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Contempt of court

acesso ao Judiciário x abuso no poder de demandar

Contempt of court: acesso ao Judiciário x abuso no poder de demandar

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SUMÁRIO: 1. Breves Considerações – 2. O Projeto de Lei 3.475/2000 e a redação originária do inciso V, do art. 14 – 3. A necessidade de ampliação do sistema que visa a impedir o contempt of court, ou críticas à atual redação – 4. O desabafo de uma grande jurista – 5. A necessidade de impedir o corporativismo – 6. Ética. Sobretudo, ÉTICA!


1. BREVES CONSIDERAÇÕES

É comum em nosso país comparação com os países do dito Primeiro Mundo, notadamente no que se refere ao procedimento judiciário. Mais comuns ainda são as críticas acirradas acerca da morosidade do Judiciário pátrio, sem que, por outro lado, vislumbremos os motivos de tal.

Diante desta constante comparação, temos certa tendência a copiar da legislação alienígena alguns preceitos que não se adaptam à realidade brasileira e, pior ainda, quando conseguimos, através de culturas inabaláveis do Direito, trazer leis e preceitos que poderiam muito bem nos servir, simplesmente os repelimos.

A lei de arbitragem, por exemplo, vem sendo atacada por pessoas que sequer têm idéia quanto ao procedimento ali inserido. Recentemente, contudo, tivemos o dissabor de ver glosado parte do inciso V, do art. 14, nas novas reformas do CPC. Imprimir-se-ia, com a redação primária, maior seriedade e agilidade nos procedimentos judiciários. Contudo, ainda que a intenção fosse a da moralidade, nos perdemos nos ideais, porque, sem saber o motivo – ou talvez por forte corporativismo -, o Contempt of court tenha sido deliberadamente vergastado em nossa legislação processual.

Não nos resta, contudo, lamentar, mas divulgar o Contempt of court, para, quem sabe, motivando estudiosos do Direito, um dia, implantarmos definitivamente um sistema onde o cumprimento das ordens mandamentais sejam respeitados? Como diria Montesquieu, "não é preciso fazer ler. É preciso fazer pensar".

Nas III Jornadas Brasileiras de Direito Processual Civil [1], a Professora Ada Pellegrini Grinover, uma das maiores defensoras da aplicação do Contempt of Court em nosso ordenamento jurídico, em moção datada de 18 de junho de 1999 – moção esta aprovada pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual -, no item 3.1., "d", assim afirmava:

" d ) previsão de agravamento da sucumbência e das sanções para o descumprimento das ordens judiciárias;.. ."

No sentido de efetivar a prestação da tutela jurisdicional e entregar o bem da vida a quem de direito, os maiores nomes do Direito Processual brasileiro não medem esforços em procurar atualizar os conceitos de algumas de nossas normas. Antes mesmo da entrada em vigor da Lei 10358/2001, o Superior Tribunal de Justiça já manifestava apoio à tese do Contempt of court.

Neste diapasão, o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, ao julgar o RESP/SP 97434-4, de 1999, julg. 07/11/2000 [2], assim relatou:

" PROCESSO CIVIL. ACIDENTE AÉREO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. FUNDAMENTAÇÃO SUCINTA. ADMISSIBILIDADE. OMISSÕES. INEXISTÊNCIA. POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. CONTEMPT OF COURT. RECURSO DESACOLHIDO.

I - A fundamentação sucinta, que exponha os motivos que ensejaram a conclusão alcançada, não inquina a decisão de nulidade, ao contrário

do que sucede com a decisão desmotivada.

II - Examinados os temas suscitados no agravo de instrumento, sem omissão, contradição ou obscuridade, não ocorre nulidade do acórdão por ofensa ao art. 535, CPC.

III - O prequestionamento, segundo o firme entendimento da jurisprudência brasileira, é pressuposto essencial à apreciação do recurso especial.

IV - A protelação do cumprimento de decisões manifestamente razoáveis e bem lançadas estão a justificar a introdução, em nosso ordenamento jurídico, de instrumentos mais eficazes, a exemplo do contempt of court da Common Law."

Assim também o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, no julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 9228/MG [3], julg. Em 01/09/1998:

MANDADO DE SEGURANÇA.

Desobediência a ordem judicial. Ofício ao Ministério Público. Contempt of court. Não constitui ato ilegal a decisão do Juiz que, diante da indevida recusa para incluir em folha de pagamento a pensão mensal de indenização por ato ilícito, deferida em sentença com trânsito em julgado, determina a expedição de ofício ao Ministério Público, com informações, para as providências cabíveis contra o representante legal da ré.

Recurso ordinário improvido.


2. O Projeto de Lei 3.475/2000 e a redação originária do inciso V, do art. 14

Sem sombra de dúvidas, grandes passos foram dados para que e efetividade seja uma realidade. Não basta, contudo, a boa vontade e os esforços dos estudiosos do Direito, quando, na realidade, observamos que as normas, após discutidas, amplamente, sofrem reparos. Reparos estes, vale destacar, que modificam todo um trabalho exaustivo.

O Projeto de Lei 3475/2000, transformado na Lei 10.358/2000, não retrata, à exação, o primitivo dispositivo legal, em seu ponto mais salutar, que é o de evitar a procrastinação processual, devendo o advogado ser punido pelos abusos que cometer, juntamente com a parte. É a consagração do princípio anglo-saxão do contempt of court.

Em sua Exposição de Motivos, o então Ministro da Justiça, José Gregori, afirma, quanto ao art. 14, que " o Projeto busca reforçar a ética no processo, os deveres de lealdade e probidade que devem presidir ao desenvolvimento do contraditório,.. . " " O inciso V, que o Projeto acrescenta, bem como o parágrafo único, visam estabelecer explicitamente o dever de cumprimento dos provimentos mandamentais, e o dever de tolerar a efetivação de quaisquer provimentos judiciais, antecipatórios ou finais, com a instituição de sanção pecuniária a ser imposta ao responsável pelo ato atentatório ao exercício da jurisdição, como atividade estatal inerente ao Estado de Direito. Em suma: repressão ao contempt of court, na linguagem do direito anglo-americano."

A pergunta, contudo, que se faz, é se o artigo, como delineado no Projeto e aprovado, com as emendas propostas no Congresso, realmente inibirão dita repressão?

Não acreditamos!

E não acreditamos por estarmos de pleno acordo com a posição da Professora Ada Pellegrini Grinover [4], quando afirma, como Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual, em "Justificativas das Propostas do Instituto Brasileiro de Direito Processual após o substitutivo Aloysio Nunes Pereira" que o "art. 5º, LXVII permite a lei disciplinar a prisão civil por resistência injustificada às ordens judiciárias, visando a dar efetividade às decisões jurisdicionais pela adoção de uma das técnicas do contempt of court dos sistemas de common law. Aqui também, nenhuma restrição existe à atual regra constitucional ( e à norma semelhante da Convenção Americana ), porquanto a prisão civil, coercitiva, não se confunde com a prisão por dívidas. "

Neste sentido, a redação do art. 459º, do Código de Processo Civil Português, assim como nosso atual parágrafo único, do inciso V, do art. 14, transfere aos órgãos de classe as punições por infrações processuais:

" Art. 459º

( Responsabilidade do Mandatário )

Quando se reconheça que o mandatário da parte teve responsabilidade pessoal e directa nos actos pelos quais se revelou a má-fé na causa, dar-se-á conhecimento do facto à Ordem dos Advogados ou à Câmara de Solicitadores, para que estas possam aplicar as sanções respectivas e condenar o mandatário na quota-parte das custas, multa e indemnização que lhes parecer justa. "

Lamentavelmente, ainda que como advogado tenhamos plena consciência de que os atos procrastinatórios partem de uma parcela de advogados – e não vamos generalizar -, o texto legal, ao invés de dar um grande passo, assim ficou redigido:

"Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo:

V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.

Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado."(NR)

Sem dúvida, as críticas são necessárias.

A proposta originária para a redação do artigo em questão era:

Art.14 – "Compete às partes e a seus procuradores:

......................................................................

V – Cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação dos provimentos judiciais, antecipados ou finais".

Parágrafo 1º – "A violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e providências processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa."

Parágrafo 2º – "Não sendo paga a multa no prazo estabelecido, será inscrita como dívida ativa do Estado ou da União, conforme o juízo competente".

Do cotejo das redações em questão, constata-se que houve um retrocesso enorme à aplicação do contempt of court no sistema pátrio. De pouca valia encontra-se, portanto, a redação do inciso V, porque, apesar de ser um pequeno passo para a garantia das decisões judiciais, as modificações introduzidas, sem qualquer dúvida, não chegam a ponto de aplicar – com efetividade – sanções àqueles que litigam de má-fé e fazem por onde o processo seja retardado, indefinidamente.


3. A necessidade de ampliação do sistema que visa a impedir o contempt of court, ou críticas à atual redação

Não se pode mais, sob pena de termos um sistema processual não efetivo - porque o retardo na entrega da prestação jurisdicional não é efetividade -, estarmos apegados a corporativismos, a nos cegar.

O Direito é, sem dúvida alguma, fonte de circulação econômica. E, diante desta mola propulsora capaz de estagnar a economia – ou avançá-la -, não poderemos, jamais, pensar em um processo lento e moroso.

As normas que visam a mediação, conciliação e mesmo a aplicação da arbitragem já são passos especiais, visando uma celeridade na entrega da tutela estatal. Contudo, ainda vislumbramos o corporativismo que atravanca a correta aplicação da arbitragem em nosso país. Quiçá falar em mediação? A litigância parece estar embutida a tal ponto no inconsciente coletivo, que o descumprimento das ordens judiciais passou a ser considerado uma vitória ao advogado.

A Professora Ada Pellegrini Grinover [5], em artigo intitulado Paixão e Morte do "Contempt of Court" Brasileiro, com o primor de quem se dedica ao estudo científico do Direito Processual, afirma:

"5 – O "contempt of court". A origem do contempt of court está associada à idéia de que é inerente à própria existência do Poder Judiciário a utilização dos meios capazes de tornar eficazes as decisões emanadas. É inconcebível que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha o condão de fazer valer os seus julgados. Nenhuma utilidade teriam as decisões, sem cumprimento ou efetividade. Negar instrumentos de força ao Judiciário é o mesmo que negar sua existência [6]. "

E negar a existência de força ao Judiciário é retornarmos, quem sabe, aos primórdios da civilização, onde imperavam as vinganças privada, pública e divina.

Desta forma, somos favoráveis à insistência em trazer o artigo 14 à sua redação original, porque, reportando-nos, novamente, aos conceitos da Professora Ada [7], " tratava-se de um passo considerável no caminho da adoção do contempt of court civil e seguro indício disto eram a destinação da multa (ao Estado) e a aplicação da sanção ao responsável, que podia não ser a parte."


4 - O DESABAFO DE UMA GRANDE JURISTA

Em seu artigo, com redação definitiva datada de 30 de abril de 2002, a Professora Ada Pellegrini Grinover assim se manifesta, com a total concordância de nossa parte:

" Assim se liquidou, com outra penada, toda a doutrina e a prática dos tribunais anglo-saxões em torno do contempt of court, cuja longa experiência havia evidenciado que entre os maiores responsáveis pela criação de embaraços à efetivação dos provimentos judiciais se inscrevem os advogados. E só uma mal entendida proteção corporativa pode levar a querer proteger os maus advogados, que resistem injustificadamente às ordens judiciárias. Sem contar com o fato de que as sanções disciplinares previstas nos estatutos da Ordem têm finalidades profundamente diversas das do contempt of court, que objetiva resguardar a autoridade das decisões judiciárias e garantir a efetividade do processo.

Mas a luta dos paladinos dos maus advogados ainda não terminou. Na dúvida sobre a existência, ou não, da primeira vírgula na parte inicial do parágrafo único ("Ressalvados os advogados, que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB...", ou "Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB"), o Advogado Geral da União volta à carga e, no receio de que os advogados públicos não sejam colhidos pela exclusão, promete apresentar um projeto de lei, para tornar o privilégio mais claro. E talvez, quem sabe, para piorar ainda mais o texto.

Enquanto isso, o contempt of court brasileiro já nasceu praticamente morto. Graças, mais uma vez, ao Executivo e ao Legislativo deste pobre país. "

Mas parece que o nosso contempt of court ainda irá dar muito trabalho, sempre no sentido de atrasar os conceitos mais modernos para um processo efetivo. Em data de 22 de maio de 2002 foi encaminhado ao Exmo. Sr. Dr. Presidente da República, o presente expediente:

" EM INTERMINISTERIAL nº 00167 – MJ/AGU

Brasília, 22 de maio de 2002

 Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

Submetemos à consideração de Vossa Excelência o anexo Projeto de Lei que "altera a redação do parágrafo único do art. 14 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil".

2.Por meio da Mensagem nº 1.111, de 18 de agosto de 2000, que acompanhou a EM nº 275, de 12 de julho de 2000, do Ministério da Justiça, foi encaminhado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 3.475, de 2000, que propunha a alteração de dispositivos do Código de Processo Civil, dentre os quais o art. 14 ora tratado.

3.O referido Projeto pretendia, no que diz respeito ao art. 14, reforçar a ética, os deveres de lealdade e de probidade que devem presidir o desenvolvimento do contraditório, não apenas com relação às partes e seus procuradores, mas a todos os demais participantes do processo, a exemplo da autoridade apontada coatora nos mandados de segurança ou das pessoas que devam cumprir ou fazer cumprir os mandamentos judiciais e abster-se de colocar empecilhos à sua efetivação.

4.Para tanto, a redação do caput do mencionado artigo passaria a abranger "todos aqueles que de qualquer forma participem do processo". Incluir-se-ia, também, nesse dispositivo, inciso V, para que os destinatários da norma tivessem o dever de cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final, sob pena de, em caso de descumprimento, ser arbitrada multa, por ato atentatório ao exercício da jurisdição.

5A propositura tramitou pelas Casas Congressuais, tendo sido submetida à sanção do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, com redação que contemplava pequenas alterações efetivadas na proposta que lhes foi originalmente encaminhada.

6.No que diz respeito ao art. 14 do CPC, a inovação consistiu na retirada da menção aos procuradores no caput e na inclusão de ressalva dirigida " aos advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB".

7.Assim, sancionado o projeto, a Lei nº 10.358, de 27 de dezembro de 2001, dele resultante, trouxe um novo caput para o art. 14, acrescido de inciso V e de parágrafo único.

8.Diante disso, o parágrafo único do art. 14 passou a ter a seguinte redação: "Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado."

9.Esta redação propiciou debate a respeito da aplicação da norma aos advogados públicos, e isso porque a utilização do termo "exclusivamente" deu margem para que alguns interpretassem a ressalva como dirigida apenas aos advogados privados.

10.A toda evidência, isto não é o que decorre da norma positivada. Tanto não pretendeu o legislador imputar penalidade ao advogado público, mas sim excluir todos os advogados do elenco dos deveres contidos no art. 14 e da sanção de seu parágrafo único, que retirou do caput do dispositivo a referência a "procuradores".

11.Além disso, como restou demonstrado na Exposição de Motivos que acompanhou o projeto que deu origem à Lei nº 10.358, de 2001, o que se buscou foi alcançar outras pessoas que participam do processo e que podem causar embaraços ao bom andamento da prestação jurisdicional, e isso está nítido no inciso V acrescido.

12.Não se diga que a Lei acima citada excluiu da ressalva os advogados públicos porque estes não estão sujeitos a penalidade imposta pela entidade de fiscalização de classe em virtude de conduta praticada no desempenho de sua atividade profissional. Assim como os advogados privados, no que concerne ao exercício da profissão, são eles regidos pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que abriga Seção própria destinada à Advocacia Pública. Aliás, o que propiciou a discussão foi o fato de os advogados públicos estarem sujeitos também a penas administrativas e, portanto, não submetidos com exclusividade ao Estatuto da OAB.

13.Inquestionavelmente, é destituída de razoabilidade uma norma que procure distinguir os representantes das partes em função de serem eles servidores públicos, empregados do setor privado ou profissionais liberais, e isso porque a ética no processo se dirige a todos, sem justificativa para qualquer desigualdade. A exclusão, portanto, deve-se ao fato de o legislador ter entendido que as sanções que lhes são cabíveis são suficientes para coibir atos impróprios, com reflexos nefastos no processo.

14.Ocorre que a possibilidade, ainda que remota, de tratamento diferenciado em relação a profissionais que desempenham o mesmo mister, tem gerado insegurança entre os advogados públicos, temerosos de que, mesmo sujeitos até mesmo a penalidades maiores do que os advogados privados, porque a estes não se aplicam penas administrativas disciplinares, sejam-lhe imputadas sanções processuais das quais não cogitou o legislador.

15.Diante disso, para que não pairem dúvidas acerca da inaplicabilidade da pena processual prevista no parágrafo único do art. 14 do CPC nem para os advogados privados nem para os advogados públicos, é que sugiro nova redação a esse dispositivo. Com isso, acreditamos, contribui-se para o expurgo de celeumas infundadas que podem surgir da errônea interpretação do texto legal vigente, dando-lhe sentido diverso do que o pretendido pelo próprio Congresso Nacional, que apresentou a modificação ao projeto original, acolhida pela lei em virtude da sanção presidencial.

16.Assim, para evitar questionamentos judiciais que sirvam apenas para imprimir maior morosidade às demandas, é que submetemos à apreciação de Vossa Excelência o anexo projeto de lei.

Respeitosamente,

MIGUEL REALE JÚNIOR

Ministro de Estado da Justiça

GILMAR FERREIRA MENDES

Advogado-Geral da União [8]"

Acredito serem dispensáveis outros comentários.


5. A NECESSIDADE DE IMPEDIR O CORPORATIVISMO

O corporativismo, seja ele em que instância ocorra, é sempre prejudicial. Se por um lado nós, os advogados, em muitas das vezes nos sentimos desrespeitados, temos em mãos a Lei 8906/94, que nos garante todas as prerrogativas para o exercício de nossa profissão.

Por sua vez, no próprio Código de Processo Civil, em seu art. 133, há previsão expressa de responsabilidade civil do juiz, que entendemos ser pessoal [9].

Ética é a palavra mestra para coibirmos o corporativismo. Quando defendi a desnecessidade de controle externo do Judiciário ( ob. cit. ), assim o fiz porque se aplicado corretamente o art. 133 do CPC, qualquer parte teria o direito de ver "fiscalizada" a função estatal.

Contudo, psicologicamente, parece haver uma necessidade crescente de hierarquização nas ciências jurídicas – o que se consubstancia em verdadeiro absurdo. Não há hierarquia entre os coadjuvantes do processo, mas, sem sombra de dúvidas, mister é a aplicação de sanções civis e penais a quem retarda a entrega da prestação jurisdicional.

Miguel Ayuso, Doutor em Direito na Espanha, em sua obra Depois do Leviatã [10]?, ao tratar sobre uma nova concepção de Estado, com pretensões a um retorno à sociedade civil, apresenta-nos a noção de corporativismo e, desta forma, um descrédito das funções estatais, quando afirma: "Depois de uma análise mais profunda, no entanto, encontramos, igualmente uma sociedade totalmente desfeita e substituída – depois de um processo de criação de "novas feudalidades"- por grupos de pressão de todo o tipo."

Esta concepção de "novas feudalidades" nada mais é que uma crítica ao sistema de lobby, que, ao contrário do que alguns possam pensar, trata-se, na realidade, de um grande atraso ao nosso sistema judiciário – eficaz, rápido e respeitado.

O advogado – e, ainda, a parte, os juízes, serventuários, promotores, defensores etc -, quando ético, não precisa temer normas que visem à efetivação do processo.

A ética é, assim, a mola propulsora de nossa sociedade, tendente a evitar delongas judiciárias e fazer com que seja distribuída justiça a quem de direito, cumprindo a missão do Estado, que é a entrega do Bem Comum.


6. ÉTICA. SOBRETUDO, ÉTICA!

"A ética deve nortear todas as nossas atividades e quem não estiver enquadrado nesta situação merece ser responsabilizado pelos clientes". Com estas palavras, o advogado Ronald Alexandrino [11], Conselheiro da OAB/RJ, defende as reformas do CPC e, ainda que não explicitamente, o contempt of court.

Assim, finalizando, o contempt of court, ao invés de ser temido e destinado a criar "feudalidades", traduz-se em meio hábil para que o Estado alcance seu fim.

Ética. Porque para quem é ético, a norma não assusta!


Notas

01. Vide Revista de Processo, REPRO 99, ano 25, julho-setembro de 2000 – págs. 179/181 – GRINOVER, Ada Pellegrini – RT – SP - 2000

02. Obtido por meio eletrônico, do sitio do STJ - http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=Contempt+e+court&&b=JUR2&p=true&t=&l=20&i=1

03. Obtido por meio eletrônico, no sitio do STJ – http://www.stj.gov.br

04. GRINOVER, Ada Pellegrini – in Cadernos IBDP – Série Propostas Legislativas – Vol. 1 – janeiro de 2000 – Instituto Brasileiro de Direito Processual – págs. 52

05. Obtido por meio eletrônico – encaminhado pela Professora Ada Pellegrini Grinover

06. - Joseph Moskovitz, Contempt of injunction, civil and criminal, 1943. ( nota da Professora Ada Pellegrini Grinover )

07. Cfr. acima

08. Este é o texto do Projeto de Lei - PL-3475/2000 -, que poder ser visualizado na Internet: http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=19722

09. Ver: ALMEIDA FILHO, José Carlos de A. – A Responsabilidade Civil do Juiz – WVC Editores – 2000 - SP

10. AYUSO, Miguel – Depois do Leviatã? – Hugin Editores – Portugal ( tradução do espanhol para a língua portuguesa ) - 1999

11. In Tribuna do Advogado – Órgão Oficial da Seccional da Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro – página 21 – Agosto de 2002.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Contempt of court: acesso ao Judiciário x abuso no poder de demandar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 109, 20 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4380. Acesso em: 28 mar. 2024.