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Sobre a prevalência do tratado internacional na sistemática jurídica do Estado do Brasil

Sobre a prevalência do tratado internacional na sistemática jurídica do Estado do Brasil

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A Ordem Tributária deverá se sujeitar quando o tratado internacional favorecer as garantias do contribuinte, pois, em se tratando de relações internacionais, atuará o princípio da especialidade da norma internacional.

Sumário: 1. Introdução – 2. O conceito de tratado internacional – 3. A posição hierárquica dos tratados perante o sistema jurídico brasileiro – 4. O art. 98 do Código Tributário Nacional e sua recepção pela Constituição Federal de 1988 – 5. O processo de recepção dos tratados – 6. Conclusão – Bibliografia.

Resumo: 1º – O princípio metodológico que parte da teoria da unidade do Direito, que admite a identificação de autonomias meramente didáticas entre seus diversos ramos, possibilitando a instauração de um estudo sistemático do direito positivo como objeto da Ciência do Direito; 2º – Implica tal postura em se admitir, no plano científico, a tese monista diante das relações entre Direito Internacional e Direito Nacional e, portanto, há que se admitir a vigência e eficácia da norma internacional com prevalência sobre a norma interna; 3º – Que no nível empírico-pragmático é expressa, em nosso plano jurídico-positivo, a recepção de referida teoria monista pela Constituição Federado de 1988, quando em seu artigo 4º dispõe sobre os princípios a serem observados pelo Brasil em suas relações internacionais.

Palavras-chave: direitos e garantias fundamentais – tratado internacional.


1. Introdução.

O Direito é uma ciência cultural que se estrutura sobre os alicerces fornecidos pelo direito positivo, este dado empírico tem uma dupla natureza, uma técnica e outra política.

Por natureza técnica entendemos a manifestação da norma de direito positivado vigente e eficaz enquanto fruto de uma técnica legiferante operacionalizada por sujeito competente e processo adequado.

Ora, o processo legislativo obedece a regras e princípios postos pelo Poder Constituinte originário, e, tal origem revela a natureza eminentemente política do ato de escolha dos valores norteadores da definição dos conceitos e limites a serem obedecidos pelos operadores do direito, seja o legislador que inova o ordenamento geral e abstrato, seja o aplicador que inova na criação de normas individuais e concretas; o poder fundador inerente aos atos políticos está compenetrado de obediência a princípios éticos e suprajurídicos, em suma, a política do direito além de vincular a técnica de formação da lei também está vinculada, em certa medida, a normas éticas e jurídicas de sobrenível.

Entendemos que o ato política em suas manifestações legítimas, inclusive como Poder Fundador de Nova Ordem Constitucional, submete-se a alguns parâmetros em que deve prevalecer a soberania dos Direitos Humanos, ou Direitos Naturais, que possuem uma realidade racional imanente da realidade social, nacional e internacional.

Se até o ato político de criar Nova Ordem Interna mediante a promulgação da Carta Magna deve obediência a certos parâmetros que lhe conferem o mínimo ético de legitimidade, que dizer da Ordem Derivada da Fundação Constitucional, quando entre os mais diversos princípios que determinada constituição adota verificamos a recepção de princípios de Direito Internacional Público, que uma vez expressos implicam em tantos outros princípios implícitos passíveis de demonstração silogística do ponto de vista da lógica científica de natureza jurídica.

Compreendemos que a Constituição Federal de 1988 se apresenta dentro dos parâmetros acima definidos, ou seja, é norma fundamental que instaura empiricamente uma ordem positiva que se submete à prevalência dos Direitos Humanos como imperativo ético e suprajurídico, e, tal imperativo, são as garantias e direitos fundamentais, que também são o fundamento e a razão de ser da Ordem Tributária.

Verificamos, ainda, que se encarta como Mandamento Constitucional a previsão de princípios de direito internacional (Cf. art. 4º da CF) a serem obedecidos nas relações jurídicas internacionais do Estado do Brasil.

Tais relações podem eventualmente explicitar novas garantias e direitos fundamentais, então, haverá a sujeição de toda a Ordem Pública Interna a tais normas produzidas internacionalmente, conforme os termos do art. 5º, § 2º da CF.

A Ordem Tributária ao ser enfocada como garantia individual fundamental do contribuinte deverá se sujeitar quando a norma jurídica internacional veiculada por tratado for de molde a favorecer e fortalecer tais garantias; se tal inovação entrar em conflito com a Ordem Tributária posta deverá prevalecer a norma internacional, pois, em se tratando de relações internacionais, atuará o princípio da especialidade da norma internacional.

Diante disto, significa afirmar que mesmo que não existisse o art. 98 do CTN a explicitar tal princípio no âmbito da Ordem Tributária, o mesmo por estar implícito na Carta Magna, ou seja, de prevalência da regra de DIP sobre a regra interna, não repugna ao Direito que tal prevalência seja uma regra geral e não somente no que respeita à Ordem Tributária.

A Ordem Constitucional e a legislação complementar do sistema tributário, portanto, testemunham a realidade empírica que confirma a validade da teoria monista com prevalência não só no direito internacional, mas, na verdadeira prevalência, aquela da Ciência Jurídica, pois se o Direito tem o atributo da unidade, esta implica na prevalência da norma internacional sobre a nacional, encontrando limites na Ordem Pública somente quando esta for ofendida em sua estrutura mais fundamental pertinente aos direitos e garantias fundamentais, mas, se eventualmente, os próprios direitos e garantias fundamentais ao serem inseridos pela norma internacional afetarem a Ordem Pública estabelecida, esta cederá o passo por determinação constitucional, desde que se respeitem os direitos adquiridos, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito, que são limites objetivos à vigência e eficácia de toda e qualquer norma jurídica no ordenamento legal brasileiro.

Assim sendo, afirmamos com toda a segurança que quando se trata da vigência e da eficácia de determinada norma internacional em nosso ordenamento interno, em vista de expresso mandamento constitucional operará a dialética entre os direitos e garantias presentes na norma internacional; caso a norma internacional fira quaisquer das garantias postas em nosso ordenamento deverá haver o devido controle judicial de constitucionalidade; caso tais inovações introduzidas pela norma internacional atendam aos requisitos do art. 5º e seus parágrafos, então, toda a Ordem Interna submeter-te-á segundo o princípio da especialidade que prevalecerá frente ao princípio cronológico na definição da norma aplicável.


2. O conceito de tratado internacional.

O Tratado Internacional é uma espécie de norma jurídica especialíssima no que diz respeito à forma de constituição e peculiar quanto à sua posição estática e/ou dinâmica em dada ordem jurídica nacional, entretanto, é uma norma jurídica como qualquer outra no que diz respeito à sua finalidade pragmática de incidência sobre a realidade social, pois uma vez consumada a sua introdução em determinado ordenamento jurídico, portanto, vigente e eficaz, o seu destino será a aplicação.

No contexto internacional, em que surgem os tratados internacionais, são presentes as seguintes condicionantes: descentralização, coordenação, horizontalidade e consentimento [1], este último é direto e sem representação parlamentar, e, também, em virtude de tais condicionantes não há vinculação ao princípio majoritário, ou seja, cada vontade singular vincula-se na exata medida de seus interesses particulares, assim sendo temos como corolário de tais características a prevalência do pacta sunt servanda [2], e, envolvendo todas estas condicionantes há os pressupostos da soberania [3] e da boa-fé [4].

Em suma, a clássica doutrina do contrato social vigora com toda a força na sociedade internacional, pois em princípio vige o princípio da igualdade formal entre os diversos entes de direito internacional, e, em função das referidas condicionantes (descentralização, coordenação, horizontalidade e consentimento) eis que estudaremos os conceitos possíveis relativos aos tratados.

Accioly e Silva [5] definem:

Por tratado entende-se o ato jurídico por meio do qual se manifesta o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas internacionais. As Convenções de Viena de 1969 e de 1986 tiveram o grande mérito de estabelecer que o direito de firmar tratados deixou de ser atributo exclusivo dos Estados e pode ser exercido também pelas demais pessoas internacionais, sendo que em 1986 ficou ainda esclarecido que tal direito pode ser exercido por sujeitos do direito internacional que não os Estados e organizações intergovernamentais, havendo o direito da Cruz Vermelha Internacional neste particular sido lembrado em mais de uma oportunidade. (destacamos)

Rezek [6] por sua vez ensina que: "Tratado é o acordo formal, concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos".

Diante destas duas posições conceituais possíveis frente aos tratados internacionais há que se convir que a postura mais antiga, cujo exemplo é dos autores Accioly e Silva, padece de inconsistência científica para aplicação à Jurisprudência, pois considera o tratado internacional como se fosse simples acordo ou contrato fruto da manifestação de vontade das partes convencionais, sendo que este esquecimento conceitual de referir que os tratados visam a produzir efeitos jurídicos possibilita o desenvolvimento das ilações mais disparatadas no sentido de compreender os tratados como diferençáveis entre tratados-contratos, tratados-leis ou figuras mistas [7]; diante de tais equívocos o melhor testemunho técnico-científico é dado por Rezek, que ao justificar o conceito citado acima explana que:

A produção de efeitos jurídicos é essencial ao tratado, que não pode ser visto senão na sua dupla qualidade de ato jurídico e de norma. O acordo formal entre Estados é o ato jurídico que produz a norma, e que, justamente por produzi-la, desencadeia efeitos de direito, gera obrigações e prerrogativas, caracteriza enfim, na plenitude de seus dois elementos, o tratado internacional [8].

Em suma, o tratado é a norma jurídica produzida mediante um ato de vontade estatal num contexto em que se presume a igualdade formal [9] entre as partes, ato que consuma uma relação jurídica de direito internacional e que funda a obrigatoriedade da aplicação da norma internacional mediante os princípios do pacta sunt servanda [10] e da boa-fé.

Este conceito tem conseqüências muito importantes na determinação da posição hierárquica e na dinâmica das normas oriundas dos tratados no contexto da unidade que é o Direito.


3. A posição hierárquica dos tratados perante o sistema jurídico brasileiro.

Ora, a função dos tratados dependendo do contexto pode ser (i) equiparável à da lei complementar por imputação expressa da Constituição [11]; (ii) com função superior à da lei ordinária em virtude de imputação infraconstitucional, mediante ordenamento inserto em lei complementar; e, por fim, (iii) igual à da lei ordinária nos demais casos. Explico-me melhor [12]:

(i) O tratado internacional será equiparável à lei complementar em sede de direitos e garantias fundamentais, cf. a inteligência do art. 5º, § 2º da CF, isto é, tendo em vista que mesmo que não seja feita a referência expressa de que a competência do tratado seja a mesma da lei complementar a sua função será complementar à Constituição na medida em que é competente para suprir a Lei Maior de direitos e garantias implícitos decorrentes do regime e dos princípios, que podem vir no seu conteúdo, neste sentido Pinto Ferreira assim disserta:

A finalidade do preceito é evitar e coibir violações contra os direitos humanos; por isso, a enumeração é puramente exemplificativa, e não exaustiva. O preceito, como afirma José Celso de Melo Filho, ‘constitui norma de encerramento, que institui as liberdades residuais, inominadas, implícitas ou decorrentes’, pois fluem necessariamente dos princípios e do regime constitucional respeitadores das liberdades [13]. (destaques no original)

(ii) Portanto, será superior à lei ordinária e inferior à lei complementar por força do art. 98 [14] do CTN, o tratado terá uma função especialíssima em matéria tributária [15] de norma de estrutura [16], pois vinculará a vontade do agente legislativo, prevalecendo [17] sobre o ordenamento ordinário [18].

Ora, neste momento cabe uma breve observação, qual seja, se a norma do art. 98 do CTN é uma norma de estrutura, então qual será a sua natureza quando efetivar desoneração da obrigação tributária principal? Será uma norma instituidora de isenção ou de imunidade?

Ora, por se tratar de norma complementar e não de emenda constitucional, é claro que será uma isenção, entretanto, se a desoneração alcançada pelo tratado for atinente à garantia ou direito fundamental, então teremos verdadeira hipótese de imunidade por equiparação, pois não obstante o seu caráter complementar à constituição, o seu conteúdo será o de uma cláusula pétrea, e, portanto, ensejadora do afastamento da competência de instituir tributos, p. ex.: acordo internacional que autoriza a livre circulação de pessoas no âmbito do Mercosul, sem que para isso fosse obrigatório pagar taxa ou pedágio, respectivamente na obtenção de vistos ou na travessia das fronteiras internacionais, nesta hipótese, configurar-se-ia verdadeira hipótese de imunidade, haja vista que o direito de ir e vir é garantia fundamental, cláusula pétrea, portanto.

(iii) Será igual à lei ordinária nos demais casos, ou seja, nas hipóteses em que não houver imputação de natureza complementar ou constitucional, então, o tratado se igualará à lei, e, neste sentido sujeitar-se-á, em tese, ao regime geral de vigência e revogação definido pela Lei de Introdução ao Código Civil e pela Lei Complementar 98/95 e demais mandamentos constitucionais e infraconstitucionais pertinentes.

Mas, tal sujeição em tese, não significa dizer que afaste a possibilidade de ocorrência de ato ilícito internacional, praticada pelo Estado, sujeito à observância do princípio pacta sunt servanda, que venha a editar lei posterior que revogue tratado que não goze dos privilégios concedidos pela Constituição ou pela norma complementar.

Quando lei se propõe revogar tratado internacional, ferindo, portanto, o compromisso internacional ratificado, acaba produzindo um ilícito internacional, e, com isso, gerando o direito da parte contrariada de requerer reparação indenizatória, isto é, mesmo quando o tratado veste-se dos característicos da lei ordinária continuará sendo uma norma cuja fonte foi a atividade jurídica internacional do Estado, que agiu na livre determinação de sua vontade e nos limites de seu ordenamento interno no que diz respeito à observância das competências para a emissão da vontade de tratar determinado tema considerado relevante na comunidade internacional [19].

Entretanto, há de se considerar que o tratado ao ser estudado no enfoque pretendido, qual seja, de suas relações com o direito interno brasileiro, não obstante apresentar a tridimensionalidade acima descrita, em contextos outros, o direito dos tratados pode sobrepor-se ao próprio direito constitucional de determinadas nações, tal é o exemplo patente da Europa [20], que não é o objeto do presente trabalho, mas para efeito de registro fica o sobredito, haja vista que o fenômeno denominado de Direito Comunitário é uma forte tendência do Direito Internacional Público [21].

Ora, diante do exposto, resta evidente que os tratados, em nosso ordenamento, não podem ser classificados ora como contratos ora como normas [22]; mas, que em vista da cominação constitucional (art. 5º, § 2º da CF), seja de determinação complementar (art. 98 do CTN) ou de sua equivalência à norma ordinária, a norma jurídica de direito público internacional deverá ser localizada simultaneamente no plano internacional como sendo sempre vinculante, e no plano nacional como gradualmente vinculante, conforme penetre numa das competências suprareferidas, sendo que esta dualidade de enfoques é meramente o resultado da ordenação positiva pátria, em seu aspecto pragmático de aplicabilidade segundo nossas regras de vigência e eficácia, sem excluir a possibilidade de que eventual revogação de tratado, mediante a adoção de meios não previstos no mesmo, tal como no caso de promulgação de lei infraconstitucional ab-rogatória de determinado tratado, se constitua em ato ilícito perante o Direito Internacional, por mais que tenha sido plenamente lícito no plano interno, mesmo que o tratado haja ingressado com o caráter de lei ordinária, ainda sim, será uma fonte produtora de normas cogentes, primeiro para cada Estado-parte, e por conseqüência, cogente para os seus nacionais e demais residentes.

Em síntese, o tratado internacional é norma que surge de um ato de vontade do Estado, ato este que uma vez celebrado e devidamente concluído em todos os seus termos formais ocasionará a fundação de um pacto que deve ser cumprido obrigatoriamente e de boa-fé; no contexto do direito brasileiro poderá ingressar em três níveis possíveis [23], como equivalente à lei complementar, como norma inferior à lei complementar, mas superior à lei ordinária, e, como equiparável à lei ordinária, ressalvando-se que para o plano externo referidas distinções [24] não fazem nenhum sentido.

Eventual revogação de tratados por meios constitucionais e infraconstitucionais que não sejam os previstos na própria convenção implicam na prática de ilícito internacional passível de justa reparação [25], ou seja, o Estado, em seu âmbito jurídico interno pode, eventualmente, revogar tratado, mas não deve em respeito ao Direito, que o vincula desde a seara externa, pelo tratado, e desde a seara interna pela soberania e a honra nacionais colocadas na manifestação de vontade instituidora do pacta sunt servanda.


4. O art. 98 do Código Tributário Nacional e sua recepção pela Constituição Federal de 1988.

Antes de tudo devemos considerar os três níveis de competência hierárquica para a determinação das normas tributárias no que diz respeito ao papel dos tratados internacionais em matéria tributária, que são: a) constitucional; b) complementar; c) ordinária.

a)Constitucionalmente determina-se que lei complementar dirimirá os conflitos de competência infraconstitucionais (artigo 146, inciso I da CF);

b)Decorrente do mandamento anterior a lei complementar em matéria tributária será necessariamente observada por todo o ordenamento tributário, salvo disposição em contrário de nova norma complementar atinente à mesma matéria, assim sendo, o art. 98 do CTN será vinculante sobre toda a Ordem Tributária legal e infralegal;

c)Como corolário das anteriores, será conferido ao tratado internacional o poder de prevalecer sobre normas vigentes e futuras quando se reportarem aos tributos, o tratado será competente para tipificar a conduta do contribuinte, mas, quando o tratado impuser normas de estrutura, também, terá uma finalidade complementar às disposições da lei complementar e superior à da lei comum, em virtude do princípio da especialidade.

O artigo 98 do CTN só poderá ser considerado como não recepcionável na medida em que se postule postura dualistas, ou monista com ênfase no direito interno, onde se considera o Direito como um Duplo e não como Unidade, neste sentido apresentam-se Paulo Ayres Barreto, Roque Antônio Carrazza, e, Estevão Horvath e Nelson Ferreira de Carvalho. Como o eminente Ayres Barreto socorre-se dos demais para definir sua postura dualista, façamos breve crítica aos mesmos.

Horvarth e Ferreira de Carvalho acertam nos princípios que vinculam a ordem interna e externa, mas erram ao considerá-los como se dois sistemas o fossem, pois por mais que "O primeiro [seja] fundado no princípio da soberania", e, "O segundo no princípio pacta sunt servanda (apud Paulo Ayres Barreto, op. cit., p. 162), repito, por mais que sejam estes os princípios informadores dos sistemas interno e externo, equivocam-se nossos doutrinadores dualistas ao esquecerem que o sujeito de direito internacional, o Estado do Brasil representado pelo Presidente da República, só poderá pactuar em virtude da competência prevista constitucionalmente capacitando-o a transigir conforme os interesses pátrios, e, que ao se proceder à fiscalização presente no referendo praticado pelo Congresso, que poderá aditar ou suprimir reservas ao tratado, logo, se a convenção chega finalmente à promulgação, então a mesma terá presunção de legitimidade depondo a seu favor, pois a vigência dos compromissos assumidos, mediante livre manifestação de vontade e cumpridos de boa-fé.

Diante de todo o exposto, podemos asseverar que só se dá tal capacidade contratual em vista do próprio princípio da soberania, em DIP contrata-se soberanamente.

Carrazza em sua grande erudição de profundo constitucionalista leva ao extremo a prevalência da Ordem Tributária quando se refere ao MERCOSUL e as conseqüências jurídicas de sua vigência em nosso ordenamento, segundo nosso celebrado autor "a União não pode, nem mesmo por meio de tratado internacionais, obrigar os Estados, os Municípios e o Distrito Federal a observarem isenções de tributos locais, ainda que assumam a forma de não-incidência, incentivos parcelamentos de débitos, créditos fictícios etc" (in Mercosul e tributos estaduais, municipais e distritais, Revista de direito tributário n. 64, p. 182 a 191), ora, Carrazza comete o pecado original de confundir o Chefe de Governo com o Chefe de Estado, encarnados juridicamente na pessoa do Presidente, no plano externo o único representante do Estado do Brasil é o Presidente, cujos atos de negociação podem e devem ser controlados pelo Congresso no ato de referendar, com aditamento ou supressão de reservas, logo, não é a União de realiza o tratado, não é a pessoa jurídica de direito público interno, é a pessoa jurídica de direito público internacional de posse de sua soberania plena que acorda, vontade esta que se manifesta por sobre as autonomias singulares, inclusive dos Estados, Municípios e Distrito Federal, não só da competência da União como quer nosso tributarista dualista.

Para corroborar o sobredito leiamos o que dispõe a Carta Maior:

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

I – independência nacional;

II – prevalência dos direitos humanos;

III – autodeterminação dos povos;

IV – não-intervenção;

V – igualdade entre os Estados;

VI – defesa da paz;

VII – solução pacífica dos conflitos;

VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

X – concessão de asilo político.

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

Nas relações internacionais são princípios a cooperação entre os povos e a busca da integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações, sem olvidar aos interesses nacionais, aos direitos humanos, à igualdade entre os povos e da autodeterminação dos povos, tais cláusulas pétreas são efetivamente coordenáveis dentro do Direito Pátrio no sentido de criar a harmonização com os princípios Federativo e da Ordem Tributária, pois a soberania deve prevalecer sobre a autonomia, a integração é valor que se sustenta na primazia do interesse do Estado do Brasil por sobre o interesse das autonomias particulares.

Ora, para concluir, em vista de tais princípios constitucionais, nada mais natural que a recepção do art. 98 do CTN.


5. O processo de recepção dos tratados internacionais.

A primeira parte da questão será respondida com base em Xavier (1993), que se apóia em Rezek; em suma, a forma pela qual a norma jurídica internacional, veiculada por tratado, se integra ao Direito Interno se dá da seguinte forma:

1ª Fase – CELEBRAÇÃO – que se decompõe em (i) NEGOCIAÇÕES e (ii) REFERENDO;

1.As negociações se iniciam com a intervenção de agentes do Poder Executivo e termina com a autenticação, esta se dá em duas modalidade: a) rubrica; ou, b) ad referendum; este mediante agentes munidos de Cartas de Plenos Poderes, aquele pela assinatura do Chefe de Estado; isto feito teremos mero instrumento que configura somente a redação do projeto convencional, que expressa somente a vontade de assumir o vínculo (XAVIER, 1993 : 97);

2.Ora, uma vez que autenticação fixou o projeto do texto convencional, então, passaremos ao início da fase de celebração, que se comporá de duas etapas: a) referendo; e, b) ratificação;

a)Quando o Congresso Nacional atua para referendar o texto autenticado do tratado, seu ato será competente somente para autorizar ou não que a celebração prossiga, ressalvando-se uma única possibilidade de interferência no ato do próprio referendo de aditar ou suprimir reservas a determinados itens do projeto apresentado, sendo que tal interferência, também, não podendo alterar o texto em si, pode limitar ou condicionar a sua eficácia mediante a restrições expressas que negam ou procrastinam condicionalmente a eficácia de elementos textuais do tratado, ora, uma vez que o Congresso haja autorizado o texto, com ou sem reservas, teremos uma autorização para ratificação. A prática constitucional brasileira, referida por Xavier, revela que a forma adotada para o referendo é o Decreto Legislativo;

b)Referendado o projeto autenticado, passaremos à fase de ratificação, ora, enquanto o ato de referendo é vinculado à aceitação ou não do texto, com ou sem reservas, mas sem possibilidade de interferir no seu conteúdo, a ratificação, tal qual a fase de negociação que se conclui na autenticação, são atos de natureza puramente discricionária [26]; a autenticação no que respeita ao conteúdo do tratado e a ratificação no que tange à oportunidade que o Presidente da República [27] julga conveniente que o tratado comece a produzir efeitos jurídicos no âmbito interno, o ato de ratificação se materializa em duas dimensões: interna e externa; internamente a opção de ratificar o tratado se dará somente a manifestação externa da ratificação, ou seja, o Decreto do Presidente da República só poderá promulgar internamente o tratado após a troca dos instrumentos de ratificação, assinado pelo Presidente e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores, e, a troca de tais instrumentos fixa o momento da entrada em vigor do tratado na ordem jurídica internacional (XAVIER, 1993 : 98), momento em que se consuma o consensus. Ora, após a ratificação, dá-se a promulgação que torna pública a existência de um tratado celebrado pelo Estado do Brasil e o preenchimento das formalidades exigidas para a sua conclusão. A promulgação está sujeita a publicação no Diário Oficial, produzindo efeitos "ex tunc" com relação às datas previstas no tratado para a vigência deste (Parecer Normativo CST nº 3/79 (XAVIER, lo. cit.).


6. Conclusão.

Em conclusão, quem negocia e autentica é o Presidente ou um seu plenipotenciário, quem referenda o texto autenticado é o Congresso Nacional, oportunidade em que pode aditar ou suprimir reservas, que desautorizam parcial ou condicionalmente partes do projeto da convenção, tal referendo se dá consuetudinariamente mediante Decreto Legislativo, após adentra-se na fase de ratificação, ato de competência privativa do Presidente, e referendado pelo Ministro das Relações Exteriores, ato que produz um documento expresso e de caráter formal denominado instrumento de ratificação que ao ser trocado instituirá a vigência do tratado internacional, e, no plano interno, promulgado mediante publicação oficial do decreto presidencial teremos os efeitos ex-tunc, nos termos convencionais.

Obedecendo aos princípios científicos que consideram o Direito como sistema lógico que se fundamenta em um sistema técnico e positivo de normas vigentes e eficazes, eis que o monismo é a solução natural no plano teórico para prestigiar a visão do Direito como unidade e a sua divisão em setores como meramente didática.

Visão dualista é posicionamento teorético que nega tal unidade, o que repugna à Ciência do Direito, ora, a distinção entre as teorias monistas e dualistas está antes de tudo numa postura política que numa jurídica quando se evoca a premissa do fenômeno político da soberania; quando a soberania é tratada como fundamento primeiro do Direito em razão de uma idéia exacerbada do conceito de Nação e suas prerrogativas instrumentalizadas pelo Estado, sobrepondo-se inclusive aos direitos e garantias individuais, então, teremos a possibilidade de um dualismo que cinge o Direito numa espécie de ídolo do deus latino Janus portador de uma cabeça bifronte em que os âmbitos Internacional e Nacional seriam autônomos; neste mesmo erro fundamental incorre a teoria monista com prevalência da Ordem Interna, pois nada mais faz que tornar o monismo em dualismo não na premissa, mas, na conseqüência, no momento da aplicação, ao menos, tal regra em nosso ordenamento não é absoluta, somente relativa, vide o disposto no art. 5º e parágrafos da CF e o art. 98 do CTN, hipóteses em que se verifica a prevalência, ora absoluta ora relativa, da teoria monista com prevalência do direito internacional.

Em relação ao mandamento constitucional temos hipótese de monismo absoluto em matéria de direitos e garantias fundamentais, em relação ao CTN verificamos uma figura mista, quando a matéria tributária claramente tratar de garantia ou direito fundamental será absolutamente prevalente, por se tratar de matéria relacionada a cláusula pétrea; quando não, será relativa sua prevalência no sentido em que se condicionará à legislação complementar passível de alteração mediante regular processo legislativo, e, caso tal alteração se dê em patente conflito com a lei internacional, subsumir-se-á o conflito no plano externo e a conseqüente verificação da prática de um ato ilícito em DIP, independente de considerações de que no plano interno seria possível tal alteração por tratar-se de matéria sem especial regime de proteção constitucional mediante a fixidez da petrus legis.


Notas

01. José Francisco Rezek, Direito internacional público: curso elementar, prefácio de José Sette Câmara, 6 ed., ver. e atual., São Paulo : Saraiva, 1996, p. 03, nota que o consentimento apesar de fundamental na formação do tratados em geral "não é necessariamente criativo (como quando se trata de estabelecer uma norma sobre a exata extensão do mar territorial, ou de especificar o aspecto fiscal dos privilégios diplomáticos). Ele pode ser apenas perceptivo, qual se dá quando os Estados consentem em torno de normas que fluem inevitavelmente da pura razão humana, ou que se apóiam, em maior ou menor medida, num imperativo ético, parecendo imunes à prerrogativa estatal de manipulação."

02. José Francisco Rezek, op. cit.,pp. 01 a 03, que define:

Descentralização:

"A sociedade internacional, ao contrário do que sucede com as comunidades nacionais organizadas sob a forma de Estados, é ainda hoje descentralizada, e o será provavelmente por muito tempo adiante de nossa época" (p. 01).

Horizontalidade e consentimento:

"No plano internacional não existe autoridade superior nem milícia permanente. Os Estados se organizam horizontalmente, e prontificam-se a proceder de acordo com normas jurídicas na exata medida em que estas tenham constituído objeto de seu consentimento. A criação de normas é, assim, obra direta de seus destinatários. Não há representação, como no caso dos parlamentos nacionais que se propõem exprimir a vós dos povos, nem prevalece o princípio majoritário. A vontade singular de um Estado soberano somente sucumbe para dar lugar ao primado de outras vontades reunidas quando aquele mesmo Estado tenha, antes, abonado a adoção de semelhante regra, qual sucede no quadro das organizações internacionais, a propósito de questões de importância secundária".

Coordenação:

"As relações entre o Estado e os indivíduos ou empresas fazem com que toda ordem jurídica interna seja marcada pela idéia de subordinação. Esse quadro não encontra paralelo na ordem internacional, onde a coordenação é o princípio que preside a convivência organizada de tantas soberanias".

Pacta sunt servanda:

"o princípio segundo o qual o que foi pactuado deve ser cumprido – é um modelo de norma fundada no consentimento perceptivo. Regras resultantes do consentimento criativo são aquelas das quais a comunidade internacional poderia prescindir. São aquelas que evoluíram em determinado sentido, quando perfeitamente poderiam ter assumido sentido diverso, ou mesmo contrário. E é impossível, em absoluto, conceber que a mais rudimentar das comunidades sobreviva sem que seus integrantes se subordinem, quando menos, ao dever de honrar as obrigações livremente assumidas".

03. Soberania é conceito que em Ciência Política pode muito bem significar sinonímia de estado de natureza, e que fundamenta a existência de uma sociedade internacional das nações, tal se dá somente pelo mecanismo em que cada pessoa de direito internacional renuncia a parcelas não essenciais de seu estado de natureza, colacionamos o ensinamento de Richard Tuck, Hobbes, coleção mestres do pensar, trad. Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves, São Paulo : Edições Loyola, 2001, p. 85, que explana a gênese do contrato social conforme a doutrina de Thomas Hobbes: "os homens em estado de natureza iriam perceber, em seus momentos de reflexão, que a lei da natureza os obriga a renunciar a seu direito de julgamento privado do que é perigoso em casos dúbios, e a aceitar por si mesmos o julgamento de uma autoridade comum", ora, basta trocar o termo homem por Estado que então teremos a beleza e a precariedade da Ordem Pública Internacional.

04. Heber Arbuet Vignali, O atributo da soberania, col. Estudos da Integração, v. 9, Brasília : Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas; Porto Alegre : Associação Brasileira de Estudos da Integração, 1995, p. 20: "[...]; no campo internacional, coexistem muitos soberanos, os quais, ao ter que se relacionarem, criam um sistema de coordenação, desenvolvido a partir da idéia de compromissos mútuos e obrigação de cumpri-los de boa-fé."

05. Cf. Hildebrando Accioly e Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, Manual de direito internacional público, 12 ed., São Paulo : Saraiva, 1996, p. 20.

06. Cf. José Francisco Rezek, Direito dos tratados, Rio de Janeiro : Forense, 1984, p. 21.

07. Hildebrando Accioly e Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, Manual..., p. 20, ministram que:

"[...]a melhor classificação é a que tem em vista a natureza jurídica do ato. Sob este aspecto, podem ser divididos em tratados-contratos e tratados-leis ou tratados-normativos. Os tratados-leis são geralmente celebrados entre muitos Estados com o objetivo de fixar normas de DIP; as convenções multilaterais com as de Viena são um exemplo perfeito deste tipo de tratado. Os tratados-contratos procuram regular interesses recíprocos e são geralmente de natureza bilateral, mas existem diversos exemplos de tratados multilaterais ou de tratados multilaterais restritos. Nada impede que um tratado reúna as duas qualidades, com pode suceder nos tratados de paz ou de fronteiras."

08. Cf. José Francisco Rezek, Direito dos tratados, p. 72.

09. José Francisco Rezek, Direito Internacional Público, p. 02, aduz que: "A igualdade soberana entre todos os Estados é um postulado jurídico que ombreia, segundo notória reflexão de Paul Reuter, com sua desigualdade de fato: dificilmente se poderiam aplicar, hoje, sanções a qualquer daqueles cinco Estados que detêm o poder de veto no Conselho de Segurança da ONU." (grifos do original)

10. O princípio pacta sunt servanda, não obstante sua primazia, encontra limites no princípio da imprevisão, ou rebus sic stantibus, reconhecida pelo Direito Internacional, e que José Francisco Rezek, Direito dos tratados, p. 515, nota de rodapé n. 843, contextualiza e conceitua:

"A máxima conventio omnis intelligitur rebus sic stantibus foi encontrada por Alberico Gentili na obra de Tomás de Aquino, e analisada em De jure belli, seu livro de 1598. Significa que toda convenção deve ser entendida sobre a premissa de que as coisas permanecem no estado em que se achavam quando da assunção do compromisso".

Logo após, na mesma obra referenciado Rezek cita as disposições respeitantes à força maior e/ou caso fortuito ensejador de aplicação da cláusula da imprevisão, respectivamente nos arts. 61 e 62 da Convenção de Viena:

"Este o texto do artigo 61 da Convenção de Viena:

"Impossibilidade superveniente de cumprimento

1. Uma parte pode invocar a impossibilidade de cumprir um tratado como causa de extinção ou de retirada, se esta impossibilidade resultar da destruição ou do desaparecimento definitivo de um objeto indispensável à execução do tratado. Se a impossibilidade for temporária, pode ser invocada somente como motivo para suspender a execução do tratado.

2. A impossibilidade de cumprimento não pode ser invocada por uma das partes como causa de extinção, de retirada ou de suspensão da execução do tratado, se essa impossibilidade resulta de uma violação pela parte que invoca, de uma obrigação do tratado, ou de qualquer outra obrigação internacional em relação a qualquer outra parte do tratado" (p. 517)

[...]

"No artigo seguinte a Convenção de Viena estabelece:

"Mudança fundamental de circunstâncias

1. Uma mudança fundamental de circunstâncias, ocorrida em relação àquelas existentes no momento da conclusão do tratado e não prevista pelas partes, não pode ser invocada como causa para a extinção ou retirada do tratado, salvo se:

a) a existência dessas circunstâncias tiver constituído uma condição essencial do consentimento das partes em obrigarem-se pelo tratado; e

b) essa mudança tiver por efeito a transformação radical da natureza das obrigações ainda pendentes de cumprimento em virtude do tratado

2. Uma mudança fundamental de circunstâncias não pode ser invocada como causa para a extinção ou retirada do tratado:

a) se o tratado for de limites; ou

b) se a mudança fundamental resultar de violação, pela parte que a invoca, seja de um tratado seja de qualquer outra obrigação internacional em relação às outras partes no tratado.

3. Se, nos termos dos parágrafos anteriores, uma parte pode invocar uma mudança fundamental de circunstâncias como causa para extinção ou retirada do tratado, pode também invocá-lo para para suspender a execução do tratado." (p. 519)

11. A Constituição Federal determina expressamente:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."

12. Carlos Eduardo Caputo Bastos, O processo de integração do mercosul e a questão da hierarquia constitucional dos tratados, col. Estudos da Integração, v. 12, Brasília : Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas; Porto Alegre : Associação Brasileira de Estudos da Integração, 1997, p. 10 e ss., referido autor ao ferir o tema da hierarquia dos tratados em nosso sistema jurídico parte de premissas outras, pois primeiramente considera que não existe "norma de conflito que discipline o conflito entre a lei federal e o tratado (antecedente e/ou superveniente)(pp. 10-12), e, secundariamente alega que além de suposta anomia o "texto constitucional brasileiro revela que os tratados possuem hierarquia equiparada à lei (alínea ‘a’ do inciso III do artigo 105), sujeitos, portanto, ao controle de constitucionalidade (alínea ‘b’ do inciso III do artigo 102). Pode-se observar, ainda, que os tratados não merecem qualquer referencia no contexto do processo legislativo (artigo 59). Não se disciplinou, por exemplo, sobre o procedimento de sua votação, revisão e emenda, embora o Congresso Nacional tenha-se atribuído competência exclusiva para resolver sobre eles definitivamente (inciso I do artigo 49). Afora a competência privativa do Presidente da República para celebrá-los (inciso VIII do artigo 84), verifica-se que aos tratados foi designado caráter complementar aos direitos e garantias expressos na Constituição (§ 2º do artigo 5º), bem como as causas neles fundadas estão submetidas à competência da Justiça Federal (inciso III e V do artigo 109)"(pp. 12 a 16).

Ora, diante de tais considerações citado Autor comete claro equívoco ao não perceber que quando refere expressamente ao caráter complementar dos tratados respeitantes às garantias e direitos fundamentais, na verdade, implicitamente desqualifica a primeira premissa, pois é clara norma de conflito, e, igualmente, resta prejudicada a segunda premissa, pois o tratado, dependendo do contexto pode ser considerado equiparável à lei complementar bem como à lei ordinária, basta que venha dispondo sobre direitos e garantias fundamentais para ter caráter complementar e nos demais casos será de dotado do atributo da lei comum. Mas, se o método adotado pelo mencionado Autor foi o de considerar o Direito como sinônimo de Expressão Literal da Norma Positiva, suas conclusões, não obstantes coerentes com tal método, são insuficientes para abranger todo o fenômeno do Direito, particularmente quando travam contato suas dimensões de Soberania Interna e Externa.

13. Pinto Ferreira, Comentários à constituição brasileira, v. 1: arts. 1º a 21, São Paulo : Saraiva, 1989, p. 218-220, ainda no mesmo passo, nosso constitucionalista historia a regra referida neste termos:

"A origem deste parágrafo no direito constitucional pátrio remonta à Constituição Federal de 1891, art. 78: ‘A especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não exclui outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna’. A Lei Magna de 1934, art. 114, determina: ‘A especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros, resultantes do regime e dos princípios que ela adota’. A Carta Política de 1937 (art. 123) desfigurou a natureza do preceito, pretendendo que o ‘uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público, as necessidades de defesa, do bem-estar, da paz e da ordem coletiva, bem como as exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição’. O preceito deixou ‘de ser anteparo eficaz contra o arbítrio executivo, judiciário e legislativo’, argumenta Alcino Pinto Falcão (Constituição anotada, cit., v. 2, p. 253).

As Constituições de 1946 (art. 144) e de 1967 (art. 153, § 35) se orientam em termos análogos, embora nesta última o preceito pouco valesse, pois a Lei Magna estava praticamente suspensa pelos Atos Institucionais.

A Constituição Federal de 1891, em seu art. 78, a que se vincula o texto atual, inspirou-se na Emanda IX à Constituição norte-americana de 1787: ‘A enumeração de certos direitos na Constituição não poderá ser interpretada como negando outros direitos inerentes ao povo’. Tal preceito foi adotado para contrapor-se à objeção de James Wilson e outros que se opunham energicamente à adoção da declaração de direitos no pressuposto de que tal declaração fosse interpretada como uma carta branca para que o Legislativo negasse tudo o que estava expressamente consignado na lei fundamental.

Por isso, afirma Rafael Bielsa que o artigo tem uma função integradora do conjunto de regras relativas aos direitos individuais, como uma norma básica e obrigatória de interpretação.

O enunciado dos direitos e garantias constitucionais não é um catálogo completo, nem se apresenta como um numerus clausus. O parágrafo em estudo refere-se aos direitos e garantias individuais expressos na Constituição, o que não exclui outros decorrentes dos princípios e do regime pó ela adotado. Além dos princípios expressos há também princípios implícitos. Na Argentina, por exemplo, como a Constituição não menciona o direito de reunião, foi contudo tal direito considerado como válido e existente, por força de outros princípios expressos, nos quais ele se inclui implicitamente."

14. O Código Tributário Nacional (LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966) em seu Art. 98 dispõe: "Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha."

15. Carlos Eduardo Caputo Bastos, op. cit., p. 42, referindo sobre o tratamento jurisprudencial frente ao tema da hierarquia dos tratados cita o Recurso Extraordinário n. 80.004, publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência n. 83/809, de que foi relator para o acórdão o Ministro Cunha Peixoto, em que "prevaleceu, por maioria, o entendimento de que a lei posterior – em conflito com o tratado – sobre este prevalece, uma vez que não há no plano constitucional preceito que afirme grau de hierarquia entre o tratado", mas, na mesma decisão o STF adotou o "entendimento de que a prevalência do tratado ante a lei posterior só se dá no campo tributário, por força do artigo 98 do Código Tributário Nacional – trata-se de norma específica e jamais de um princípio de ordem geral -, até porque ‘Se a lei ordinária não pudesse, pela Constituição, revogar a que advém de um tratado, não seria necessário dispositivo expresso de ordem tributária’ (voto do Relator)" (pp. 42-3).

Apesar do entendimento exarado pelo Excelso Pretório não devemos esquecer que tal decisum foi prolatado na Ordem Constitucional anterior a atual, ou seja, não vigiam os atuais parâmetros relativo à matéria.

16. Paulo de Barros Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 2.ª ed., Saraiva, São Paulo, 1999, p. 36, seguindo a doutrina de Bobbio, perora: "São normas de conduta, entre outras, as regras-matrizes de incidência dos tributos e todas aquelas atinentes ao cumprimento dos deveres instrumentais ou formais, também chamados de "obrigações acessórias. E são tipicamente regras de estrutura aquelas que outorgam competências, isenções, procedimentos administrativos e judiciais, as que prescrevem pressupostos etc. Entre as normas que estipulam competência, incluamos as regras de imunidade tributária".

17. Carlos Alberto Bronzatto e Márcia Noll Barboza, Os efeitos do artigo 98 do código tributário nacional e o processo de integração do mercosul, col. Estudos da Integração, v. 6, Brasília : Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas; Porto Alegre : Associação Brasileira de Estudos da Integração, 1996, p. 60 e 64-5: "[...] nossa opinião quanto ao sentido atual do artigo 98 do Código Tributário Nacional, qual seja, o de garantir, no campo tributário, a eficácia dos compromissos internacionalmente assumidos pelo Brasil, os quais deverão ser respeitados pelo legislador ordinário federal, estadual e municipal.

Verificadas as hipóteses enquadráveis no pressuposto de fato da norma[...]

[...]

Assim sendo, uma vez incorparadas ao direito tributário interno no Brasil, revogarão, automaticamente, os dispositivos da legislação tributária interna no que estes lhe forem contrários.

[...]

A norma tributária de produção interna não tem força para modificar normas internacionais sobre a matéria."

18. José Francisco Rezek, Direito dos tratados, p. 474, teceu as seguintes considerações d’antes da promulgação da atual Carta Magna:

"O dispositivo de lei ordinária que, no Brasil, pretendesse, dentro de certo domínio temático, determinar a prevalência hierárquica do trabalho sobre o direito internacional seria irrazoável e ocioso. Sobre o direito interno infralegal – decretos, portarias, instruções – o tratado prima em razão de sua própria estatura, indiscutivelmente não inferior às das leis ordinárias. O aventado dispositivo não poderia, de outro lado, limitar ou condicionar a produção legislativa de nível igual ao seu próprio: a lei, ulterior, hostil ao tratado, sobrepor-se-ia – em razão da norma lex posterior derogat priori – àquela anterior, e não menos ordinária, em que inscrita a insólita pretensão hierárquica entre o tratado e a lei, e vice-versa":

[...]

"Em tal quadro, a lei ordinária conflitante com o tratado há de sucumbir, mas em razão de outro conflito: o que a contrapõe à lei complementar. Esta não se confunde com a própria carta constitucional, mas subjuga a lei ordinária inscrita em seu âmbito temático."

19. José Francisco Rezek, Direito dos tratados, ainda testemunha com grande profundidade a respeito do tema em comento, pp. 461 a 474:

"Recorde-se, de início, que o primado do Direito das Gentes sobre o direito nacional do Estado soberano é, ainda hoje, uma proposição doutrinária. Não há, em direito internacional positivo, norma assecuratória de tal primado. Descentralizada, a sociedade internacional contemporânea vê cada um de seus integrantes ditar, no que lhe concerne, as regras de composição entre o direito internacional e o de produção doméstica."

Resulta que, para o Estado soberano, a constituição nacional, vértice do ordenamento jurídico, é a sede de determinação da estatura da norma jurídica convencional. Dificilmente uma dessas leis fundamentais desprezaria, neste momento histórico, o ideal de segurança e estabilidade da ordem jurídica a ponto de subpor-se, a si mesma, ao produto normativo dos compromissos exteriores do Estado. Assim, posto o primado da constituição em confronto com a norma pacta sunt servanda, é corrente que se preserve a autoridade da lei fundamental do Estado, ainda que isto signifique a prática de um ilícito pelo qual, no plano externo, deve aquele responder"

"Abstraída a constituição do Estado, sobrevive o problema da concorrência entre tratados e leis internas de estatura infraconstitucional. A solução, em países diversos, consiste em garantir a prevalência dos tratados. Noutros, entre os quais o Brasil contemporâneo, garante-se-lhes apenas um tratamento paritário, tomadas como paradigma as leis nacionais e diplomas de grau equivalente."

"Não se coloca em dúvida, em parte alguma, a prevalência dos tratados sobre leis internas anteriores à sua promulgação. Para primar, em tal contexto, não seria preciso que o tratado recolhesse da ordem constitucional o benefício hierárquico. Sua simples introdução no complexo normativo estatal faria operar, em favor dele, a regra lex posterior derogat priori."

"A prevalência de que fala este parágrafo é a que tem indisfarçado valor hierárquico, garantindo ao compromisso internacional plena vigência sem embargo de leis posteriores que o contradigam. A França, a Grécia e o Peru oferecem, neste momento, exemplos de semelhante sistema."

[...]

"Não obstante a diversidade enfoques com a que a doutrina, em cada um desses países, há de enfrentar a sistemática da prevalência do tratado sobre a lei interna, parece válido afirmar que a lei posterior ao compromisso, e com ele inconciliável, não padece, em princípio, de nulidade congênita por força de prescrição constitucional. Tudo quanto é seguro é que, ante a pretendida incidência simultânea da norma interna e da norma convencional sobre certa situação concreta, a primeira cederá lugar à segunda. Não custa lembrar que, diante de outras situações concretas, é possível que norma interna, por não enfrentar a concorrência do tratado, opere sem entraves"

"O dispositivo de lei ordinária que, no Brasil, pretendesse, dentro de certo domínio temático, determinar a prevalência hierárquica do trabalho sobre o direito internacional seria irrazoável e ocioso. Sobre o direito interno infralegal – decretos, portarias, instruções – o tratado prima em razão de sua própria estatura, indiscutivelmente não inferior às das leis ordinárias. O aventado dispositivo não poderia, de outro lado, limitar ou condicionar a produção legislativa de nível igual ao seu próprio: a lei, ulterior, hostil ao tratado, sobrepor-se-ia – em razão da norma lex posterior derogat priori – àquela anterior, e não menos ordinária, em que inscrita a insólita pretensão hierárquica."

"Já uma lei complementar à Constituição, disciplinando quanto por esta tenha sido entregue ao seu domínio, pode, sem dúvida, vincular a produção legislativa ordinária ao respeito pelos tratados em vigor. Leia-se o artigo 98 do Código Tributário Nacional." (destacamos)

20. Mario Pereira Neto, Direito – política – economia das comunidades européias, São Paulo : Aduaneiras, 1994, p. 83, trata daquilo que identificamos como natureza constitucional do tratado em Direito Comunitário, no capítulo 3.1.4., cujo título é O Primado do Direito Comunitário sobre o Nacional, nos termos a seguir:

"A aplicabilidade direta de uma norma comunitária coloca em evidência uma outra questão fundamental, ou seja, o que acontece quando uma norma comunitária, que estabelece muitos direitos e/ou obrigações diretamente para os cidadãos europeus, for totalmente incompatível com uma norma de direito interno.

Tal conflito somente é resolvido na prática se uma das normas ceder a outra, pois de fato o direito comunitário escrito não contém qualquer disposição expressa nesta matéria. Assim, em nenhum dos Tratados existe uma regra clara que determine qual deve ceder, se o direito comunitário ou o direito nacional.

Entretanto, se prevalecesse este último quase nada restaria do direito comunitário, pois todas as disposições comunitárias poderiam ser anuladas por uma lei nacional qualquer. Com isto estaria igualmente excluída a sua fundamental aplicação uniforme nos vários países-membros das Comunidades Européias.

Certamente acarretaria consigo também a impossibilidade para estas CE de cumprir todas as tarefas que lhe foram conferidas pelos Estados-membros; dessa maneira, o seu funcionamento seria posto em dúvida e a construção de uma Europa unida, portadora de grandes esperanças, estaria definitivamente comprometida.

Prevendo estas conseqüências, a Corte de Justiça Comunitária reconheceu expressamente o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional, fazendo-o, no entanto, contra o parecer de alguns Estados-membros. Assim, a Corte dotou esta ordem jurídica comunitária de uma segunda trave-mestra, depois daquela da sua aplicabilidade direta, transformando-a definitivamente num edifício sólido.

A Corte de Justiça de Luxemburgo,[...], formulou a propósito duas considerações muito significativas no tocante às relações entre o direito comunitário e os direitos nacionais.

Em primeiro lugar, reconheceu que todos os países-membros transfeririam de forma definitiva, para as Comunidades Européias por eles mesmos criadas, certos direitos até então soberanos; depois disto, estes referidos Estados não poderiam desistir repentinamente desta importante limitação, fazendo prevalecer um ato unilateral ulterior incompatível com a noção de Comunidade.

Em segundo lugar, existe um princípio fundamental estabelecido nos Tratados de Paris e de Roma, pela qual "um dos Estados-membros não pode prejudicar uma particularidade que tem o direito comunitário de se fazer valer uniforme e completamente no conjunto do território comunitário".

Portanto, tal direito comunitário, criado por força dos poderes previstos nos Tratados, tem total primado sobre qualquer eventual norma jurídica de direito nacional ao mesmo tempo contrária, prevalecendo não só sobre o direito nacional anterior, mas também sobre o direito posterior à regra comunitária.

Apesar disto, o primado do direito comunitário sobre o direito constitucional nacional, e mormente sobre as garantias em matéria de vários direitos fundamentais foi numa primeira fase contestado amplamente por diversos tribunais constitucionais dos Estados-membros.

Estes renunciaram a tal contestação quando verificaram que uma real proteção em matéria de direitos fundamentais tinha atingido, ao nível comunitário, um grau no mínimo comparável, pelo menos quando ao essencial, ao das constituições nacionais. A partir de então é amplamente reconhecido por todos o primado do direito comunitário também sobre os direitos constitucionais de cada país."

21. Luizella Giardino B. Branco, Sistema de solução de controvérsias no mercosul – perspectivas para a criação de um modelo institucional permanente. São Paulo : LTR, 1997, p. 27; referida autora trata da relação contemporânea da idéia de soberania e sua relação com a Comunidade internacional de forma brilhante, de onde destacamos:

"A noção de soberania, em termos atuais, é oposta à clássica visão de indivisibilidade e inalienabilidade do poder definitivo da soberania. A integração internacional, limitando a esfera da jurisdição doméstica de cada Estado, amplia as possibilidades de colaboração intergovernamental, fortificada por um processo decisório coletivo. Reduzindo conflitos regionais, os agrupamentos de Estados associados permitam avaliar a soberania, em termos contemporâneos, não mais como a própria onipotência estatal, mas como um poder limitado por uma acentuada interdependência, levando à formação de blocos políticos e econômicos ditados pelas grandes mutações do cenário internacional atual, deve-se analisar com cuidado o conceito de soberania ilimitada, ou seja, sem restrições."

[...]

"À luz desse novo conceito, pode-se concluir que a soberania pode ser exercida coletivamente. Assim, os Estados-membros limitam seus próprios direitos soberanos, transferindo-os para instituições sobre as quais não detêm controle direto. Dessa forma, a transferência de soberania realmente significa uma transferência de poder decisório para instituições comunitárias, e a correspondente limitação de áreas de tomada de decisão do Estado permanece com o Estado-membro. Considera-se que o Estado-membro cede parte de sua soberania e liberdade de ação nessas áreas. A expressão ‘limitação de soberania’ é utilizada para designar que nestas áreas especificas os Estados-membros não podem tomar decisões livremente, pois investiram seus direitos soberanos na Comunidade."

22. Ora, o equívoco conceitual resultante de tal falseamento da função dos tratados tem motivado entendimentos jurisprudenciais equivocados, que ao adotar tal distinção que a lei não efetua, acaba por determinar-se a decidir sem fundamentação legal e constitucional adequadas, como se pode observar da letra do Recurso Especial n. 37.065-PR, relativo à isenção do Adicional de Frete para Marinha Mercante – AFRMM, do STJ, Relator Ministro Demócrito Reinaldo, cuja ementa diz: "Tributário. Isenção do AFRMM em relação a mercadorias importadas sob a égide do Gatt. Impossibilidade. 1. O mandamento condito no artigo 98 do CTN não atribui ascendência às normas de direito internacional em detrimento do direito positivo interno, mas, ao revés, posiciona-se em nível idêntico, conferindo-lhes efeitos semelhantes. 2. O artigo 98 do CTN, ao preceituar que tratado ou convenção não são revogados por lei tributária interna, refere-se aos acordos firmados pelo Brasil a propósitos de assuntos específicos e só é aplicável aos tratados de natureza contratual. 3. Se o ato internacional não estabelecer, de forma expressa, a desobrigação de contribuições para a intervenção no domínio econômico, inexiste isenção pertinente ao AFRMM. 4. Recurso a que se nega provimento. 5. Decisão indiscrepante" (apud Carlos Eduardo Caputo Bastos, op. cit., p. 48)

23. O quadro hierárquico das normas brasileiras, incluindo-se os tratados pode ser descrito assim:

Hierarquia Das Normas no Brasil Com Enfoque Em Matéria Tribuária

- Constituição

- Cláusulas Pétreas

- Emendas Constitucionais

 

- Lei Complementar

- Tratado sobre direitos e garantias fundamentais (art. 5º, § 2º da CF)

- Lei Ordinária

- Tratado em matéria tributária insuscetível de ser afetado pelas normas ordinárias (art 98 do CTN)

- Demais Tratados passíveis de revogação por lei posterior

- Demais Normas Legais (p. ex.: Resoluções do Senado) e Infralegais (v. g.: Decretos e demais atos administrativos)

 

24. A classificação ora expendida vai no sentido daquela defendida por Alberto Xavier (in Direito tributário internacional do Brasil, p. 106, apud Paulo Ayres Barreto, in Imposto sobre a renda e preços de transferência, São Paulo : Dialética, 2001, p. 163) em "que os tratados internacionais têm caráter supralegislativo mas infraconstitucional, exceto em matéria de direitos e garantias, em que têm caráter supraconstitucional" (grifos no original), entretanto, não adotamos a terminologia supraconstitucional em razão de conferir a falsa idéia de que as garantias e direitos individuais previstas em tratados estariam para além da ordem constitucional quando na verdade tudo o que diz respeito ao direito internacional e aos direitos e garantias individuais são plenamente constitucionais na sistemática jurídica brasileira, daí preferirmos adotar a idéia de que o tratado ratificado nos termos do art. 5º e parágrafos, da CF, será quando muito veículo introdutor de cláusulas pétreas inominadas.

25. Celso Duvivier de Albuquerque Mello, Curso de direito internacional público, vo. 1, 8 ed. rev. e aum., Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1986, p. 77, descreve tal hipótese com a clareza habitual: "O conflito entre o Direito Interno e o Direito Internacional não quebra a unidade do sistema jurídico, como um conflito entre a lei e a Constituição não quebra a unidade do direito estatal. O importante é a predominância do DI, que ocorre na prática internacional, como se pode demonstrar com duas hipóteses: a) uma lei contrária ao DI dá ao Estado prejudicado o direito de iniciar um "processo" de responsabilidade internacional; b) uma norma internacional contrária à lei interna não dá ao Estado direito análogo ao da hipóteses anterior."

26. Sahid Maluf, Teoria geral do estado, ed. rev. e atual. pelo Prof. Miguel Alfredo Malufe Neto, 23. ed., São Paulo : Saraiva, 1995, p. 242-4 nos ensina que tais atos podem ser considerados puramente discricionários, e, pautados no princípio da irresponsabilidade política do Primeiro Mandatáro, ressalvando-se as cláusulas pétreas, quando nos lembramos do seguinte: "Os conflitos entre os poderes estatais e as crises de governo são fatos comuns e previsíveis em todas as formas de organização política, e, por isso mesmo, deveriam encontrar remédio imediato na Constituição. No sistema parlamentarista tais fatos se resolvem primeiramente na câmara representativa da soberania nacional, e em última instância pelo supremo árbitro, que é o corpo eleitoral. No sistema presidencialista não há solução constitucional, porque nem a própria nação se sobrepõe ao arbítrio do Chefe do Poder Executivo. Daí porque as crises governamentais, no sistema presidencial, são sempre prelúdios de revolução ou ditadura. E o povo é mero expectador; sua soberania só se manifesta em dia de eleição[...] O chefe do Executivo não depende do voto de confiança do Congresso, nem pode ser destituído pela cassação do mandato. Uma vez eleito é empossado na forma legal, passa a governar com autoridade própria, por todo o período previsto na Constituição, semelhante a um Rei eletivo e temporário. Todo o governo será o reflexo da sua individualidade. Se o povo tiver errado na sua escolha, sofrerá por todo o período as conseqüências do seu erro, que é normalmente irreparável. Nisto consiste o princípio da irresponsabilidade política, característico do presidencialismo: por erros, desmandos ou incompetência (que não configurem crimes no conceito especifico da lei penal) não se dará a perda ou cassação do mandato."

27. Ora, tais prerrogativas são inerentes ao nosso sistema de governo, pois: "O sistema presidencial consiste, em última análise, numa transferência do poder de soberania ao governo. E quando isso ocorre, o sistema de governo é democrático no tocante à sua origem, mas não o é na sua realização." (apud Sahid Maluf, op. cit., p. 243)


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

Sobre a prevalência do tratado internacional na sistemática jurídica do Estado do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 114, 26 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4360. Acesso em: 29 mar. 2024.