Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/44687
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Diferença entre os direitos de propriedade industrial e os direitos autorais e conexos

Diferença entre os direitos de propriedade industrial e os direitos autorais e conexos

Publicado em . Elaborado em .

A propriedade intelectual protege os inventores, conferindo-lhes o direito de obter, por determinado período de tempo, recompensa pela própria criação, seja no domínio industrial, científico, literário ou artístico. Já o direito autoral destina-se a garantir as criações relacionadas a obras intelectuais, artísticas ou ainda de cunho estético.

Resumo: A propriedade industrial e os direitos autorais são institutos disciplinados em diplomas legais distintos.  A Lei n. 9.279 de 1996 regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, ao passo que a Lei n. 9. 610 de 1998 disciplina os direitos autorais e conexos. Nosso artigo tem por objetivo examinar os direitos de propriedade industrial e os direitos autorais e conexos, a fim de esclarecer quais as diferenças entre ambos.

Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Direitos de propriedade industrial. 3. Direito autorais e conexos. 4. Diferenças entre propriedade industrial e direito autoral. Conclusão. Referências.

Palavras-chave: Direitos de propriedade industrial. Direito autorais e conexos. Lei n. 9. 610 de 1998. Lei n. 9.279 de 1996.


1. Considerações iniciais

A propriedade imaterial, ou direitos imateriais, é gênero de que são espécies a propriedade intelectual e os direitos de personalidade. A propriedade intelectual, por sua vez, divide-se entre a propriedade industrial e os direitos autorais e conexos.

A convenção da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) define a propriedade intelectual como:

 "a soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e cientificas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comercias, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico”.

Na definição de Carlos Albertos Bittar, os direitos intelectuais (jura in re ictelectuali) são “aqueles referentes às relações entre a pessoa e as coisas (bens) imateriais que cria e traz a lume, vale dizer, entre os homens e os produtos de seu intelecto, expressos sob determinadas formas, a respeito dos quais detêm verdadeiro monopólio”. [1]

Tratam-se de direitos que incidem sobre as criações do gênio humano, manifestadas em formas sensíveis, estéticas ou utilitárias, ou seja, voltadas, de um lado à sensibilização e à transmissão de conhecimento, e de outro, à satisfação de interesses materiais do homem na vida diária.[2]

No primeiro caso, cumprem-se finalidades estéticas (de deleite, de beleza, de sensibilização, de aperfeiçoamento intelectual, como nas obras de literatura, de arte e de ciência); no segundo, objetivos práticos (de uso econômico, ou doméstico, de bens finais resultantes da criação, como, por exemplo, móveis, automóveis, máquinas, aparatos e outros), plasmando-se no mundo do Direito, em razão dessa diferenciação, dois sistemas jurídicos especiais, para a respectiva regência, a saber: o do Direito de Autor e do Direito de Propriedade Industrial (ou Direito Industrial).”[3]

Dessa forma, como espécies de propriedade intelectual, temos: a) os direitos autorais – que regem as relações jurídicas decorrentes da criação e utilização de obras intelectuais estéticas, integrantes da literatura, das artes e das ciências; e b) os direitos de propriedade industrial, que regulam as relações referentes às obras de cunho utilitário, consubstanciadas em bens materiais de uso empresarial, por meio de patentes e marcas.


2. Os Direitos de Propriedade Industrial

A propriedade industrial é o conjunto de direitos sobre as patentes de invenção, modelo de utilidade, desenho industrial, marcas de fábrica ou de comércio, marcas de serviço, nome comercial e indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal e às falsas indicações geográficas.

Diferentemente dos direitos autorais, os direito de propriedade industrial pressupõe registro prévio no órgão competente para que se constitua. Isto é, o inventor só passa a ter direito de exploração industrial de sua invenção após o registro. No Brasil, o órgão responsável pelo registro de propriedade industrial é o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

No campo da propriedade industrial, a razão da temporariedade está ligada ao avanço tecnológico e ao interesse social, e seus prazos são menores em relação ao direito autoral. A patente (objeto de aplicação industrial, caracterizado pela novidade) é protegida por vinte anos e o modelo de utilidade por quinze anos, contados a partir da data de seus respectivos depósitos, conforme dita o artigo 40, caput, da Lei 9.279/96:

Artigo 40 da Lei 9.279/96 - A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo de 15 (quinze) anos contados da data do depósito.[4]

Com relação às marcas, que se destinam a distinguir produtos (mercadorias e/ou serviços) de outros semelhantes, o princípio da temporariedade é excepcionado: embora a lei diga que o prazo de proteção é de 10 (dez) anos, na verdade o atento titular poderá prorrogá-lo indefinidamente, a cada dez anos, conforme dispõe o artigo 133 da Lei 9.279/96.

Artigo 133 da Lei 9.279/96 - O registro da marca vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data da concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos.[5]


3. Os Direito Autorais e conexos

Conforme leciona Carlos Alberto Bittar, "o Direito de Autor ou Direito Autoral é o ramo do Direito Privado que regula as relações jurídicas advindas da criação e da utilização econômica de obras intelectuais estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e nas ciências".[6]

O direito autoral encontra-se atualmente disciplinado na Lei de Direitos Autorais (Lei n. 9.610/98), que os divide em direitos morais e patrimoniais. Trata-se de uma legislação que disciplina as relações entre o criador e aqueles que usufruem da criação, seja ela artística, literária ou científica. 

Nos termos do art. 22 da Lei de Direitos Autorais, “pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou”. Enquanto o direito moral assegurar a autoria da criação ao autor da obra intelectual, o chamado direito patrimonial regula a utilização econômica da obra intelectual.

Os chamados direitos conexos são os direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e dos organismos de radiodifusão. Os direitos conexos são direitos vizinhos aos autorais. São os direitos daqueles que contribuem para a difusão das obras do espírito. Confira:

Artigo 89, caput da Lei 9.610/98 – As normas relativas aos direitos de autor aplicam – se, no que couber, aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiofusão.

Varias teorias foram oferecidas para determinar a natureza jurídica dos direitos autorais, dentre as posições sustentadas, a de que seriam direitos reais - como direito de propriedade imaterial. Mais tarde, por influência da teoria dos direitos da personalidade, defendeu-se que os direitos autorais teriam natureza de direito personalíssimo.

Com progresso científico do pensamento jurídico, chegou-se à conclusão de que os direitos autorais não constituem direitos reais, nem a direitos pessoais. Sendo assim, se amoldariam numa nova categoria jurídica, isto é, seriam direito sui generis, possuindo natureza híbrida. Nessa linha, confira as lições de Antônio Chaves: [7]

"(...) o conjunto de prerrogativas que a lei reconhece a todo criador intelectual sobre suas produções literárias, artísticas ou científicas, de alguma originalidade: de ordem extrapecuniária, em princípio, sem limitação de tempo; e de ordem patrimonial, ao autor, durante toda a sua vida, com o acréscimo, para os sucessores indicados na lei, do prazo por ela fixado. Distinguem-se nele, duas esferas de atribuições: de um lado, as que pertencem ao denominado direito moral, que consiste no direito ao reconhecimento à paternidade da obras, no direito de inédito, no direito à integridade da sua criação, no de modificar a obra, de acabá-la, de opor-se a que outrem a modifique, etc; de outro, as de natureza patrimonial, que se cifram na prerrogativa exclusiva de retirar da sua produção todos os benefícios que ela possa proporcionar, principalmente pela publicação, reprodução, representação, execução, tradução, recitação, adaptação, arranjos, dramatização, adaptação ao cinema, à radiodifusão, à televisão, etc.


4. Diferenças entre propriedade industrial e direito autoral   

As diferenças entre a propriedade industrial e o direito autoral são de duas ordens, a saber: a) quanto à origem (registro); b) quando à extensão da tutela. Passemos ao exame da primeira diferença, que diz respeito a origem do direito, materializada pelo registro.

O direito de propriedade industrial se origina de um ato administrativo de natureza constitutiva, consistente no registro. Tratando-se patente, o registro se dará através do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual). No caso de marca, o empresário é considerado titular do direito de exclusividade após a expedição do certificado do registro.

À propósito, conforme explica Fábio Ulhoa Coelho:[8]

A consequência imediata da definição é clara: o direito de exclusividade será titularizado por quem pedir a patente ou o registro em primeiro lugar. Não interessa quem tenha sido realmente o primeiro a inventar o objeto, projetar o desenho ou utilizar comercialmente a marca. O que interessa saber é quem foi o primeiro a tomar a iniciativa de se dirigir ao INPI, para reivindicar o direito de sua exploração e econômica exclusiva.

Veja-se que a Lei n. 9.279/96 prevê expressamente a necessidade de registro. Verbis:

Art. 109 da Lei n. Lei n. 9.279/96 - A propriedade do desenho industrial adquire-se pelo registro validamente concedido.

Art. 129 da Lei n. Lei n. 9.279/96 - A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.

Por outro lado, a propriedade autoral não exige qualquer ato administrativo para sua concepção. Ou seja, a proteção para o direito autoral prescinde de registro, sendo facultativo. Nesse sentido o artigo 18 da Lei n. 9.610/98 é expresso: “A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro”. Conforme explica Fábio Ulhoa Coelho:[9]

É certo que a legislação de direito autoral prevê o registro dessas obras: o escritor deve levar seu livro à Biblioteca Nacional, o escultor sua peça à Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e assim por diante (Lei 5.988/73, art. 17, mantido em vigor pelo art. 115 da Lei n. 9.610/98). Esses registros, contudo, não tem natureza constitutiva, mas apenas servem à prova da anterioridade da criação, se e quando necessária ao exercício do direito autoral.

A segunda diferença entre os institutos em exame diz respeito à extensão da tutela. Enquanto o direito industrial protege a própria ideia da qual resulta a invenção, o direito autoral apenas protege a forma como se exterioriza a criação, não alcançando a ideia. Basta ver que existem centenas de livros ou filmes sobre o mesmo tema. Nesses casos, a proteção é dada à forma como a criação se exterioriza.


CONCLUSÃO

A propriedade intelectual divide-se entre a propriedade industrial e os direitos autorais e conexos. A propriedade intelectual protege os inventores - ou responsáveis pela produção do intelecto -, conferindo-lhes o direito de obter, por determinado período de tempo, recompensa pela própria criação, seja no domínio industrial, científico, literário ou artístico. Já o direito autoral destina-se a garantir as criações relacionadas a obras intelectuais, artísticas ou ainda de cunho estético.

As diferenças entre a propriedade industrial e o direito autoral são de duas ordens, a saber: a) quanto à origem (registro); b) quando à extensão da tutela. No caso da propriedade industrial, a proteção conferida pela depende de registro – que é constitutivo de direito. Por outro lado, a proteção conferida pelo direito autoral não depende do registro, sendo este facultativo. A segunda diferença diz respeito à extensão da tutela. Enquanto o direito industrial protege a própria ideia da qual resulta a invenção, o direito autoral apenas protege a forma como se exterioriza a criação, não alcançando a ideia. 


REFERÊNCIAS

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001

BITTAR, Carlos Alberto, Direito de Autor, 4a edição, revista, ampliada e atualizada, conforme a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, e de acordo com o novo Código Civil, por Eduardo C. B. Bittar, Rio de Janeiro Forense Universitária, 2003

CHAVES, Antonio, Criador da Obra Intelectual, Direito de Autor: natureza, importância e evolução. São Paulo: LTR, 1995.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, 6ed., vol. 1, São Paulo: Saraiva, 2002

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Vol.1, 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006


NOTAS

[1] BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 2-3

[2] Idem.

[3] Idem.

[4] BRASIL. Lei n. 9.279/96, de 14 mai 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. art. 40.

[5] BRASIL. Lei n. 9.279/96, de 14 mai 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. art. 133.

[6] Cf. Bittar, Carlos Alberto, Direito de Autor, 4ª edição, revista, ampliada e atualizada, conforme a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, e de acordo com o novo Código Civil, por Eduardo C. B. Bittar, Rio de Janeiro Forense Universitária, 2003, pág. 8.

[7] Cf. CHAVES, Antonio. Criador da Obra Intelectual, Direito de Autor: natureza, importância e evolução, Editora LTR, São Paulo, 1995, págs. 28 e 29.

[8] Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, 6ed., vol. 1, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 144

[9] Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Vol.1, 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 144-145.


Autor

  • Bárbara Tardin

    Sócia do escritório de advocacia Tardin Cordeiro (TC), sociedade civil de advogados, que estabeleceu-se no Rio de Janeiro há 11 anos. Nossa equipe jurídica é composta por advogados com sólida formação acadêmica e larga experiência no consultivo e contencioso, com atuação desde a primeira instância aos tribunais superiores.<br>O TC advogados tem por missão institucional o atendimento jurídico personalizado, optando sempre pelas soluções jurídicas mais eficientes conforme as necessidades de cada cliente.<br>Nossa história é marcada pela destacada atuação nos processos de anistia política nos tribunais superiores, onde nossas vitórias judiciais tornaram o TC advogados uma sólida referência profissional na área.<br>Evoluindo com o tempo através da dedicação integral a nossos clientes, o escritório presta serviços jurídicos em Direito Cível, Consumidor, Empresarial, Administrativo e Trabalhista, com atuação marcada pela ética, disciplina, profissionalismo, responsabilidade social e aprimoramento acadêmico constante.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TARDIN, Bárbara. Diferença entre os direitos de propriedade industrial e os direitos autorais e conexos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4527, 23 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44687. Acesso em: 28 mar. 2024.