo; consequência que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da vigência da lei nova sobre o mesmo objeto.

Não há uma situação jurídica concreta constituída razão pela qual será possível eliminar esse citado benefício, atingindo situações já existentes e de forma retroativa nos limites do ato normativo que vier a ser editado. 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O fim do abono de permanência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4458, 15 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42803. Acesso em: 28 mar. 2024.