Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/44743
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Possibilidade de compensação pecuniária pelo poder concedente na tradicional concessão de serviço público.

Possibilidade de compensação pecuniária pelo poder concedente na tradicional concessão de serviço público.

Publicado em . Elaborado em .

É possível estabelecer compartilhamento de riscos entre o poder concedente e a concessionária de serviços públicos.

RESUMO: O escopo do presente artigo é sustentar a possibilidade de que o Poder Concedente possa, na concessão de serviço público regulada pela Lei nº 8.987, de 1995, conceder compensação pecuniária ao concessionário, com base no compartilhamento de riscos. Inicialmente, o artigo discorre sobre o equilíbrio econômico financeiro. Posteriormente, é abordado o compartilhamento de riscos entre a Administração Pública e o concessionário. Finalmente, o art. 17 da Lei 8.987, de 1995, é estudado, como fundamento à compensação discutida no presente artigo.

Palavras-chave: Lei nº 8.987, de 1995; Concessão de Serviço Público; Compartilhamento de Riscos; Compensação Financeira.


INTRODUÇÃO

A visão tradicional doutrinária é no sentido de que os riscos ordinários da atividade econômica da concessionária de serviço público correm por conta da entidade particular, tornando-se inviável o compartilhamento de riscos entre o Poder Concedente e a concessionária.

Esse norte, de certo modo, já resta superado, mercê da instituição das conhecidas revisões periódicas ordinárias[1], bem como da própria sistematização da contraprestação administrativa no âmbito da Lei das PPPs.

Apegando-se, pois, a esse cenário, procurar-se-á sistematizar uma hipótese específica, advinda da tradicional Lei de Concessão dos Serviços Públicos, que é a possibilidade de compensação pecuniária pelo Poder Concedente ao concessionário, conforme argumentação tecida nesta sede.


1. Considerações sobre o equilíbrio econômico-financeiro dos Contratos de Concessão de Serviço Público

Consoante lição de Maria Sílvia Zanella Di Pietro[2], a lógica da paridade da equação econômico-financeira nos contratos públicos desenvolveu-se na França, por intermédio do famoso Conselho de Estado Francês, tradicional órgão de jurisdição administrativa no estado gaulês, desde início do século passado.

A razão subjacente a esse preceito é a de que, sem embargo da incidência dos postulados tradicionais das avenças civis nos contratos de regime público (a exemplo dos brocados “pacta sunt servanda” e “lex inter partes”), a constante mutabilidade das condições de exercício da atividade econômica delegada, ocasionadas por imposições da Administração para atender a determinados desígnios derivados do interesse público primário, enseja um fatal incremento dos encargos nas condições financeiras da outorga. Dessarte, permitir que o particular preste um determinado serviço, sem que haja a devida revisão de sua remuneração, ocasiona manifesta violação a princípios tradicionais do Direito, tais como o da equidade[3] e o da isonomia[4].

Porém, impende anotar que também é tradicional a visão de que o particular, mesmo estando sob o manto de um contrato de caráter público, presta a atividade objeto do ajuste por sua conta e risco[5]. Afinal, vive-se sob a égide de um regime de modo capitalista, em que a livre iniciativa é a viga mestra da esfera econômica; em que o particular é o móvel principal da cultura produtiva. A regra é que o particular exerça a sua prestação ao seu alvitre e por sua responsabilidade; lucre por sua habilidade e arque por suas decisões. O Estado, pois, em tal modo de produção, não tem em princípio o condão de ser um “segurador universal”, não se prestando portanto a sempre amparar os agentes privados econômicos.

Sob o influxo dessa dicotomia, e já se transpondo à realidade normativa brasileira, a Constituição Federal (art. 37, XXI) assentou expressamente que, nos contratos administrativos, é ônus da Administração conservar “as condições efetivas da proposta” do particular que ensejou a avença pública. Ou seja, o mandamento constitucional é o de que se mantenha, nos contratos públicos, a perene equivalência financeira entre a prestação do particular e a contraprestação pecuniária por este percebida. Como bem sintetizou Odete Medauar[6]:

(...) O equilíbrio econômico-financeiro significa a proporção entre os encargos do contratado e a sua remuneração, proporção esta fixada no momento da celebração do contrato. (...) O direito ao equilíbrio econômico-financeiro assegura ao particular contratado a manutenção daquela proporção durante a vigência do contrato. Se houver aumento dos encargos, a remuneração deverá ser aumentada também. (...)

Isso é verdadeiro tanto em contratos administrativos cujo escopo é a prestação de atividades destinadas à própria Administração (um contrato de fornecimento de bens, por exemplo), bem como em contratos de outorga de um determinado serviço público (consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal – ADI MC nº 2337).

Contudo, registre-se: o desígnio do Legislador maior foi o de conservar o parâmetro econômico inicial do contrato administrativo (“condições efetivas da proposta”), permitindo a sua revisão caso haja ulterior incremento de encargos que afetem substancialmente a execução do ajuste. Se a proposta do particular, todavia, não proveio de um exame percuciente do cenário econômico ou não engloba adequadamente os insumos necessários ao objeto prestado, inexiste espeque jurídico à sua revisão com base no postulado já tanto referido nesta sede. Não haveria, no caso ilustrado, modificações posteriores que impusessem novos ônus ao particular, mas efetivamente uma proposta inicial que, refletindo equívocos na gestão do contratado, economicamente não o satisfaz. O prejuízo, na espécie, seria da sua esfera. Afinal, como já dito, “a regra é que o particular exerça a sua prestação ao seu alvitre e por sua responsabilidade; lucre por sua habilidade e arque por suas decisões”.

Em face de tal panorama, a literatura jurídica brasileira[7] distingue as mais diversas conjecturas em que se poderia ou não aplicar a revisão do contrato administrativo, em especial aquele que trate de delegação de serviço público, com o fito de manter-se o seu equilíbrio econômico-financeiro.

Hipóteses passíveis de recomposição da equação econômico-financeira seriam, segundo a doutrina, casos derivados da álea administrativa e da álea econômica. Consoante a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello[8]:

63. Para proteger o concessionário nos casos de álea administrativa e álea econômica são invocadas as teorias do fato do príncipe e a teoria da imprevisão, supramencionada. A primeira é aplicável no caso de álea administrativa e a segunda na hipótese de álea econômica, ainda que se deva reconhecer que o campo de abrangência de cada uma destas teorias não é objeto de concordância unânime entre os doutrinadores franceses.

De acordo com a teoria do fato do príncipe, o poder concedente deverá indenizar integralmente o concessionário quando, por ato seu, agravar a equação econômico-financeira da concessão em detrimento do concessionário, salvo se a medida gravosa corresponder a ônus imposto aos administrados em geral cuja repercussão não atinja direta ou especificamente as prestações do concessionário.

Pela teoria da imprevisão, no Direito francês, o Poder Público deve arcar parcialmente – e não integralmente, como no caso do fato do príncipe – com os prejuízos que resultam para o concessionário de acontecimento (fato ou ato) imprevisível, ao qual os contraentes não hajam dado causa, e que provoque profundo e substancial desequilíbrio da equação econômico-financeira, tornando ruinosa, embora não impossível (que este seria caso de força maior), a prestação do serviço para o concessionário. Esta é a orientação da maior parte da doutrina.

Por sua vez, situações que ensejam prejuízo ao concessionário, mas que são derivadas dos riscos normais do empreendimento, tais como falta de planejamento dos custos, receitas que não correspondam ao importe previsto, lucro inferior em face das flutuações do mercado, entre outras, não são passíveis de compensação mediante o postulado do equilíbrio econômico-financeiro e são suportados, em regra, pelo próprio particular. Esses riscos consubstanciam aquilo que a doutrina denominada de álea ordinária.

Dessa forma, estabelece-se uma importante baliza: a álea ordinária, por configurar risco inerente à atividade econômica empreendida pelo particular, não enseja a incidência do princípio do equilíbrio-econômico financeiro para revisão dos contratos administrativos.


2. Possibilidade de compartilhamento dos riscos ordinários do concessionário com o Poder Concedente. Emprego da compensação financeira, mesmo em concessões sob a égide da Lei nº 8.987, de 1995.

Como dito, a atividade realizada pelo particular, no âmbito dos contratos administrativos de delegação de serviço público, é praticada em regra por sua conta. Sem embargo, os doutrinadores pátrios mais modernos, acentuando a especificidade da atividade perpetrada pelo concessionário de serviço público e sob os auspícios da supremacia do interesse público primário, delineiam a possibilidade de a Administração assumir parcialmente a álea empresarial ordinária da concessionária.

Marçal Justen Filho[9], traçando considerações sobre a voluntariedade e o risco do particular no âmbito dos contratos públicos aqui discutidos, promove a seguinte consideração:

 (...) É impossível assemelhar o risco assumido pelo concessionário àquele que toma sobre si um empreendedor comum. Nem poderia ser diferentemente. O empresário comum, ao exercitar atividades econômicas em sentido restrito, sujeita-se amplamente aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. Desempenha atividade que não se orienta a satisfazer diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana. As escolhas empresariais que realiza não se relacionam de modo imediato com o interesse coletivo. Portanto, o destino de seu empreendimento é relativamente irrelevante para a coletividade.

Esse cenário não se encontra presente no âmbito do serviço público concedido. A autonomia do empresário para organizar o empreendimento é relativa. Veja-se que, na tradição entre nós vigente, toda a concepção fundamental do empreendimento é desenvolvida pelo Estado, sem margem de autonomia significativa para o particular. Não se pode imaginar fixação da remuneração segundo os mecanismos puramente de mercado. Para culminar, o insucesso do empreendimento acarreta a suspensão do fornecimento de utilidades essenciais e indispensáveis, o que não se compatibiliza com os princípios fundamentais do serviço público.

Embasado nessa exposição, o jurista paranaense sustenta abertamente a possibilidade de a concessionária de serviço público receber recursos públicos, com o fito de aviltar o seu risco no exercício da atividade econômica e implementar a modicidade nas tarifas praticadas. Continuando[10]:

(...) A temática da colaboração estatal para a remuneração do concessionário tem de ser interpretada em face desses princípios constitucionais fundamentais. Bem por isso, será vedada a subvenção quando configurar uma forma de benefício injustificado para o concessionário. Não se admite, em face da própria Constituição, é o concessionário receber benesses do poder concedente, com pagamentos destinados a eliminar de modo absoluto o risco intrínseco e inafastável. Mas não haverá inconstitucionalidade quando a contribuição estatal for instrumento para assegurar a modicidade da tarifa, valor fundamental para o cumprimento das destinações do serviço público, ou a realização de funções estatais inerentes à persecução do interesse coletivo.

Seguindo tal norte, pode-se também citar Alexandre dos Santos Aragão[11]. Colacionando, inclusive, precedentes nacionais (a exemplo do serviço público de transporte metroviário no município do Rio de Janeiro), o advogado fluminense assevera que, na hodiernidade, reputa-se razoável que o Estado arque parcialmente com os riscos ordinários do negócio jurídico em comento.

O Ordenamento Jurídico Brasileiro refletiu esse cenário, abarcando esse compartilhamento dos riscos das delegações de serviço públicos entre o particular e o Poder Concedente. Pode-se ilustrar, por exemplo, a metodologia da concessão patrocinada prevista pela Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004.

Anota-se, de qualquer modo, que esse compartilhamento de riscos não possui fulcro constitucional no postulado do equilíbrio econômico-financeiro, porquanto, como já dito, não é da alçada daquele princípio a tutela à álea ordinária da atividade econômica empreendida pelo particular. A base de tal empreender seria mais casuística, a depender do valor jurídico que, no caso específico, estaria sendo utilizado como fundamento para essa atitude estatal.

Outrossim, mercê das considerações supra, as formas tradicionais de revisão da remuneração da concessionária, embasadas na álea econômica e administrativa, não seria eliminadas em face da mencionada atuação do Poder Concedente.

No caso da concessão tradicional de serviço público prevista pela Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, convém registrar se planejava a existência de preceito que tutelava, ao concessionário, a garantia de uma receita bruta mínima. Tal preceito, contudo, foi vetado pelo então Presidente da República. Por oportuno, transcreve-se o teor do dispositivo afastado e as razões que levaram ao seu veto:

Art. 24

"Art. 24. O poder concedente poderá garantir, no contrato de concessão, uma receita bruta mínima ou, no caso de obras viárias, o correspondente a um tráfego mínimo, durante o primeiro terço do prazo da concessão."

Razões do veto

"Garantias como essa do estabelecimento de receita bruta mínima, além de incentivarem ineficiência operacional do concessionário, representam, na realidade, um risco potencial de dispêndio com subsidio pelo Poder Público. O caso mais recente foi o mecanismo instituído pela Lei n° 5.655/71, que criou a Conta de Resultados a Compensar (CRC), extinta, em 18.3.93, com a regulamentação da Lei n° 8.631/93, gerando dispêndios líquidos para a União da ordem de US$ 19,8 bilhões."

Alexandre Santos de Aragão[12] e Marçal Justen Filho[13], promovendo uma interpretação sistemática, asseveram que o aludido veto, por si só, não impede a colaboração estatal na remuneração do particular na concessão ordinária.

Em acréscimo a essa visão doutrinária, pode-se ainda alegar a lição hermenêutica de que o processo de interpretação da lei, muitas vezes, enseja a configuração de uma norma com um sentido independente do desígnio original do processo legislativo (o qual, como cediço, abrange a fase da sanção presidencial).

Com o fito de melhor explicitar tal tese, acolhida por grande número de juristas, urge transcrever o seguinte trecho do voto do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 401.337:

É preciso advertir, neste ponto, que a ´mens legislatoris´ representa fator secundário no processo hermenêutico, pois, neste, o que se mostra relevante é a indagação em torno da ´mens legis´, vale dizer, a definição exegética do sentido que resulta, objetivamente, do texto da lei.

Ninguém ignora que a lei nada mais é do que a sua própria interpretação, consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

´A INTERPRETAÇÃO DO ORDENAMENTO POSITIVO NÃO SE CONFUNDE COM O PROCESSO DE PRODUÇÃO NORMATIVA.

- O ordenamento normativo nada mais é senão a sua própria interpretação, notadamente quando a exegese das leis e da Constituição emanar do Poder Judiciário, cujos pronunciamentos qualificam-se pela nota da definitividade.

- A interpretação, qualquer que seja o método hermenêutico utilizado, tem por objetivo definir o sentido e esclarecer o alcance de determinado preceito inscrito no ordenamento positivo do Estado, não se confundindo, por isso mesmo, com o ato estatal de produção normativa. Em uma palavra: o exercício de interpretação da Constituição e dos textos legais – por caracterizar atividade típica dos Juízes e Tribunais – não importa em usurpação das atribuições normativas dos demais Poderes da República. Precedente´ (RE 258.088 – Agr/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Daí a procedente advertência que GERALDO ATALIBA faz em lapidar magistério (´Revisão Constitucional´, in Revista de Informação Legislativa, vol. 110/87-90, 87):

´Em primeiro lugar, o jurista sabe que a eventual intenção do legislador nada vale (ou não vale nada) para a interpretação jurídica. A Constituição não é o que os constituintes quiseram fazer; é muito mais que isso: é o que eles fizeram. A lei é mais sábia que o legislador. Como pauta objetiva de comportamento, a lei é o que nela está escrito (e a Constituição é lei, a lei das leis, a lei máxima e suprema). Se um grupo maior ou menor de legisladores quis isto ou aquilo, é irrelevante, para fins de interpretação. Importa somente o que foi efetivamente feito pela maioria e que se traduziu na redação final do texto, entendido sistematicamente (no seu conjunto, como um todo solidário e incidível). (...) O que o jurista investiga é só a vontade da lei (...)´ (grifei)

Em suma: a lei vale por aquilo que nela se contém e que decorre, objetivamente, do discurso normativo nela consubstanciado, e não pelo que, no texto legal, pretendeu incluir o legislador, pois, em havendo divórcio entre o que estabelece o diploma legislativo (´mens legis´) e o que neste buscava instituir o seu autor (´mens legislatoris´), deve prevalecer a vontade objetiva da lei, perdendo em relevo, sob tal perspectiva, a indagação histórica em torno da intenção pessoal do legislador. (...)

Registre-se que o aludido norte interpretativo serviu como fundamento implícito ao entendimento sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça (vide RESP nº 222582) para amparar a eficácia executiva dos termos de ajustamento de conduta existentes no âmbito dos direitos de cunho coletivo.[14]

Diante de tal doutrina, é possível levantar a hipótese de que, mesmo com o veto ao art. 24 do projeto normativo que ensejou a atual Lei nº 8.987, de 1995, caso haja, no corpo desta norma, dispositivo que possibilite, nas concessões ordinárias, a estipulação de garantias financeiras ao concessionário de serviço público por parte do Poder Concedente, esse desígnio possuiria arcabouço legal.


3. Compensação financeira. Condicionantes para emprego.

Estando certa a possibilidade de que possa, dependendo do caso concreto, haver o compartilhamento dos riscos ordinários entre o Poder Concedente e a concessionário, convém trazer à baila o art. 17 da Lei nº 8.987, de 1995, cujo teor é o seguinte:

Art. 17. Considerar-se-á desclassificada a proposta que, para sua viabilização, necessite de vantagens ou subsídios que não estejam previamente autorizados em lei e à disposição de todos os concorrentes.

§ 1o Considerar-se-á, também, desclassificada a proposta de entidade estatal alheia à esfera político-administrativa do poder concedente que, para sua viabilização, necessite de vantagens ou subsídios do poder público controlador da referida entidade. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 9.648, de 1998)

§ 2o Inclui-se nas vantagens ou subsídios de que trata este artigo, qualquer tipo de tratamento tributário diferenciado, ainda que em conseqüência da natureza jurídica do licitante, que comprometa a isonomia fiscal que deve prevalecer entre todos os concorrentes. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)

Procedendo a uma interpretação em sentido contrário do aludido preceito, percebe-se que a oferta de “vantagens ou subsídios” é possível ao participante do certame licitatório cujo escopo seja a delegação de concessão ordinária de serviço público, desde que autorizado previamente em lei e esteja à disposição de todos os concorrentes. Assim entende, por exemplo, Maria Silvia Zanella Di Pietro[15].

No tocante especificamente ao subsídio, convém transcrever as seguintes características lembradas por Marçal Justen Filho[16] em sua obra já tanto citada nesta sede:

Deve-se ter em vista que subsídio não equivale a gasto público nem desembolso estatal. Quando o Estado contrata um particular para executar sob regime de empreitada uma obra pública, pagar-lhe-á o valor devido. Subsídio não se confunde, então, com preço (...)

O subsídio configura-se como uma manifestação de liberalidade, em um certo sentido, na medida em que o Estado desembolsa valores sem contrapartida, visando a beneficiar determinados sujeitos ou atividades.

(...)

Pode concluir-se, então, que não se configura um subsídio pela mera transferência de recursos dos cofres públicos para a concessionária. Tem de haver um desembolso com cunho de liberalidade, sem contrapartida de uma prestação. (...)

Mas é essencial sublinhar que a concessão não transforma o serviço público numa atividade puramente privada, norteada pela pura racionalidade econômica. As utilidades fornecidas pelo concessionário apresentam um cunho de essencialidade inafastável, característica que dá identidade diferencial à questão e que conduz insuprimível qualidade de serviço público. Justamente por isso, tem de admitir-se a possibilidade de que a remuneração do concessionário seja integrada, ao menos parcialmente, por subsídios estatais. Isso se verificará sempre que a imposição de mecanismos de mercado acarretar a frustação do atendimento às necessidades fundamentais, especialmente para a parte da população mais pobre.

A sistemática do art. 17 da Lei Geral das Concessões de Serviço Público, bem delineada no edital e na lei que preveja o subsídio, satisfaz a possibilidade de estipular uma compensação ao participante do certame, garantindo-o, por exemplo, uma receita mínima, a qual seria planejada adequadamente pela parte técnica da Administração.

Vale lembrar, de qualquer modo, que normas financeiras deverão ser respeitadas a fim de amparar a subvenção econômica exposta neste tópico. A primeira norma é a que veda o próprio auxilio a empresas particulares, salvo se houver norma legal expressa em sentido contrário[17].

Dessa forma, a lei específica, já referida com o fito de amparar a subvenção econômica, seria a condição necessária para afastar o óbice apontado acima. Outrossim, a subvenção deverá respeitar o disposto no art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal[18] (isto é, a subvenção tem que atender aos ditames da Lei de Diretrizes Orçamentárias e ser prevista no orçamento).

De outra banda, caso a compensação pecuniária pretendida configure diminuição de incidência tributária, ao contrário da entrega de recursos monetários diretamente à concessionária, consoante os argumentos expostos acima (sendo o subsídio, na verdade, um benefício na esfera tributária), torna-se imprescindível, além da natural existência de lei que preveja tal benesse (mercê do princípio da legalidade, tão caro na matéria tributária), o respeito aos ditames do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal[19].


CONCLUSÃO

Como se explicitou anteriormente, a doutrina administrativa mais recente acolhe a exegese de que é possível estabelecer compartilhamento de riscos entre o Poder Concedente e a concessionária.

No caso concreto, apegando-se a tal tese, procurou evidenciar a possibilidade de usar a tradicional normatização de concessão de serviços públicos (Lei nº  8.987, de 1995) para possibilitar, em uma situação específica e com fundamento em valor jurídico relevante que tutele esse empreendimento, compensação financeira ao ente particular por riscos ordinários. Há a necessidade, contudo, de que lei preveja tal cenário.

Por fim, é de bom alvitre ainda trazer à tona a seguinte lição de Alexandre Santos de Aragão[20], a fim de que se possa inclusive afastar eventual insurgência sobre a similaridade do caso específico à concessão patrocinada prevista na Lei do PPP:

Não nos parece que qualquer modelo de concessão que implique em uma repartição de riscos (ou, por igualdade de razões, de modalidades de remuneração – tópico 12.10) diversa do modelo clássico deva necessariamente ser enquadrado na Leis das PPPs. Como visto, tanto o art. 37, XXI, CF, como o art. 9º, §2º, Lei nº 8.987/95, dão espaço suficiente para essa variação na modelagem das concessões de serviços públicos se dar dentro do marco da própria Lei nº 8.987/95. O enquadramento na Lei das PPPs será necessário somente no caso de se desejar conferir ao concessionário as garantias excepcionais de adimplência do poder concedente nele previstas (ex, através do FGP – Fundo de Garantia das PPPs).


REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Alexandre S. Direito dos Serviços Públicos. 2a Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2008

_______. A evolução da proteção do equilíbrio econômico-financeiro nas concessões de serviços públicos e nas PPPs. Revista de Direito Administrativo. V. 263. Rio de Janeiro: maio/agosto-2013.

DI PIETRO, Maria Silvia Z. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5a Ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MELLO, Celso Antônio B. Curso de Direito Administrativo. 23a Ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 2a. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria Geral das Concessões de Serviço Público.  São Paulo: Dialética, 2003.


Possibility of monetary compensation by Government in traditional public service concession.

ABSTRACT

This articles aims to demonstrate the possibility of Government provides monetary compensation in traditional public service concession governed by Brazilian law 8.987-1995, based on risks sharing. Initially, the article discusses about economic and financial balance in public service concessions. Then, the risk sharing between Public Administration and concessionarie is analyzed. Finally, the article 17 of Brazilian Law 8.987-1995 is studied, because of its importance to monetary compensation analyzed in this article.

Keywords: Law 8.987-1995; Public Service Concessions; Risks Sharing; Monetary Compensation.


Notas

[1] ARAGÃO, Alexandre Santos de. A evolução da proteção do equilíbrio econômico-financeiro nas concessões de serviços públicos e nas PPPs. Revista de Direito Administrativo. V. 263. Rio de Janeiro: maio/agosto-2013).

[2] Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5a Ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 114.

[3] A fim de afastar o enriquecimento ilícito por parte da Administração.

[4] A fim de não permitir que um específico particular seja prejudicado em detrimento do restante dos cidadãos.

[5] Por todos, basta citar o conceito de concessão de serviço público formulado por Celso Antônio Bandeira de Mello, que bem explicita tal característica (Curso de Direito Administrativo. 23a Ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 682): “Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.”

[6] Direito Administrativo Moderno. 2a. Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 232.

[7]  Maria Sílvia Zanella di Pietro (Op. Cit., p. 115 e seguintes), Celso Antônio Bandeira de Mello (Op. Cit., p. 716 e seguintes) e Alexandre Santos de Aragão (Direito dos Serviços Públicos. 2a Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 640 e seguintes).

[8] Op. Cit., p. 717-8.

[9] Teoria Geral das Concessões de Serviço Público.  São Paulo: Dialética, 2003, p. 333.

[10] Op. Cit. ,p. 93.

[11] Op. Cit. p. 647 e seguintes.

[12] Op. Cit., p. 613 e seguintes.

[13] Op. Cit., p. 93.

[14] Eis o resumo da polêmica por Hugo Nigro Mazzilli (Notas sobre o compromisso de ajustamento de conduta. Saraivajur. Disponível em: http://www.saraivajur.com.br/menuEsquerdo/doutrinaArtigosDetalhe.aspx?Doutrina=357):

“O compromisso de ajustamento de conduta foi introduzido no Direito brasileiro no início da década de 90, por meio dos arts. 211 da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente — ECA) e 113 da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor — CDC). Segundo esses dispositivos, os órgãos públicos legitimados à ação civil pública ou coletiva passaram a poder tomar do causador de danos a interesses difusos e coletivos o compromisso de que este venha a adequar sua conduta às exigências da lei, sob pena de cominações a serem ajustadas. Em caso de descumprimento das obrigações assumidas, esse compromisso passou a constituir título executivo extrajudicial.

Inicialmente, houve alguma contestação à vigência do compromisso de ajustamento de conduta, não dentro do ECA, mas sim do CDC. Isso se deu porque, quando da sanção do CDC, o Presidente da República vetou o § 3º do art. 82 (que introduzia o compromisso de ajustamento em matéria de relações de consumo), enquanto promulgava na íntegra o art. 113 do mesmo diploma legal (o qual introduziu o mesmo compromisso em matéria de quaisquer interesses transindividuais, e não apenas aqueles relacionados com a defesa do consumidor).

O argumento usado pelos que sustentaram o veto fundou-se no fato de que teria havido equívoco na promulgação do art. 113 em sua íntegra, pois era manifesta a vontade do Presidente de vetar o compromisso de ajustamento, intento este exteriorizado por expresso nas razões do veto a outro dispositivo da mesma lei (o parágrafo único do art. 92).

Esse argumento, ainda que verdadeiro no tocante à mens legislatoris, não é, porém, suficiente para induzir à existência do veto do instituto constante do art. 113, pois esse dispositivo foi regularmente sancionado e promulgado, em sua íntegra, como se pôde aferir do exame da publicação oficial da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, publicado no Diário Oficial da União do dia imediato, em edição extraordinária (...)”

[15] Op. Cit., p. 125-6.

[16] Op. Cit., p. 335-8.

[17] Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964.

(...)

Art. 19. A Lei de Orçamento não consignará ajuda financeira, a qualquer título, a emprêsa de fins lucrativos, salvo quando se tratar de subvenções cuja concessão tenha sido expressamente autorizada em lei especial.

[18] Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.

(...)

Art. 26. A destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas deverá ser autorizada por lei específica, atender às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e estar prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais.

§ 1o O disposto no caput aplica-se a toda a administração indireta, inclusive fundações públicas e empresas estatais, exceto, no exercício de suas atribuições precípuas, as instituições financeiras e o Banco Central do Brasil.

§ 2o Compreende-se incluída a concessão de empréstimos, financiamentos e refinanciamentos, inclusive as respectivas prorrogações e a composição de dívidas, a concessão de subvenções e a participação em constituição ou aumento de capital.

[19] Lei de Responsabilidade Fiscal

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

§ 3o O disposto neste artigo não se aplica:

I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1o;

II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.

[20] Direito dos Serviços Públicos. 2a Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 653.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Fabiano de Figueirêdo. Possibilidade de compensação pecuniária pelo poder concedente na tradicional concessão de serviço público.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4525, 21 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44743. Acesso em: 26 abr. 2024.