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Breves anotações sobre as principais novidades da fase probatória, da sentença e da coisa julgada no CPC de 2015.

Breves anotações sobre as principais novidades da fase probatória, da sentença e da coisa julgada no CPC de 2015.

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A visão contemporânea do contraditório, muito destacada no NCPC, passa a considerá-lo sob três dimensões indissociáveis: direito de informação, direito de manifestação ou reação e direito de influência e de não surpresa.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Das provas no NCPC; 2.1 Da prova emprestada; 2.2 Da distribuição dinâmica do ônus da prova; 2.3 Da produção antecipada da prova em ação autônoma; 2.4 Dos meios de prova; 2.4.1 Da ata notarial; 2.4.2 Do depoimento pessoal; 2.4.3 Da confissão; 2.4.4 Da exibição de documento ou coisa; 2.4.5 Da prova documental; 2.4.6 Da prova testemunhal; 2.4.7 Da prova pericial; 2.4.8 Da inspeção judicial; 2.5 Da audiência de instrução e julgamento; 3. Sentença; 3.1 O novo conceito de sentença; 3.2 Da possibilidade de modificação da sentença pelo próprio juiz; 3.3 Do limite para a desistência da ação; 3.4 A extinção por abandono depende de requerimento do réu; 3.5 O artigo 488 do NCPC – primazia do mérito; 3.5 Do pedido genérico nas ações de obrigação de pagar e a possibilidade da sentença líquida; 3.6 A fundamentação da sentença no NCPC; 4. Coisa julgada; 4.1 Do conceito da coisa julgada; 4.2 Da coisa julgada e os capítulos autônomos da sentença; 4.3 A coisa julgada sobre as questões prejudiciais; 4.4 Dos limites subjetivos da coisa julgada; 5. Considerações finais; 6. Bibliografia.


1. Introdução

A crise do Poder Judiciário perpassa pela judicialização exacerbada de conflitos, através da qual a sociedade delega insistentemente a resolução de seus problemas ao Estado juiz, mesmo em situações aparentemente simples que ordinariamente em outros sistemas seriam resolvidas pela ingerência das próprias partes mediante o diálogo e a autocomposição.  

Esse aumento frenético da litigiosidade, a demora do processo em razão da sobrecarga do Poder Judiciário, o excesso de formalismo e a ausência de efetividade da tutela jurisdicional demonstraram a necessidade de alteração do sistema processual brasileiro para adequá-lo à nova realidade sócio-econômica e à funcionalidade das instituições.

É nesse contexto que foi aprovado pelo Congresso Nacional o novo Código de Processo Civil (NCPC) – Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015.

O NCPC foi fruto de amplo debate durante mais de 05 anos, desde o anteprojeto elaborado por uma comissão de renomados juristas até a aprovação do projeto de lei pelo Senado da República em dezembro de 2014. Trata-se do primeiro código processual do Brasil inteiramente gestado, debatido e aprovado no regime democrático.

É evidente que não é perfeito e, como toda obra humana, está sujeito aos aperfeiçoamentos necessários e às críticas. A previsão de novos institutos voltados à agilização do processo, uniformização jurisprudencial e à previsibilidade decisória poderá gerar, num primeiro momento, divergências entre os operadores do direito até que se consolide a melhor interpretação da novel legislação. 

Nessa toada, para melhor compreensão do NCPC, considera-se fundamental interpretá-lo à luz de três diretrizes fundamentais, quais sejam: 1) a simplificação dos procedimentos ou a busca pela maior “desburocratização” do processo; 2) o princípio fundamental do contraditório dinâmico ou substancial; 3) a obtenção do maior rendimento possível do processo, ou  seja, a primazia do mérito. 

A simplificação dos procedimentos e da forma dos atos processuais é uma tônica do NCPC. Os procedimentos especiais foram reduzidos, o procedimento sumário foi extinto e instituiu-se um procedimento comum padronizado para aplicação na grande maioria das causas. Além disso, a título de exemplo, destaca-se que os prazos foram padronizados (a grande maioria dos atos estão sujeitos ao prazo de 15 dias), foram suprimidas as “exceções”, e vários atos processuais, que antes acarretavam incidentes, foram incluídos no bojo do processo, como, a impugnação ao valor da causa, da justiça gratuita e a alegação de incompetência relativa. A reconvenção também não precisará de petição autônoma, sendo apresentada dentro da própria contestação. Consolidou-se o sincretismo processual, dando-se à sentença um conceito mais adequado. 

O princípio do contraditório também se destaca e permeia todo o NCPC. Como é cediço, o princípio do contraditório é considerado um dos mais relevantes entre os corolários do devido processo legal. 

Ao longo do tempo, o estudo do contraditório apontou duas concepções distintas que se complementam no sistema processual contemporâneo para conferir real concretude ao processo democrático, quais sejam: a concepção original de caráter formal e a visão moderna substantiva ou tridimensional do contraditório. 

A visão meramente formal do contraditório desdobra o princípio apenas no direito à informação e à reação. Ou seja, em tal perspectiva o contraditório estaria relacionado com a expressão audiatur et altera pars (“ouça-se a outra parte”). 

Por sua vez, a dimensão dinâmica, substancial ou tridimensional do contraditório é ressaltada por Freddie Didier Jr. (2010, p. 52), segundo o qual:

Não adianta permitir que a parte simplesmente participe do processo. Apenas isso não é o suficiente para que se efetive o princípio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado. Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar a decisão do órgão jurisdicional – e isso é o poder de influência, de interferir com argumentos, ideias, alegando fatos, a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental perceber isso: o contraditório não se efetiva apenas com a ouvida da parte; exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar o conteúdo da decisão. 

Assim, enquanto na concepção original do contraditório destacava-se o seu aspecto meramente formal, significando apenas o direito de a parte de ser informada dos atos praticados e de se manifestar no processo, a visão contemporânea muito destacada no NCPC passa a considerá-lo sob três dimensões fundamentais e indissociáveis: a) direito de informação: o órgão julgador deve informar às partes os atos praticados no processo e os elementos dele constantes; b) direito de manifestação ou reação: é assegurado à parte o direito de se manifestar oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo; e c) direito de influência e de não surpresa: dever de o julgador conferir atenção às razões relevantes apresentadas, não somente para tomar conhecimento, mas também para considerá-las detidamente quando do julgamento, sem surpreender as partes com questões não debatidas. (Machado, 2014)

O caráter tridimensional da referida concepção demonstra que o contraditório tem diversas facetas, com destaque para o direito de influência e de não surpresa, que constitui o aspecto substancial indispensável à concretude da participação democrática no processo. Ou seja, as partes deixam de ser meros espectadores e sujeitos passivos à espera de uma decisão a ser prolatada pelo juiz, como único intérprete do Direito, e passam a atuar ativamente de forma a influenciar a construção da decisão.

O contraditório substancial repercute diretamente na fundamentação das decisões no NCPC, ensejando uma modificação na técnica de julgamento até então vigente no direito processual brasileiro. O julgador não poderá decidir sem antes ouvir as partes, não poderá surprendê-las e deverá se ater aos argumentos apresentados, o que por certo caracterizará uma maior cooperação entre os sujeitos processuais. 

Por fim, o NCPC deverá ser interpretado sob a ótica da primazia do mérito. A legislação processual tem o nítido propósito de preservar o processo para que ocorra o julgamento do mérito. Privilegia-se a correção dos vícios processuais, até mesmo da ilegitimidade passiva (art. 338), para se evitar a extinção prematura sem resolução do lide. As disposições do código combatem nitidamente a jurisprudência defensiva, superando o formalismo exarcerbado criado pelos tribunais como entrave à admissibilidade dos recursos. 

Feitas tais considerações iniciais imprescindíveis para a melhor compreensão do NCPC, expõe-se a seguir algumas anotações sobre as principais novidades da fase probatória, da sentença e da coisa julgada no novel sistema processual. 


2. Das provas no NCPC

O NCPC ressalta expressamente que, além de serem admitidos todos os meios de prova lícitos destinados a comprovação da veracidade dos fatos alegados, estes meios devem ser adequados para influir eficazmente a convicção do juiz (art. 369). 

A iniciativa da prova incumbe às partes, mas também ao juiz, que deverá determinar de ofício as provas que forem necessárias à resolução do mérito (art. 370). A iniciativa probatória do juiz deve possuir caráter integrativo e suplementar da iniciativa das partes, em atenção ao compromisso com a busca da verdade real e com a sua imparcialidade. 

Tal como previsto no CPC revogado, o juiz deverá indeferir diligências inúteis ou meramente protelatórias, por decisão fundamentada.

De igual modo, o NCPC consagra o sistema da persuasão racional, estabelecendo que o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente de quem a tenha produzido, e indicará na decisão as razões da formação do seu convencimento. (art. 371)

2.1 Da prova emprestada

O NCPC positivou a possibilidade de utilização de prova produzida em outro processo, tal como preconizado pela doutrina e jurisprudência, evitando-se a repetição de atos já praticados (simplificação procedimental).

O art. 372 previu, sem estabelecer limites precisos, que o juiz poderá admitir a utilização da prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, desde que observe o contraditório. 

A doutrina, por sua vez, exige que a parte contra a qual a prova irá ser produzida tenha participado do processo que originou a prova a ser emprestada, porque, caso contrário, estaria suportando a eficácia de uma prova de cuja formação não participou, o que poderia violar o contraditório. 

O enunciado 52 do Fórum Permanente dos Processualistas Civisl (FPPC) assim dispõe sobre o tema: “para utilização da prova emprestada, faz-se necessária a observância do contraditório tanto no processo de origem, assim como no processo de destino, considerandose que, neste último, a prova mantenha a sua natureza originária”. 

2.2 Da distribuição dinâmica do ônus da prova:

O direito processual brasileiro sempre adotou a distribuição estática dos ônus da prova, cabendo à lei fixar qual o sujeito deverá demonstrar determinado fato (o autor deve demonstrar o fato constitutivo de seu direito e, o réu, o fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito do autor), sob pena de sofrer sentença desfavorável na ausência de prova. 

A grande inovação do NCPC está no § 1º do art. 373, segundo a qual o juiz poderá, nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, determinar a alteração da referida distribuição do ônus da prova, desde que o faça por decisão fundamentada e que exista impossibilidade ou excessiva dificuldade em cumprir o encargo por uma das partes segundo a regra estática ou tenha uma das partes maior facilidade na obtenção da prova do fato contrário. 

Trata-se da teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova que permite ao julgador realizar a distribuição, no caso concreto e antes do início da fase de instrução, para facilitar a produção da prova do fato ou do fato contrário. A decisão fundamentada pelo julgador que redistribui o ônus da prova desafia o recurso de agravo de instrumento no novo regime recursal do CPC de 2015. (art. 1015, inciso XI do NCPC) A decisão que indefere a redistribui não pode ser impugnada pelo agravo de instrumento, mas em preliminar de apelação ou contrarrazões de apelação. 

2.3 Da produção antecipada da prova em ação autônoma

Mais uma facilidade prevista no CPC em prol da simplificação das técnicas processuais é a possibilidade de produção antecipada de provas em procedimento autônomo prevista nos arts. 381 a 383 do NCPC.

O NCPC criou um único procedimento para a produção antecipada de todos os tipos de provas possíveis, substituindo as cautelares probatórias previstas no CPC revogado (justificação, exibição, a própria produção antecipada de prova).

O procedimento tem natureza satisfativa e visa produzir prova quando houver risco de se tornar impossível ou muito difícil a apuração dos fatos na pendência da ação, quando a prova puder viabilizar a autocomposição extrajudicial do conflito entre as partes ou quando o prévio conhecimento dos fatos puder justificar ou impedir o ajuizamento da ação. 

O juiz determinará a citação dos interessados na produção da prova ou no fato a ser provado, salvo se inexistente caráter contencioso. A competência para o procedimento é o do foro onde a prova deve ser produzida ou no local do domicílio do réu.

O procedimento não admite defesa ou recurso (salvo contra decisão que indeferir a produção da prova), tampouco o magistrado pode emitir juízo de valor sobre os fatos que se deseja provar. 

De acordo com o NCPC, o procedimento de antecipação de prova não gera prevenção do juízo. A lei não fez ressalvas de modo que, após a vigência do NCPC, ficará superado o entendimento jurisprudencial de que haveria prevenção do juízo nos casos de deferimento de perícia no antigo procedimento da produção antecipada de provas.

2.4 Dos meios de prova

2.4.1 Da ata notarial

O NCPC admitiu como meio de prova a ata notarial que ateste a existência ou

modo de existir de algum fato, incluindo a possibilidade de declaração referente a dados de imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos. (art. 384)

Trata-se de uma espécie de prova documental que mereceu destaque especial. Embora não demonstre se os fatos são verdadeiros, mas tão somente que foram apresentados ao tabelião, goza de fé pública, cabendo ao juiz atribui-lhe o valor que entender cabível.

2.4.2 Do depoimento pessoal

A novidade trazida pelo CPC de 2015 está, principalmente, na modernização dos meios pelos quais será possível produzir a prova. Quando a parte residir fora da comarca, será possível colher o depoimento pessoal por vídeo conferência ou qualquer outro meio que permita enviar e receber imagens e sons em tempo real. 

O NCPC introduz também duas novas hipóteses de recusa ao depoimento pela parte. A parte não é obrigada a depor sobre fatos que, se esclarecidos, possam causar constrangimento, embaraço ou vergonha a si próprio, ao seu cônjuge ou companheiro ou de parente em grau sucessível, entendido este como ascendente, descendentes e colaterais até o 4º grau. O objetivo da lei é proteger a intimidade da parte e sua família. A parte também não é obrigada a depor sobre fatos que coloquem em perigo sua vida ou a vida de uma das pessoas mencionadas acima. 

Todavia, tal como no CPC revogado, as referidas questões podem ser objeto de depoimento em ações de estado e de família.

2.4.3 Da confissão

O NCPC mantém o mesmo conceito de confissão da legislação revogada (quando a parte admite a verdade de um fato contrário ao seu interesse e favorável ao adversário).

Estabelece que a confissão não produz efeitos quanto a direitos indisponíveis e será igualmente ineficaz quando realizada por quem não puder dispor do direito a que se referem os fatos confessados. Quando for feita pelo representante, só será considerada válida nos limites em que este pode vincular o representado. (art. 392)

Dispõe, ainda, que a confissão de uma pessoa casada, ou que vive em união estável, nas ações que versem sobre bens imóveis e direitos reais sobre imóveis alheios somente será válida se realizada por ambos os cônjuges ou companheiros, salvo se se tratar do regime de separação total de bens. 

O NCPC também simplifica a compreensão dos vícios da confissão ao dispor, em seu art. 393, que a confissão é irrevogável, salvo em caso de erro de fato ou coação, quando pode ser anulada. 

2.4.4 Da exibição de documento ou coisa (arts. 396 a 404)

A exibição é o meio de prova que tem por objetivo permitir ao juiz a análise de documento ou coisa que esteja em poder de uma das partes ou terceiro. A exibição tem lugar no curso de um processo. As medidas voltadas a produção de provas antes do processo devem seguir a sistemática da produção antecipada de provas em processo autônomo. 

A novidade do CPC 2015 está na criação de novas medidas coercitivas para provocar a exibição de coisa ou documento. Busca-se ao máximo a verdade dos fatos, evitando-se a mera presunção de veracidade. Assim, é permitida a fixação pelo juiz de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para o cumprimento da ordem, como as astreintes, busca e apreensão do documento ou coisa.

Ficará superada, portanto, a súmula 372 do STJ (“Na ação de exibição de documentos não cabe a aplicação de multa cominatória”), em razão da expressa possibilidade de fixação de multa coercitiva na ação de exibição de documento. Enunciado n. 54 do FPPC. 

Entre as recusas para a exibição do documento ou da coisa, a legislação criou mais uma hipótese que dispõe que não haverá a obrigatoriedade da exibição quando existir disposição legal não exigindo a exibição.

2.4.5 Da prova documental 

A prova documental é o meio de prova mais tradicional do processo civil, sendo produzida prioritariamente na fase postulatória. Os documentos do autor devem acompanhar a petição inicial e, os do réu, a contestação. 

Além da autenticação de documento pelo tabelião, o NCPC reconhece a autenticidade de documentos quando a autoria e o conteúdo estiverem certificados por meios previstos em lei, inclusive eletrônicos. A lei 11.419/2006, que rege o processo eletrônico, já prevê a digitalização de documentos com qualidade de autênticos. Também será autêntico o documento por admissão, ou seja, quando for juntado por uma parte e não impugnado pela parte contrária (art. 411, III).

As fotografias, vídeos e arquivos de áudio serão admitidos como prova, desde que a parte contrária não impugne a autenticidade, o que poderá ensejar a realização da perícia. 

Uma novidade do CPC de 2015 é a possibilidade expressa de utilização de fotografias digitais e das extraídas da internet, cuja autenticidade será presumida. Havendo impugnação pela parte contrária, a parte que requereu a juntada da prova deve provar a autenticidade por meio de certificação reconhecida ou por perícia. 

O NCPC traz ainda uma seção sobre os documentos eletrônicos, mas para as hipóteses em que o processo é físico. (arts. 439 a 441)

Dispõe o legislador que a utilização dos documentos eletrônicos dependerá de sua conversão à forma impressa e da verificação da sua autenticidade, na forma da lei. Se o documento não for impresso, caberá ao juiz apreciar o seu valor probatório, assegurando às partes o contraditório.

2.4.6 Da prova testemunhal 

Em relação à prova testemunhal foram suprimidos do rol de pessoas consideradas suspeitas para testemunhar os condenados por crime de falso testemunho e os indignos de fé em razão dos seus costumes. (art. 447)

Pode o juiz admitir o depoimento de testemunhas menores, impedidas ou suspeitas, que prestarão o depoimento na qualidade de informantes, independentemente de compromisso, devendo o juiz atribuir o valor probatório que entender adequado. 

A produção da prova testemunhal sofreu considerável modificação pelo NCPC, merecendo destaque alguns pontos:

  • o prazo para apresentar o rol de testemunhas será não superior a 15 dias contados da decisão do saneamento (art. 357, § 4º) ou o rol deverá ser apresentado na data da audiência especial designada para fins do saneamento compartilhado (art. 357, § 5º ).
  • possibilidade de o juiz reduzir o número máximo das testemunhas em razão da complexidade da causa. 
  • possibilidade da oitiva de testemunha, que residir em comarca diversa, por vídeo conferência ou outro recurso tecnológico de transmissão em tempo real, o que poderá ocorrer, inclusive, durante a AIJ. (§§ 1º e 2º do art. 453)
  • foram incluídas novas testemunhas com prerrogativa de escolha do dia e local para o depoimento: Conselheiros do CNJ, Advogado Geral da União, Procurador-Geral do Estado, Procurador-Geral do Município, Defensor Público-Geral Federal e o Defensor Público-Geral do Estado, Prefeitos, Procuradores-Gerais de Justiça. Se as testemunhas com prerrogativas não indicarem o dia, hora e local da colheita do depoimento em um mês ou não comparecerem nos moldes agendados, o juiz designará dia e hora para a oitiva, preferencialmente na sede do juízo. (art. 454)
  • as testemunhas serão intimadas pelo advogado da parte que a arrolou por carta com AR. O advogado deverá juntar aos autos a comprovação do envio e o AR para demonstrar a intimação. Quando a tentativa do advogado foi frustrada e houver necessidade, quando se tratar de testemunhas do MP ou Defensoria Pública, quando a testemunha é servidora pública, militar ou tem prerrogativa de ser ouvida no dia e hora que indicar, o juiz determinará a intimação judicial. (art. 455)
  • As perguntas poderão ser feitas diretamente pelas partes à testemunha. O juiz poderá intervir para indeferir perguntas que induzem a resposta, não tiverem relação com os fatos objeto da atividade probatória ou que importarem repetição de outras já respondidas. (art. 459)
  • O juiz pode inverter a ordem legal da oitiva das testemunhas caso as partes concordem. (art. 456 e parágrafo único)
  • O juiz pode inquirir a qualquer tempo as testemunhas durante a AIJ. (art. 459)

Deverá ser facultada às partes a formulação de perguntas de esclarecimento ou complementação decorrentes da inquirição do juiz. (Enunciado n. 157 do FPPC)

2.4.7 Da prova pericial 

O NCPC previu a chamada prova técnica simplificada, consistente na oitiva do perito em audiência quando a prova técnica for pouco complexa e dispensar laudo escrito. (art. 464, §§ 2º e 3º)

Também foi prevista a prova pericial consensual, em que as partes, de comum acordo, escolhem o perito. Trata-se de importante mecanismo que valoriza a autonomia da vontade das partes, contribuindo para a produção de uma prova técnica mais próxima das partes e ajustada ao litígio vivenciado. 

A validade da escolha consensual do perito depende de que as partes sejam plenamente capazes e a causa possa ser resolvida por autocomposição. (art. 471) O perito não perde sua condição de auxiliar da justiça e o laudo pericial possui os mesmos efeitos daquele produzido pelo perito nomeado pelo juízo. 

As partes serão intimadas para manifestarem-se sobre o laudo pericial no prazo de 15 dias, cabendo ao perito responder as impugnações e questionamentos sobre o laudo também em quinze dias. Se ainda persistirem as dúvidas, o perito será intimado, por meio eletrônico, para comparecer à AIJ. (art. 477)

2.4.8 Da inspeção judicial

É o meio de prova que pode ser realizado de ofício, ou mediante o requerimento das partes, por meio do qual o juiz, em qualquer fase do processo, inspeciona pessoas ou coisas, com a finalidade de esclarecer fato relevante do processo. (art. 481)

O NCPC não trouxe modificações para a referida prova. 

2.5 Da audiência de instrução e julgamento (art. 358 a 366)

As pautas de audiência deverão ser preparadas com intervalo mínimo de uma hora entre as audiências. (§9º do art. 357)

A audiência poderá ser adiada por simples convenção das partes, que pode ocorrer mais de uma vez, já que tal limitação foi suprimida pelo NCPC.

Outra inovação permite adiar a AIJ se seu início estiver atrasado, sem justificativa, por mais de 30 minutos. 

O NCPC dispõe do prazo de 15 dias para a apresentação das razões finais por escrito, ficando assegurada a vista dos autos pelas partes em prol do contraditório. (art. 364, § 2º)

A AIJ poderá ser gravada em áudio e vídeo para fins de documentação. As partes também podem gravar a audiência em áudio e vídeo, se desejarem, sem que necessitem de prévia autorização judicial. (art. 367, § 6º)


3. Da sentença no NCPC

3.1 O novo conceito de sentença

As alterações ao CPC de 1973 promovidas pela Lei 11.232, de 22.12.2005 consolidaram o sincretismo processual, em que há uma fase preliminar de conhecimento e uma fase posterior de execução – e não mais dois processos distintos. Dessa forma, para a adequação ao modelo sincrético, a sentença passou a ser definida no CPC revogado como “o ato do juiz que implica em uma das situações previstas nos artigos 267 e 269 desta lei”, o que gerava dúvida sobre a natureza de vários atos judiciais proferidos. 

Para dirimir tais dúvidas, o NCPC define, por sua vez, que sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz encerra a fase cognitiva do procedimento comum (com ou sem resolução do mérito – arts. 485 e 487), bem como extingue a execução. A decisão interlocutória é qualquer procedimento judicial decisório que não se enquadre na descrição de sentença. (art. 203)

Assim, para que o ato judicial seja considerado sentença, não basta que seu conteúdo corresponda a um dos fundamentos do art. 485 (sem resolução do mérito) ou do art. 487 (com resolução do mérito) como parecia fazer crer o texto legal do CPC revogado. É necessário que também encerre a fase de conhecimento dando à parte uma resposta que abarque toda a relação processual e a pretensão deduzida. 

Não haverá mais dúvida de que o ato judicial de exclusão de um dos litisconsortes, por exemplo, por não implicar a extinção de toda a relação processual e, portanto, de toda a fase cognitiva, não será considerado sentença no NCPC.

A distinção é importante, pois tem repercussão no sistema recursal e também porque o NCPC admite o julgamento parcial de mérito por meio de decisão interlocutória. Tais decisões, como as que julgam pedido incontroverso ou pronunciam prescrição parcial da pretensão aduzida na petição inicial sem extinguir toda a fase cognitiva, possuem caráter definitivo de resolução do mérito, serão impugnáveis pelo agravo de instrumento, mas estarão sujeitas à coisa julgada, liquidação e execução definitiva, mesmo antes de ter sido proferida a sentença em relação aos outros pedidos do processo. 

Assim, o conceito de sentença estará ligado às conseqüências processuais (extinção total da fase cognitiva ou da execução) e ao recurso cabível (apelação), mas o sistema não impedirá a existência de resoluções de mérito que não se enquadrem no conceito de sentença.

3.2 Da possibilidade de modificação da sentença pelo próprio juiz

Segundo a redação do art. 494 , I e II, do CPC de 2015, publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: a) para corrigir-lhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo; e b) por meio de embargos de declaração, não havendo inovações em relação à redação do art. 463, I e II, do CPC de 1973.

Por outro lado, o NCPC ampliou as hipóteses de reconsideração da sentença pelo julgador. O juiz poderá, no prazo de 05 dias, reconsiderar a sentença prolatada após o recurso de apelação interposto pela parte no caso de improcedência liminar (imediata) do pedido (§3º do art. 332) e em todas as hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito (§7º do art. 485).

3.3 Do limite para a desistência da ação

De acordo com o NCPC, proferida a sentença o autor não poderá desistir da ação para se esquivar da tutela jurisdicional. (art. 485, § 5)

3.4 A extinção por abandono depende de requerimento do réu

O art. 485, § 6º do NCPC positiva o enunciado da Súmula 240 do STJ de que, após oferecida a contestação, a extinção do processo por abandono da causa pelo autor depende de requerimento do réu. 

3.5 O artigo 488 do NCPC – primazia do mérito

O art. 488 do NCPC traz de forma nítida a diretriz interpretativa da novel legislação instrumental quanto à primazia do mérito já mencionada na introdução deste breve ensaio. 

De acordo com o referido artigo, “desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485”. (extinção sem resolução do mérito)

Assim, ainda que a relação processual contenha vícios que possibilitem a prolação da sentença terminativa, na forma do art. 485 do NCPC, o juiz deverá priorizar o julgamento do mérito se for favorável à parte que se beneficiaria da extinção. Os formalismos processuais não devem ser preponderantes sobre a principal finalidade do processo que é a resolução dos conflitos. 

3.5 Do pedido genérico nas ações de obrigação de pagar e a possibilidade da sentença líquida

O CPC de 2015 inova, ainda, prevendo no art. 491 que, na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a sentença definirá (de ofício) desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso, salvo se não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido ou a apuração do valor devido depender da produção de prova de realização demorada ou excessivamente dispendiosa, assim reconhecida na sentença.

3.6 A fundamentação da sentença no NCPC 

Para dar concretude ao princípio do contraditório substancial, diretriz fundamental e norteadora da prática dos atos do NCPC, e garantir o respeito ao dever constitucional de fundamentação adequada dos provimentos jurisdicionais, foram previstas na novel legislação balizas objetivas acerca do dever de fundamentação. 

De acordo com o § 1º do art. 489 do NCPC, não será considerada fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela decisão interlocutória, sentença ou acórdão, que: 

– se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

– empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

Na hipótese de a sentença se fundamentar em regras que contiverem cláusulas gerais abertas ou conceitos juridicamente indeterminados (boa-fé, função social do contrato, fumus boni iuris, periculum in mora, etc...) ou princípios jurídicos (proporcionalidade, razoabilidade, dignidade da pessoa humana), ou pela simples reprodução de ato normativo de modo genérico, o juiz deverá expor, analiticamente, o sentido em que as normas/ princípios/ conceitos foram compreendidos e sua relação com o caso concreto, sob pena de nulidade por ausência de motivação.

– invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

O NCPC proíbe a fundamentação “chapa” muito comum na prática forense. A fundamentação “chapa” se baseia na utilização de termos genéricos que se prestam a um número indeterminado de situações sem que haja qualquer referência ou conexão ao caso concreto. É utilizada principalmente para se indeferir tutelas de urgência na primeira instância e pelos tribunais. 

O julgador somente cumprirá o dever de fundamentação no contexto do contraditório substancial quando indicar as razões a partir da análise do caso concreto, demonstrando a formação de seu convencimento sem generalizações que impedem a verificação da real importância de uma prova em face de outra ou de um argumento em face de outro. 

não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

O dever de considerar os argumentos das partes na decisão não pode ser visto de forma absoluta. Interpretação contrária poderia acarretar abusos e engessar a atividade jurisdicional na medida em que o juiz seria obrigado, em qualquer caso, a analisar todas as questões levantadas no processo, mesmo as incapazes de infirmar o julgamento. (Machado, 2014)

A fundamentação deve se ater aos pontos considerados relevantes, vale dizer,

àqueles capazes de, no caso concreto, infirmar a conclusão do julgamento. Do contrário, o dever de fundamentação se transformaria na obrigação de responder questionários formulados pela parte inconformada com eventual derrota no processo, o que comprometeria a eficiência da prestação jurisdicional, além de permitir manobras protelatórias das partes. (Machado, 2014)

Daí a importância do saneamento previsto pelo NCPC, pelo qual o julgador poderá delimitar as questões jurídicas relevantes que serão objeto de julgamento, preservando o princípio da não surpresa e também delimitando o debate entre os sujeitos do processo, o que viabilizará a construção participativa do provimento jurisdicional. (art. 357, inciso IV)

Deve-se distinguir ainda a fundamentação suficiente da ausência de enfretamento de todos os argumentos deduzidos pelas partes. Se o julgador encontrou fundamento suficiente para demonstrar seu convencimento, dando a resposta à pretensão da parte, não estará obrigado a responder aos outros argumentos que levam à mesma conclusão. 

se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

O julgador não deve simplesmente invocar súmula ou ementa de acórdão como fundamentação, mas sim identificar a ratio decidendi para demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta aos fundamentos jurídicos determinantes adotados naquele julgado. Ou seja, a utilização muito comum na prática de citação de jurisprudência apenas pela ementa dos julgados ou enunciados de súmulas não servirão como fundamentação válida se não houver a correlação entre os fatos e fundamentos daqueles paradigmas com o caso objeto de julgamento. 

- deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

A propósito, o NCPC enumera no art. 927 os precedentes considerados que devem ser observados (eficácia vinculante) pelos juízes e tribunais, sob pena inclusive de cabimento de reclamação (arts. 988 a 993)

Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão:

- as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; (efeito vinculante - previsão constitucional)

- os enunciados de súmula vinculante; (efeito vinculante – previsão constitucional)

- os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

- os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

- a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo.

O precedente vinculante não será seguido quando o juiz ou tribunal distinguir (distinguishing) o caso sob julgamento, demonstrando, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta, a impor solução jurídica diversa (Enunciado n. 306 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis – FPPC) ou quando demonstrar que o entendimento já foi superado (overruling). 

Se tais exigências acima previstas podem dificultar, por um lado, o trabalho do julgador, por outro, proporcionam a prolação de decisões mais precisas, qualificadas e ajustadas ao conflito apresentado ao Poder Judiciário. 

As hipóteses descritas acima do art. 489, § 1º são consideradas, ainda, meramente exemplificativas (Enunciado 303 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis – FPPC) e, pelas regras de aplicação da lei processual no tempo, entende-se que o art. 489, § 1º, deverá ser aplicado a todos os processos pendentes de decisão ao tempo da entrada em vigor do NCPC. (Enunciado n. 308 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis – FPPC)

Reconhecida a falta de fundamentação da sentença judicial, o julgamento estará eivado de error in procedendo, devendo o tribunal decretar sua nulidade no recurso de apelação. Se presentes os requisitos legais, será possível a aplicação da teoria da causa madura nos termos do § 3º do art. 1013 do NCPC, evitando-se o retorno dos autos para novo julgamento pela 1ª instância (simplificação procedimental em prol da celeridade).  


4. Da coisa julgada

4.1 Do conceito da coisa julgada

Para o NCPC, de acordo com o art. 502, denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito

O art. 503 do CPC de 2015 estabelece, por sua vez, que, “a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida”, com pequena alteração em relação ao art. 468 do CPC de 1973, que continha o termo “sentença”.

Conforme lição do prof. Humberto Theodoro (2015, p. 345):

É de se ter em conta que a coisa julgada é uma decorrência do conteúdo do julgamento de mérito, e não da natureza processual do ato decisório. Quando os artigos 502 e 503 do novo Código estabelecem o conceito legal e a extensão do fenômeno da coisa julgada, e se referem a ela como a qualidade da decisão de mérito, e não apenas da sentença, reconhecem a possibilidade de a res iudicata recair sobre qualquer ato decisório, que solucione “total ou parcialmente o mérito”. Dessa maneira, a coisa julgada leva em conta o objeto da decisão, que haverá de envolver o mérito da causa, no todo ou em parte, seja o ato decisório uma sentença propriamente dita, seja um acórdão, seja uma decisão interlocutória. O importante é que o pronunciamento seja definitivo e tenha sido resultado de um acertamento judicial precedido de contraditório efetivo. 

4.2 Da coisa julgada e os capítulos autônomos da sentença

A alteração do conceito da coisa julgada material permite verificar que o legislador do NCPC adotou a teoria dos capítulos autônomos da sentença, conferindo autonomia e independência ao julgamento de questões relacionadas com a lide, dotadas de matéria própria e fundamentos próprios. Essa autonomia permite que tais julgamentos não ocorram apenas na sentença, mas também mediante “decisões de mérito”. 

Permite-se expressamente que decisões definitivas de mérito fiquem sujeitas à coisa julgada, à liquidação e à execução definitiva. 

Logo, será possível a formação de coisas julgadas em momentos diferentes (por capítulos decididos), o que influenciará, inclusive, o regime da ação rescisória. 

A propósito, o NCPC permitiu o julgamento antecipado parcial do mérito, mediante decisão interlocutória definitiva nas situações em que um ou mais pedidos formulados se mostrarem incontroversos ou quando estiverem em condições de imediato julgamento. (art. 356)

Não obstante, quanto ao termo inicial do prazo da ação rescisória, o NCPC adotou de forma incoerente a teoria da indivisibilidade da coisa julgada preconizada pela jurisprudência pacificada do STJ, segundo a qual a coisa julgada somente ocorre uma vez em cada processo, depois da interposição do último recurso. Assim, o prazo para a propositura da ação rescisória somente fluirá do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (art. 975 do NCPC e Súmula 401 do STJ). Tal entendimento contraria a jurisprudência do STF, para o qual os capítulos autônomos do pronunciamento judicial precluem no que não atacados por meio de recurso, surgindo, ante o fenômeno, o termo inicial do biênio decadencial para a propositura da rescisória.  (RE 666.589/DF)

4.3 A coisa julgada sobre as questões prejudiciais

O NCPC alterou o tratamento dado às questões prejudiciais pelo diploma revogado. Não há mais a previsão da ação declaratória incidental e o que poderia ser objeto daquela extinta ação passa ser uma alegação feita de forma simples no processo que pode ser resolvida na sentença, juntamente com o mérito da ação, e com ele revestir-se da coisa julgada. 

Nesse sentido, consta importante inovação do parágrafo 1º e incisos do art. 503 do novo CPC, dispondo que as questões prejudiciais, decididas expressa e incidentalmente no processo, também poderão fazer coisa julgada material, desde que, concomitantemente, sejam preenchidos os seguintes requisitos: a) dessa resolução depender o julgamento do mérito; b) a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia; c) o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal; e d) no processo não houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial (§ 2º do art. 503).

A toda evidência, “são cumulativos os pressupostos previstos nos § 1º e seus incisos, observado o § 2º do art. 503”. (Enunciado n. 313, do Fórum Permanente dos Processualistas Civis – FPPC)

Presentes tais pressupostos cumulativos, o juiz poderá agir inclusive de ofício. Assim, “independentemente de provocação, a análise de questão prejudicial incidental, desde que preencha os pressupostos dos parágrafos do art. 503, está sujeita à coisa julgada” (Enunciado 165 do FPPC).

Entende-se ainda que “é desnecessário que a resolução expressa da questão prejudicial incidental esteja no dispositivo da decisão para ter aptidão de fazer coisa julgada” (Enunciado 438 do FPPC)

Caberá, portanto, a ação rescisória para desconstituir a coisa julgada formada sobre a resolução expressa da questão prejudicial incidental. (Enunciado 338 do FPPC)

Ressalta-se, finalmente, que a inovação do § 1º do art. 503 do NCPC somente se aplicará aos processos iniciados após a vigência do código, aplicando-se aos anteriores o disposto nos arts. 5º, 325 e 470 do CPC de 1973. (art. 1054 do NCPC)

4.4 Dos limites subjetivos da coisa julgada

O NCPC adotou regramento diverso do CPC de 1973. Ao invés de determinar que a sentença transitada em julgado não beneficia e nem prejudica terceiros, como no diploma revogado (art. 472 CPC 1973), o art. 506 do NCPC dispõe que a sentença apenas não prejudicará terceiros. 

A sutil alteração permitiu que o sistema processual se aproximasse do direito material em casos como o de credores solidários, os quais se beneficiam de sentença favorável obtida por qualquer um dos credores em relação ao devedor comum, o que não ocorrerá se o julgamento for contrário. (art. 274 do Código Civil)

Conforme Enunciado 436 do Fórum de Permanente dos Processualistas Civis, a decisão de improcedência na ação proposta por credor beneficia todos os devedores solidários, mesmo os que não foram partes no processo, exceto se fundada em defesa pessoal. 


5. Considerações finais

 É preciso reconhecer que o direito processual brasileiro possui novas vestes e deverá ser interpretado com outros olhos para que os operadores do direito consigam extrair da novel legislação aquilo que foi previsto de melhor, no sentido de desburocratizar o processo, tornando-o mais simples na prática, com o respeito ao contraditório efetivo.  

É aguardar para constatar se a criação de instrumentos voltados para a maior previsibilidade das decisões e para a uniformização da jurisprudência resultará, de fato, na construção mais qualitativa e em tempo razoável da prestação jurisdicional. 

Longe da intenção de aprofundar os temas polêmicos, o presente ensaio teve o propósito apenas de apresentar, de maneira didática, um resumo objetivo das principais inovações do NCPC em relação à fase probatória, à sentença e à coisa julgada, sendo um instrumento para auxílio prático daqueles que buscam singela compreensão das atualizações criadas pela novel legislação. 


6. Bibliografia

BUENO, Cassio Scarpinela. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva. 2015.

DIDIER JR., Fredie. O princípio da cooperação: uma apresentação. Revista de Processo. São Paulo, RT, n. 127, 2005. p. 75-79.

______. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Salvador: JusPodivm, 2010.

FLEXA, Alexandre. MACEDO, Daniel. BASTOS, Fabrício. Novo Código de Processo Civil.Temas inéditos, mudanças e supressões. Bahia: JusPODIVM, 2015. 

MACHADO, Daniel Carneiro. A visão tridimensional do contraditório e sua repercussão no dever de fundamentação das decisões judiciais no processo democrático. Revista da SJRJ, Vol. 21, nº 41, 2014.

NUNES, Dierle. SILVA, Natanael Lud Santos e. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105/2015. Referenciado com os dispositivos correspondentes no CPC/73 Reformado, com os enunciados interpretativos do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo Horizonte: Fórum, 2015. 

THEODORO JÚNIOR, Humberto. OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester. Camila Gomes Norato (Coordenadores). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015.  


Autor

  • Daniel Carneiro Machado

    Juiz Federal da 21ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais. Doutor em Direito Processual pela UFMG (2016) e Mestre em Direito Processual pela PUC Minas (2004). Professor titular do curso de graduação em direito do Centro Universitário Newton Paiva, em Belo Horizonte, além de professor de cursos de pós-graduação e preparação para concursos públicos na área jurídica. Ex-Advogado da União e ex-Procurador da Fazenda Nacional em Minas Gerais.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Daniel Carneiro. Breves anotações sobre as principais novidades da fase probatória, da sentença e da coisa julgada no CPC de 2015.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4520, 16 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44468. Acesso em: 5 maio 2024.