Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/4480
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O novo perfil jurídico da associação e da fundação no Código Civil de 2002

O novo perfil jurídico da associação e da fundação no Código Civil de 2002

Publicado em . Elaborado em .

Profundas modificações foram introduzidas pelo novo Código Civil no que respeita às associações e às fundações. Particularmente, entendemos que as ditas regras representam um retrocesso à legislação pertinente modificada.

SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Breve conceituação e classificação das pessoas jurídicas. 3 Abordagem conceitual sobre sociedade e associação. 4 Características da fundação. 5 Início e término da existência das associações e das fundações. 6 Alterações da estrutura das associações e fundações, promovidas pelo Código Civil de 2002. 6.1 Principais modificações no regime das associações. 6.2 Principais modificações no regime das fundações. 7 Aspecto intertemporal para adaptação das associações e fundações às regras do Código Civil de 2002. 8 Conclusão. 8.1 Opinião crítica.


1 - Introdução

Em 11 de janeiro de 2003, entrou em vigor o Novo Código Civil Brasileiro.

Profundas e significativas modificações foram introduzidas pelo novo Diploma Legal, inclusive no que respeita à vida das associações e das fundações.

Embora mantida a classificação geral das pessoas jurídicas, dividindo-as em pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado, a classificação específica destas últimas sofreu alteração em relação à classificação que lhes era dada pelo Código Civil de 1916. Não mais existe a classificação das sociedades civis, com ou sem fins lucrativos, e sociedades comercias. A estrutura das pessoas jurídicas de direito privado, agora, obedece apenas a três tipos: as associações, as sociedades e as fundações.

É sobre o novo perfil jurídico das associações e fundações que o presente trabalho se desenvolverá, procurando, num primeiro momento, apontar os traços que as aproximam e, também, os que as diferenciam.

Num segundo momento, daremos ênfase nas alterações promovidas pelo Código Civil de 2002, no que tange à estrutura das associações e das fundações.

Importante aspecto também será tratado, quanto à necessidade de adaptação dessas pessoas jurídicas, para os termos da nova lei vigente. O art. 2.031, do Código Civil de 2002, prevê o prazo de 01 (um) ano para as associações, as sociedades e as fundações, constituídas na forma das leis anteriores, poderem se adaptar às disposições do novo Código Civil.

Por último, ao lado de opiniões de juristas sobre a matéria, tentaremos emitir uma opinião crítica acerca das alterações promovidas pela nova Lei Civil, no âmbito do funcionamento das associações e das fundações, a fim de verificar o real proveito das novas regras inauguradas com o novo Diploma Legal.


2 - Breve conceituação e classificação das pessoas jurídicas

Na definição de Maria Helena Diniz, "pessoa jurídica é a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de obrigações." [1] Três são os seus requisitos: organização de pessoas ou de bens; liceidade de propósitos ou fins; e capacidade jurídica reconhecida por norma.

Interessa-nos, no presente trabalho, identificar em qual classificação de pessoa jurídica estariam situadas as associações e as fundações. Para tanto, vejamos, em breves linhas, como podem ser classificadas as pessoas jurídicas.

Segundo a Profª. Maria Helena Diniz, a primeira classificação da pessoa jurídica refere-se à nacionalidade, isto é, a pessoa jurídica é classificada como nacional ou estrangeira, tendo em vista a sua articulação, subordinação à ordem jurídica que lhe conferiu personalidade, sem se prender, via de regra, à nacionalidade dos membros que a compõem ou à origem de seu controle financeiro. Se a sociedade for nacional, será organizada conforme a lei brasileira, fixando no país a sede de sua administração (arts. 1.126 a 1.133, do Código Civil). Caso a sociedade for estrangeira, qualquer que seja seu objeto, deverá, antes de funcionar no Brasil, obter autorização do Poder Executivo, podendo, todavia, ressalvados os casos previstos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira.

Outra espécie de classificação da pessoa jurídica diz respeito à sua estrutura interna. Ela pode ser formada por um conjunto de pessoas (universitas personarum), que gozam de certos direitos e os exerce por meio de uma vontade única. Exemplo desta modalidade de pessoa jurídica são as associações e, também, as sociedades, cujos conceitos não se confundem. Esta diferenciação será oportunamente tratada.

Ainda no âmbito da classificação da pessoa jurídica, quanto à sua estrutura interna, pode a mesma apresentar-se como um patrimônio personalizado (universitas bonarum), destinado a um fim que lhe dá unidade. Exemplo desta modalidade de pessoa jurídica são as fundações.

Em seguida, outra classificação possível para a pessoa jurídica diz respeito às suas funções e capacidades, podendo haver pessoa jurídica de direito público (interno ou externo) e pessoa jurídica de direito privado (art. 40, do Código Civil).

Consoante o disposto no art. 42, do Código Civil, "São pessoas jurídicas de direito público externo os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público", como por exemplo: as nações estrangeiras, a Santa Sé, organismos internacionais, tais como a ONU, OEA, UNESCO, dentre outros.

Por sua vez, as pessoas jurídicas de direito público interno subdividem-se em: da administração direta (art. 41, I a III, do Código Civil): União, Estados, Distrito Federal, Territórios, Municípios legalmente constituídos; da administração indireta (art. 41, IV e V, do Código Civil): órgãos descentralizados, criados por lei, com personalidade jurídica própria para o exercício de atividades de interesse público, tais como as autarquias (ex.: INSS, OAB, USP, CADE, dentre outros) e as fundações públicas, que surgem quando a lei individualiza um patrimônio a partir de bens pertencentes a uma pessoa jurídica de direito público, afetando-o à realização de um fim administrativo (ex.: Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência, dentre outras).

Ainda, há as pessoas jurídicas de direito privado. São estas instituídas por iniciativa de particulares (art. 44, do Código Civil), podendo ser subdivididas em: fundações particulares, associações, sociedades e, ainda, partidos políticos. Maiores detalhes sobre as associações, sociedades, e fundações, serão objeto de estudo em tópicos vindouros. Quanto aos partidos políticos, admite-se que, a partir do art. 17, § 2º, da Constituição Federal, assumem os mesmos a natureza de associação civil, sendo pessoa jurídica de direito privado.

Diante desses breves comentários, podemos classificar a associação como sendo pessoa jurídica de direito privado, admitindo a forma de universitas personarum, quanto à sua estrutura interna.

Quanto à fundação, será a mesma, igualmente, pessoa jurídica de direito privado (salvo quando instituída por lei a partir de um patrimônio pertencente a uma pessoa jurídica de direito público, quando adquirirá esta mesma natureza jurídica). No que se refere à estrutura interna da fundação, admite a mesma a forma de universitas bonorum.


3 - Abordagem conceitual sobre sociedade e associação

Qual seria a distinção entre sociedade e associação?

Comumente, denomina-se sociedade as pessoas jurídicas formadas por um grupo reduzido de pessoas, que visam a uma finalidade econômica.

A seu turno, as associações são constituídas de um número maior de indivíduos, que visam fins morais, pios, literários, artísticos, etc. Pode-se dizer, então, que estas não têm objetivos econômicos, valendo esta peculiaridade como traço diferenciador das sociedades.

Sobre o tema, José Costa Loures e Taís Maria Loures D. Guimarães fazem interessante comentário: "As associações e as sociedades se aproximam no ponto em que constituem um agrupamento de pessoas, com uma finalidade comum, ou fim social; e no que se distinguem é que as sociedades visam obter proveito econômico, ao passo que as associações perseguem a defesa de determinados interesses, sem visar proveito econômico." [2]

O Prof. Sílvio Venosa assim enfoca a questão: "Geralmente, embora isso não seja regra, as sociedades têm fins econômicos; as associações não os têm. Essa é a posição assumida pelo novo Código. São constituídas de agrupamentos de indivíduos que se associam em torno de objetivo comum e, de conformidade com a lei, integram um ente autônomo e capaz. Tais entidades podem até não ter patrimônio. Nesse sentido, o art. 53 do novo Código define: ‘Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos.’ O termo sociedade é reservado às entidades com finalidade econômica." [3]

As sociedades e associações não se confundem com as sociedades mercantis, eis que aquelas estão com suas atividades situadas exclusivamente no campo do Direito Civil. O novo Código denomina "sociedade simples" aquela que possui finalidade civil, distinguindo-se daquela que o novo Código denomina "sociedade empresária" (art. 982). Assim, sociedades simples são aquelas que não têm por objeto atividade própria de empresário, pois, se assim o for, serão sociedades empresárias (para melhor compreensão, vale uma leitura dos artigos 966, 982 e 983, do novo Código Civil).

O presente trabalho dedicará um tópico específico para o aspecto do início e término da existência das associações e das fundações. Entretanto, a fim de identificar alguns traços comuns entre a sociedade e a associação, destacamos o seguinte:

O início e o fim da existência de uma sociedade, ou de uma associação, ocorre de maneira similar. Em ambos os casos, o nascimento da pessoa jurídica se dá por um ato de constituição. De igual modo, o perecimento, quer de uma, quer da outra, dar-se-á por um ato de dissolução que, no entender do mestre Caio Mário, pode assumir as seguintes e diferentes formas: dissolução convencional, aquela que ocorre por deliberação dos membros que integram a pessoa jurídica; dissolução legal, aquela que ocorre em função de um motivo determinado em lei (art. 1.033, do Código Civil); dissolução administrativa, aquela que atinge as pessoas jurídicas que necessitam de aprovação ou autorização do Poder Público para se constituírem ou funcionarem; dissolução judicial, aquela que decorre de um ato jurisdicional, na maioria dos casos, em razão de a pessoa jurídica continuar operando, mesmo após configurado algum dos casos de dissolução previsto em lei ou no estatuto (art. 1.034, do Código Civil); e dissolução ou extinção natural, aquela que põe fim à pessoa jurídica tendo em vista a morte de seus membros, conjugada com a falta de disposição quanto ao prosseguimento da pessoa jurídica, na hipótese de falecimento de seus membros.

Por outro lado, a fim de exemplificar uma nuance que difere a sociedade da associação, pode ser citado que nesta, por força da regra do parágrafo único do art. 53, do Código Civil, os associados não se ligam por vínculo algum, sendo sujeitos de direitos e obrigações apenas em face da entidade a que se filiam, o que não ocorre, via de regra, nas sociedades.


4 - Características da fundação

Diferentemente das sociedades e das associações, a fundação caracteriza-se pela "atribuição de personalidade jurídica a um patrimônio" [4]

Tem-se, assim, que as fundações não se originam de uma aglomeração de pessoas naturais, mas de um acervo de bens que, por meio de autorização legal, adquire a faculdade de agir no mundo jurídico, observando, em tudo, as finalidades a que visou o seu instituidor.

Para OERTMANN, a dotação patrimonial é o elemento genético de uma fundação, devendo haver, para efetiva caracterização desta pessoa jurídica, não a simples transferência de bens de uma pessoa a outra (como ocorre em uma doação), mas a existência de sua personificação, isto é, a aquisição de personalidade jurídica própria.

Pergunta-se: como uma fundação adquire personalidade jurídica?

Assim como as sociedades, a fundação nasce de um ato constitutivo, porém, etiologicamente diverso daquelas.

Consoante o art. 62, do Código Civil, "para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la."

Vê-se, portanto, que a lei condiciona a criação de uma fundação ao atendimento de alguns requisitos.

Pode nascer a fundação de um ato causa mortis, por meio de testamento, seja qual for a modalidade (público, cerrado, particular), produzindo efeitos apenas somente após a morte do testador, com a abertura da sucessão.

A fundação também poderá surgir por ato inter vivos. Nesta hipótese, o ato de sua criação somente terá validade se o mesmo estiver revestido da forma pública, independentemente do número ou qualidade de seu(s) instituidor(es).

Sobre a possibilidade de revogação do ato de criação de uma fundação, asseveram os doutrinadores que, no caso de estar a mesma prevista para ser criada em testamento, poderá o testador revogar o dito documento (testamento), até o último momento da sua vida. Se o ato de sua criação for praticado inter vivos, a fundação é revogável até o momento em que se constitua definitivamente o registro que lhe atribua personalidade jurídica.

Uma vez criada em definitivo, quer com a morte do testador, quer com o silêncio do instituidor, até o momento do efetivo registro, a fundação torna-se a entidade proprietária do acervo, não mais se facultando a revogação por ato de vontade do fundador [5].

Mister observar que as fundações, por envolverem nítido interesse social na sua atividade, devem sofrer a fiscalização do Ministério Público (art. 66, do Código Civil).

Citando, também, o insuperável Clóvis Beviláqua, José Costa Loures e Taís Maria Loures D. Guimarães ponderam que "a vigilância ou fiscalização cometida ao Ministério Público é de ser orientada no sentido do bem público, consistindo na aprovação dos estatutos e das suas reformas; em velar para que os bens das fundações não sejam malbaratados por administrações ruinosas, ou desviados dos destinos a que os aplicou o instituidor; e em verificar se a fundação se pode manter, ou se seu patrimônio deve ser incorporado ao de outra; que se proponha a fim igual ou semelhante (art. 69), preservando-se a vontade do instituidor." [6]

A atuação do órgão Ministerial, em relação às fundações, inicia-se com o parecer de aprovação ou não do seu registro. Na hipótese deste parecer ser contrário à criação da fundação, dispõem aqueles a quem o instituidor cometer a aplicação do patrimônio de recurso para o juiz, que poderá, segundo a atribuição jurisdicional inerente às suas funções e, convencido da improcedência da recusa, rejeitá-la, permitindo, assim, o regular registro da fundação, à qual a nomenclatura jurídica francesa apelidou de estabelecimento de utilidade pública.

Estando o Ministério Público obrigado a velar pelas fundações, também prevê a lei acerca da competência territorial do Parquet, senão vejamos o disposto no art. 66, do Código Civil:

"Art. 66. Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas.

§ 1º Se funcionarem no Distrito Federal, ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público Federal.

§ 2º Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério Público."

No que se refere ao fim da existência da fundação, pode o mesmo ocorrer: por decurso do prazo de sua existência, isto é, se fixado um limite de duração da entidade por seu criador; por extinção judicial, quando se verificar a impraticabilidade de seus fins ou a nocividade destes em relação aos interesses da coletividade. Nesta última hipótese, estão legitimados a requerer a extinção da fundação o Ministério Público ou qualquer interessado, inclusive a minoria dissidente.

Uma vez extinta a fundação, salvo disposição em contrário no seu ato constitutivo, ou no estatuto, o seu patrimônio incorporar-se-á ao de uma outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante (art. 69, do Código Civil).

Conforme adverte Caio Mário, citando o douto Clóvis Beviláqua, "nunca será possível a distribuição ou partilha do acervo em proveito particular, nem é facultado aos dirigentes, ou à assembléia que deliberou a extinção, resolver ao seu alvedrio o destino do patrimônio. Se não existir outra fundação, em condições de recolher os bens da extinta, a invocação dos princípios gerais concluirá pela sua vacância, e, tornados então vagos, devolvem-se à Fazenda estadual como todos os desta natureza" [7]


5 - Início e término da existência das associações e das fundações

Em razão da gênese de pessoas jurídicas de direito privado, o fato que dá origem às associações e fundações é a vontade humana, sendo importante ressaltar que a personalidade jurídica das mesmas só atinge status jurídico quando preenchidos os requisitos ou formalidades legais.

Diz-se que o "nascimento" da pessoa jurídica de direito privado apresenta duas fases: 1) a do ato constitutivo, que deve ser escrito; 2) a do registro público.

Interessando-nos, neste estudo, particularmente, as associações e fundações, tem-se que a primeira fase de constituição daquelas dá-se por ato jurídico bilateral ou plurilateral inter vivos. No caso das fundações, a primeira fase de sua constituição ocorre por ato jurídico unilateral inter vivos ou causa mortis.

Apontam os doutrinadores, dentre desta primeira fase de constituição das associações e das fundações, a concorrência de dois elementos, a saber: 1) elemento material, que abrange os atos da associação, ou o fim a que se propõe o conjunto de bens; 2) elemento formal, uma vez que, em ambos os casos, a constituição deve ser por escrito.

A declaração de vontade pode revestir-se de forma pública ou particular, com exceção das fundações que, por expressa disposição legal, estão sujeitas a requisito formal específico: escritura pública ou testamento (art. 62, do Código Civil).

A segunda fase de constituição das associações e das fundações configura-se no registro, pois, conforme sabido, para que a pessoa jurídica de direito privado exista legalmente, necessário se faz inscrever seus atos constitutivos, vale dizer, seus contratos e/ou estatutos. Também, faz-se imprescindível averbar o registro de todas as alterações por que passar o ato constitutivo (art. 45, in fine, do Código Civil).

No que pertine, especificamente, à averbação do registro das fundações, segundo o disposto no art. 62, do Código Civil, há a dependência de elaboração de estatuto pelo instituidor ou por aqueles a quem ele cometer a aplicação do patrimônio. Ainda, para que o registro se efetue, é necessária a aprovação da autoridade competente (Ministério Público), com recurso ao juiz, conforme já abordado em tópico anterior.

Observadas essas fases de constituição e, a partir do momento em que se opera a inscrição do contrato ou do estatuto no registro competente, "a pessoa jurídica começa a existir, passando a ter aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações, a ter capacidade patrimonial, constituindo seu patrimônio, que não tem nenhuma relação com os dos sócios, adquirindo vida própria e autônoma, não se confundindo com os seus membros, por ser uma nova unidade orgânica." [8]

No caso das associações e fundações, seu registro dar-se-á no Cartório de Títulos e Documentos.

Para o registro das associações, a ata de fundação, juntamente com os estatutos, devidamente registrados em Cartório, devem ser apresentados à Delegacia da Receita Federal, para o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), e junto à Prefeitura, para Alvará de Funcionamento.

Releva anotar, agora, detalhes outros acerca do fim da existência das associações e das fundações.

Num ou noutro caso, o término dessas pessoas jurídicas poderá ocorrer: pelo decurso do prazo de sua duração, se constituída por prazo determinado; por determinação legal, quando configurada qualquer uma das causas previstas normativamente; por outras causas previstas no contrato ou estatuto; por medida de dissolução judicial, quando houver fundado requerimento da parte legitimada a requerê-la, dentre outros.

Importa salientar que "a extinção da pessoa jurídica não se verifica de modo instantâneo. Qualquer que seja o seu fator extintivo (convencional, legal, judicial ou natural), opera-se o fim da entidade; porém se houver bens de seu patrimônio e dívidas a resgatar, ela continuará em fase de liquidação, durante a qual subsiste para a realização do ativo e pagamento de débitos, cessando, de uma vez, quando se der ao acervo econômico o destino próprio." [9] (art. 51 e § 2º, do Código Civil).

À luz do art 61, do Código Civil, no caso de extinção de uma associação, inexistindo no estatuto disposição quanto ao destino dos bens, e não tendo os associados deliberado nada a respeito, devolver-se-á o patrimônio social a um estabelecimento municipal, estadual ou federal, de fins iguais ou semelhantes. Na hipótese de inexistir estabelecimento nessas condições no Município, Estado, Distrito Federal ou Território, os bens da associação finda irão aos cofres da Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União (art. 61, § 2, do Código Civil).

A seu turno, quando houver extinção de uma fundação, seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo ou estatuto, será incorporado ao de outras fundações designadas pelo juiz, que visem objetivos idênticos ou similares (art. 69, in fine, do Código Civil).

Tal como ocorre com a sua constituição, a dissolução das pessoas jurídicas em comento deve ser averbada em Cartório, em seu registro respectivo, o mesmo valendo para a sua liquidação. Finda a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica (art. 51, § 3º, do Código Civil).

Ocorrendo, então, o cancelamento do registro, configurada estará a extinção da pessoa jurídica, produzindo efeitos ex nunc, ou seja, mantidos estarão os atos negociais por ela praticados até o instante de seu desaparecimento, respeitando-se o direito de terceiros.


6 - Alterações da estrutura das associações e fundações, promovidas pelo Código Civil de 2002

Em alguns aspectos, houve inovação do Código Civil de 2002, no que pertine à estrutura das associações e fundações.

Apesar do pouco tempo de vigência da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, referidas alterações têm sido objeto de muita discussão, principalmente no meio jurídico. Há aqueles que arriscam dizer que alguns dos artigos modificados estão fadados à revogação.

Tentaremos, então, abordar as principais mudanças ocorridas, subdividindo o tópico em cada uma das duas espécies de pessoa jurídica que se vai tratar.

Antes, porém, deve ser destacada uma importante e ampla alteração promovida pelo Novo Código Civil. Com o advento desse Novo Diploma Legal, a Primeira Parte do Código Comercial foi substituída pelo Livro II da Parte Geral daquele Código, sob o título "Direito de Empresa". Conforme anota José Costa Loures e Taís Maria Loures D. Guimarães [10], com a entrada em vigor da nova Lei, resolveu o legislador reunir num só Código de Direito Privado as obrigações comuns aos campos civil e comercial. Na área comercial, optou-se pela forma das sociedades comerciais ou industriais, melhor qualificadas como empresariais, cuja regulamentação encontra-se no Livro II da Parte Especial (artigos 980 a 989). Entretanto, inobstante encontrarem-se as ditas sociedades fora do Título II da Parte Geral, que dispõe sobre as Pessoas Jurídicas, a elas aplicam-se, subsidiariamente, as disposições concernentes às associações, por força do disposto no parágrafo único do art. 44, do Código Civil. Significa dizer: a partir do Código Civil de 2002, as normas pertinentes às associações aplicam-se, subsidiariamente, a quaisquer espécies de sociedades.

6.1 - Principais modificações no regime das associações

Segundo o disposto no art. 53, do Código Civil, as associações são constituídas "pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos."

A teor da sobredita norma, ficou expressamente previsto que as associações não se destinam a atividades que tenham finalidades econômicas, tais como a comercialização de bens ou serviços.

Em seguida, trouxe inovação o art. 54, do Código Civil, na medida em que passou-se a estipular o que deverão conter os estatutos de uma associação, sob pena de nulidade. Os requisitos são os seguintes: 1) a denominação, os fins e a sede da associação; 2) os requisitos para admissão, demissão e exclusão dos associados; 3) os direitos e deveres dos associados; 4) as fontes de recursos para a sua manutenção; 5) o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos e administrativos; 6) as condições para alteração das disposições estatutárias e para a sua dissolução.

A possibilidade do estatuto da associação instituir categorias de associados, com vantagens especiais, também constitui uma novidade, e foi tratada no art 55, da nova Lei Civil, verbis: "Os associados devem ter direitos iguais, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais." Releva notar que a lei foi silente quanto ao tipo de vantagem que poderia ser instituída, ficando, ao nosso entender, facultado aos instituidores da associação fazê-lo, respeitados os limites legais.

Merece destaque, também, a questão da aprovação de contas da associação. À luz do art. 59, Parágrafo único, do Código Civil, as assembléias gerais só podem aprovar as contas e alterar os estatutos com a aprovação de 2/3 dos presentes na mesma. Ainda, ficou expressamente consignado que as assembléias gerais só poderão ser instaladas, em primeira convocação, com a presença da maioria absoluta (metade mais um) dos associados e, nas convocações seguintes, com a presença de pelo menos 1/3 dos associados. Conforme acentua Daniel Rech, "esta parece ser uma das inovações importantes e que vão alterar a forma de decidir de muitas associações, já que, em muitas vezes, as associações aprovam as contas com qualquer número de associados presentes." [11]

Por outro lado, o quorum mínimo de instalação das assembléias gerais é questão que deve gerara alguma polêmica. Na maioria dos casos, problemas não existirão, pois o número de associados é pequeno. Entretanto, se imaginarmos associações de grande monta, geralmente presentes em grandes empresas, autarquias, etc., com milhares de associados, seria um tanto trabalhoso reunir a maioria absoluta dos mesmos, ou, ainda, um terço deles, em segunda convocação, para a inauguração dos trabalhos da assembléia geral. Há que se aguardar como o assunto será tratado, revelando-se como solução possível, ao nosso entendimento, a adoção de critérios de representatividade de grupos, dentro de uma mesma associação, para fins de comparecimento e instauração das assembléias gerais.

Ainda sobre as decisões da assembléia geral, a exclusão de associados do quadro social (em não se configurando hipótese de justa causa, nos termos do estatuto – art. 57, 1ª parte) somente poderá ocorrer pela decisão da maioria absoluta dos associados presentes na assembléia, sendo esta convocada especialmente para este fim (art. 57, 2ª parte). Convém salientar que, contra a decisão do órgão que decretar a exclusão, caberá recurso para a assembléia geral (parágrafo único do art. 57, do Código Civil).

Finalizando o Capítulo II (Das associações), inserido no Título II (Das Pessoas Jurídicas) do Livro I (Das Pessoas), da Parte Geral do Código Civil, encontra-se o art. 61, que trata da dissolução da associação, sendo esta a redação de seu caput: "Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referida no parágrafo único do art. 56, será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes."

Na verdade, a novidade introduzida pela nova Lei Civil, quanto a este tema, encontra-se no parágrafo primeiro da supra transcrita norma. Consoante o que lá está disposto, mediante previsão do estatuto ou, no silêncio deste, por deliberação dos associados, existe a possibilidade das contribuições que os associados prestaram à associação serem a eles devolvidas. Entretanto, para que tal ocorra, algumas condições devem estar preenchidas, quais sejam: 1) as dívidas e obrigações da entidade devem estar quitadas; 2) configurado o primeiro requisito, deve haver patrimônio remanescente; 3) as contribuições do respectivo associado devem estar devidamente comprovadas através de registro. Tem-se, assim, no caso de dissolução da associação, a possibilidade dos associados reaverem as contribuições que a ela destinaram, desde que preenchidos os requisitos já enumerados. De se observar que a lei anterior não consagrava esta hipótese.

Sendo ou não o caso de restituir as contribuições aos associados, é importante ressaltar que todo o patrimônio remanescente (acaso existente), na dissolução da entidade, deve ir para uma entidade afim, nos termos do já citado art. 61, caput. Inexistindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, onde a associação tiver sede, outra associação nas condições indicadas neste artigo, o patrimônio remanescente reverterá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União (art. 61, § 2º, do Código Civil).

6.2 - Principais modificações no regime das fundações

A primeira e mais importante alteração promovida pelo Código Civil de 2002, no que pertine às fundações, está consagrada no parágrafo único do art. 62, verbis: "A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência."

A limitação constante na supra transcrita norma não existia no Código revogado. Na opinião de José Costa Loures e Taís Maria Loures D. Guimarães, ainda na égide do Código Civil de 1916, "a compreensão comum confirmava a communis opinio octorum de que os fins das fundações seriam filantrópicos, científicos, culturais, ou de interesse altruístico ou social na sua atividade" [12].

Em seguida, dispõe o art. 63 que "quando insuficientes para constituir a fundação, os bens a ela destinados serão, se de outro modo não dispuser o instituidor, incorporados em outra fundação que se proponha a fim igual ou semelhante."

A novidade desta norma reside no fato de que, anteriormente, no caso de um determinado acervo patrimonial não ser suficiente para constituição da fundação pretendida pelo instituidor, tal numerário ou conjunto de bens reverteria em títulos da dívida pública, até sua plena eficiência. Agora, com a possibilidade deste acervo acrescer ao de outra fundação, que guarde finalidade igual ou semelhante, privilegiou o legislador a satisfação de um interesse social, favorecendo as fundações já existentes.

Merece destaque, também, o conteúdo do art. 67, verbis: "Para que se possa alterar o estatuto da fundação é mister que a reforma: I – seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação; II – não contrarie ou desvirtue o fim desta; III – seja aprovada pelo órgão do Ministério Público, e, caso este a denegue, poderá o juiz supri-la a requerimento do interessado."

Houve alteração, portanto, do quorum deliberativo para as reformas do estatuto da fundação. Enquanto o Código anterior exigia maioria absoluta, há que se verificar, agora, para tal fim, a vontade de dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação, indicando uma maior rigidez para o aspecto de deliberação quanto às alterações do estatuto.

Por último, devem ser analisadas as modificações constantes do texto do art. 69, verbis: "Tornando ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante."

Acerca da norma legal em epígrafe, merecem registro duas alterações promovidas em relação ao Código revogado. A primeira delas refere-se ao motivo determinante da extinção das fundações. Enquanto na Lei anterior o motivo de sua extinção estava relacionado à caracterização de sua nocividade, agora há que se ter em mente se o objeto da mesma constituiu ou não fim ilícito. Para José Olympio de Castro Filho, apud José C. Loures e Taís Maria L. D. Guimarães, "parece difícil, senão impossível, visualizar como ilícita a finalidade de uma fundação regularmente instituída e registrada, sob a fiscalização tutelar do Ministério Público, salvo na hipótese pouco provável de sobreviver norma legal que vede a finalidade antes tida como ilícita, ou não contrária á ordem jurídica ou aos bons costumes." [13]

A segunda alteração introduzida no art. 69 diz respeito à legitimação para se promover a ação de extinção de uma fundação. Deve ser compreendido que o novo Código generalizou a legitimação ativa para tal fim, pois, agora, ao lado da preferencial iniciativa tutelar do órgão do Ministério Público, e da minoria dissidente de que tratava o art. 29, do Código de 1916 [14], qualquer interessado estará apto a fazê-lo, estando, obviamente, configurado qualquer um dos motivos alinhados na lei.


7 - Aspecto intertemporal para adaptação das associações e fundações às regras do Código Civil de 2002

Conforme já destacado no início deste trabalho, o Novo Código Civil fixou o prazo de 01 (um) ano para que as associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, possam se adaptar às novas disposições constantes da Lei nº 10.406/2002 (art. 2.031, do Código Civil).

Este e outros dispositivos compreendem o aspecto intertemporal que deverá ser respeitado pelos tipos de pessoas jurídicas acima alinhados e, também, pelos empresários, a teor da parte final do art. 2.031, do Código Civil.

Tais previsões encontram-se, em boa parte, situadas no Livro Complementar (Das Disposições Finais e Transitórias) do Novo Código, e serão objeto de análise no presente tópico.

Inicialmente, transcrevemos a literalidade do art. 2.031:

"Art. 2.031. As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, terão o prazo de um ano para se adaptarem às disposições deste Código, a partir de sua vigência; igual prazo e concedido aos empresários."

A norma em epígrafe explica-se por si só. As associações, sociedades e fundações, assim como os próprios empresários individuais, estão obrigados a se adaptar às novas regras trazidas pelo novo Código até a data de 11 de janeiro de 2004, ou seja, até a data em que verificado um ano de vigência da Nova Lei.

Em seguida, há que ser enfocada a regra do art. 2.032, que trata das modificações a serem observadas pelas fundações, verbis:

"Art. 2.032. As fundações, instituídas segundo a legislação anterior, inclusive as de fins diversos dos previstos no parágrafo único do artigo 62, subordinam-se, quanto ao seu funcionamento, ao disposto neste Código."

Considerando que, nos termos do parágrafo único do art. 62, a fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência, prevê, agora, o legislador, que as fundações instituídas sob a égide da Lei anterior, com finalidades diferentes das hoje exigidas, também estarão submetidas às regras do Novo Código, no que pertine ao seu funcionamento.

Por sua vez, dispõe o art. 2.033, do Código Civil vigente:

"Art. 2.033. Salvo o disposto em lei especial, as modificações dos atos constitutivos das pessoas jurídicas referidas no artigo 44, bem como a sua transformação, incorporação, cisão ou fusão, regem-se desde logo por este Código."

Conforme já visto, as pessoas jurídicas tratadas no art. 44 são as associações, as sociedades e as fundações. A partir da norma em epígrafe, todos os atos que importem em modificação de seus respectivos instrumentos constitutivos, bem como sobre sua transformação, incorporação, cisão ou fusão, deverão respeitar as regras do novo Código. Apenas não estarão abrangidas por esta regra as disposições constantes em leis especiais, como, por exemplo, a Lei de Sociedades Anônimas.

Por último, registrando o aspecto intertemporal para os casos de dissolução e liquidação das associações, sociedades e fundações, vejamos o disposto no art. 2.034, verbis:

"Art. 2.034. A dissolução e a liquidação das pessoas jurídicas referidas no artigo antecedente, quando iniciadas antes da vigência deste Código, obedecerão ao disposto nas leis anteriores."

Considerando as alterações promovidas pelo novo Código, no que pertine à dissolução e liquidação das pessoas jurídicas supra enfocadas, optou o legislador por manter o regramento da Lei anterior, para os casos de dissolução e liquidação das referidas pessoas jurídicas, cujo processo tenha se iniciado anteriormente a 11 de janeiro de 2003.


8 - Conclusão

Após o alinhamento das modificações trazidas pelo novo Código Civil, referentemente às associações e fundações, pretendemos, ainda que brevemente, apresentar as principais inquietações da comunidade, especialmente a jurídica, sobre os seguintes aspectos específicos.

No âmbito das associações, pode-se dizer que a parte final do art. 53, onde aparece a expressão "fins não econômicos", tem sido a mais atacada pelos comentadores da nova lei.

Talvez, definir "fins não econômicos" seja o maior problema. Segundo entendem alguns, tal expressão deve ser entendida como "fins não lucrativos", o que significaria não estarem as associações impedidas de praticar atividades econômicas que garantam a sustentabilidade da entidade.

Como exemplo disso, podem ser citadas atividades como a venda de camisetas, promoções internas, dentre outros, cuja receita fosse reinvestidas na própria associação. Não haveria, então, o objetivo de auferir lucro com as ditas atividades.

Para Sílvio Venosa, "devemos entender que a associação de fins não lucrativos é aquela não destinada a preencher fim econômico para os associados, e, ao contrário, terá fins lucrativos a sociedade que proporciona lucro a seus membros. Assim, se a associação visa tão-somente o aumento patrimonial da própria pessoa jurídica, como um clube recreativo, por exemplo, não deve ser encarada como tendo intuito de lucro. Diferente deve ser o entendimento no tocante à sociedade civil de profissionais liberais, em que o intuito de lucro para os membros é evidente." [15]

Ao nosso sentir, parece assistir razão aos que assim defendem a interpretação da norma. Imaginemos, por hipótese, que a aplicação da dita norma impeça um clube recreativo de promover bailes, shows, etc., dentro de suas dependências, a fim de arrecadar fundos para realização de obras de melhoria para os associados. Seria, no mínimo, um absurdo, sobretudo se considerarmos que os maiores beneficiados com a atividade serão os próprios associados.

No âmbito das fundações, não há a menor dúvida de que a maior preocupação dos especialistas diz respeito ao parágrafo único do art. 62, que acabou restringindo a possibilidade de criação das fundações para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência.

De fato, à luz do que está consignado no referido artigo, não será permitido a entidades que visem, por exemplo, a defesa do meio ambiente, a proteção dos direitos humanos, a pesquisa científica, dentre outros, constituir-se na forma de fundação. Seria-lhes permitido apenas, a teor do novo regramento das pessoas jurídicas de direito privado, constituir-se como uma associação civil.

Segundo matéria publicada no Jornal Valor Econômico [16], assinada por Daniela Christóvão, a restrição imposta pela nova lei no artigo ora debatido é tão grave que, se o Código Civil vigorasse como tal desde 1916, o país não poderia contar com fundações de relevante função pública, como as fundações ambientais e as mantenedoras diversas instituições de ensino.

Ainda, há especial preocupação do Terceiro Setor, em relação a esta modificação da lei. Nas palavras do assessor jurídico do Grupo de Instituições Fundações e Empresas (GIFE), Eduardo Szazi, "atualmente, o interesse público ultrapassa as finalidades religiosas, morais, culturais e de assistência, estendendo-se para campos como o meio ambiente, pesquisa científica, direitos humanos, desenvolvimento econômico e combate à pobreza, entre outras, tal como previstas na Lei 9.790/99, de 23 de março de 1999." [17]

Com efeito, o artigo 62 pode representar um desestímulo à formação de novas fundações. Indivíduos e empresas poderão ter frustradas a intenção de criar uma fundação com os propósitos que gostariam. Nesse sentido, adverte Alexandre Ciconello, advogado da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG): "Pessoas que gostariam que sua herança fosse destinada a uma instituição de proteção ao meio ambiente, por exemplo, podem desistir de expressar esse desejo no testamento, por não terem certeza se a fundação poderá ser criada ou se será feita com os propósitos que gostariam." [18]

Afora o aspecto da "restrição" da norma, deve também ser considerado que a nova regra dá às fundações uma classificação bastante genérica, isto é, abre-se a oportunidade para um sem número de interpretações acerca do que seria "fim moral", "fim cultural", dentre os outros objetos traçados pelo parágrafo único do art. 62.

A fim de exemplificar as possíveis discussões acerca da mens legis da norma em comento, o consultor jurídico Paulo Haus Martins faz a seguinte provocação: "Cultural é tudo. Uma boa justificativa encaixa qualquer projeto na classificação cultural" [19]

Para o ex-assessor do MEC e professor da Fundação Universidade Rio Grande, Sérgio Campello, "as fundações estão num beco sem saída. Caso se transformem em sociedade, uma das formas de se adequar à nova legislação, elas teriam seu patrimônio incorporado por outra fundação, de acordo com o artigo 69 do atual Código." [20]

8.1 - Opinião crítica

Pelo pouco aqui exposto, é possível antever as muitas discussões que se abrirão em torno das regras do artigo 53 e 62, parágrafo único, do Novo Código Civil.

Particularmente, entendemos que as ditas regras representam um retrocesso à legislação pertinente modificada.

No caso das associações, s. m. j., não há porquê impedir possam as mesmas desempenhar atividades não-lucrativas, em que a receita auferida é revertida para o próprio benefício da entidade, sem distribuição de lucros.

Quanto às fundações, parece-nos que a restrição pretendida pelo parágrafo único do art. 62 não subsistirá na prática. Cremos que muitas justificativas apresentadas com objetivos diversos daqueles alinhados na norma poderão ser compreendidas no âmbito dos genéricos conceitos de fins "religiosos", "morais", "culturais", ou de "assistência". Por outro lado, parece-nos um "atraso" tolher a vontade de pessoas que queiram contribuir para o interesse da coletividade, pelo só fato de seus propósitos não estarem consagrados na referida norma.

Por fim, apenas a título de ilustração, fazemos transcrever dois enunciados aprovados pela Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal [21], afetos ao parágrafo único do artigo 62 supra comentado, e que estão a indicar uma vontade de que os objetivos da fundação possam ser não apenas aqueles constantes, expressamente, do texto legal:

"Enunciado 8 - Art. 62, parágrafo único: a constituição de fundação para fins científicos, educacionais ou de promoção do meio ambiente está compreendida no CC, art. 62, parágrafo único."

"Enunciado 9 - Art. 62, parágrafo único: o art. 62, parágrafo único, deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fundações de fins lucrativos."

Resta-nos, então, aguardar as manifestações do Poder competente acerca dos anseios da comunidade, sobre a modificação desses dispositivos legais, sendo importante ressaltar que diversos requerimentos, nesse sentido, já estão sendo enviados ao Congresso Nacional, pelos mais diversos setores da sociedade.


Notas

01. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, v. 1, p. 206.

02. LOURES, José Costa; GUIMARÃES, Taís Maria Loures D. Novo Código Civil comentado. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002, p. 28.

03. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002, p. 256.

04. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 18ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1996, v. I, p. 223.

05. Clóvis Beviláqua apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 18ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1996, v. I, p. 226.

06. Op. Cit., p. 36.

07. Op. cit., p. 228.

08. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Op. cit, p. 234.

09. DE PAGE. Traité de droit civil belge, v. 1, n. 511; Ruggiero e Maroi, Instituzioni di diritto privatto, § 44; Caio M. S. Pereira, p. 303; apud DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 249.

10. Op. cit., p. 28

11. "A Organização de Pessoas Jurídicas no Novo Código Civil e as Relações de Trabalho na Legislação Brasileira." Disponível em < http://www.ceris.org.br/textos/org.pj.no.ncc.asp> . Acesso em 28 abr. 2003

12. Op. cit., p. 35

13. in Comentários ao art. 1.204, Forense: 1983, v. X, n. 169, p. 247.

14. "Art. 29. A minoria vencida na modificação dos estatutos poderá, dentro em 1 (um) ano, promover-lhe a nulidade, recorrendo ao juiz competente, salvo o direito de terceiros."

15. Ob. cit., p. 277.

16. "Fundações querem mudar nova lei" Disponível em:

< http://www.intelligentiajuridica.com.br/propostas/proposta5.html> . Acesso em 28 abr. 2003.

17. Idem, ibidem.

18. "Novo Código Civil: mudanças que afetam o terceiro setor" Disponível em:

< http://www.uol.com.br/aprendiz/guiadeempregos/terceiro/noticias/ge240702.htm#1> . Acesso em 26 abr. 2003.

19. Idem, ibidem.

20. Código Civil ameaça fundações de apoio." Disponível em:

< http://www.folhadirigida.com.br/educação/FdgDetNotCodCiv2003_10_23_htm> . Acesso em 26 abr. 2003.

21. Enunciados publicados pela Escola Judicial Des. Edésio Fernandes no Jornal "Minas Gerais" de 08 de fevereiro de 2003.


Autor

  • Homero Francisco Tavares Júnior

    Homero Francisco Tavares Júnior

    Mestre em Direito pela UFMG. Pós-graduado em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Milton Campos. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais. Professor de Direito Processual Civil do Centro Universitário UNA, em Belo Horizonte. Assessor do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES JÚNIOR, Homero Francisco. O novo perfil jurídico da associação e da fundação no Código Civil de 2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 125, 8 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4480. Acesso em: 28 mar. 2024.