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A legitimidade "ad causam" nas ações para reparação de dano extrapatrimonial

A legitimidade "ad causam" nas ações para reparação de dano extrapatrimonial

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SUMÁRIO: Introdução. Legitimidade ad causum. Legitimidade ativa. Lesados diretos. Pessoa física. Pessoa jurídica. Lesados indiretos. Legitimidade passiva. Responsáveis indiretos. Direito de regresso. Conclusão.


INTRODUÇÃO

É no momento da consumação do fato lesivo que surge à vítima o direito de pleitear junto ao ofensor, ou a quem por ele responda, a reparação dos prejuízos sofridos, sejam de natureza patrimonial ou extrapatrimonial.

O legislador pátrio estabeleceu que o direito de ação está submetido a determinadas condições. São condições da ação a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade ad causam. Neste ensaio, nos interessa especificamente, discutir acerca da legitimidade, no que se refere às ações de indenização por dano extrapatrimonial.

Em regra, a legitimidade ativa, para perquirir a reparação do dano, pertence à vítima e a legitimidade passiva, para responder pela reparação, pertence ao agressor, ou seja, ao causador do dano.

Ocorre que não só a vítima poderá ser lesada com a prática do ato ilícito, mas também terceiros, que em comprovando o nexo de causalidade entre a conduta do ofensor e o dano por ele sofrido, terão o direito a pleitear a reparação dos prejuízos. Assim como, não apenas o agressor (causador do ato) tem obrigação de reparar o dano causado mas, também, outras pessoas a quem a lei atribui tal responsabilidade.


LEGITIMIDADE AD CAUSAM

O direito de ação, nada mais é que "o direito público de deduzir uma pretensão em juízo"1, em havendo, assim, a violação de um dever jurídico configura-se o ilícito, que na maioria das vezes, acarreta dano a outrem, gerando por conseguinte, o direito ao lesado de perquirir a reparação do dano.

A expressão dano deriva do latim damnum, e significa todo mal ou ofensa que tenha uma pessoa causado a outrem, "da qual possa resultar uma deterioração ou destruição à alguma coisa dele ou um prejuízo a seu patrimônio"2. Destarte, merece reparação toda lesão causada aos interesses de outrem, seja de ordem patrimonial ou de caráter extrapatrimonial.

A reparação dos danos causados é possível sob a seara da responsabilidade civil, "que designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico"3, em outros termos representa o dever de reparar o dano, seja patrimonial (material) ou extraprimonial (moral). O primeiro como o próprio nome diz, "atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, entendendo-se como tal o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro"4.

Já o dano extrapatrimonial, mais conhecido por dano moral, abrange não só este mas, também, o dano estético, que é algo distinto do dano moral. Aliás, prevalece na Corte Superior de Justiça o entendimento de que o dano estético "e uma alteração morfológica de formação corporal que agride a visão, causando desagrado e repulsa; já o dano moral corresponde ao sofrimento mental – dor da alma, aflição, e angústia a que a vítima é submetida. Um é de ordem puramente psíquica, pertencente ao foro íntimo; outro é visível, porque concretizado na deformidade"5.

Dessarte, em regra, ocorrendo o dano, surge o direito de ação, ou seja, o direito a postular a reparação dos danos que, no entanto, está submetido a determinadas condições legalmente instituídas, "para que legitimamente se possa exigir, na espécie, o provimento jurisdicional"6. São condições da ação civil, ou seja, "requisitos especiais ligados à viabilidade da ação"7, a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir, e a legitimidade ad causum, esta última é objeto da análise em questão, no que se refere às ações para reparação de dano extrapatrimonial.

Vale dizer que a legitimidade ad causum, divide-se em legitimidade ativa - do autor, "aquele que deduz em juízo uma pretensão" e legitimidade passiva - do réu, "aquele em face de quem aquela pretensão é deduzida"8.

Considera-se que o autor tem legitimidade para a causa quando, pela natureza da questão, parecer que ele tem o direito de pedir o que pede, pelo menos à primeira vista (legitimidade ativa). E o réu será parte legítima para sofrer a ação se ele tiver de fazer ou prestar o que lhe é pedido, pelo menos em tese (legitimidade passiva).9

Assim, em apertada síntese, "são legitimados para agir, ativa e passivamente, os titulares dos interesses em conflito; legitimação ativa terá o titular do interesse afirmado na pretensão; passiva terá o titular do interesse que se opõe ao afirmado na pretensão"10. Em princípio, é titular da ação, apenas a própria pessoa titular do direito subjetivo material, cuja tutela pede, in casu, no que concerne a tutela do dano extrapatrimonial, o titular da honra, dos direitos da personalidade, da imagem, aquele que efetivamente sofreu o abalo moral ou estético. Por outro lado, pode ser demandado apenas aquele que seja titular da obrigação correspondente, aquele que causou o dano, e/ou aquele que tem a obrigação legal de repará-lo.

Os titulares dos interesses em conflito são os sujeitos da lide, portanto, legitimados ao processo. Cabe ao titular do interesse afirmado na pretensão a legitimação ativa e ao titular do interesse daquele que resiste à pretensão a legitimação passiva. (TJDF – AGI 20010020053666 – DF – 1ª T.Cív. – Rel. Des. Hermenegildo Gonçalves – DJU 02.05.2002 – p. 99)

Por óbvio, antes de se ingressar com uma ação postulando a reparação do prejuízo irrogado ao titular, é preciso verificar se realmente existe legitimidade ativa daquele que deduz em juízo uma pretensão (autor) e passiva daquele em face de quem aquela pretensão é deduzida (réu), sob pena de se configurar a ilegitimidade de parte, o que dá causa a extinção do feito, sem julgamento de mérito.


LEGITIMIDADE ATIVA

Em principio, a legitimidade ad causam envolve a indagação fundamental de quem é o titular para movimentar a pretensão. A regra geral, é que o direito de ação compete a quem tem o interesse legítimo na pretensão11. O art. 1º do Código Civil Brasileiro, prescreve que "toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil", assim, "o direito de ação compete a quem tem o interesse legítimo à pretensão"12, pertencendo, em regra, à vítima que sofreu uma lesão a sua pessoa (dano moral) ou a sua integridade física (dano estético), o direito de pleitear, judicialmente, a indenização pelos danos extrapatrimoniais suportados, desde que, é claro, comprove o nexo de causalidade entre o dano sofrido e ato ilícito praticado pelo ofensor.

"O prejudicado pelo procedimento danoso tem o direito de ação"13, é o legitimado, portanto, para exigir o ressarcimento do dano, todo aquele que efetivamente sofreu o prejuízo, tendo capacidade de ser parte toda pessoa natural, bem como as pessoas jurídicas, além de outras figuras a que a lei atribui essa capacidade, como o nascituro, espólio, etc.

Contudo, é possível se verificar que um fato lesivo, seja ele lícito ou não, pode atingir não só a vítima, que podemos considerar como lesada direta, mas também um terceiro, chamado de lesado indireto, que "é aquele, que não sendo a vítima direta do fato lesivo, vem a sofrer com esse evento por experimentar um menoscaso ou uma lesão a um bem jurídico patrimonial ou moral em razão de sua relação ou vinculação com o lesado direto"14, tem, por conseguinte, legitimidade ativa para pleitear a reparação dos danos sofridos.

Lesados Diretos

Como já referido lesado direto é a própria vítima, ou, como nos ensina Mosset Iturraspe "lesado direto é o titular do bem jurídico imediatamente danificado"15. Assim, podem propor ação para reparação de danos extrapatrimoniais, toda e qualquer pessoa física e jurídica devidamente capacitada ou representada para ingressar em juízo.

Pessoas Naturais

Podem propor ação de indenização por dano extrapatromonial toda e qualquer pessoa natural que tenha sofrido abalo moral, desde que tenha capacidade para ingressar em juízo. Contudo, poderão apresentar-se em juízo, na qualidade de lesados diretos, também os incapazes, que devem ser representados ou assistidos, pelos seus responsáveis legais.

Como já dito, "compete à vitima da lesão pessoal ou patrimonial o direito de pleitear a indenização"16. Todavia, igual direito têm os herdeiros da vítima, pelo que dispõe o Código Civil: "O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança", uma vez que a imagem de uma pessoa não se extingue com a sua morte, mas pode traduzir reflexos em seus descendentes e familiares, que, por natureza, têm o direito de respeitar e fazer com que respeitem a memória e honra do falecido, atendidas as regras do art. 12, caput e parágrafo único, (asseguram a legitimidade para exigir que cesse a ameaça, ou a lesão a direitos da personalidade e reclamar perdas e danos, ao cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau); e no art. art. 20, caput e parágrafo único do Código Civil (asseguram, para o caso da utilização de escritos, palavras, publicação, exposição ou utilização da imagem de uma pessoa, sendo ela morta, ao cônjuge, descendentes e ascendentes, a legitimidade para requerer a proibição de tais atos, bem como pleitear a indenização pelo abalo a honra, fama ou respeitabilidade).

Dessarte, não há no ordenamento jurídico pátrio qualquer vedação legal ou mesmo princípio no sentido de vedar a transmissibilidade do direito da reparação por dano moral aos sucessores do ofendido. Neste caso, ocorre a sucessão da legitimidade para o pedido indenizatório, o que é diferente da indenização requerida pela viúva e filhos ou parentes, em virtude da morte da vítima, decorrente de ato ilícito praticado por terceiro, que são na verdade tidos como lesados indiretos. No primeiro caso a ofensa é ao direito do morto, foi ele quem sofreu o dano moral, já no segundo o dano sofrido pelo "de cujus" os afeta indiretamente, como ensina De Cupis "os lesados indiretos são aqueles que têm um interesse moral relacionado com o valor de afeição que lhes representa o bem jurídico da vítima do evento danoso"17, uma vez que o dano sofrido esta relacionado com a situação jurídica objetivas próprios autores.

PROCESSUAL CIVIL – DIREITO CIVIL – INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – HERDEIROS – LEGITIMIDADE – 1. Os pais estão legitimados, por terem interesse jurídico, para acionarem o Estado na busca de indenização por danos morais, sofridos por seu filho, em razão de atos administrativos praticados por agentes públicos que deram publicidade ao fato de a vítima ser portadora do vírus HIV. 2. Os autores, no caso, são herdeiros da vítima, pelo que exigem indenização pela dor (dano moral) sofrida, em vida, pelo filho já falecido, em virtude de publicação de edital, pelos agentes do Estado réu, referente à sua condição de portador do vírus HIV. 3. O direito que, na situação analisada, poderia ser reconhecido ao falecido, transmite-se, induvidosamente, aos seus pais. 4. A regra, em nossa ordem jurídica, impõe a transmissibilidade dos direitos não personalíssimos, salvo expressão legal. 5. O direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores da vítima (RSTJ, vol. 71/183). 6. A perda de pessoa querida pode provocar duas espécies de dano: o material e o moral. 7. "O herdeiro não sucede no sofrimento da vítima. Não seria razoável admitir-se que o sofrimento do ofendido se prolongasse ou se entendesse (deve ser estendesse) ao herdeiro e este, fazendo sua a dor do morto, demandasse o responsável, a fim de ser indenizado da dor alheia. Mas é irrecusável que o herdeiro sucede no direito de ação que o morto, quando ainda vivo, tinha contra o autor do dano. Se o sofrimento é algo entranhadamente pessoal, o direito de ação de indenização do dano moral é de natureza patrimonial e, como tal, transmite-se aos sucessores" (Leon Mazeaud, em magistério publicado no Recueil Critique Dalloz, 1943, pg. 46, citado por Mário Moacyr Porto, conforme referido no acórdão recorrido). 8. Recurso improvido. (STJ – REsp – 324886 – PR – 1ª T. – Rel. Min. José Delgado – DJU 03.09.2001 – p. 00159)

Vale dizer que "é preciso não olvidar que a ação de reparação comporta transmissibilidade aos sucessores do ofendido, desde que o prejuízo tenha sido causado em vida da vítima"18, uma vez que o direito a reparação transmite-se com a herança, a teor do art. 943 do Código Civil Brasileiro, cabendo aos herdeiros o direito de exigir a reparação dos danos morais causados em vida, ao "de cujus".

Pessoa Jurídica

Até pouco tempo, ainda se discutia a possibilidade ou não das pessoas jurídicas sofrerem abalo moral. Porém, hoje é pacifico o entendimento jurisprudencial no sentido de que as pessoas jurídicas públicas ou privadas podem sofrer dano moral, por terem atributos reconhecidos jurídica e publicamente. Aliás, hoje não cabe mais qualquer discussão a cerca da matéria, uma vez que o Superior Tribunal de Justiça, no Enunciado 227, pacificou o entendimento que: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral". Nesta mesma esteira o Novo Código Civil Brasileiro estabelece em seu art. art. 52 que se aplicam às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade regulados naquele diploma legal.

Registre-se que a existência da honra subjetiva (decoro auto-estima), é exclusiva do ser humano e a honra objetiva, refletida na reputação, no prestigio, no bom nome, na confiança do público, que é comum às pessoas físicas e jurídicas.

"Induvidoso, portanto, que a pessoa jurídica é titular de honra objetiva, fazendo jus à indenização por dano moral sempre que seu bom nome, credibilidade ou imagem forem atingidos por algum ato ilícito"19. Neste sentido as decisões proferidas pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

Dano moral. Pessoa jurídica. O protesto indevido afeta o bom nome, fama, prestígio e reputação comercial da pessoa jurídica, sendo devida a indenização por dano moral. Apelação improvida. (TJRS – APC 70003703717 – 17ª C.Cív. – Rel. Des. Eduardo Uhlein – J. 16.04.2002)

RESPONSABILIDADE CIVIL – PROTESTO INDEVIDO – ABUSIVIDADE DO ATO DEMONSTRADO – DANO MORAL – CRITÉRIOS PARA SUA FIXAÇÃO – Culpa da instituição financeira ao cometer falha no serviço, levando a protesto título devidamente pago em carteira. Fato ensejador de dano moral, pois que atingiu a honra objetiva da pessoa jurídica. O magistrado, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita e a gravidade do dano por ela produzido, servindo-lhe, também, de norte, o princípio acima citado, de que é vedada a transformação do dano em fonte de lucro. Recurso provido. (TJRS – APC 70003356516 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Clarindo Favretto – J. 21.02.2002)

In casu, "a prova do fato que gerou lesão à reputação da pessoa jurídica é suficiente para a indenização do dano moral, nada importando que daí tenha resultado, ou não, prejuízo patrimonial"20.

Lesados Indiretos – Dano em Richochete

Como já dito algures, pode sofrer dano extrapatrimonial não apenas a vítima do ato ilícito, mas também, um terceiro que é indiretamente atingido na sua seara mais íntima, em específico, quando ocorre a morte da vítima. É o que a doutrina convencionou chamar de "dano reflexo, dano em richochete, ou ainda, como querem outros, dano indireto"21.

Quando ocorre a morte da vítima a questão da legitimidade ativa para pleitear a reparação do dano se complica, "impõe-se verificar a titularidade do direito à indenização"22.

Em principio, o primeiro prejudicado seria o cônjuge, seguido dos filhos, quer por prejuízos materiais, quer pela perda afetiva (dano extrapatrimonial) mas, na verdade, incumbe verificar, caso a caso, o efetivo abalo moral sofrido pelo que pretende a reparação.

"Falecendo ou ficando gravemente ferida uma pessoa, o dano pode atingir outra pessoa que o morto ou ferido socorria ou alimentava; ou em caso do dano moral, aquela que pela vítima cultivava afeição, e que sofreu os seus sofrimentos"23.

No que pertine aos danos materiais, assegura Caio Mario que "se pela morte ou incapacidade da vítima, as pessoas, que dele se beneficiavam, ficaram privadas de socorro, o dano é certo, e cabe contra o causador"24. No entanto, no que pertine ao dano moral, a certeza do dano fica no campo da subjetividade, sendo necessário que se avalie os laços que uniam o suposto lesado indireto e o "de cujus", bem como a grandeza dos danos sofridos.

ILEGITIMIDADE AD CAUSAM – Dano moral. Requerimento da verba pelos irmãos da vítima. Possibilidade. Pretensão fundamentada na dor da perda, sendo irrelevante a circunstância de a viúva e os filhos demandarem indenização da mesma natureza. Hipótese, ademais, em que, havendo ou não a possibilidade de reunião dos processos, há de ser aferida a situação de cada pretendente em relação ao falecido, a fim de valorar-se adequadamente os danos. Legitimidade ativa reconhecida. Extinção do processo afastada. Recurso provido para esse fim. (1º TACSP – AP 0811496-9 – (36621) – São Paulo – 3ª C. – Rel. Juiz Itamar Gaino – J. 24.10.2000)25.

Vale esclarecer que "só em favor do cônjuge, filhos e pais há uma presunção juris tantum de dano moral por lesões sofridas pela vítima ou em razão de sua morte. Além dessas pessoas, todas as outras, parentes ou não, terão que provar o dano moral sofrido em virtude de fatos ocorridos com terceiros"26.

Em linhas gerais, pode se concluir usando as palavras de Caio Mario "que é reparável o dano reflexo ou em ricochete, dês que seja certa a repercussão do dano principal, por atingir a pessoa que lhe sofra a repercussão, e esta seja devidamente comprovada"27.


LEGITIMIDADE PASSIVA

Como muito bem ensina a professora Maria Helena Diniz, "sendo o dano um pressuposto da responsabilidade civil, será obrigado a repará-lo aquele a quem a lei onerou com tal responsabilidade, salvo se ele puder provar alguma causa de escusa"28. Assim, de imediato, pode-se afirmar que o réu "será aquele que for apontado como causador do dano"29, isto porque prescreve o art. 927, do CC, que todo "aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".

Para que alguém seja responsabilizado civilmente por um dano, é preciso que algum ato tenha sido praticado ou deixado de praticar, seja pelo próprio agente, pessoa ou animal por quem ele seja responsável. Assim, podem figurar no pólo passivo da ação para reparação de dano extrapatrimonial, pessoas físicas (desde que capazes) e jurídicas. No tocante as pessoas físicas absoluta e relativamente incapazes, estas serão representadas ou assistidas, quando demandadas, pelos seus responsáveis legais. Aliás, o Novo Código Civil Brasileiro, traz uma inovação, acerca da responsabilidade do incapaz pelos prejuízos que causar a terceiros, prescrevendo:

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.

Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.

Demais disso, em regra, a responsabilidade pela reparação do dano extrapatrimonial, é individual, podendo, contudo, duas ou mais pessoas terem concorrido para ocorrência do dano, hipótese em que responderão solidariamente (art. 942, parágrafo único do CC). É o que ocorre, por exemplo, nos danos decorrentes de publicação pela imprensa, cuja legitimidade passiva, foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça, na Súmula 221, pela qual: "São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano decorrente de publicação pela imprensa tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação".

RESPONSABILIDADE CIVIL – Dano moral – Lei de Imprensa – Agravo de Instrumento improvido. Segundo jurisprudência sumulada pelo E – Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 221), em ação de ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito, como a proprietária do jornal estão legitimados passivamente, pois que ambos são responsáveis civilmente. Decisão que assim se orienta correta. (TJSP – AI 122.175-4 – São Paulo – 10ª CDPriv. – Rel. Marcondes Machado – J. 15.09.1999 – v.u.)30

Ainda, vale dizer que nem sempre ocorre a responsabilidade direta, há casos em que se terá a responsabilidade indireta, como nos ensina Maria Helena Diniz, "quando o indivíduo responderá não pelo fato próprio, mas pelo fato de outrem ou pelo fato das coisas ou de animais sob sua guarda"31, como explica Trabucchi, "quando a lei chama alguém a responder pelas conseqüências de fato alheio, ou fato danoso provocado por terceiro"32.

Cabe ressaltar, que a "obrigação de reparar o dano ocasionado se estende aos sucessores. Entretanto, a responsabilidade do sucessor a título universal é limitada, pois não pode ultrapassar as forças da herança"33, nos termos do art. 1.792 do CC.

Responsáveis Indiretos

O Código Civil Brasileiro, pelo que dispõe o art. 932, faz menção expressa dos que são responsáveis pela reparação civil, ou seja dos legitimados (indiretos) para responderem ação de reparação de danos, ainda que não haja culpa dos mesmos:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

Os pais, tutores ou curadores, respondem pelos danos morais causados pelos que estiverem sob sua guarda, independente de culpa34. A responsabilidade do pai, do mesmo modo que a do tutor e a do curador, deriva das funções por eles exercidas, haja vista que sua responsabilidade está baseada na culpa in vigilando, que decorre "da falta de atenção ou cuidado com o procedimento de outrem que está sob a guarda ou responsabilidade do agente"35. Neste sentido as decisões proferidas pelos Egrégios Tribunais Pátrios:

RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO – FURTO DE VEÍCULO – MENOR PÚBERE À ÉPOCA DOS FATOS – PROVA CONCLUDENTE – 1. Exime-se de culpa o proprietário do veículo por ausência de conduta desidiosa ou negligente. 2. Responsabilidade solidária. Em razão da culpa in vigilando impõe-se a responsabilidade do representante legal. Exegese dos arts. 156, 1.518 e 1.521 do Código Civil Brasileiro. Apelação provida em parte. (TJRS – AC 70003465127 – 11ª C.Cív. – Relª Desª Naele Ochoa Piazzeta – J. 06.03.2002)

RESPONSABILIDADE CIVIL – Obrigação por ato ilícito – Culpa presumida do pai por ato danoso praticado pelo filho, menor púbere. CC, art. 1.521, I. Pracha de surfe danificada por menor que a tomou emprestada de outro para efeito de competição. Responsabilidade reflexa do pai. CC, art. 1.521, I. Carga legal inerente ao pátrio poder. O fundamento da responsabilidade dos pais com respeito aos danos causados por seus filhos menores está na presunção legal de culpa. Critério indenizatório condizente com as circunstâncias do caso e elementos dos autos. (TJRJ – AC 4.308/89 – 8ª C – Rel. Des. José Domingos Moledo Sartori – DJ 03.01.1991) (RJ 169/150).

Por sua vez, o empregador responde pelos atos praticados pelos seus prepostos, em serviço, que causarem prejuízos a outrem. Trata-se de "culpa in eligendo aquela que se caracteriza pela má escolha do preposto"36. A culpa do patrão é presumida, conforme entendimento já sumulado do Supremo Tribunal Federal (súmula 341) "é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto". Cabendo ao empregador propor ação de regresso contra o empregado para reaver o que injustamente pagou, caso prove que o ato ilícito se deu por culpa exclusiva do empregado.

RESPONSABILIDADE CIVIL – ELEMENTOS PRESENTES – IMPOSSIBILIDADE DE QUANTIFICAR O DANO – LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA – AÇÃO JULGADA (...). O patrão deve responder pelos danos causados por ato do seu preposto, ainda que prove ter agido de forma diligente na escolha ou na vigilância dele. Sendo assim, ao empregador cabe demonstrar apenas que a lesão não foi causada no exercício do trabalho que competia ao preposto, ou por ocasião dele. 3. Encontra-se devidamente provada nos autos a existência dos elementos que integram a responsabilidade civil, devendo, assim, o empregador responder pelos danos provocados por ato de seu preposto. (...)Ação julgada procedente. (TJES – AR 100990003400 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Rômulo Taddei – J. 16.04.2002)37

Para Pontes de Miranda, "a culpa do responsável consiste em não haver exercido, como deveria, o dever de vigiar, de fiscalizar (culpa in vigilando) ou de não haver retirado do serviço ou de haver aceito quem não podia exercer com toda correção o encargo (culpa in eligendo)"38. No entanto, vale dizer que incumbe ao ofendido provar a culpa do incapaz, do empregado, dos hóspedes e educandos. Presumida é apenas a responsabilidades dos responsáveis, sendo indispensável e precedente a prova da culpa daqueles para a configuração do dever de indenizar.

Igualmente, ressalvados casos especiais, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação, é o que dispõe o art. 931 do Código Civil, em referência ao também prescrito no Código de Defesa do Consumidor.

DIREITO DO CONSUMIDOR – VEÍCULO AUTOMOTOR – DEFEITO DO PRODUTO COMPROVADO – ENTREGA DE NOVO VEÍCULO – DANOS MORAIS E LUCROS CESSANTES – O art. 18, §1º da Lei nº 8.078/90, estabelece que, depois de transcorrido o trintídio entre a notificação do defeito e a não reparação, ao consumidor e não ao fornecedor, cabe a escolha da forma de reparação. (...) Sendo o veículo fonte de renda do consumidor, deve o fabricante arcar com os prejuízos resultantes dos lucros cessantes ocorridos em virtude da sua indisponibilidade. A lesão à justa expectativa de consumo de produto adequado, aliada à evidente frustração experimentada na aquisição de veículo defeituoso, decorrentes do comportamento culposo das rés, é fato que demonstra a existência de um dano moral indenizável. (TAMG – AP 0340416-6 – (50793) – Belo Horizonte – 3ª C.Cív. – Rel. Juiz Edilson Fernandes – J. 03.10.2001)

A seu turno a Constituição Federal Brasileira, dispõe que "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos caos de dolo e culpa"39.

"Não se exige, pois, comportamento culposo do funcionário. Basta que haja o dano, causado por agente do serviço público agindo nessa qualidade, para que decorra o dever do Estado de indenizar"40. Na mesma esteira, preconiza o Novo Código Civil Brasileiro (art. 43), pelo que se pode afirmar que tem legitimidade para figura no pólo passivo de demanda que objetive a reparação de dano moral, as pessoas jurídicas de direito público interno (união, estados, municípios, autarquias e demais entidades de caráter público criadas por lei – art. 41 do CC), por atos dos seus agentes que nessa qualidade causarem danos a terceiros, ressalvado o direito de regresso contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. Aliás, a jurisprudência pátria é pacífica neste sentido. Confira-se:

INDENIZAÇÃO – PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO – ART. 37, § 6º, CF – DANOS MATERIAIS E MORAIS – ATO ADMINISTRATIVO ANULADO – Os agentes do poder público, no exercício de suas funções, agem em nome da entidade pública a que servem, sendo da pessoa jurídica de direito público a responsabilidade por danos que aqueles vierem a causar, ressalvado o direito de regresso se agiram com dolo ou culpa (art. 37, § 6º, da CF). (TJMG – AC 000.241.572-7/00 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Francisco Lopes de Albuquerque – J. 19.03.2002)

Em linhas gerais, a responsabilidade do preponente existe efetivamente "desde que o ato danoso seja cometido durante o tempo de serviço, e esteja em relação com este serviço"41, não se configurando se ocorreu em local e tempo diverso, sem conexão com as funções confiadas ao agente. O dever de indenizar, da pessoa jurídica de direito público, portanto, "decorre do nexo causal entre o desempenho das tarefas do Poder Público e o prejuízo da vítima, e não do dolo ou culpa do servidor estatal"42, que só será apurado em sede de ação regressiva que poderá ser movida pela pessoa pública contra seu preposto.

Direito de Regresso

É importante salientar que, "em qualquer caso de responsabilidade indireta, quem houver suportado seus efeitos tem ação de in rem verso contra aquele pelo qual tiver pago"43, é o que, aliás, dispõe, a respeito o art. 934 do Código Civil Brasileiro. Salvo, entretanto, para o caso de ser o causador do dano, descendente de quem pagou e absoluta ou relativamente incapaz. Razão pela qual, é defeso aos pais reaver e qualquer valor pago a título de reparação de danos causados pelo filho absoluta ou relativamente incapaz. A razão jurídica de dita exceção reside, como nos ensina Clóvis Beviláqua "em considerações de ordem moral e da organização econômica da família"44.


CONCLUSÃO

Pelo debatido, pode-se dizer que tem legitimidade para interpor ação para reparação de dano extrapatrimonial toda pessoa, física ou jurídica, que demonstre um significativo prejuízo, resultante de agressão injusta ao seu corpo (dano estético) ou a sua moral, assim, como tem o dever de reparar tais danos aquele que o causou, ou ainda, aquele que por imposição legal seja responsável pela conduta do agente causador do dano.

Em síntese, no que concerne a legitimidade ad causam, cabe ao magistrado, em cada caso concreto verificar quem são as pessoas cuja dor merece ser reparada, pois certas lesões atingem não só a vítima, mas também seus parentes, amigos, cônjuge, namorado, e até mesmo a amante45. O caráter de legitimidade deve desprender-se da ótica da relação de direito material, jungindo-se aos elementos da lide, pois a ação tem existência própria, justificando-se pela situação fática, ainda que injurídica a pretensão da parte. Assim, como será responsável pela reparação dos danos causados, como já dito, o ofensor direto ou aquele a quem a lei obriga a responder pelo fato de outrem por quem seja responsável.


NOTAS

1 FÜHRER, 1999, p. 54

2 DE PLÁCIDO E SILVA apud BELTRAN, 2003, p. 56.

3 CAVALIERI FILHO, 2002, p. 22

4 CAVALIERI FILHO, 2002, p. 80.

5 Resp 65.393-RJ, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar.

6 GRINOVER, 1999, p. 256.

7 FÜHRER, 1999, p. 56.

8 GRINOVER, 1999, p. 294.

9 FÜHRER, 1999, p. 55.

10 SANTOS, 1990, p. 167.

11 STOCO, 1994, p. 71.

12 CHARTIER apud PEREIRA, 2001, p. 328.

13 PEREIRA, 2001, p. 329.

14 DINIZ, 1998, p. 63.

15 ITURRASPE apud DINIZ, 1998, p. 63.

16 GONÇALVES, 1995, p. 397.

17 DE CUPIS apud DINIZ, 1998, p. 142.

18 DINIZ, 1998, p. 143.

19 CAVALIERI FILHO, 2002, p. 101.

20 RESP 169030 – RJ – 3ª T. – Rel. Min. Ari Pargendler, DJU 04.02.2002.

21 CAVALIERI FILHO, 2002, p. 105.

22 PEREIRA, 2001, p. 329.

23 PEREIRA, 2001, p. 330.

24 PEREIRA, 2001, p. 44.

25 JURIS SÍNTESE MILLENNIM, 2003.

26 CAVALIERI FILHO, 2002, p. 93.

27 PEREIRA, 2001, p. 44.

28 DINIZ, 1998, p. 144.

29 STOCO, 1994, p. 76

30 JURIS SÍNTESE MILLENNIUM, n. º 32, 2001.

31 DINIZ, 1998, p. 144.

32 TRABUCCHI apud PEREIRA, 2001, p. 85.

33 GONÇALVES, 1995, p. 394-395.

34 Código Civil Brasileiro, art. 933. "as pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos".

35 CAVALIERI FILHO, 2002, p. 50

36 CAVALIERI, 2002, p. 50.

37 JURIS SÍNTESE MILLENNIUM, 2003.

38 PONTES DE MIRANDA apud GONÇALVES, 1995, p. 98.

39 Constituição Federal 1988, art. 37, § 6.º.

40 GONÇALVES, 1995, p. 141.

41 DE PAGE apud PEREIRA, 2001, p. 95

42 THEODORO JÚNIOR, 1993, p. 277.

43 PEREIRA, 2001, p. 99.

44 BEVILÁQUA apud PEREIRA, 2001, p. 99.

45 DINIZ, 1998.


REFERENCIAIS

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 29 ed. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2002.

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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 7v. Responsalibilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 1998

FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de Processo Civil. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

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GRINOVER, Ada Pelegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 15 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 1999.

JURIS SÍNTESE MILLENNIUM. Jurisprudência de Tribunais Superiores, Regionais e Estaduais. Mar. Abr. 2003.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9 ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Responsabilidade Civil – Doutrina e Jurisprudência. Rio de Janeiro: Aide, 1993.


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NICOLODI, Márcia. A legitimidade "ad causam" nas ações para reparação de dano extrapatrimonial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 113, 25 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4384. Acesso em: 28 mar. 2024.