Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/43819
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Da (des)necessidade da perícia na arma de fogo para majoração da pena no delito de roubo (art. 157, § 2º, I, do Código Penal)

Da (des)necessidade da perícia na arma de fogo para majoração da pena no delito de roubo (art. 157, § 2º, I, do Código Penal)

|

Publicado em . Elaborado em .

O presente artigo buscará mostrar a imprescindibilidade da realização da perícia na arma de fogo empregada no delito de roubo (art. 157, §2º, I, do Código Penal), para que possa haver a consequente – e legítima – majoração na reprimenda.

 

 

1.Introdução

O presente artigo buscará mostrar a imprescindibilidade da realização da perícia na arma de fogo empregada no delito de roubo (art. 157, §2º, I, do Código Penal), para que possa haver a consequente – e legítima – majoração na reprimenda.

Deste modo, abordar-se-ão vários pontos relevantes para embasar esse argumento, trazendo à baila, ainda, importante discussão que levou a efeito o cancelamento da famígera súmula 174 do Superior Tribunal de Justiça, que previa a causa de aumento de pena quando da prática do roubo com emprego de arma de brinquedo.

Nesse passo, tendo em vista os argumentos utilizados para dar sustentação àquela tese, far-se-á, mutatis mutandis, a devida adaptação para mostrar como, por comparação, aquele entendimento pode ser perfeitamente aplicado aqui.

Discorrer-se-á, destarte, sobre os motivos ensejadores do aumento, se de ordem objetiva ou subjetiva; até que ponto a prova testemunhal tem legitimidade para assegurar a majoração da sanção, e, por fim, como harmonizar – se é que seja possível – o in dubio pro reo no caso da ausência de provas materiais da existência da arma de fogo ou, mesmo, de sua efetiva potencialidade lesiva.


2.Breves comentários acerca do delito de roubo

Situado no capítulo que protege o patrimônio, este delito, que infelizmente é tão praticado no Brasil, tem muitas peculiaridades e gera muitas discussões. Todavia, por ser tema deveras controvertido, buscar-se-á, no presente artigo, questionar as questões relacionas (limitadas) ao emprego de arma (qual o conceito de arma quis o legislador adotar?), e se há a necessidade de se fazer a perícia no instrumento para averiguar se realmente era verdadeiro e, em caso afirmativo, se tinha, à época dos fatos, potencialidade lesiva. 

 De modo geral, o tipo penal constante do art. 157, do CP, é um delito comum – ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoa, podendo figurar como vítima, outrossim, qualquer indivíduo; unisubjetivo – ou de concurso eventual; plurissubsistente – visto ter o iter criminis fracionável, admitindo, portanto, a tentativa; e que tem como bem jurídico tutelado, de forma imediata, o patrimônio, resguardando, contudo, ainda que indiretamente, a incolumidade física e psicológica do sujeito passivo, por isso mesmo é considerado crime complexo – porquanto protege mais de um bem jurídico.

Roubar, em síntese, é “Subtrair coisa alheia móvel, para si ou para outrem, mediante violência ou grave ameaça à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”. O legislador cominou para quem flexionar o verbo nuclear do tipo – subtrair –, pena que vai de quatro a dez anos de reclusão, mais multa. Obviamente que há nos parágrafos subsequentes causas de aumento (§2º) e qualificadoras (§3º).

Como restou pontuado no introito, a questão fulcral do artigo limita-se à “(im)prescindibilidade?” da perícia na arma empregada na execução do delito para que possa haver a consequente – e legítima – majoração da sanção. Assim, feita essa abordagem inicial, passar-se-á, neste momento, à análise efetiva do tema proposto.


3.Qual conceito de arma foi adotado pelo legislador pátrio?

Bem, inicialmente, faz-se necessário enfrentar esse primeiro obstáculo, qual seja, a análise do conceito de arma adotado pelo legislador pátrio, para, somente depois, se discutir a (des)necessidade ou (im)prescindibilidade da perícia da arma para ser levada a efeito a necessária e legítima majoração da pena.

Comumente, o conceito de arma é divido em arma própria e arma imprópria. Arma própria, nas lições de Nucci, é aquela “destinada, primordialmente, para ataque ou defesa (ex.: armas de fogo, punhal, espada, lança, etc.) ”[3] Já as armas impróprias seriam, consoante Mirabete, “as facas de cozinha, canivetes, barras de ferro, fios de aço etc.”[4]

A questão incide na finalidade para a qual o objeto é criado. Desta forma, se para ataque e defesa, a arma será própria; já se tiver finalidade outra, como, por exemplo, faca de cortar pão, taco de basebol, coroa de uma motocicleta, gargalo de uma garrafa de vidro, chave de fenda, enxada, etc., será imprópria, visto que não se destina, conquanto sejam aptas, a matar ou lesionar pessoas, vale dizer, não possuem finalidade bélica.

Expostos os conceitos de arma – própria e imprópria –, resta saber se ambas são válidas para majorar a pena. Destarte, como tudo em Direito, a matéria possui mais de uma corrente doutrinária.

Para aqueles que fazem uma interpretação restritiva do termo, somente poderiam ser levadas em consideração, para justificar o aumento da pena, as armas próprias, vale dizer, aquelas que possuem finalidade bélica – ataque e defesa. Entretanto, o entendimento majoritário, respaldado, inclusive, pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, é de que basta que seja arma, própria ou imprópria. Deste modo, prevalece a posição dos que adotam uma interpretação extensiva do conceito. 

Isto é assim, tendo em vista a maior exposição de perigo que o bem jurídico tutelado sofre; é dizer, o critério que justifica o aumento não é subjetivo – o temor que se atribui à vítima–, mas, sim, objetivo – exposição do bem jurídico resguardado a um risco mais elevado. 

Nesse contexto, a conclusão que se chega para que se possa aceitar tal argumento, é de que um fuzil inoperante, sem dúvida alguma, é tanto menos perigoso que uma espada samurai. Assim, justifica-se o aumento quando do emprego da espada, não ocorrendo, contudo, o mesmo em relação ao velho fuzil imprestável, posto que este, inegavelmente, incute maior perturbação que aquela.


4.Do emprego da arma de brinquedo e o cancelamento da súmula 174 do Superior Tribunal de Justiça

Em tempos outros, o emprego da arma de brinquedo – errôneo e equivocadamente – era válido para a majoração da pena no delito de roubo. Argumentava-se, à época, que o temor que uma arma de brinquedo causava é bem o mesmo de uma verdadeira. Assim, sustentava-se pouco importar se de verdade ou de “mentirinha”, o que valia, de fato, era o abalo psicológico que a vítima sofria (aspecto subjetivo).

Acontece, contudo, que, atento aos reclames da doutrina, o STJ resolveu, em 24 de outubro de 2001, quando do julgamento do REsp. 213.954 – SP, cancelar sua famigerada súmula 174, que pregava que "No crime de roubo, a intimidação[5] feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena".

         Ora, o motivo é simples, quando se fala em “Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa”, entende-se que o simples temor psicológico que a arma de brinquedo representa está embutido no caput do art. 157 do Código Penal Brasileiro. Vale dizer, essa singela “ameaça”, que nunca produzirá maior dano que um soco na face, por exemplo, não é apta a conduzir à majoração do inciso I, do §2º, do art. 157 do CP, porquanto é elementar necessária à caracterização do roubo simples – caput do art. 157.

         Nesse sentido, com maestria, afirma Mirabete:

Realmente, embora o instrumento utilizado, simulacro de arma, seja idôneo para intimidar, quando a vítima se julga diante de uma arma verdadeira, não é apto para causar risco à vida ou danos à integridade física da vítima, razão da existência da qualificadora. Arma fictícia, se é meio idôneo para a prática da ameaça, o que é elemento do crime de roubo, não é o bastante para qualificar o delito. [6]

 

Nessa senda, após o cancelamento da referida súmula, que foi um avanço jurídico, ressalte-se, importante verificar como tem caminhado a jurisprudência pátria, no que tange a essa questão.

Assim, confiram-se os seguintes excertos do Superior Tribunal de Justiça:

Consoante pacífico entendimento desta Corte, a utilização de arma de brinquedo para intimidar a vítima do delito de roubo não autoriza o reconhecimento da causa especial de aumento de pena do inciso I do §2º do art. 157 do CP, cuja caracterização está vinculada ao potencial lesivo do instrumento. (STJ, HC 222410/SP, Rel. Min. Og Fernandes, 5ª T., DJe 29/6/2012)

 

Outrossim:

 

HABEAS CORPUS. ROUBO PRATICADO MEDIANTE CONCURSO DE AGENTES E EMPREGO DE ARMA DE BRINQUEDO. INCIDÊNCIA DA CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA DE 3/8. IMPOSSIBILIDADE. CANCELAMENTO DA SÚMULA Nº 174 DESTA CORTE. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. RÉU PRIMÁRIO. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA MAIS GRAVE DO QUE O LEGALMENTE PREVISTO. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGOS 33, §§ 2º E 3º, E 59 DO CÓDIGO PENAL. ORDEM CONCEDIDA. 1 - O uso de arma de brinquedo na prática do delito de roubo não acarreta a incidência da causa especial de aumento prevista no artigo 157, § 2º, I, do Código Penal.  [...] (STJ, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 25/10/2011, T5 - QUINTA TURMA)

 

 

Na mesma trilha, com acerto, decidiu o Tribunal de Justiça de Mato Grosso:

 

APELAÇÃO MINISTERIAL - ROUBO QUALIFICADO POR CONCURSO DE PESSOAS - PRETENDIDO RECONHECIMENTO DA QUALIFICADORA DE EMPREGO DE ARMA - ARMA DE BRINQUEDO - CANCELAMENTO DA SÚMULA 174 DO STJ - NÃO CABIMENTO DA MAJORANTE - CONTINUIDADE DELITIVA - NÚMERO DE INFRAÇÕES - MAJORAÇÃO DE 1/5 - PENA DE MULTA - INAPLICABILIDADE DO ART. 72 DO CP - MULTA UNIFICADA - RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. A intimidação com arma de brinquedo não autoriza a incidência da majorante prevista no inciso I, do artigo 157, § 2º, do Código Penal. ( Súmula 174 do STJ cancelada). O aumento da pena decorrente da continuidade delitiva varia de acordo com o número de crimes. No caso, tendo ocorrido três crimes, o acréscimo será de 1/5 (um quinto). As penas de multa do crime continuado não se subordinam ao artigo 72 do Código Penal. Precedentes do STF e STJ. (Ap 3389/2006, DES. PAULO DA CUNHA, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 03/05/2006, Publicado no DJE 15/05/2006)

 

 

Em síntese, afirma-se que a razão de ser da referida majorante é de ordem objetiva, ou seja, leva-se em consideração a maior vulnerabilidade a que o bem jurídico tutelado é exposto, e não, como se chegou a sustentar noutras épocas, a capacidade intimidativa que o simulacro exerce sobre ofendido.

Tanto isso é verdade que, na mesma senda dos argumentos fartamente trabalhados, atualmente tem-se admitido que, mesmo nos casos de arma inoperante ou, ainda, sem munição, tal causa de aumento não deve incidir. Os fundamentos, como já expostos à exaustão, são os mesmos, quais sejam: carência de potencialidade lesiva, bem como a menor exposição do bem jurídico tutelado a um efetivo perigo.

Corroborando com o esposado e finalizando o presente tópico, veja-se o posicionamento do Supremo Tribunal Federal.

Porém, a qualificadora de emprego de arma deve ser afastada. Embora inegável que o réu ameaçara a vítima com um revólver, a perícia levada a efeito em tal objeto concluiu estar ele com seu mecanismo inoperante, com falha no sistema de giro do tambor, ausência do retém do tambor e ausência do pino percutor, que impediam sua utilização para realizar disparos (fls. 60), circunstância, aliás, já observado pela polícia militar quando a aprendeu.

Ora, se a arma se revelou inapta para disparos, não há razão para se punir a conduta de forma mais grave, mesmo porque ninguém, nem mesmo a vítima, correu risco algum de ser alvejado pelo agente.

Nesse sentido, aliás, já entendeu a Suprema Corte, acentuando que" não se pode colocar na vala comum situações concretas em que a potencialidade de risco tem gradação diversa.

O emprego da arma de fogo nessas circunstâncias equivale ao uso de uma arma de brinquedo, servindo apenas para caracterizar a grave ameaça tipificadora do crime de roubo.

Assim, impossível, nessa circunstância, se reconhecer a qualificadora do inciso I no 2º da norma tipificadora, pois revólver que não funciona, pela ausência da capacidade de ofender, não pode ser considerado como arma no sentido próprio do termo utilizado pelo legislador para o fim de tornar mais censurável a conduta do agente.[7] 

 


5.Da (des)necessidade? do exame pericial da arma de fogo para a consequente majoração e sua adequação com o in dubio pro reo

Questão que gera grande celeuma na doutrina e jurisprudência pátrias é a necessidade de se fazer o exame pericial da arma para haver a legítima majoração da pena.

Note-se que, como bem frisado ainda na introdução do presente artigo, todos os argumentos anteriormente trabalhados são perfeitamente aplicáveis aqui – necessidade do exame pericial da arma para consequente majoração da pena.

Ora, se a existência da causa de aumento, atualmente, reside na maior exposição do bem jurídico protegido a um real perigo de dano, para que o magistrado possa valorar esse quesito, deve, obrigatoriamente, ter acesso ao laudo pericial. Sem contato com esse documento, não pode o juiz saber, por exemplo, se arma era de verdade ou de brinquedo; se estava com ou sem munição; ou, ainda, se era, ou não, apta a disparar no momento da prática delitiva.

Nesta mesma toada é o posicionamento de Mayrink da Costa, quando sustenta que “Não se admite a causa especial de aumento de quando se trata de arma desmuniciada ou defeituosa, incapaz de colocar em riso o segundo objeto de tutela no tipo complexo de roubo, razão pela qual se exige a preensão para a feitura da perícia, não sendo bastante a palavra da vítima”[8]

Com efeito, esse é o entendimento mais consentâneo com o Direito Penal mais garantista, que tanto se tem buscado hodiernamente. Isso é simplesmente um corolário do sistema principiológico pátrio.

Observe-se: se existe a certeza que o acusado estava armado, mas não há, entretanto, como precisar, por exemplo, se a arma era de verdade ou de brinquedo; se estava municiada ou não; se apta a efetuar disparos quando do cometimento do crime, enfim, se estas respostas não são possíveis devido à ausência do laudo, uma coisa é certa: há uma dúvida pairando sobre caso. Nessa situação – de dúvida –, consoante o direito pátrio, como deve o magistrado proceder? Ora, nesse caso, só há uma solução, qual seja, in dubio pro reo.

Em não sendo possível, em virtude da ausência do laudo pericial, a constatação da real situação do artefato empregado no delito, não há como presumir que era uma arma, e, mais, que esta era de verdade e, ainda, além de tudo, afirmar que possuía, à época dos fatos, potencialidade lesiva. Sustentar tal argumento seria, no mínimo, uma desvelada e ilegal prática de presunção de culpa e de periculosidade.

Nesse trilhar, dando guarida aos argumentos até aqui fartamente trabalhados, há, embora controvertido o tema, repise-se, julgados do STJ no mesmo sentido.

Destarte, confira-se:

Prevalece, na 6ª Turma desta Corte, o entendimento de que, para a incidência da causa de aumento decorrente do emprego de arma, é indispensável a apreensão do artefato, com a posterior realização de perícia, a fim de comprar a potencialidade lesiva. No caso, tem-se que o artefato não foi apreendido, bem como não foi comprovada sua potencialidade lesiva por outros meios de prova, o que enseja a exclusão do acréscimo decorrente da referida causa de aumento. (STJ; HC 169.151; Proc. 2010/0067210-1; DF; 6ª T., Rel. Min. Og Fernandes; j. 22/6/2010; DJE 2/8/2010).

 

Na mesma esteira, ratificando o entendimento de que para haver a incidência da causa de aumento, deve a arma ser apreendida e periciada, sublinhou a mesma turma:

A turma, por maioria, mesmo após recente precedente do STF em sentido contrário, reiterou seu entendimento de que é necessária a apreensão da arma de fogo para que possa implementar o aumento de pena previsto no art. 157, §2º, I, do CP. Com a ausência da apreensão e perícia da arma, não se pode apurar sua lesividade e, portanto, o maior risco para integridade física da vítima.

Precedentes citados do STF: HC 96.99-RS, DJ 10/3/2009; HC 92.871-SP, DJ 6/3/2009; HC 95.142-RS, DJ 5/12/2008; do STJ: HC 36.182-SP, DJ 21/3/2008; HC 100.906-MG, DJ 9/6/2008; e HC 105.321-PA, DJ 27/5/2008 (STJ, HC 99.762/MG, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., j. 10/3/2009).

 

Expostas as decisões supra, destaca-se, até por lealdade intelectual, que a questão, como se pontuou, é controvertida sobremaneira. Conquanto o posicionamento acima mencionado, que se adota, seja o melhor, não é o que tem prevalecido.

Isto porque, como explica Fernando Capez:

Para aqueles que entendem que o roubo será agravado, ainda que a arma não tenha potencialidade lesiva (arma de brinquedo, defeituosa ou desmuniciada), prescinde-se da apreensão da arma de fogo e posterior confecção do laudo pericial para constatação da eficácia do meio empregado, pois não importa para incidência da causa de aumento de pena se o meio tem ou não poder vulnerante. Desta feita, basta o relato da vítima ou a prova testemunhal para que a majorante incida.[9]

 

Há jurisprudência farta que fornece guarida a essa posição. A título de exemplo, confira-se o entendimento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Não obstante a ausência de apreensão e de perícia na arma de fogo, observou-se a existência de um conjunto probatório que permitiu ao julgador formar sua convicção no sentido da efetiva utilização da arma de fogo pelo réu, devendo ser mantida a qualificadora descrita no inciso I, do §2º do art. 157 do Código Penal. (STJ, HC 161958/DF; Rel. Min. Gilson Dipp; 5ª T., j. 10/3/2009)

 

Essa interpretação se equivoca, haja vista contrariar o in dubio pro reo. Ora, a questão não é se foi ou não empregada a arma, mas sim verificar se esta tinha, ou não, potencialidade lesiva; se era de verdade ou, ainda, se estava municiada. Se não se consegue averiguar esses dados, ainda que tenha sido, de fato, empregada a arma, deve-se interpretar, ante a ausência do laudo, a favor do réu, ou seja, em vez de presumir que a o artefato era eficaz – presunção maléfica; há de se presumir que a arma era de brinquedo ou estava sem munição ou inoperante (presunção benéfica, ante a ausência de certeza deixada pela falta do exame pericial).


6.Conclusão

 

Em arremate, frisa-se que o Direito Penal pátrio, que é a ultima ratio do sistema e possui seus princípios norteadores, não pode, como já mencionado noutras oportunidades, ser a visualizado ou tido como panaceia de todos os males.

Certos fatos há, é bem verdade, que causam repulsa, que enojam a população e que trazem, não se nega, para aqueles que não entendem a sistemática do Direito, certa sensação de impunidade. Contudo, não se pode exigir do Direito Penal a mesma velocidade de um noticiário televiso. O que está a ocorrer é que as pessoas esperam que, ao final da matéria do jornal policial, o acusado já tenha sido denunciado, julgado, condenado e por fim esteja em fase execução da pena.

Tanto isso é verdade que, hoje, não raro, tem-se utilizado a prisão cautelar – processual, instrumental – como verdadeiro sensor da sociedade para com as instituições da “justiça”. Repita-se, o sistema penal, embora tenha como finalidade a pacificação social, não é a panaceia de todos os males. Ele, assim como muitas outras, é mais uma forma de controle social, e não a única.

Não se resolverá o problema da criminalidade deturpando a evolução civilizatória que se alcançou ao (demorado e perverso) passar do tempo. Se hoje é possível clamar a presunção de inocência ou o in dubio pro reo, por exemplo, é porque muitos inocentes foram (e ainda hoje são) encarcerados por erros de uma instrução criminal célere e despreocupada com garantias.

Em suma, não se perde ao adotar um sistema penal respeitador às garantias constitucionais. Não se erra ao interpretar um caso como o tema do presente artigo em favor do réu, quando houver dúvida acerca da existência/veracidade/potencialidade lesiva do artefato.

Essas questões, posto que emblemáticas, devem ser analisadas com olhar jurídico. Devem ter como parâmetro a Constituição Federal e, de modo geral, todo o arcabouço principiológico-jurídico; não podendo, como se tem visto atualmente, pautar-se na opinião publica(da). Afinal e pondo-se termo ao artigo, como alertava, com sabedoria, o Grande Evandro Lins e Silva “Outras vezes, essa opinião pública fica irredutível e leva aos mais trágicos erros judiciários. [...] Sim, a opinião pública, esta prostituta, é quem segura o juiz pela manga. ”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


7.Bibliografia

 

 

_____CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. v. 2. – Parte Especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212) 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

 

_____COSTA. Álvaro Mayrink da. Direito penal – Parte Especial. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

 

_____MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal. volume 2: parte especial, Arts. 121 a 234 do CP. 26. ed. rev. e atual. até 11 de março de 2009. São Paulo: Atas, 2009.

 

_____NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 8. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

 

 

 

 


 

 

Notas

[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 8. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p.730.

[4] MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal. volume 2: parte especial, Arts. 121 a 234 do CP. 26. ed. rev. e atual. até 11 de março de 2009. São Paulo: Atas, 2009. p. 19.

[5] Via-se claramente a adoção ao critério subjetivo, ou seja, o grau de temor – praticamente o mesmo, a depender do brinquedo – que o artefato de plástico causava à vítima. 

[6] MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de direito penal. volume 2: parte especial, Arts. 121 a 234 do CP. 26. ed. rev. e atual. até 11 de março de 2009. São Paulo: Atas, 2009. p. 205.

[7] RT 702/438

[8] COSTA. Álvaro Mayrink da. Direito penal – Parte Especial. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 721.

[9] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. v. 2. – Parte Especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212) 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 428.


Autores

  • Filipe Maia Broeto Nunes

    Advogado Criminalista e professor de Direito Penal e Processo Penal, em nível de graduação e pós-graduação. Professor Convidado da Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal da PUC-Campinas. Mestre em Direito Penal (sobresaliente) com dupla titulação pela Escuela de Postgrado de Ciencias del Derecho/ESP e pela Universidad Católica de Cuyo – DQ/ARG. Mestrando em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade Internacional de La Rioja – UNIR/ESP e em Direito Penal Econômico e da Empresa pela pela Faculdade de Direito da Universidade Carlos III de Madrid - UC3M/ESP. Especialista em Direito Penal Econômico pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG e também Especialista em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - FDUC/PT-IBCCRIM. Especialista em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes - UCAM, em Processo Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - FDUC/PT-IBCCRIM, em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes - UCAM e em Compliance Corporativo pelo Instituto de Direito Peruano e Internacional – IDEPEI e Plan A – Kanzlei für Strafrecht, Alemanha (Curso reconhecido pela World Compliance Association). Foi aluno do curso “crime doesn't pay: blanqueo, enriquecimiento ilícito y decomiso”, da Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca – USAL/ ESP, e do Módulo Internacional de "Temas Avançados de Direito Público e Privado", da Universidade de Santiago de Compostela USC/ESP. Membro da Câmara de Desagravo do Tribunal de Defesa das Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Mato Grosso - OAB/MT; Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCRIM; do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico - IBDPE; do Instituto de Ciências Penais - ICP; da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB/MT; Membro efetivo do Instituto dos Advogados Mato-grossenses - IAMAT e Diretor da Comissão de Estudos Jurídicos da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – Abracrim. Autor de livros e artigos jurídicos, no Brasil e no exterior. E-mail: [email protected].

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor

    Site(s):
  • Valber Melo

    Valber Melo

    advogado, especialista em direito penal e processual penal, direito público e ciências criminais. Doutorando em Direito pela Universidade Museo Social Argentino, Professor titular de Direito Processual Penal e Direito Penal da UNIC- Universidade de Cuiabá; do ESUD – Escola Superior de Direito de Mato Grosso, Professor de direito penal e processo penal do curso de pós-graduação do IDP - Instituto de Direito público, Professor de Direito Penal e Processual do Curso Preparatório Damásio de Jesus e da ESA- Escola Superior de Advocacia. Membro da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB/MT e da Comissão de Direito Constitucional. Membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Filipe Maia Broeto; MELO, Valber. Da (des)necessidade da perícia na arma de fogo para majoração da pena no delito de roubo (art. 157, § 2º, I, do Código Penal). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5235, 31 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43819. Acesso em: 28 mar. 2024.