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A defesa do consumidor em juízo

A defesa do consumidor em juízo

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Sumário: Introdução; Capítulo I – 1. Considerações Iniciais; 2. Como se Defender ou Proteger; 3. Órgãos de Proteção ou Defesa ao Consumidor: Quais São, como se Constituem e o que Fazem?; 4. Competência; 5. Legitimação Ativa; 6. Litisconsórcio e Assistência; 7. Legitimação Passiva; 8. Coisa Julgada; 9. Sucumbência; 10. Jurisprudência; 11. Poderes do Juiz; 12. Oportunidade para o Juiz Declarar invertido o Ônus da Prova; 13. A Antecipação dos Efeitos da Tutela Jurisdicional; 14. Do Provimento Mandamental; 15. Do Provimento Executivo Lato Sensu; 16. Adoção de Medidas de Sub-rogação Objetiva e Subjetiva; 17. O Emprego de Meios Sub-Rogatórios em Relação a Obrigações Fungíveis; 18. Medidas Sub-Rogatórias para Reforçar a Exequibilidade In Natura; 19. Outros Meios Sub-Rogatórios ou de Apoio; 20. Onde Requerer a Antecipação Executiva?; 21. Limites à Antecipação no Processo Executivo; 22. A Vedação de Denunciação da Lide e um Novo Tipo de Chamamento ao Processo; 23. A Fixação da Competência de Foro pelo Domicílio do Consumidor-Autor. Capítulo II – 1. Ações Coletivas; 2. Aspectos Histórico-Evolutivo do Conceito de Interesses: Coletivo & Individual; 3. Ação: Conceitos e Condições (Requisitos); 4. Os Interesses e suas Características; 5. Características dos Interesses Coletivos e Difusos; 6. Tutela Jurisdicional dos Interesses Coletivos; 7. O Problema da Insuficiência de uma Tutela Essencialmente Repressiva e Monetária; 8. Tutela Individual; 9. Tutela Coletiva; 10. A Tutela Específica da Obrigação de Fazer ou Não Fazer (art. 461 do CPC); 11. Natureza da Ação de Obrigação de Fazer ou Não Fazer Não Cumprida. Capítulo III – 1. Interesses Metaindividuais; 2. Interesses Difusos; 3. Interesses Coletivos; 4. Interesses Individuais Homogêneos; 5. Do Ministério Público; 6. O Princípio da Efetividade como Direito Fundamental; 7. O Desenvolvimento da Litigiosidade e a Busca da Efetividade do Processo; 8. A Experiência de outros Países; 9. A Busca pela Efetividade do Processo no Brasil; 10. Tutelas Diferenciais; 11. No Direito Brasileiro. Capítulo IV – 1. Significante Denotativo de "Homogêneo" e a Natureza Coletiva do Interesse Individual Homogêneo; 2. Fundamentos Jurídico-Normativos para a Caracterização do Interesse Individual Homogêneo como Interesse Coletivo; 3. A Tutela Jurisdicional do Consumidor (Justificativa e Salvaguardas); 4. Tutela Preventiva; 5. Dispensa do Pagamento de Custas, Emolumentos ou outras Despesas Judicias; 6. Competência e Intervenção de Terceiros. Procedimento.; 7. O Processo de Liquidação, de Execução e os Embargos do Devedor; 8. A FLUID RECOVERY no Direito Brasileiro; 9. Valor da Causa na Ação de Reparação de Dano Moral; 10. Pedido de Dano Moral e sua Condenação em Sentença; 11. Nexo de Causalidade e Ônus da Prova; 12. Dano Moral e Ônus da Prova; 13. Formas de Reparação do Dano Moral; 14. Fixação do Quantum Indenizatório. Bibliografia.


INTRODUÇÃO

"A atuação do Estado, vem conferir efetividade aos princípios e objetivos traçados pelo legislador consumeiro, no que está juridicamente amparado, nos termos do artigo 4.º, inciso II, da Lei n.º 8.078/90, que prevê entre os princípios da Política Nacional das Relações de Consumo a "ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor".

Ademais disso, nunca é exaustivo lembrar que o Código de Defesa do Consumidor é integrado por normas jurídicas de ordem pública e interesse social."

Prof. Juiz TJ/RJ Werson Rêgo

"O drama da justiça estatal é o de atuar de maneira a corresponder à confiança que nela deposita aquele que se considera vítima de lesão jurídica. A prestação jurisdicional, para ele, é quase sempre a última esperança.

A tutela específica e as medidas antecipatórias e sub-rogatórias que a completam não podem falhar, seja por omissão do órgão judicial, seja por uso injustificado e, portanto, abusivo. Em qualquer caso o que se desmerecerá, perante o jurisdicionado e ainda no consenso social, será a própria justiça a quem a ordem constitucional confiou a manutenção da ordem jurídica e a realização da tutela a todos os direitos subjetivos violados ou ameaçados dos consumidores. Perder-se a confiança na justiça é o último e pior mal que pode assolar o Estado Democrático de Direito."

Dr. Antônio Carlos Tadeu Borges dos Reis


CAPÍTULO I:

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Trata-se do momento em que o consumidor por si ou por suas entidades precisa recorrer à Justiça.

Para entender o tipo de processo ou caminho que a sua reclamação vai tomar perante os tribunais, é importante que, diante de uma lesão aos seus direitos, você saiba se se trata de uma lesão individual ou de uma lesão coletiva. Há situações específicas que caracterizam uma e outra.

O Código de Defesa do Consumidor inseriu no ordenamento jurídico brasileiro disposições acerca dos direitos transindividuais que ainda não tiveram sua aplicabilidade bem definida. Uma das questões polêmicas diz respeito à tutela dos interesses individuais homogêneos, que até então não figuravam explicitamente no sistema normativo brasileiro, e a legitimidade do Ministério Público para tanto.

Apesar de alguns entendimentos contrários a esta possibilidade, que, conforme passaremos a demonstrar, não se sustentam, a doutrina e a jurisprudência majoritárias, interpretando sistemática e teleologicamente a Constituição Federal, tendem a aceitá-la.

2.COMO SE DEFENDER OU PROTEGER

Os instrumentos de que dispõe o consumidor para fazer valer seus direitos básicos, normas tais que se complementam indissociavelmente, sem se esquecer de sua inspiração, ou seja, sempre tendo em vista a preservação de uma política das relações de consumo, definida pelo artigo 4.º do Código de Defesa do Consumidor.

O consumidor há de ser encarado de duas maneiras fundamentais, ou seja individualmente, ou isoladamente, com vistas à resolução de um impasse bem definido surgido de uma relação de consumo, já que ora nos propomos a cuidar dos aspectos práticos da defesa ou proteção jurídica do consumidor, e coletivamente, ou seja, na forma como se analisou a problemática dos chamados interesses difusos, interesses coletivos e interesses individuais homogêneos de origem comum, mas sempre enquanto coletividade de consumidores de algum produto ou serviço.

Desta forma, os instrumentos de defesa a que já chamamos de institucionais, com vistas ainda à resolução de uma reclamação individual acerca de um caso típico do que hoje ainda se chama no Código Civil e no Código Comercial de vício redibitório, a saber: órgão de proteção ao consumidor (i.e., Procons, Cedecons, Sedecons etc.), Promotorias Especializadas de Proteção e Defesa do Consumidor, Juizados de Pequenas Causas ou Juizados Informais de Conciliação as futuras Defensorias Públicas, Delegacias de Política em pequenos Municípios, Entidades Privadas que se dediquem a esse tipo de atendimento etc.

Vejamos, pois, cada um desses instrumentos, o que fazem e como funcionam, no atendimento a reclamos individuais dos consumidores, asseverando, desde logo, que qualquer um dos mesmos órgãos ou entidades, um podendo excluir o outro, resolveria a questão dada à guisa de exemplo. E isto guardadas as devidas estruturas e atribuições, já que a maioria deles chega apenas até a conciliação, inclusive no que toca aos chamados "Juizados Informais de Conciliação", que não se confundem com os "Juizados Especiais de Pequenas Causas", hoje "Juizados Especiais Cíveis’, conforme nomenclatura da Lei n.º 9.099/95", estes sim, dotados de efetiva função jurisdicional na acepção técnica da expressão (dizer efetivamente do direito, aplicando-o a cada caso concreto e ação em forma conciliatória), não se descartando, como último recurso, a demanda judicial efetiva em nível individual.

3 ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO OU DEFESA AO CONSUMIDOR: QUAIS SÃO, COMO SE CONSTITUEM E O QUE FAZEM ?

a) QUAIS SÃO

Geralmente têm referidos órgãos a denominação de Procon ou ainda Sedecon (Serviço de Defesa do Consumidor) ou Cedecon (Central de Defesa do Consumidor), IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), sendo o pioneiro deles, o Procon de São Paulo, Capital, outrora integrante da estrutura da Secretaria de Economia e Planejamento, depois Secretária de Defesa do Consumidor" com a denominação, no primeiro caso, de "Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor" "Departamento de Proteção ao Consumidor".

Atualmente o Procon integra a Secretária de Justiça e defesa da Cidadania, mas como Fundação de Direito Público, por força da Lei n.º 9.192/95, na capital e no interior de São Paulo.

No Rio de Janeiro, temos a ANACONT (Associação Nacional de Assistência do Consumidor e Trabalhador), Procon do Rio de janeiro, Comissão de Defesa do Consumidor da Assembléia Legislativa (Alerj) e, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), com profissionais devidamente treinados, outrora no próprio Procon, quando ainda pertence à Secretaria de Economia e Planejamento, e hoje pela Secretaria de Justiça da Cidadania, para o devido desempenho das atribuições envolvidas e, Delegacias especializadas.

Outros Estados da República, quase todos contam com órgãos semelhantes.

b) COMO SE CONSTITUEM

Sua criação se faz mediante uma lei municipal, seguida de outra autorizando convênio com a Secretaria de Defesa do Consumidor não apenas para o mencionado treinamento como também para o fornecimento de know how.

c) O QUE FAZEM?

Abstraindo-se a possibilidade de fiscalização de estabelecimentos comerciais em matéria de comercialização e outros aspectos de comercialização e outros aspectos relativos à polícia administrativa (vide o Decreto n.º 2.181/97), ou então as atribuições outrora fixadas pela Lei Delegada n.º 4, de 1962, notadamente no que dispõe seu artigo 10, diríamos que os Procons, na defesa dos interesses individuais do consumidor são a grande caixa de ressonância desses interesses, cumprindo-lhes a triagem das reclamações efetivadas, sobretudo no encaminhamento aos órgãos competentes, quando o caso, ou então orientação do consumidor e sobretudo têm papel relevante na tentativa de solução conciliatória dos conflitos individuais surgidos das relações de consumo.

Sendo as queixas pessoais, ou seja, com o comparecimento do reclamante aos postos de atendimento, ou então por carta/representações/petições etc. ou mesmo telefonemas, de qualquer forma é preenchido o chamado C.A.(Controle de Atendimento), ou ficha de atendimento, onde são anotados os dados dos interessados (reclamante e reclamado), o teor da reclamação e seu andamento, finalizando com a resolução ou parecer técnico. Passo importante desse controle de atendimento, além certamente do parecer técnico ou resolução, desde logo, é sua classificação da matéria, exatamente porque se canaliza cada reclamação ao setor especializado, que pode mais facilmente "trabalhá-la", conforme jargão empregado no âmbito dos Procons, formando ainda uma espécie de "procedimento padrão" de encaminhamento, ou ainda uma certa "jurisprudência na tratativa de cada reclamação".

4 COMPETÊNCIA

Segundo a regra geral do artigo 93 do CDC, "ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II – no foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente".

Faz-se, como adverte Ada Pellegrini Grinover, "alternativamente pelo foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal" (inc. II do artigo 93).

Tanto num como noutro caso, a competência é da Justiça local, nos termos do disposto no caput do dispositivo. Os casos de competência concorrente serão solucionados pelos critérios do CPC, inclusive quanto à prevenção".

O "poder-dever de julgar" comum é dividido em duas órbitas: federal e estadual. À Justiça Federal cabe o julgamento das causas em que a União participa ou, de algum modo, intervém no processo. Com exceção dessa situação, em que matéria de consumidor é excepcional, todas as causas caberão à Justiça Estadual (local).

Com efeito, embora em regra a competência para as ações civis públicas e coletivas seja absoluta, e venha determinada pelo local do dano, em algumas hipóteses o CDC admite critérios de competência territorial ou relativa, para fixar a competência nas ações coletivas, qual seja o domicílio do autor.

Assim, como regra geral, poder-se-á concluir que sendo o fato gerador do direito subjetivo de âmbito local é competente o foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano (artigo 93 do CDC).

No mesmo sentido, é também competente para a execução, nos termos do parágrafo 2.º do artigo 98 do CDC: a) o juízo "da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual" (inc. I); b) o juízo "da ação condenatória, quando coletiva a execução" (inc.II).

A Justiça Estadual tem fórum em quase todas as cidades. Por isso, se a lesão ao consumidor tiver caráter regional, envolvendo mais de uma cidade (denominadas, em âmbito judiciário, de comarca), a causa caberá ao fórum da capital. Se o caráter da lesão for local, caberá ao fórum mais próximo.

5 LEGITIMAÇÃO ATIVA

Tem o consumidor prejudicado, legitimidade ativa para as ações individuais comum, objetivando o ressarcimento de danos decorrentes de produtos ou serviços (legitimidade direta).

Também confere o Código do Consumidor, de forma indireta, ao Ministério Público, a União, aos Estados, Municípios e Distrito Federal, assim como a certas entidades e órgãos da Administração Pública direta ou indireta, associações civis, sindicatos e comunidades indígenas legitimidade ativa para a defesa coletiva.

Trata-se, aqui, de legitimidade concorrente, já que os consumidores lesados podem, individualmente, demandar em nome próprio, ou, de acordo com a conveniência de cada um, se beneficiar com a decisão coletiva que lhe for favorável (artigos 5.º, LXX, "b", 8.º, III, 232 da CF, e 82 do CDC). Refere-se Hugo Nigro Mazzilli aos requisitos de "representatividade adequada" e de "pertinência temática" para o ajuizamento de ação coletiva. Exige-se, para as ações coletivas, a pré-constituição há mais de um ano da associação legitimada (artigo 82, IV, do CDC).

Embora limitado às associações, o requisito da pré-constituição, ressalta Mazzilli, poderá ser dispensado pelo juiz "quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido" (artigo 82, parágrafo 1.º, do CDC).

O segundo requisito, como também conclui, "significa que: a) as entidades e órgãos da administração pública direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, devem estar especificamente destinados à defesa dos interesses metaindividuais, objetivados na ação coletiva que, como legitimados ativos, pretendam propor; b) as associações civis devem incluir entre seus fins institucionais a defesa dos interesses objetivados na ação coletiva por elas propostas, dispensada, embora, a autorização de assembléia".

Na verdade, os interesses de grupos tuteláveis através de ações coletivas são os previstos no artigo 81 e seus incisos I (difusos, assim entendidos os transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, II (coletivos, que compreendem os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas legadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base), e III (individuais homogêneos, aqueles divisíveis que decorrem de uma origem comum).

Aliás, tanto os direitos difusos quanto os direitos coletivos se caracterizam – ao rigor da lei consumerista – como transindividuais de natureza indivisível.

Os primeiros, como anteriormente assentado, referem-se a pessoas indeterminadas que se encontram ligadas por circunstâncias de fato, e os segundos a um grupo de pessoas ligadas entre si, ou com a parte contrária, através de uma única relação jurídica.

Já os direitos individuais homogêneos, que têm a mesma origem no tocante aos fatos geradores, recomendam, exatamente por essa identidade, a defesa de todos a um só tempo.

Em síntese, "difusos são, pois, interesses de grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso. São como um feixe de interesses individuais, de pessoas indetermináveis, unidas por pontos conexos".

Em sentido inverso, os interesses coletivos "compreendem uma categoria determinada ou pelo menos determinável, de pessoas.

Embora o Código do Consumidor faça uma distinção, na verdade, e em sentido lato, os interesses coletivos compreendam tanto grupos de pessoas unidas pela mesma relação jurídica básica, como grupos unidos por uma relação fática comum. Com efeito, em ambas as hipóteses temos grupos determinados ou indetermináveis de pessoas, unidas por um interesse compartilhado por todos os integrantes de cada grupo".

Em sentido lato, portanto, "os interesses coletivos englobam não só os interesses transindividuais indivisíveis (que o Código do Consumidor chama de interesses coletivos em sentido estrito, artigo 81, parágrafo único, II), como também aqueles que o Código do Consumidor chama de interesses individuais homogêneos (artigo 81, parágrafo único, III). Esses últimos caracterizam-se pela extensão divisível ou individualmente variável, do dano ou da responsabilidade".

Na verdade, conclui o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, se assim fosse, "a ação coletiva que se constitui em útil inovação do nosso sistema processual, destinada a evitar desgastante repetição de demandas sobre direitos individuais homogêneos e que não tem sido utilizada nos limites de sua virtualidade – em poucos casos poderia servir de meio eficaz à defesa do consumidor, dando-se à lei interpretação oposta ao enunciado legal: são direitos básicos do consumidor à facilitação de defesa de seus direitos (artigo 6.º, VII)".

Por fim, esse tipo de interesse, que não é coletivo em sua essência, nem no modo é exercido, "apenas apresentam certa uniformidade pela circunstância de que seus titulares encontram-se em certas situações ou enquadrados em certos segmentos sociais, que lhes confere coesão ou aglutinação suficiente para destacá-los da massa de indivíduos isoladamente considerados. Como exemplo, é pensável a hipótese de um grupo de alunos de certa escola que, em virtude de disposição legal, se beneficia de certo desconto em suas mensalidades; negado o benefício, poderia sobrevir uma ação de tipo coletivo, tendo por destinatários não apenas o grupo prejudicado, mas, tantos quantos se encontram em igual situação (homogeneidade decorrente de origem comum dos fatos e de análoga base jurídica)".

Finalmente, por se tratar de legitimidade concorrente, além dos legitimados para as ações coletivas, podem os consumidores lesados, individualmente, demandar em nome próprio, ou, de acordo com a conveniência de cada um, se beneficiarem com as decisões que lhes forem favoráveis.

Impossível, portanto, restringir da lei, sob o argumento, totalmente equivocado, de que os titulares do direito, uma vez passíveis de identificação, têm ação própria.

6 LISTICONSÓRCIO E ASSISTÊNCIA

Em face de legitimação concorrente e disjuntiva, admite o CDC o litisconsórcio ativo nas ações coletivas em defesa de interesses metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos).

Assim, ao habilitar-se, deverá o consumidor comprovar que é parte legítima para propor a ação individual com pedido idêntico. Não comprovando a sua letimidade, ordinária ou extraordinária, para propor ação individual com pedido conexo ao formulado na ação coletiva, não poderá habilitar-se como litisconsorte.

Faculta o Código do Consumidor ao co-legitimado, quando admitido a figurar no pólo ativo da ação coletiva como litisconsorte, a possibilidade de alterar ou aditar o pedido inicial.

Refere-se a doutrina, ainda, ao litisconsorte ulterior, ou seja, aquele que ingressando no processo – sem alterar ou aditar a inicial – assume a condição de "assistente litisconsorcial".

Pode o Ministério Público, intervindo como fiscal da lei (artigo 92 do CDC), aditar a inicial, desde que sejam observados os critérios estabelecidos na lei processual civil (artig0 264 e parágrafo único).

Admitir-se, por fim, a assistência qualificada ou litisconsorcial do consumidor na ação coletiva, "toda vez que a sentença houver de influir na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido" e o consumidor não for co-legitimado para a ação civil coletiva (artigo 54 do CDC).

Em resumo, são legitimados, concorrentemente, todos aqueles que se encontram indicados no artigo 82 e seus incisos, que poderão propor, em nome do próprio e no interesse das vítimas ou de seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos (artigo 91 do CDC).

Trata-se, como arremata Ada Pellegrini Grinover, "de legitimação extraordinária, a título de substituição processual", posto que "os legitimados à ação não vão a juízo em defesa de seus interesses institucionais, como pode ocorrer nas ações em defesa de interesses difusos ou coletivos, mas sim exatamente para a proteção de direitos pessoais, individualizados nas vítimas dos danos".

7 LEGITIMAÇÃO PASSIVA

Em tese, qualquer pessoa física ou jurídica pode ser parte passiva nas ações coletivas.

A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, quando autores do ato lesivo, por ação ou omissão, são também legitimados passivos.

Admiti-se, expõe Hugo Mazzilli, "a solidariedade passiva em matéria de danos ambientes ou aos consumidores porque: a) há solidariedade nas obrigações resultantes de ato ilícito; b) os co-responsáveis, por via de regresso, poderão discutir posteriormente, entre si, distribuição mais eqüitativa da responsabilidade; c) nas obrigações indivisíveis de vários devedores, cada um deles tem responsabilidade pela dívida toda. Havendo solidariedade entre os obrigados à indenização, pode o autor da ação movê-la apenas contra um, alguns ou todos os co-responsáveis".

Domicílio do autor: quando se trata de dano provocado ao consumidor pelo fornecedor, o pedido judicial de reparação pode ser feito no fórum da região do domicílio do consumidor. É uma prerrogativa estipulada em favor do consumidor que, se quiser, poderá abrir mão dela, ingressando com a ação no foro pretendido pelo fornecedor. Isso não significa que possa haver disposição contratual estipulando determinado foro.

8 COISA JULGADA

Como sabemos, a Coisa Julgada é o estado processual final, que qualifica uma sentença como definitiva, quando há o trânsito em julgado da sentença, habilitando-a à liquidação e execução. Uma vez que a sentença faça coisa julgada, não poderão mais as partes discutir a mesma questão em Juízo, pois já o fizeram.

Diz o artigo 103 do CDC que, nas ações coletivas, e de acordo com a natureza do interesse objetivado, a sentença fará coisa julgada; a) erga omnes, cuidando-se de interesses difusos, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que outra ação poderá ser proposta, com idêntico fundamento, com nova prova (inciso I); b) ultra partes, tratando-se de interesses coletivos, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo se a improcedência ocorrer por falta de provas, nos termos do inciso I do artigo 103 (inciso II); c) erga omnes, na hipótese de interesses individuais homogêneos, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores (inciso III).

Os lesados que não intervieram no processo coletivo como assistentes litisconsorciais, na hipótese prevista no inciso III, do artigo 103, do CDC, poderão propor ações individuais (parágrafo 1.º).

No mesmo sentido, os efeitos da coisa julgada erga omnes e ultra partes, segundo a norma do parágrafo 2.º do artigo em comento, não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

Para fins do parágrafo 2.º do artigo 103, no caso da sentença julgar improcedente o pedido, poderão outros consumidores ingressar em juízo com o mesmo pedido e mesmo fundamento, desde que não tenham sido litisconsortes na ação coletiva julgada, visto que a sentença só surtirá efeito entre as partes litigantes, não tendo portanto, efeito "erga omnes".

O parágrafo 3.º do artigo 103 reserva a incolumidade das ações de indenização pôr danos sofridos, propostas individualmente pelos consumidores, perante os efeitos da sentença proferida em Ação Civil Pública, no tocante aos artigos 13 e 16 da referida Lei. O consumidor terá o direito a ambos os ressarcimentos.

O parágrafo 4.º do artigo 103 garante a liquidação e execução de sentença penal condenatória, nos termos dos artigos 96 a 99 do CDC.

Erga omnes: quer dizer que a sentença judicial abrange não só as partes do processo, mas também todas as pessoas. Ou seja, tem validade para todos. Porém, se a ação for julgada improcedente por deficiência das provas, esse julgamento não impedirá que seja ajuizada outra ação.

Ultra partes: a sentença vale não só para as partes (por exemplo, uma associação de consumidores contra uma empresa), mas também para todos os membros do grupo, categoria ou classe que estejam sendo defendidos pela associação ou pelo Ministério Público.

Cabe aqui sublinhar, ainda, que os efeitos da coisa julgada, uma vez que a ação coletiva não induz litispendência em relação a ações individuais, não prejudicarão as ações de indenização, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente, salvo se versar sobre interesses individuais homogêneos, quanto aos lesados que intervieram na ação.

A sentença fará coisa julgada: nesse caso, a sentença do juiz não pode mais ser modificada, ou seja, não cabe mais recurso. Também se costuma dizer que a sentença transitou em julgado.

Por outro lado, a sentença que julga procedente o pedido beneficia as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder a liquidação e a execução com fundamento nos artigos 97 e seguintes do CDC.

Proceder a liquidação: quando o fornecedor for condenado pela prática de um crime contra o consumidor, este, ou os entes legitimados na hipótese tratada no artigo 98, poderá servir-se da sentença condenatória penal também para efeitos civis, caso em que não caberá discussão judicial quanto ao dever de pagar, mas só com relação ao valor que o fornecedor terá de pagar.

Execução: depois de apurado o valor que cada consumidor lesado vai receber, o juiz ordena que o réu faça o pagamento no prazo de 24 horas. Se o réu não cumprir a ordem, o juiz mandará vender os bens do réu em leilão para que a conta seja paga. Esta é a última fase do processo: a execução.

Já o artigo 104 alerta o consumidor para o fato de que caso haja ação individual referente a mesmo pedido e fundamento de ação coletiva, previstas nos incisos I e II do artigo 81, parágrafo único, do CDC, a mesma não ficará sob litispendência sendo que os efeitos "erga omnes" e "ultra partes", referentes aos incisos II e III do artigo 103 só poderão ser aproveitados pelo consumidor caso este requeira a suspensão da ação individual até 30 (trinta) dias a contar da data da ciência nos autos pelo consumidor da existência da ação coletiva.

9 SUCUMBÊNCIA

Nas ações coletivas não há adiantamentos de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas pelos co-legitimados ativos (artigo 87 do CDC).

Tenha-se presente, contudo, que o CDC apenas dispensa o autor da ação coletiva do adiantamento de custas processuais, emolumentos, honorários periciais e demais despesas com o processo. O vencido, assim declarado na sentença, não se exime de tais pagamentos.

Já a associação autora só os pagará caso tenha agido com comprovada má-fé (artigo 17 e incisos do CPC).

Assim, uma vez comprovada a má-fé da associação autora e dos diretores responsáveis pela propositura da ação serão estes solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos (artigos 87, parágrafo único, e 88, ambos do CDC).

Despesas com o processo: normalmente, quando ingressa com uma ação, a pessoa, de início, precisa arcar com o pagamento das taxas administrativas, denominadas custas judiciais. Além disso, alguns processos pressupõem conhecimento técnico de áreas alheias ao direito (químico, biologia etc.), o que torna necessária a intervenção de técnicos especializados para auxiliar o juiz: são denominados peritos, remunerados, assim como os advogados, por honorários.

O Ministério Público, o município e demais órgãos estão isentos desses pagamentos por integrarem o Estado.

Vedada a denunciação da lide: no caso do artigo 13 do CDC, se o comerciante é obrigado a pagar uma indenização porque o fabricante, o produtor, o importador ou o construtor não puderam ser identificados, ele poderá entrar com uma ação de regresso contra essas pessoas. Com a ação de regresso, o comerciante pleiteará que o fornecedor responsável pelo acidente de consumo lhe devolva a soma que ele pagou às vítimas.

Porém, esse pedido de ressarcimento não pode ser feito no mesmo processo; por isso é que se fala que está "vedada a denunciação da lide".

Isso ocorre, dentre outras coisas, porque o processo entre o comerciante e o consumidor será decidido com base na responsabilidade objetiva, como estabelece o CDC, enquanto a relação entre o comerciante e o outro fornecedor não está prevista pelo Código de Defesa do Consumidor, e assim terá que ser julgada com base nos critérios normais da responsabilidade subjetiva.

O objetivo deste artigo também é evitar que a intervenção de outros interessados no processo possa torná-lo mais moroso, retardando a obtenção do direito do consumidor.

No mesmo sentido, os demais legitimados (artigo 82), nos termos do que dispõem os artigos 16 e seguintes do CPC, respondem também pela litigância de má-fé.

Litigância de má-fé: ocorre quando a associação ingressa com uma ação em juízo, tendo, pelas circunstâncias peculiares ao fato, certeza absoluta do engano, do vício ou da impropriedade do seu pedido judicial, elaborado com a finalidade exclusiva de causar um mal, um prejuízo ao fornecedor.

Sobrevindo a importância em ação coletiva proposta pelo Ministério Público, responsabiliza-se a pessoa jurídica a que pertence. O próprio Ministério Público, revela Hugo Mazzilli, "não se responsabiliza porque não tem personalidade jurídica; e seus membros, quando ajam no exercício regular de suas funções, mesmo que provoquem danos, não se responsabilizam pessoalmente, mas sim na qualidade de agentes políticos originários, responsabilizam o próprio Estado".

10 JURISPRUDÊNCIA

"RECURSO ESPECIAL. DEFESA DO CONSUMIDOR. FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS E INFORMAÇÕES À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, QUE NÃO IMPLICAM VIOLAÇÃO AO SIGILO BANCÁRIO. POSSIBILIDADE. A defesa dos direitos do consumidor insere-se nas funções instituicionais do Ministro Público. Os serviços e produtos oferecidos pelas instituições financeiras são considerados do gênero consumo, ex vi do art. 3.º, parágrafo 2.º, do CDC. Logo, quando na defesa dos direitos dos usuários de tais produtos e serviços, lícito é ao Ministério Público requisitar documentos, tais como cópias de contratos de adesão utilizados pela instituição e informações sobre os encargos financeiros cobrados, dados esses que não se enquadram entre os protegidos pelo sigilo bancários, porque acessíveis a todos os clientes. Recurso conhecido e provido".(STJ, Resp. 209259, 5.ª Turma, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Dj 05.03.2001 - p. 199).

"PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE AD CAUSAM. DEPÓSITO EM CADERNETA DE POUPANÇA. RELAÇÃO DE CONSUMO. A caderneta de poupança é um produto oferecido pelas instituições financeiras, cada qual dotando-o de características próprias, v.g., restituição da CPMF, descontos nas tarifas dos serviços bancários, juros privilegiados no cheque especial, sorteio de prêmios, etc.; tratando-se de relação protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, as associações a que alude o artigo 82, IV, da Lei n.º 8.078, de 1990, estão legitimados a propor a ação civil pública. Recurso especial conhecido e provido em parte". (STJ, Resp. 138540/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. WALDEMAR ZVEIITER, Dj 17.09.2001 - p. 160).

"PROCESSO CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART.101, I. AÇÃO AFORADA EM COMARCA DE MAIOR PORTE VIZINHA À DA RESIDÊNCIA DO AUTOR. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO PARA A RÉ. Não ofende o artigo 101, I, do Código de Defesa do Consumidor o autor que ajuíza ação de responsabilidade civil contra fornecedor de produtos ou serviços, com base em referido Código, em Comarca próxima à que reside, sobretudo quando nesta é que contraída a obrigação veiculada no feito, sendo essa escolha até mais favorável à ré, por ser essa Comarca de maior porte e nela dispondo a ré de corpo técnico para onde foram dirigidas as anteriores reclamações decorrentes dos vícios apontados. Essa é a interpretação que mais se compadecem com o espírito norteador contido no CDC, que alberga normas de caráter nitidamente protecionista ao consumidor, em razão de sua presumida hipossuficiência econômica. Recurso conhecido e provido". (STJ, Resp. 156002/MG/SP, 4.ª Turma, Rel. Min. CÉSAR ASFOR ROCHA, Dj 21.09.1998 – p. 187).

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ENTIDADES DE SAÚDE. AUMENTO DAS PRESTAÇÕES. LEGITIMIDADE ATIVA. 1. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC tem legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública em defesa dos consumidores de planos de saúde. 2. Antes mesmo do Código de Defesa do Consumidor, o país sempre buscou instrumentos de defesa coletiva dos direitos, ganhando força seja com a Lei n.º 7.347/87, seja alcançado dimensão especial com a disciplina constitucional de 1988. Sedimentados os conceitos centrais, não há razão que afaste o presente feito do caminho da ação civil pública. O instituto autor é entidade regularmente constituída e tem legitimidade ativa para ajuizar a ação civil pública de responsabilidade por danos patrimoniais causados ao consumidor. 3. Recurso especial conhecido e provido." (STJ, Resp. 72994/SP, 3.ª Turma, Rel. p/acórdão Min. NÍLSON NAVES, Dj 17.09.2001 – p. 159).

DENUNCIAÇÃO DA LIDE. PROPOSITURA POR RÉU EQUIPARADO A COMERCIANTE. AÇÃO PRINCIPAL DE CARÁTER CONDENATÓRIO PROPOSTA POR CONSUMIDOR. É proibido a quem se equipare a comerciante, na ação condenatória que lhe mova o consumidor, denunciar a lide ao fornecedor ou a terceiro. (TJSP, Ac. unân. da 2.ª Câm. De Direito Privado, de 15.09.1998, Ap. Cív. 34.052-4/5-00, Rel. Des. CEZAR PELUSO, Centro Cultural e Recreativo Cristóvão Colombo x Maria Regina Stolf Briganti).

TUTELA ANTECIPATÓRIA. CONTRACEPTIVO SEM O PRINCÍPIO ATIVO. DECISÃO QUE CONCEDEU TUTELA ANTECIPADA CONSISTENTE EM PAGAMENTO DE PLANO DE SAÚDE PARA MÃE E FILHO ATÉ O NASCIMENTO DESTE, E ENXOVAL. CPC, ART. 273. Gravidez indesejada decorrente do uso de Microvlar, contraceptivo produzido pela agravante, em relação ao qual ocorreu recentemente a colocação no mercado de determinado lote no comércio sem o necessário princípio ativo. Valor ínfimo do desembolso imposto à agravante, multinacional de grande porte. Provimento parcial do recurso para limitar os efeitos da condenação à concessão de plano de saúde à gestante e ao nascituro eis que a verba referente ao enxoval não tem o necessário requisito de indispensabilidade, não podendo ser cominada ao réu antes do devido trâmite processual. (TJRJ, Ag. de Inst. 9.888-0/98, RJ, Rel. Des, LEILA NARIANO, julg. em 08.06.1999).

TUTELA ANTECIPADA. RELAÇÕES DE CONSUMO. INTERPRETAÇÃO DA PROVA, SEM RIGOR. A prova inequívoca, para o efeito de antecipação de tutela, quando se trata de relação de consumo, é de ser interpretada sem rigorismo, pois nessa matéria, mesmo em sede de cognição plena, dispensa-se juízo de certeza, bastando a probabilidade extraída de provas artificiais da razão. No conflito entre direitos fundamentais, a regra da irreversibilidade deve ser interpretada com atenuação, atendendo ao interesse preponderante. (TJRS, Ac. unân. da 9.ª Câm. Cív., de 25.08.1999, Al. 599.374.303, Rel. Des. MARA LARSEN, Schering do Brasil Química e Farmacêutica x Jane Zuleica Andrade de Vargas).

CONSUMIDOR. TUTELA ESPECÍFICA. PACOTE TURÍSTICO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. LEI N.º 8.078/90. A tutela específica da obrigação deve ser de modo a que se realize na ordem prática o que foi contratado. Assim é que, descumprida a avença quanto à parte terrestre da excursão, impõe-se o fornecimento da passagem aérea, para o correto adimplemento do contrato. Inteligência do artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor. Recurso conhecido e parcialmente provido. (STJ, Rec. Esp. 43.650-8-SP, Rel. Min. COSTA LEITE, julg. em 30.08.1994, Dj, 26.09.1994).

CUSTAS. AÇÃO COLETIVA PROPOSTA PELO IDEC – INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ISENÇÃO DO PAGAMENTO DE CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Nos termos do disposto do artigo 87 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), a associação autora acha-se isenta do pagamento das custas e honorários de advogado, salvo comprovada má-fé. (STJ, Embs. de Decl. No Rec. Esp. 73.146-SP, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, Julg. em 12.03.1996).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA. CONSUMIDOR. CDC, ART. 93, II, EXEGESE. Interpretando o artigo 93, II, do CDC, já se manifestou o STJ no sentido de que não há exclusividade do foro do Distrito Federal para o julgamento de ação civil pública de âmbito nacional. Isto porque o referido artigo ao se referir à Capital do Estado e ao Distrito Federal invoca competências territoriais concorrentes, devendo ser analisada a questão estando a Capital do Estado e o Distrito Federal em planos iguais, sem conotação específica para o Distrito federal. (STJ, Confl. de Comp. 17.533-DF, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, julg. em 13.09.2000, Dj, 30.10.2000).

CONSUMIDOR. AÇÕES FUNDADAS NO CDC. FACULDADE DO AUTOR DE PROMOVÊ-LAS NO FORO DE SEU DOMICÍLIO. IRRELEVÂNCIA DE, NA HIPÓTESE, DEPENDER A RESPONSABILIDADE CIVIL DE VERIFICAÇÃO DE CULPA DO PRESTADOR DO SERVIÇO. O artigo 101 do CDC - Lei n.º 8.078/90 - autoriza a propositura da ação no domicílio do autor, sendo indiferente, para aplicação dessa regra, que se trate o réu do fornecedor ou prestador de serviço em geral ou de profissional liberal, em relação ao qual o parágrafo 4.º do artigo 14 condiciona a responsabilidade à verificação de culpa. A ressalva do parágrafo 4.º do artigo 14 do CDC excepciona apenas a regra geral da responsabilidade objetiva consagrada no Código, sem afetar o disposto no artigo 101, Lei n.º 8.078/90, que derroga, em relação às ações de que trata, os preceitos gerais dos artigos 94 e 100, IV, a do CPC, que definem o foro do domicílio do réu para as ações fundadas em direito pessoal ou o de sua sede nas ações em que ré a pessoa jurídica. Agravo provido para dar-se como competente o foro do domicílio do autor. (TJSC, Ag. de Inst. 11.422-2, Florianópolis, Rel. Des. JOÃO JOSÉ SCHAEFER, Dj, 27.05.1998).

CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA. CPC. ART. 101, IV, B. CDC, ART. 101, INCISO I. A ação de responsabilidade pode ser proposta no domicílio do autor (artigo 101,inciso I). (STJ, Ag. Reg. 191.676/98, SP, Rel. Min. NILSON NEVES, julg. em 18.02.1999, Dj. 26.04.1999).

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO COLETIVA. EFEITOS DA SENTENÇA. A sentença proferida em ação coletiva interposta com fulcro no Código de Defesa do Consumidor tem natureza ultra partes, beneficiando mesmo aquele que não foi parte no processo originário da execução, mas é integrante do grupo ao qual representa a associação autora, embora não a ela filiado. (TJRJ, Ac. unân. da 6.ª Câm. Cív., publ. em 18.05.2000, Ap. 12.397/99, Rel. Des. LUIZ ZVEITER, Município de Niterói x Fernando Nunes Costa).

CONSÓRCIO. CONSORCIADOS DESISTENTES. DEVOLUÇÃO ATUALIZADA DAS PRESTAÇÕES PAGAS. AÇÃO COLETIVA. A espécie versa sobre ação coletiva proposta por uma associação em defesa de direito individual homogêneo de consosrciados desistentes para obter a devolução atualizada das prestações pagas. Decidindo que "a legitimidade da associação civil não pode efetivamente ser entendida de modo a que seu campo de ação reste indefinido", o tribunal a quo neutralizou inteiramente a participação de Cidadania – Associação de Defesa dos Direitos do Cidadão no processo. Com efeito, o julgado atendeu apenas aos interesses dos litisconsortes, que não precisavam da aludida associação para propor a ação individualmente, este foi o efeito prático do acórdão, o de tratar a causa como se proposta exclusivamente pelos litisconsortes. Ao contrário, a legitimidade das associações a que se refere o art. 82, inc. IV, do Código de Defesa do Consumidor, para o ajuizamento de ação coletiva supõe direito a uma sentença de mérito que alcance as pessoas que ela substitui. Essa legitimidade tem sido reconhecida pela Turma. No caso da procedência de ação coletiva proposta em defesa de interesses ou direitos coletivos individuais homogêneos, a sentença terá efeito erga omnes para "beneficiar todas as vítimas e seus sucessores", tenham ou não intervindo como litisconsortes - art. 94, do Código de Defesa do Consumidor. Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento para declarar que a sentença terá efeitos sobre todos os ex-participantes do grupo de consórcio. (STJ, Ac. unân. da 3.ª Turma, publ. em 19.02.2001, Rec. Esp. 132.724-RS, Rel. Min. ARI PARGENDLER, Cidadania Associação de defesa dos Direitos do Cidadão x Rodobens Administração e Promoções Ltda.).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FALTA DE INDICAÇÃO EXPRESSA DO DISPOSITVO LEGAL. APONTADO COMO VIOLADO, INDENIZAÇÃO POR CONTAMINAÇÃO PELO VÍRUS HIV EM TRANSFUSÕES SANGÜÍNEAS, RELAÇÃO JURÍDICA ESTABELECIDA ENTRE A UNIÃO E O CIDADÃO. Não-aplicabilidade, no caso da Lei n.º 7.347/85, posto que a referida ação presta-se à proteção dos interesses e direitos individuais homegêneos, quando seus titulares sofrerem danos na condição de consumidores. Ilegitimidade ativa do Ministério Público reconhecida. Precendentes do STJ. O recurso, para ter acesso à sua apreciação neste tribunal, deve indicar quando da sua interposição, expressamente, o dispositivo e alínea que autorizam sua admissão. Da mesma forma, cabe ao recorrente, ainda, mencionar, com clareza, as normas que tenham sido contrariadas ou cuja vigência tenha sido negada. (AG 4.719-SP, Rel. Min. NILSON NAVES, DJU, 20.09.1990, p. 9.762; Rec. Esp. 4.485-MG, Rel. Min. NILSON NAVES, DJU, 15.10.1990, p. 11.190; Rec. Esp. 6.702-RS, Rel. Min. FONRTES DE ALENCAR, DJU, 11.03.1991, p. 2.399). Em assim não ocorrendo, ou se dê de modo deficiente, o recurso torna-se inadmissível. Nos exatos termos da Lei n.º 7.347/85, a ação civil pública é o instrumento processual adequado para reprimir ou impedir danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, dessa forma, os interesses difusos da sociedade. A jurisprudência do STJ vem se firmando no sentido de não ser cabível o uso da ação civil pública para fins de amparar direitos individuais, nem se prestar à reparação de prejuízos causados por particulares pela conduta comissiva ou omissiva da parte ré, não revestindo o caso em apreço no conceito constante da Lei n.º 7.347/85. A ação civil pública não se presta como meio adequado a indenizar cidadãos que tenham sido contaminado pelo vírus HIV em transfusões sangüíneas realizadas em quaisquer estabelecimentos do País. Os interesses e direitos individuais homogêneos, de que trata o art. 21, da Lei n.º 7.347/85, somente poderão ser tutelados, pela via da ação coletiva, quando os seus titulares sofrerem danos na condição de consumidores. Ilegitimidade ativa do MP reconhecida. Precedentes desta Casa Julgadora. (STJ, Rec. Esp. 22.256-SP, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, julg. em 14.09.1999).

11 PODERES DO JUIZ

Os poderes do juiz foram reforçados. A ele se conferiu, por exemplo, embora timidamente, se comparado ao sistema norte-americano, a faculdade de dispensar o requisito da pré-constituição das associações em certas hipóteses, tocando-lhe assim a atribuição de aferir, no caso concreto, a sua representatividade adequada, que é bem caracterizada no artigo 82, parágrafo 1.º do CDC.

No plano do provimento jurisdicional, ao juiz foi conferido o poder de adotar todas as providências adequadas e legítimas à tutela específica das obrigações de fazer ou não fazer, sendo-lhe dado desde: a) impor multa diária independentemente de pedido do autor (sem prejuízo, evidentemente, do efetivo cumprimento da prestação), se a peculiaridade do caso indicar que a multa é suficiente ou compatível com a obrigação (artigo 84, parágrafo 4.º), até b) determinar medidas que sejam adequadas à obtenção do resultado prático equivalente ao do inadimplemento da obrigação se não for possível o atingimento de sua tutela específica.

Como será discorrido nos comentários aos artigos 83 e 84 e parágrafos, o provimento do juiz na tutela das obrigações de fazer ou não fazer não se restringirá à mera condenação (provimento condenatório na concepção tradicional), mas abrangerá também a expedição de mandamentos ou ordens (ação mandamental) que, sendo descumpridos, à semelhança das injuctions do sistema anglo-saxão ou da "ação inibitória" do sistema italiano, poderão configurar o crime de desobediência, como ato de afronta à justiça, e não apenas como ofensa ao direito da parte contrária, e ainda ensejará a adoção de técnicas de sub-rogação objetiva de obrigações que permitam a obtenção do resultado prático equivalente ao do adimplemento da obrigação.

As considerações acima desenvolvidas a respeito do provimento mandamental e do provimento executivo lato sensu são de superlativa relevância para a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer.

Valeu-se o legislador, no art. 461, da conjugação de vários tipos de provimento, especialmente do mandamental e do executivo lato sensu, para conferir a maior efetividade possível à tutela das obrigações de fazer ou não fazer.

Ao admitir a sub-rogação da obrigação de fazer ou não fazer, por opção do titular do direito ou por ser impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático-jurídico equivalente ao do adimplemento (parágrafo 1.º do art. 461), valeu-se o legislador do provimento condenatório, que dá nascimento a título executivo judicial e permite o acesso à execução forçada através da ação autônoma de execução.

12.OPORTUNIDADE PARA O JUIZ DECLARAR INVERTIDO O ÔNUS DA PROVA

Consiste como objetivo fundamental do estudo analisar o artigo 6.º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, extraindo da sua definição a melhor oportunidade pela qual o magistrado deverá, observar, declarando, quando atendidos os requisitos legais, a inversão das regras do ônus da prova, sem prejudicar os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.

a)JUSTIFICAVA DA TUTELA DO CONSUMIDOR:

Diante dos problemas sociais surgidos pela complexidade da sociedade moderna, o legislador pátrio buscando minimizar os reclamos de grupos e de indivíduos, instituiu o Código de Defesa do Consumidor; poderoso instrumento capaz de reduzir os anseios da população que, devido ao "fenômeno de massa", sob o ponto de vista econômico, ficava nas mãos dos fornecedores de serviços e de produtos.

Com efeito, o consumidor para satisfazer suas necessidades de consumo, comparecia ao mercado, e, nessa circunstância, precisando de determinado produto ou serviço, submetia-se as condições que lhe eram impostas, não possuindo forças para contestar sobre eventuais prejuízos; devido, destarte, a sua vulnerabilidade e/ou hipossuficiência.

Anterior a este rumo a Organização das Nações Unidas já vinha se posicionando no sentido de afirmar, de acordo com a resolução n.º 29/248, de 10 de abril de 1985, que "os consumidores se deparam com desequilíbrios em termos econômicos, nível educacional e poder aquisitivo, refletidos em sua vulnerabilidade e hipossuficiência".

Destarte, tendo em vista esta hipossuficiência, alguns consumidores desprovidos de recursos financeiros ficavam impossibilitados de contratem advogados para a defesa de seus direitos, bem como de pagarem as despesas processuais. Aliás, naquele, destaca-se com nitidez a franca superioridade dos fornecedores, os quais geralmente possuem, em seus estabelecimentos comerciais, departamentes jurídicos organizados e de bom nível técnico, o que influenciam na disparidade da situação de inferioridade do consumidor.

A propósito, esta mesma situação fática foi vivida há cinqüenta anos, quando surgiu a tutela do empregado nas relações de trabalho, o que se tornou combatível, quando se reconheceu a situação de fragilidade e dependência econômica, agora reconhecida entre fornecedor e consumidor.

b)REQUISITOS: VEROSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO OU HIPOSSUFICIÊNCIA:

Em verdade, a verosimilhança da alegação diz respeito ao convencimento do magistrado a ser elaborado em conformidade com a causa pretendi invocada pelo consumidor, que pretende a inversão do ônus da prova. Não se destina apenas a verificação do direito subjetivo material, mas também e, principalmente, ao perigo de não conseguir, em decorrência da sua fragilidade já relatada, provar o fato constitutivo de seu direito, acarretando, sobretudo, a inviabilidade do acesso ao judiciário; pois ingressar em juízo sem ter a oportunidade de provar o fato constitutivo, não pela falta de provas, mas pelo abuso de defesa do réu, é o mesmo que não entrar.

Na lição de Carreira Alvim, a verosimilhança somente se configurará quando a prova apontar para "uma probabilidade muito grande" de que sejam verdadeiras as alegações do litigante.

Em que pese o requisito da verosimilhança, o legislador ao editar referida norma ressaltou a importância do princípio da hipossuficiência consagrado no direito do trabalho, pois acrescentou ao texto legal a partícula; destarte, mesmo que as alegações do consumidor não possuírem a certeza da verosimilhança, poderá ser beneficiado pela inversão do ônus da prova probante, desde que prove a condição de hipossuficiente.

Nesse rumo, ensina o Prof. José Roberto Bedaque, com apoio em Ada Pellegrini Grinover, que "os princípios inerentes ao processo liberal não garantem um processo "justo" que só se certifica se, além da igualdade jurídica, houver também igualdade técnica e econômica", pois, "vãs seriam as liberdades do indivíduo se não pudessem ser reivindicadas em juízo. Mas é necessário que o processo possibilite à parte a defesa de seus direitos, a sustentação de seus limites, a produção de suas provas".

c)INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E OPORTUNIDADE PARA DECLARÁ-LO:

Inicialmente, antes de adentrarmos no objeto principal do estudo, indispensável é identificar a razão da existência das normas de distribuição do ônus da prova.

Partindo deste ponto, a parte deve ter o conhecimento prévio dos critérios de distribuição que serão utilizados pelo magistrado para direcionar sua sentença, sob pena de não ter a oportunidade de provar suas alegações no momento ideal, bem como, por conseqüência, ser ao final surpreendido pôr um provimento favorável ao seu adversário.

Nesse sentido, admitir que as partes somente possam ter conhecimento das regras de distribuição do ônus da prova no momento em que o juiz prolatar sua sentença, ou seja, após toda a instrução probatória Ter sido precluída, consideramos como um afronto ao princípio da ampla defesa, pois, a parte já não poderá mais, na sistemática processual vigente, produzir novas provas, salvo nos termos do artigo 303 do Código de Processo Civil.

Em que pesem os respeitáveis posicionamentos contrários, ousamos divergir, sustentando que no momento em que o consumidor ingressa em juízo com sua pretensão, o magistrado diante das alegações carreadas, dispõe, desde já, com a possibilidade de aplicar a inversão, quando preenchidos os requisitos legais, ou seja, verosimilhança da alegação, que exerce através de um juízo de probabilidade, ou a hipossuficiência, facilmente constatada, pelas condições educacionais, sociais e econômicas.

Destarte, permitir que seja aplicada a inversão somente na fase decisória, constitui um verdadeiro atentado ao princípio da ampla defesa, já que as partes, enquanto não se dispuser do contrário, competirá produzir as provas que lhes interessam, dentro da sistemática processual da regra prevista no artigo 333 do Código Processual Civil. Assim, desenvolvendo-se toda instrução probatória sobre a regra geral, não poderá o juiz, agora na fase decisória, alterar as "regras do jogo" pois, não obstante, será indiscutivelmente pego de surpresa o fornecedor o qual mobilizou toda a sua defensiva com base nas provas trazidas pelo consumidor.

Ciente agora que o magistrado não poderá declarar invertido o ônus da prova na sentença, sob pena de violar o princípio da ampla defesa, causando cerceamento de defesa, mister se faz identificar o momento adequado para declará-lo.

É duvidoso que a inversão do ônus da prova aqui tratada seja de grande utilidade para o consumidor, libertando-o de provar, pôr exemplo, a colocação de produto e serviço no mercado e o nexo causal entre o defeito e o dano, encargos que passam aos ombros do fornecedor.

Com efeito, tratando-se de direito básico do consumidor, não há necessidade de ser requerido a inversão no pedido inicial, pois é matéria de ordem pública a qual compete ao juiz declarar de ofício, quando atendidos os pressupostos legais.

Ao receber a inicial, e esta estando em termos, o magistrado determina a citação do réu, oportunidade em que pôr intermédio de uma decisão interlocutória, concede a inversão sobre o ônus da prova. Assim, quando o réu é citado para defender-se, é também intimado da decisão que inverteu o ônus probante, iniciando-se, pôr conseguinte, o prazo de dez dias para apresentar agravo, na forma de instrumento ou retido, o qual ficará prejudicado caso não haja defesa em tempo hábil (revelia).

Busca-se com esta exigência inabalável o princípio da concentração da defesa ou da eventualidade, visto que o fornecedor poderá elidir a sua culpa através da prova documental, caso que se declarada a inversão em outra oportunidade, não poderá utilizar deste poderoso meio de prova, cerceando, em conseqüência, sua defesa.

Portanto, conclui-se que o melhor momento pelo qual o magistrado deverá declarar invertido o ônus da prova é na ocasião da determinação da citação, à luz dos requisitos de verosimilhança da alegação ou hipossuficiente.

13 A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA JURISDICIONAL

A ordinarização do processo de conhecimento, repelindo-se, via de regra, as tutelas sumárias que se baseavam em juízos de verossimilhança, prestigiando a certeza jurídica e fundamentando-se no binômio processo de conhecimento-execução forçada, trouxe como conseqüência mais grave a demora no desfecho dos processos.

Em um Estado de feição Liberal-iluminista isto não só não era um problema grave, como mesmo era desejado. Sim, porque a segurança jurídica é um dos fundamentos do modelo liberal. Ocorre, no entanto, que a sociedade evoluiu vertiginosamente nas últimas décadas e o Estado Democrático Social, que adotamos por modelo, tem um compromisso com a efetividade da tutela jurisdicional, pondo em questão o consagrado modelo de rigorosa separação entre conhecimento e execução, só excetuado em poucos casos.

Mas mesmo sendo um diploma de vanguarda, não logrou inovar o CPC de 1973 em qualquer forma de tutela sumária genérica e inexpecífica, papel este que ficou reservado para as cautelares satisfativas.

As pressões da doutrina jurídica e da sociedade como um todo seguiram aumentando, principalmente após o advento da Constituição Federal de 1988, que adotou insofismavelmente um modelo de Estado Democrático Social, reconhecendo explicitamente uma nova gama de direitos de cunho coletivo e firmando solene compromisso de efetividade da tutela jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV). Daí que se tenha iniciado um processo de reformas do CPC que ainda está em andamento.

Dentre as grandes inovações da reforma processual capiteneada por Sálvio de Figueiredo Teixeira e Athos Gusmão Carneiro, encontra-se a inserção do novo texto do artigo 273 e do artigo 461 do CPC, permitindo-se a antecipação dos efeitos da tutela pretendida. Tal medida representa uma ruptura com ancestrais compromissos com a ordinariedade do procedimento, concebendo a possibilidade de inclusão de providências executivas no bojo de qualquer ação de conhecimento, o que só era possível em alguns raros casos, como ocorria na possessórias e no mandado de segurança.

Ao contrário do processo cautelar, que pressupõe segurança para a execução, a antecipação de tutela é execução para a segurança. Começa a diferenciar-se do processo cautelar na medida em que o que se adiantam no tempo e no inter procedimental são efeitos de uma provável sentença de mérito do próprio processo dentro do qual a antecipação foi proferida.

As cautelares, de seu turno, salvante raras exceções que discrepam da sistemática ortodoxa, consistem em providências que não possuem o mesmo conteúdo de uma eventual sentença do processo acautelado. Somente a liminar cautelar, prevista no artigo 804 do CPC, é que representa uma antecipação de tutela, mas da tutela cautelar, não do processo dito principal, que é acautelado.

A liminar cautelar, no entanto, está condicionada a pressupostos diferentes do antecipação de tutela, pois a liminar cautelar atrela-se à possibilidade de que a citação possa tornar ineficaz o provimento cautelar.

Neste sentido, a liminar cautelar está para o processo cautelar assim como a antecipação de tutela do artigo 273 do CPC está para o processo de conhecimento. Para Ovídio Baptista da Silva, as cautelares estão mais voltadas ao perigo de "damnum irreparabile" do que para o verdadeiro "periculum in mora", este último presente dá margem a antecipações da tutela.

O primeiro, ao contrário, na visão do processualista gaúcho, que reconhece um direito material de cautela, é que seria a mola mestra da cautelaridade, pois historicamente o periculum in mora estaria ligado à execução provisória desde as fontes do direito comum italiano.

Logo, na medida em que a liminar cautelar visa antecipar efeitos do processo cautelar, cumpre função assemelhada à antecipação de efeitos da tutela, mas sem a natureza satisfativa desta pois é segurança dentro da segurança.

Da mesma forma, diferenciam-se as espécies em questão pelo fato de que a tutela cautelar pode ser prestada de officio, ex artigo 798 do CPC ao passo que a antecipação de efeitos da tutela requer pedido da parte, conforme preconiza o artigo 273, caput, do CPC.

Tendo em linha de conta a doutrina de Calamandrei, que concebe o processo cautelar como um resguardo da eficácia do processo e não do direito da parte, ou seja, como uma tutela antes da relação de direito público do que da res in juditio deducta diretamente, não é de se espantar que as medidas cautelares estejam amplamente franqueadas ao juiz, enquanto as medias antecipatórias sejam carecedoras de expresso pedido.

O artigo 798 do CPC, ao consagrar o poder geral de cautela, permite ao juiz valer-se de amplos poderes para decretar medidas provisórias que julgar adequadas, como diz o próprio dispositivo. Surge então uma questão: Como fica o poder geral de cautela dentro das funções jurisdicionais e, em relação ao processo de conhecimento, frente a antecipação de tutela?

Primeiramente, se nos parece que o dispositivo sub examine "minus dixit quam voluit". A seguir-se o que consta do artigo 798 ao pé da letra, teríamos que as medidas provisionais seriam exclusividade do processo de conhecimento, pois ali se fala que a medida será tomada quando " houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação". (grifo nosso). Ora, a referência a " antes do julgamento da lide" implica excluir o processo de execução, e seria possível sustentar, como se sustenta, que a lide referida é somente uma lide diversa do próprio processo de cautelar, ou seja, tratar-se-ia de um processo de conhecimento.

Não nos parece, contudo, seja esta a melhor exegese do dispositivo. É bem verdade que uma norma que prevê atuação oficiosa do magistrado é, frente à sistemática de nosso direito e à tradição privatista que a marca, uma exceção. Para tanto, basta verificarmos o disposto no artigo 2º do CPC, emblemático na questão ao consagrar o princípio da demanda, escudado na parêmia " nemo iudex sine actore". Segundo a verba do artigo 2º, "nenhum juiz prestará tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais".

As exceções a este princípio são raríssimas em nosso direito, exemplificando-se o artigo 989 do CPC, referente à abertura determinada ex officio pelo magistrado de inventário. Como norma de exceção, o artigo 798 necessitaria de uma interpretação restrita, como preconizam, de resto, as mais comezinhas regras da hermenêutica.

Porém, hodiernamente sabemos que a lei deve sempre cumprir uma finalidade, ganhando corpo a interpretação teleológica como o método superior de exegese. Há que considerar, ainda a interpretação sistemática, fazendo-se analisar a norma sempre à luz do contexto jurídico e, em especial, frente ao conjunto de princípios em voga.

Nesta ordem de idéias, atentos para o fato de que o princípio basilar da atividade jurisdicional é hoje a efetividade, não podemos concordar em render aplausos a uma interpretação restritiva do dispositivo em apreço, que só está a demonstrar quão grande foi o desleixo do legislador com a tutela executiva e com a própria tutela cautelar.

Diríamos nós que há até uma certa contradição na doutrina do CPC. Destarte, a partir do ponto em que se concebe a tutela cautelar sob as bases do pensamento de Calamandrei, ou seja, como proteção à eficácia do processo, negar a possibilidade de atuação do poder geral de cautela no processo de execução e mesmo no próprio processo cautelar implica dizer ou que estes processo não tem eficácia processual a ser resguardada ou, no mínimo, dizer que a eficácia de que disponham é de "segunda classe", não merecendo guarida do Direito.

Mas ninguém em sã consciência dirá que os processos executivos e cautelares não disponham de uma eficácia tão importante e jurídica quanto as vislumbráveis no processo de conhecimento, e, portanto, carecedoras do mesmo prestígio e proteção.

A conclusão diferente não chegaremos se tivermos em mente um direito material de cautela, segundo o qual o processo cautelar prestar-se-ia a proteção de direitos e não só da eficácia de uma ação principal. Neste caso, ao negarmos aplicação do poder geral de cautela no processo de execução e no próprio processo cautelar, estaríamos afirmando que a espécie de direto veiculada nestes processos seria igualmente menos prestigiosa, e em alguns casos chegaríamos a valorizar menos o direito acertado após cognição exauriente do que em sua feição potencial, já que a medida provisional poderia ser deferida no processo de conhecimento, inclusive initio litis, e não no processo de execução.

Nem se diga que existem medidas específicas na execução (v.g.), arresto, seqüestro) e que na cautela seria inviável uma proteção oficiosa por já ser ela uma cautela. Medidas específicas de cunho cautelar existem igualmente para a proteção do processo de conhecimento e nem por isto se nega a possibilidade de medidas provisórias no seu transcurso. Por outro lado, o fato de o processo cautelar veicular uma pretensão de segurança de outro processo não atinge a jurisdicionalidade das atividades operadas sem eu bojo, requerendo o mesmo zelo por parte do Estado Juiz.

Ademais, seguindo-se o escólio de que a cautela visa à proteção do processo e não do direito subjacente, não poderíamos confundir a proteção à eficácia do processo cautelar, prestada através da medida provisória do artigo 798 do CPC, com a proteção que o processo cautelar em questão presta ao processo dito principal.

Logo, acreditamos que é possível, inobstante a dicção do artigo 798 a utilização do poder geral de cautela no bojo dos processo de execução e mesmo no cautelar.

Quanto ao cotejo entre o poder geral de cautela e a antecipação de efeitos da tutela, se nos parece que se antes se permitia a utilização do poder geral de cautela para decretar medias até mesmo de cunho satisfativo, hoje isto não mais é lícito, pena de tornar letra morta o artigo 273, caput, do CPC, que condiciona o deferimento de tais medidas a pedido expresso da parte.

A antecipação de tutela requer também como requisitos uma prova inequívoca e o perigo de danos irreparável ou de difícil reparação através de " fundado receio", além de abuso do direito de defesa. Há certos reparos de menor monta a serem feitos na redação do artigo 273.

Com efeito, o caput do dispositivo diz que o juiz poderá conceder a antecipação dos efeitos da tutela se presente prova inequívoca se convença da verossimilhança "da alegação" e haja fundado receio de dano (inciso I) ou manifesto propósito protelatório na defesa a ser apresnetada (inciso II). Deveria ter especificado a qual alegação se refere o caput, pois alegação também é feita nos casos do inciso I e II.

Fala-se em prova inequívoca e verossimilhança. Não haveria uma incongruência entre prova inequívoca e verossimilhança eis que de prova inequívoca resultaria, em tese, juízo de certeza e não de mera verossimilhança? Realmente a existência de prova inequívoca induz certeza e não mera plausibilidade que é própria dos juízos sumários.

Mas há uma forma de compatibilizarmos estes elementos. Conforme já tratamos em outro oportunidade, o juízo permanece de verossimilhança, porque ou não foi concedido o contraditório prévio, ou se o foi, a cognição não foi aprofundada a ponto de dar ensanchas a um juízo de certeza.

Como se vê, existem situações em que o direito alegado é verificável primu ictu oculi, o que daria margem a que, ainda que em sede de sumaria cognitio, se pudesse dizer desde já existente o direito pleiteado. No entanto, o juízo de certeza jurídica em nosso ordenamento processual, fiel às premissas romano-canônicas, só é admissível após uma cognição exauriente. A alegação a que se refere o dispositivo em questão só pode ser a alegação referente ao direito afirmado, ou seja, a prova inequívoca refere-se ao direito de que se diz titular e do qual alguns efeitos se pretende adiantar.

Portanto o juízo de verossimilhança referido no artigo 273 é, na prática, um juízo de certeza. No entanto, sua configuração jurídica não possibilita que se o trate como um juízo apto a ensejar uma sentença meritória final, exatamente pela extensão reduzida do contraditório. Esta, a nosso ver, a única possibilidade de conciliarmos as noções de prova inequívoca e de verossimilhança, que, a rigor se repelem, porque prova inequívoca, em regra permite um juízo mais substancial do que a mera verossimilhança.

Mas não basta a prova inequívoca a materializar o juízo de verossimilhança. É necessária presença de dano irreparável ou de difícil reparação ou ainda o abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório. A presença de dano irreparável ou de difícil reparação é uma situação extra-processo e a permissibilidade de invocação de antecipação de efeitos da tutela visa, em tal caso, resguardar o próprio direito.

Na noção de difícil reparação devemos ter em mente o custo de restabelecimento do status quo anterior, ou mesmo a secundariedade da transformação em perdas e danos da prestação devida ou do direito violado. A esta conclusão chegamos tendo em vista que no moderno processo se busca a tutela específica, dentro dos postulados de Chiovenda, segundo o qual o processo deve dar ao litigante tudo aquilo a que teria direito se não houvesse necessidade de valer-se do processo, o que aliás é óbvio, porque se o processo sempre representar uma redução do direito que por ele se busca, então o processo seria estímulo ao inadimplemento, traindo a sua função primordial.

Outro requisito que pode ser invocado é o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório. Trata-se de um requisito alternativo, porquanto não é necessário que esteja presente concomitantemente com o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Cuida-se, portanto, de desestimular comportamentos protelatórios e infundados do réu que, valendo-se do procedimento, busca simplesmente dilargar a instância, reduzindo o ganho do autor (o tempo sempre é um fator importantíssimo), por mero espírito de emulação. É sabido como esta prática tem sido correntia, especialmente com o uso do recurso que possibilita aumentar a duração do processo geralmente em muitos meses.

Nosso processo, como estava estruturado anteriormente à introdução do artigo 273, permitia que um advogado com bons conhecimentos técnicos transforma-se a vida da parte contrária em um verdadeiro inferno processual, ainda que estivesse a defender uma causa sem fundamento algum. Para tanto bastaria valer-se de aspectos processuais e de sucessivas provocações recursais, durante o transcurso do processo em primeiro grau através de agravos, e, após, atacando a sentença e os sucessivos acórdãos, em uma infindável marcha.

Quando inexistia correção monetária, tal expediente esvaziava por completo o direito do autor vencedor e este aspecto continuou válido para as obrigações de fazer até a introdução da tutela específica a teor dos artigos 461 e 644 e 645, também pela reforma de 1994. Nestes casos, ainda que pudéssemos alvitrar a transformação em perdas e danos, o fato é que a prestação in natura acabava demorando um lapso temporal que significava verdadeira vitória prática do derrotado processual.

Na nova sistemática, uma vez verificada a inconsistência notória da defesa, pode o magistrado, obviamente à instâncias da parte interessada, deferir a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, evitando que o tempo opere contra o autor que tem razão. O tempo, como dizia Carnelutti, é um inimigo a quem o magistrado deve dar renhido e permanente combate.

Mas verificada a presença deste requisito, há que se verificar a presença de um outro pressuposto que podemos denominar de pressuposto ou requisito negativo. Tal é o que consta do parágrafo segundo do artigo 273, segundo o qual não se concederá a antecipação dos efeitos da tutela quando não houver possibilidade de reversão do provimento antecipatório, ou em outras palavras, não se antecipará efeitos que posam tomar uma feição de irreversibilidade.

Esta seria a inteligência fria da letra da lei, que não é, contudo, um dogma absoluto. Realmente, é possível concebermos um sem fim de situações em que a liminar antecipatória tomará um caráter de definitividade e nos quais, no entanto, não se pode negar a antecipação.

Em casos extremados, em que se verifica estar em jogo um direito de maior envergadura, inegável que entre permitir o seu perecimento prematuro, tornando inútil um provimento favorável, ou adiantar os efeitos da tutela, ainda que contra legem, preferível, frente ao Direito de um Estado Social e aos termos do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, conceder-se antecipação dos efeitos da tutela pretendida.

A letra da lei, nos ensina a boa hermenêutica, não tem valor absoluto, cabendo ao aplicador tornar o texto legal maleável e moldável à realidade de modo a permitir a consecução dos objetivos maiores do sistema. Claro que isto é uma situação excepcional, pois admitir-se que o juiz desborde da aplicação legal em qualquer caso seria o mesmo que torná-lo legislador, trazendo o risco do governo dos juizes, tão nefasto quanto o governo dos tiranos, pois subverte a separação de poderes, mecanismo base da garantia de um Estado de Direito.

Há um critério objetivo para aferirmos a aplicabilidade ou não da limitação de irreversibilidade do provimento (rectius = dos efeitos do provimento). Para tanto, cremos de fundamental importância uma aferição da espécie de direito em jogo.

Verificado que o direito periclitante cuja antecipação se pede antecipação, e que poderá tomar um caráter de irreversibilidade, é daqueles direitos fundamentais, cujo rol encontra-se, sobretudo, no artigo 5º da CF de 1988, em rol não exaustivo, emende-se, então cede passo a norma processual para permitir a antecipação, sem que isto signifique extinguir o processo prematuramente, pois que a antecipação não afasta o prosseguimento do feito até o final.

Aqui abre-se ensejo para a invocação e análise do parágrafo § 5º do artigo 273 do CPC, que determina a seqüência do processo até o final termo quando concedida a antecipação. Em tal ordem de idéias, prossegue o processo até que se ultime em caráter final a tutela visada.

No caso tratado no parágrafo anterior, quando ocorre de a antecipação exaurir o objeto do processo, como sejam naqueles casos em que os efeitos antecipados coincidem com os efeitos pretendidos de uma prestação instantânea e irreversível, o prosseguimento do processo até o final tem por escopo estabelecer a necessidade ou não de pagamento de perdas e danos que poderão advir em caso de não confirmação da liminar.

Nestes casos não terá aplicação prática o previsto no artigo 588, inciso III, do CPC, que preconiza o retorno ao prístino status quo e aplicável por força do parágrafo 3º do artigo 273.

Os efeitos antecipados tornam-se irreversíveis e inatingível o status quo ante, permanecendo a necessidade de verificar se a tutela final corresponde ao conteúdo da liminar ou não. O termo do processo é indispensável para esta verificação. Logo, inaplicável à espécie a extinção do processo por perda do objeto, ainda que tornados irreversíveis os efeitos antecipados.

A execução das medidas antecipatórias, ou melhor dos efeitos antecipados seguirá, segundo a dicção do artigo 273, § 3º, o disposto no artigo 588, inciso II e III. Deixou-se de fora o inciso I do retromencionado dispositivo, que prevê que a execução corre por conta e risco do exeqüente, devendo este prestar caução obrigando-se a reparar os danos causados ao executado.

Por outro lado a aplicação dos incisos II e III, que determina limitações ao alcance da medida, que não poderá importar atos de alienação de bens, retornando ao status quo anterior caso não confirmada em sentença a liminar concedida.

O inciso II, como visto, não pode ter aplicação rígida pois são comuns os caos em que a antecipação de tutela só tem efeito prático se os atos antecipadores tiverem um conteúdo realmente satisfativo, podendo-se alvitrar alienação de bens e mesmo o levantamento de quantias em caução idônea, presente que esteja um valor da maior envergadura a requerer uma interpretação abrandada do dispositivo.

As medidas antecipatórias poderão ser revogadas a qualquer tempo em decisão fundamentada, nos diz o artigo 273, § 4º, do CPC. Mas devemos repelir uma interpretação literal do dispositivo. Destarte, a possibilidade de revogação a qualquer tempo não significa conceder ao magistrado discricionariedade, não podendo ele ad nutum realizar mutações no que concerne a decisão concessiva ou denegatória anterior. A tanto o impede o princípio da segurança jurídica, que deve estar presente, sob pena de uma verdadeira balbúrdia processual.

Significa dizer que quando se concede o direito ao magistrado de mudar sua decisão, não se está simplesmente lhe conferindo a possibilidade de, invocando somente sua vontade, alterar decisões judiciais. Há que estar presente uma mutação no quadro fático ou jurídico, mesmo porque o dispositivo condiciona a mudança a prolação de um nova decisão fundamentada.

A questão que pode surgir, então, concerne à necessidade de fatos novos ou se poderia a nova decisão fundamentar-se em uma nova análise dos mesmo fatos aduzidos. A nosso ver somente com fatos novos poderá o magistrado proferir nova decisão. Mas note-se, a seqüência da instrução, com a ouvida de testemunhas pode significar fatos novos, pois o que se requer é mudança no quadro fático, incluindo-se o quadro probatório.

Logo, poderá o magistrado se convencer no transcurso da demanda do equivoco de sua anterior decisão ante o fato de (v.g.) ter o réu juntado documentos que infirmem a versão do autor.

O que não se pode admitir é que o juiz, analisando o mesmo quadro que antes tinha descortinado frente a si profira, sic e simpliciter, nova decisão, tornando, processo um jugo cujo grau de incertezas vai além do tolerável. Não podemos no esquecer que a antecipação de efeitos da tutela, como de resto qualquer decisão interlocutória, sempre trás conseqüências no mundo fático, podendo até atingir terceiros.

A mudança desordenada de orientação processual conspira contra a certeza jurídica que, se não é um valor absoluto, ao menos ainda é um cânone respeitável de nosso sistema processual o qual não podemos ignorar.

Mas o que é de suma importância é percebermos que há uma abismal diferença entre a tutela antecipatória e a tutela cautelar, sendo hoje inadmissível utilização da cautela para fazer as vezes da antecipação dos efeitos da tutela, o que, sobre ser uma grave cinca, causadora de inadequação do rito e portanto da extinção do feito sem julgamento do mérito, ainda representa uma grave violação do devido processo legal e da ampla defesa, princípio retores do sistema e insculpidos no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal, na medida em que se reduz drásticamente o prazo de defesa, sem falar no fato de se tornar letra morta o artigo 273 do CPC que exige algo mais do que mera verossimilhança para a antecipação de efeitos do próprio pedido, providência esta que, queiramos ou não, ainda é um exceção dentro do nosso processo civil.

14 DO PROVIMENTO MANDAMENTAL

A chamada ação mandamental, de que é exemplo a ação de mandado de segurança, constitui um exemplo dessa evolução. Não se confunde ela, embora as inegáveis semelhanças, com a ação condenatória. Esta dá origem ao título executivo que, em não sendo cumprida a condenação espontaneamente pelo demandado, possibilitará o acesso a uma outra ação, de execução ex intervallo.

Já na ação mandamental é o próprio juiz que, através de expedição de ordens, que se descumpridas farão configurar o crime de desobediência, e de realização por ele de atos materiais (como o fechamento de um estabelecimento comercial ou industrial, ou a cessação efetiva da publicidade enganosa, se necessário, com impedimento da circulação do veículo de publicidade, da interrupção da veiculação de um anúncio pela televisão etc., ou ainda a retirada do mercado, com uso de força policial se necessário, de produtos e serviços danosos à vida, saúde e segurança dos consumidores), é o próprio magistrado – repita-se – que praticará todos os atos necessários para que o comando da sentença seja cumprido de modo específico.

É nesse sentido que deve ser interpretado o artigo 83, quando nele se afirma que, em defesa dos direitos e interesses dos consumidores, são "admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela".

15 DO PROVIMENTO EXECUTIVO LATO SENSU

A execução específica ou a obtenção do resultado prático correspondente à obrigação pode ser alcançada através do provimento mandamental ou do provimento executivo lato sensu, ou da conjugação de ambos.

Através do provimento mandamental é imposta uma ordem ao demandado, que deve ser cumprida sob pena de configuração do crime de desobediência, portanto mediante imposição de medida coercitiva indireta. Isto, evidentemente, sem prejuízo da execução específica, que pode ser alcançada através de meios de atuação que sejam adequados e juridicamente possível, e que não se limitam ao pobre elenco que tem sido admitido pela doutrina dominante. E aqui entra a conjugação do provimento mandamental com o provimento executivo lato sensu, permitindo este último que os atos de execução do comando judicial sejam postos em prática no próprio processo de conhecimento, sem necessidade de ação autônoma de execução.

16 ADOÇÃO DE MEDIDAS DE SUB-ROGAÇÃO OBJETIVA E SUBJETIVA

Dentre os vários meios de execução possíveis, certamente as medidas de sub-rogação de uma obrigação em outra de tipo diferente são bastante eficazes. Bem se percebe que não estamos falando se sub-rogação comum, que é conversão da obrigação de fazer ou não fazer descumpridas em perdas e danos. E sim de sub-rogação propiciadora da execução específica da obrigação de fazer ou não fazer ou a obtenção do resultado prático-jurídico equivalente.

Pensemos, por exemplo, no dever legal de não poluir (obrigação de não fazer). Descumprida, poderá a obrigação de não fazer ser sub-rogada em obrigação de fazer, e não cumprida esta obrigação sub-rogada de fazer poderá ela ser novamente convertida, desta feita em outra de não fazer, como a de cessar a atividade nociva. A execução desta última obrigação pode ser alcançada coativamente, inclusive através de atos executivos determinados pelo juiz atuados por seus auxiliares, inclusive com a requisição, se necessário, de força policial (parágrafo 5.º do art. 461).

São meios sub-rogatórios que o juiz deverá adotar enquanto for possível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, em cumprimento ao mandamento contido no parágrafo 1.º do art. 461. Para isto, o juiz usará do poder discricionário que a lei lhe concede.

A discricionariedade deve ser bem entendida. Não se trata de adoção de qualquer medida, e apenas de medidas adequadas e necessárias à tutela específica da obrigação ou à obtenção do resultado equivalente.

O resultado prático equivalente poderá ser obtido, também, através de outros atos executivos praticados pelo próprio juízo, pôr meio de seus auxiliares, ou de terceiros, observados sempre os limites da adequação e da necessidade. Em nosso sistema jurídico não há explícita amortização para nomeação de terceiros, como o receiver ou master ou administrador ou committees do sistema norte-americano. O receiver americano, em matéria de proteção do meio ambiente, pode ter a atribuição de administrar uma propriedade para fazer cessar a atividade poluidora, de desenvolver obra de despoluição e de ressarcimento dos danos resultantes da poluição.

A Lei Antitruste (n.º 8.884/94), ao cuidar do cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, fala em ‘todos os meios, inclusive mediante de intervenção na empresa necessária’ (art. 63) e fala também em afastar de suas funções os responsáveis pela administração da empresa que, comprovadamente, obstarem o cumprimento de atos de competência do interventor’. O modelo desta última lei sugere a possibilidade de adoção de medidas assemelhados àquelas adotadas pelo sistema norte-americano, que prevê as figuras do receiver, master, administrador e commitees.

17 O EMPREGO DE MEIOS SUB-ROGATÓRIOS EM RELAÇÃO A OBRIGAÇÕES FUNGÍVEIS

Comprometido o processo moderno com a execução específica das obrigações de fazer e não fazer, a lei haverá de propiciar à parte meios imperativos para buscar o resultado prático a que corresponde o direito subjetivo do credor. Variados poderão ser esses expedientes, se a obrigação for fungível, isto é, realizável por ato de terceiro; ficarão, todavia, restritos à cominação de multa (astreinte) se, por ser infungível, apenas o devedor puder realizar, pessoalmente, a prestação a que se obrigou.

Na verdade, a nova postura legislativa é de valorização da execução específica, ainda quando a obrigação de fazer seja infungível. Por meio da cominação de multa diária por atraso no cumprimento da prestação devida, tenta-se compelir o devedor a realizá-la, antes de convertê-la em perdas e danos. A multa, porém, não chega, por si só, a realizar a prestação a que tem direito o credor. Em muitos casos, porém, essa prestação pode, perfeitamente, ser alcançada por obra do credor ou de terceiro, cabendo ao devedor suportar o respectivo custo.

Outras vezes, não se alcança exatamente a prestação devida, mas chega-se a resultado prático a ela equivalente. Fala-se, então em meios sub-rogatórios, que vêm a ser todo e qualquer expediente adotado pelo juiz para alcançar, como ou sem a cooperação do devedor, o resultado correspondente à prestação devida.

A mais enérgica medida para agir sobre o ânimo do devedor, é sem dúvida, a sanção pecuniária, a multa. Esta pode ser cominada tanto no caso das obrigações infungíveis como das obrigações fungíveis, com uma diferença, porém: a) se se tratar de obrigação infungível, não substituirá a prestação devida, porque a astreinte não tem caráter indenizatório. Não cumprida a obrigação personalíssima, mesmo com a imposição de multa diária, o devedor afinal ficará sujeito ao pagamento tanto da multa como das perdas e danos; b) se o caso for de obrigação fungível, a multa continuará mantendo seu caráter de medida coertiva, isto é, meio de forçar a realização da prestação pelo próprio devedor, mas não excluirá a aplicação dos atos executivos que, afinal, proporcionarão ao credor a exata prestação a que tem direito, com ou sem a colaboração pessoal do inadimplente.

Como meios sub-rogatórios entendem-se as medidas que, sem depender da colaboração do devedor, podem levar ao resultado prático desejado.

O primeiro expediente que se manifestou como meio sub-rogatório utilizável nas execuções de obrigações de fazer foi a substituição da declaração de vontade nos compromissos de contratar pela sentença judicial. Entendia-se a princípio que a promessa de declaração de vontade compreendia obrigação de fazer infungível, já que somente o devedor tinha condições para manifestar sua própria vontade. O direito evoluiu, no entanto para a fungibilidade, pois sem nenhum constrangimento direto e pessoal ao devedor, bastaria a lei conferir a outrem a função de declarar vontade em lugar do devedor. E foi o que se fez ao criar-se a ação de adjudicação compulsória em que o juiz, diante da recusa do promitente a outorgar o contrato definitivo, profere sentença que o substitui e produz em favor do promissário todos os efeitos jurídicos que deveriam ser gerados pela declaração sonegada pelo devedor inadimplente.

Com a sentença do procedimento previsto nos arts. 639 a 641 do CPC, o credor obtém, portanto, execução específica da obrigação de fazer contida na promessa de contratar. Por expediente diverso do contrato prometido chega-se a efeito jurídico e prático a ele equivalente.

O segundo meio de buscar o efeito visado pela obrigação de fazer, já antigo em nosso direito processual, é a multa diária (a astreinte) a que já nos referimos. Essa cominação, porém, não produz uma sub-rogação plena, porque sua força é apenas intimidativa: pela coação econômica procura-se demover o devedor de sua postura de resistência ao cumprimento da prestação devida. Não se chega, só por meio dela, à satisfação do direito do credor. Quando muito amedronta-se o devedor, fragilizando sua vontade de não cumprir a obrigação e criando clima de favorecimento prático ao adimplemento pelo próprio devedor. É meio indireto de execução, portanto.

Há, na nova sistemática do art. 461 algumas inovações importantes no emprego da multa na tutela judicial às obrigações de fazer e não fazer:

a) a aplicação da multa não se liga a poder discricionário do juiz; sempre que esta for "suficiente e compatível com a obrigação" (art. 461, § 4º), terá o juiz de aplicá-la". Só ficará descartado o emprego da multa quando esta revelar-se absolutamente inócua ou descabida, em virtude das circunstâncias". Imagine-se a situação em que após o inadimplemento a prestação se tornou impossível. Não teria sentido, obviamente, impor multa coercitiva a um devedor que não mais tem como cumprir a prestação. Só restaria ao credor, em semelhante situação, reclamar a compensação das perdas e danos, se a impossibilidade se dever à culpa do devedor. Pode-se pensar também na inadequação da multa quando o devedor estiver comprovadamente insolvente;

b) uma vez cabível a multa, o juiz não dependerá de requerimento da parte para aplicá-la; deverá fazê-lo de ofício, como prevê o art. 461, § 4º ;

c) o juiz não pode simplesmente multar o devedor; deve, sempre que usar a astreinte, fixar "prazo razoável para cumprimento da obrigação" (art. 461, § 4º); somente depois de seu escoamento é que, persistindo o inadimplemento, o devedor estará sujeito à pena cominada;

d) não apresenta a lei parâmetros obrigatórios para a fixação da multa; cabe ao juiz agir com prudência a fim de arbitrar multa que seja, segundo o mandamento legal, "suficiente ou compatível" com a obrigação. Cabe-lhe procurar a "adequação", que vem a ser o juízo de possibilidade de a multa realmente servir para provocar o cumprimento da obrigação, segundo a visão que o juiz tenha da causa; não se multa só com o propósito de penalizar o inadimplente e muito menos com o direto e único intento de arruiná-lo economicamente; é necessário que a medida sancionatória seja de fato útil e adequada ao fim proposto. É de acolher-se a ponderação de Carreira Alvim, segundo a qual embora o valor da multa possa, em tese, ultrapassar o valor da obrigação, a sua fixação, deve, na prática, guardar certa proporção com o dano experimentado pelo autor, em função da obrigação inadimplida. Em outros termos, deve conter-se num valor razoável, consoante as condições econômico-financeiras do devedor, sob pena de tornar-se tão ineficaz quanto a condenação principal;

e) a multa tanto pode ser aplicada pela sentença final de mérito, como por medida de antecipação de tutela (art. 461, § 4º). Naturalmente, para fazê-la incidir antes do julgamento definitivo da causa, o juiz haverá de apoiar-se em dados que justifiquem, in concreto, a tutela antecipada;

f) a multa uma vez fixada não se torna imutável, pois ao juiz da execução atribui-se poder de ampliá-la ou reduzi-la, para mantê-la dentro dos parâmetros variáveis, mas sempre necessários, da "suficiência" e da "compatibilidade"; mesmo quando a multa seja estabelecida na sentença final, o trânsito em julgado não impede ocorra sua revisão durante o processo de execução; ela não integra o mérito da sentença e como simples medida executiva indireta não se recobre do manto da res iudicata;

g) a multa vigora a partir do momento fixado pela decisão, o qual se dará quando expirar o prazo razoável assinado pelo juiz para o cumprimento voluntário da obrigação. Vigorá, outrossim, crescendo dia a dia, enquanto durar a inadimplência e enquanto for idônea para pressionar o devedor a realizar a prestação devida. Uma vez evidenciado que não há mais como exigir-se a prestação in natura, não terá como se prosseguir na imposição da pena diária. Não tem sentido, por exemplo, insistir na sua aplicação enquanto não forem pagas as perdas e danos. Se a obrigação se converter em perdas e danos, já não há mais razão para praticar um expediente sub-rogatório cuja existência pressupõe a exigibilidade in natura da obrigação de fazer. In casu, o devedor permanecerá responsável pelas astreintes vencidas até quando se constatou a inviabilidade do prosseguimento da execução específica.

18 MEDIDAS SUB-ROGATÓRIAS PARA REFORÇAR A EXEQUIBILIDADE IN NATURA

Por outro lado, enquanto for viável obter-se a prestação in natura, continuará cabível a multa, ainda que ultrapasse o valor da dívida, porque a astreinte não é meio de satisfação da obrigação, mas simples meio de pressão. Há, porém, quem não admita uma perpetuação da multa, principalmente depois que seu montante acumulado já tenha ultrapassado o valor total da obrigação.

O STJ já chegou a declarar que, na espécie, poderia ocorrer um enriquecimento sem causa [30]. Na doutrina, também, há vozes abalizadas recomendando, depois de passado algum tempo sem que a multa tenha produzido o esperado efeito, que o juiz faça cessar a incidência das astreintes. Para essa doutrina, a situação evidenciaria a impossibilidade de a multa conduzir ao resultado específico, ou pelo menos a inadequação da multa para tanto.

A meu ver, não se deve adotar nenhuma posição rígida a respeito do tema. O fato de prolongar-se muito a inadimplência, mesmo depois de cominada a multa diária, representará, sem dúvida, motivo para melhor avaliação da pena como medida executiva indireta e funcionará como indício de sua inadequação à espécie do processo. Mas daí a dizer, só por isso que, ela deverá cessar de incidir, vai uma distância muito grande e o argumento envolve um raciocínio nem sempre convincente.

O devedor pode justamente estar se prevalecendo de seu poderio econômico para prejudicar o credor, que depende substancialmente da prestação in natura para seus negócios. Parece-me correta a ponderação de Eduardo Talamini de que o juiz não pode singularmente "premiar a recalcitrância do réu". Em vez de se preocupar com o possível "enriquecimento sem causa" gerado pela indefinida protelação do cumprimento da sentença, deverá o juiz indagar se houve algum outro motivo para concluir que a multa se tornou inadequada ao seu objetivo institucional.

h) exigibilidade da multa: se a imposição se der na sentença, naturalmente sua exigência se dará na execução do referido julgado. Dependerá, todavia, de prévia liqüidação, em que se comprove o inadimplemento e a respectiva duração, para aperfeiçoamento do título executivo judicial.

O problema torna-se mais complexo e suscita a formação de divergências doutrinárias, quando se trata de cobrar a multa aplicada em antecipação de tutela (art. 461, § 4º). Para Cândido Dinamarco, tal multa somente se tornaria exigível depois do trânsito em julgado da sentença definitiva. Assim pensa, também, Ada Pellegrine Grinover.

Para Talamini, todavia, o que se tem de indagar é a finalidade da multa. Se ela foi estipulada em antecipação de tutela, para assegurar desde logo o provimento antecipado, deve ser exigível de pronto. Muito embora, deva se atentar para o caráter provisório de tal execução (CPC, art. 588, c/c art. 273, § 3º). Parece-me que se o juiz usou a multa como expediente para forçar o cumprimento imediato da prestação de fazer, não se deve recusar sua exigibilidade também imediata. O mesmo, porém, não acontecerá se a fixação liminar da multa não se vinculou aos pressupostos do art. 273 e 461, § 1º, necessários a exigir do réu a submissão antecipada os efeitos da tutela de mérito. Limitando-se o juiz a estipular a astreinte antes da sentença, sua exigibilidade, então, dependerá do ulterior trânsito em julgado, muito embora o dies a quo de seu cálculo possa retroagir ao momento fixado pela decisão primitiva.

i) Forma de execução de multa: a multa, em qualquer situação deverá ser exigida sob o rito da execução por quantia certa.

Mesmo quando o devedor só esteja incurso na multa estipulada em antecipação de tutela, não há na cobrança urgência para o credor capaz de justificar o afastamento do rito normal da execução por quantia certa.

Não é possível executar-se multa judicial, qualquer que seja ela, sem previamente submetê-la ao procedimento liqüidatório. Só após tal procedimento é que se terá o título executivo judicial líqüido, certo e exigível. Essa liquidação compreenderá não só a comprovação de que a prestação não se cumpriu no prazo assinado, como também de quanto durou o retardamento. Se esses dados já estiverem certificados nos autos, a liqüidação se resumirá num simples cálculo aritmético; havendo necessidade de apuração de dados novos, o procedimento terá de ser o da liqüidação por artigos.

19 OUTROS MEIOS SUB-ROGATÓRIOS OU DE APOIO

Dispõe o § 5º do art. 461 do CPC, com evidente propósito de perseguir a efetividade da tutela jurisdicional, que, nas ações relativas às obrigações de fazer e não fazer, o juiz pode determinar medidas de sub-rogação e coerção como "busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além da requisição de força policial".

A enumeração legal é reconhecidamente exemplificativa, de sorte que a autorização contida no § 5º do art. 461 compreende qualquer outra medida que se torne necessária e compatível com o propósito de proporcionar ao credor a "tutela específica" ou o "resultado prático equivalente".

As medidas em questão são determinadas pelo próprio juiz do processo de conhecimento e podem referir-se tanto ao cumprimento da antecipação de tutela como à execução da sentença definitiva.

Com elas procura-se a satisfação do direito do credor, e não apenas a conservação de elementos úteis ao processo. O texto legal é de meridiana clareza ao dispor que as providências autorizadas são "para efetivação da tutela específica ou para obtenção do resultado prático equivalente".

Embora o rol das medidas sub-rogatórias ou de apoio contido no § 5º do art. 461 seja meramente exemplificativo, o juiz não tem um poder ilimitado na adoção de outras providências para atingir a execução específica. Expedientes condenados pela ordem jurídica, como a prisão civil por dívida, obviamente não se incluem nos meios de coerção utilizáveis na espécie.

Na escolha de providência extravagantes, preconiza-se a observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, de sorte a guardar a relação de adequação com o fim perseguido, não podendo acarretar para o réu "sacrifício maior do que o necessário.

A busca e apreensão, in casu, é providência que pode se referir, no todo ou em parte, ao objeto criado pela execução da obrigação de fazer, bem como a alguma coisa necessária ou útil a tal execução (exemplos: materiais, projetos, ferramentas). As ordens desse tipo são tomadas incidentalmente, dentro do processo em curso, sem instauração de verdadeira execução para entrega de coisa.

A entrega de coisa para satisfazer o direito a "resultado prático equivalente" à prestação devida não é de ser descartado. As medidas sub-rogatórias do § 5º tanto são utilizáveis como preparação do julgamento do processo de conhecimento, como podem ser providências que a sentença utilize para determinar o conteúdo da condenação.

Nessa última hipótese, a busca e apreensão dar-se-ia, na fase de execução da sentença onde ficaria assegurado ao credor uma coisa determinada, cuja entrega lhe proporcionaria o "resultado prático equivalente". Imagine-se o fornecedor de um automóvel que não consegue realizar a contento a garantia de pleno funcionamento da máquina. O juiz pode transformar a obrigação de fazer (reparar o veículo) em obrigação de entregar outro automóvel em condições adequadas de operação.

A "remoção de pessoas e coisas", prevista no art. 461, § 5º, difere da busca e apreensão porque não se destina a proporcionar a entrega do objeto apreendido ao credor. Satisfaz a obrigação de deslocamento daquilo que obsta ao credor o exercício de seu direito (ex.: remoção de placa que viola marca ou nome comercial). Em relação a pessoas, pode-se pensar na remoção de grevistas que se recusam a deixar o recinto de trabalho, por exemplo, ou no empreiteiro que não retira seu pessoal da obra cuja continuidade foi adjudicada a outrem.

O "desfazimento de obras", também previsto no § 5º, do art. 461, não se restringe ao cumprimento da sentença que o tenha imposto como decorrência de obrigação de não fazer. O que se visa é permitir o expediente mesmo incidentalmente, até mesmo como antecipação de tutela, quando presentes os seus pressupostos legais. Em tais casos a demolição se dará em caráter de urgência, como cumprimento de simples mandado, sem se sujeitar ao processo de execução, como, aliás, ocorre com as medidas cautelares e demais provimentos de urgência.

O "impedimento de atividade nociva", igualmente autorizado pelo § 5º, do art. 461, pode ocorrer em caráter preventivo ou repressivo e segue o procedimento mandamental, para pronta efetivação. Pode ser coordenado com imposição de multa e outras medidas coercitivas como a remoção de bens e pessoas.

Para qualquer medida enquadrável nas diligências relacionadas a tutela específica ou seu equivalente prático, o juiz estará sempre autorizado a requisitar a força policial, na hipótese de ocorrer resistência injustificável à diligência. Trata-se de faculdade inerente à autoridade do órgão judicial.

20 ONDE REQUERER A ANTECIPAÇÃO EXECUTIVA?

Uma vez que tenhamos estabelecido a possibilidade de antecipação de tutela, ou de efeitos da tutela, resta indagarmos, no caso da execução, onde ela deverá ser requerida: no processo de execução ou nos embargos? Analisemos as duas hipóteses.

Tratemos primeiro da hipótese de antecipar-se a efetivação da tutela executiva com pedido na impugnação aos embargos. Para a configuração desta hipótese teremos de aceitar uma antecipação de efeitos da tutela de caráter declaratório e postulada pelo réu- embargado, o que contraria a doutrina que afirma inexistir possibilidade de antecipação de efeitos de declaração e também o que aparentemente dispõe o artigo 273, caput, do CPC, ao referir-se a pedido formulado "na inicial". Já tratamos destes aspectos, mas cumpre trazer à colação mais algumas observações.

Inicialmente calha observar que a antecipação de efeitos da tutela é uma medida de cunho procedimental, ou seja, implica um corte no iter procedimental, antecipando efeitos que só viriam com a sentença, note-se bem, com a sentença e não com o trânsito em julgado, porque é admissível a execução provisória enquanto pendente recurso sem efeito suspensivo ou concedida a antecipação de tutela em sentença para fim de subtrair o efeito suspensivo de recurso dele dotado. Desde que tenha algum proveito imediato para a parte postulante a antecipação é cabível, independentemente de serem estes efeitos executáveis ou não, porque não se antecipa necessariamente efeitos executivos, mas qualquer efeito que possa ter utilidade ao postulante. Antecipar nada mais é do que postergar o contraditório.

Claro que a antecipação tomará a forma de uma ordem, dando margem a que se diga que todos os casos de antecipação de efeito enquadram-se na mandamentalidade. Mas para que advenha uma ordem, necessariamente há que haver uma declaração do direito, ainda que provisória. Veja-se o exemplo de uma ação anulatória de multas de trânsito cujo não pagamento impede o licenciamento do veículo. Neste caso, verificando o magistrado que ocorre uma violação escatológica ao devido processo legal e a ampla defesa, o magistrado determina que o órgão gestor do trânsito licencie o veiculo.

Mas para proferir a tutela mandamental é necessário declarar a existência de violações ao devido processo legal aptas a dar sustentáculo ao mandamento judicial. O que se conclui é que na decisão interlocutória de antecipação de efeitos da tutela está presente um componente declaratório.

No que diz respeito à possibilidade de antecipação pedida pelo réu, cremos já ter deixado assente que reputamos uma possibilidade válida. Logo, seria viável o pedido em sede de impugnação aos embargos.

A outra hipótese é o pedido ser realizado na própria ação executiva. Neste caso, provando o ajuizamento dos embargos, analisando a sua fundamentação e demonstrando estarem presentes os requisitos da antecipação, o exeqüente pediria a antecipação da tutela executiva dentro da própria ação de execução. O óbice que se pode levantar contra esta alternativa é o de que se inseriria no processo de execução, infenso a discussões profundas, um debate que tem em vista o mérito dos embargos. Desta forma, o mérito dos embargos estaria sendo discutido duas vezes.

A priori, não haveria nenhum problema, porque a matéria seria analisada em sede de cognição sumária, não formando coisa julgada em relação aos embargos. Ocorre porem que a matéria renderia agravo de instrumento ao Tribunal, que apreciaria a matéria que também é objeto dos embargos podendo prejudicar o julgamento futuro do processo cognitivo incidental.

Acreditamos, contudo, que este não seria um obstáculo de monta, pois mesmo no processo de conhecimento esta possibilidade existe e nem por isto fica inviabilizada a antecipação e a recorribilidade da decisão que sobre ela versa.

Neste caso temos que o pedido seria manifestado por petição dentro do processo de execução, proferindo o magistrado decisão interlocutória suspendendo o efeito suspensivo dos embargos e antecipando a tutela executiva cujo desenlace estava obstado pelo efeito suspensivo dos embargos de terceiro ou de devedor. Mas qual será a melhor solução?

Embora nenhuma das duas seja prima facie afastável ou chancelável sumariamente, se nos parece que a sede própria para o pedido de antecipação de efeitos da tutela para suprimir o efeito suspensivo dos embargos seja o próprio processo de embargos, quer considerada como antecipação dos efeitos da tutela postulada pelo réu e em tal caso a tutela em questão é a tutela defensiva de cunho declaratório negativo ou desconstitutivo, quer seja considerada antecipação de efeitos da tutela executiva postulada na execução mas postulada, agora, em sua retomada, no processo de embargos. Este último caso tem a propriedade de afastar a argumentação de somente a tutela pretendida na inicial poder ser antecipada, pois, embora a matéria estivesse sendo postulada nos embargos de devedor ou de terceiro, na verdade estar-se-ia pretendendo a antecipação do pedido veiculado na inicial executiva, cuja possibilidade surge exatamente pela existência de um efeito suspensivo dos embargos.

Ainda que possa soar estranho um pedido que versa sobre tutela pretendida em um processo ser veiculado em outro, cremos que seja a melhor solução para evitar a balbúrdia procedimental. Cientes de que o processo é um instrumento, há que se optar pela solução que, sem comprometer os princípios magnos do processo e elencados não só na lei processual, mas principalmente na Constituição Federal, possibilite atingir-se a satisfação célere e rápida do direito pleiteado.

Assim, a natureza da atividade levada a cabo no processo de embargos, atividade proeminentemente cognitiva, mais se presta à veiculação da postulação de antecipação de tutela para efeito de cassar o efeito suspensivo dos embargos.

21 LIMITES À ANTECIPAÇÃO NO PROCESSO EXECUTIVO

Estabelecida a possibilidade de concebermos a antecipação da tutela executiva ou de efeitos da tutela desconstitutiva dos embargos, resta estabelecer um limite para o andamento do processo de execução.

Se preconizarmos que vigor absoluto o dogma da impossibilidade de que a antecipação implique irreversibilidade, não poderemos alvitrar que seja possível ir até os atos de alienação, uma vez suprimido o efeito suspensivo dos embargos.

Todavia, se não se admite que assim seja, a antecipação resultaria de pouco utilidade, na medida em que poderia ir somente até os atos de avaliação. Ora, a avaliação com o tempo iria perder seu valor de atualidade. Ademais, os atos de conservação, inclusive com a possibilidade de venda antecipada podem ser utilizados na feição que hoje temos da execução.

Somos levados a concluir que a antecipação da tutela executiva possa ir até atos de alienação, sob pena de inutilidade, já que de nada valeria a supressão do efeito suspensivo dos embargos.

Neste caso, como contraponto, poderá ser estabelecida a prestação de caução pelo exeqüente, mencionando-se no edital a situação na qual está sendo feita a alienação.

Acaso vencedor nos embargos, o que se afigura pouco provável ante a pouca plausibilidade da pretensão já verificada no juízo da sumaria cognitio, reverterá eventual prejuízo em perdas e danos. O reconhecimento da procedência pretensão de embargos e a situação da alienação levada a efeito, poderá até dar ensejo a uma continuidade da execução nos mesmo autos, agora em face do anterior exeqüente, mantendo-se, em qualquer caso, a alienação feita.

Assim, o executado embargante tornar-se-ia exeqüente, no mesmo ou em outro processo de execução, aplicando-se a responsabilidade objetiva do anterior exeqüente e embargado no que tange aos efeitos da alienação.

No caso da Fazenda Pública, ante a presunção iure et de iure de solvabilidade, poder-se-ia até mesmo dispensar a prestação de caução.

Assim, a aplicação da irreversibilidade preconizada como regra para as antecipações de tutela, teria de encontrar uma aplicação moderada, permitindo-se, de uma lado, a definitividade da alienação procedida, e de outro, a plena possibilidade de o executado reaver perdas e danos decorrentes da medida.

No caso das penhoras de renda, pode ser concebida a necessidade de depósito de parte do capital, usufruindo o credor, mediante caução de parcela da renda.

Desta forma tornaremos possível a medida antecipatória resguardando eventual direito do embargante.

22 A VEDAÇÃO DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE E UM NOVO TIPO DE CHAMAMENTO AO PROCESSO

O nosso sistema processual permite que o direito de regresso, desde que decorra ele só do fato da sucumbência numa ação, sem, portanto, a necessidade de intromissão de um outro fundamento, de uma outra causa de pedir, seja postulado na própria ação originária, através da ação incidente de garantia, a que se dá o nome de denunciação da lide (art. 70, inciso III, CPC).

A denunciação da lide, todavia, foi vedada para o direito de regresso de que trata o artigo 13, parágrafo único, do Código, para evitar que a tutela jurídica processual dos consumidores pudesse ser retardada e também porque, por via de regra, a dedução dessa lide incidental será feita com a invocação de uma causa de pedir distinta. Com isso, entretanto, não ficará prejudicado o comerciante, que poderá, em seguida ao pagamento da indenização, propor ação autônoma de regresso nos mesmos autos da ação originária.

A ação autônoma de regresso nos mesmos autos da ação de indenização, diz o artigo 13, caput, do Código de Defesa do Consumidor estabelece a responsabilidade do comerciante pelo fato do produto ou do serviço quando: "I – O fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis."

O parágrafo único deste artigo assegura ao comerciante que vier a realizar o pagamento ao prejudicado o direito de voltar-se regressivamente contra os "demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso".

Porém, esse pedido de ressarcimento não pode ser feito no mesmo processo; por isso é que se fala que está " vedada a denunciação da lide."

Isso ocorre, dentre outras coisas, porque o processo entre o comerciante e o consumidor será decidido com base na responsabilidade objetiva, como estabelece o Código de Defesa do Consumidor, enquanto a relação entre o comerciante e o outro fornecedor não está prevista pelo Código, e assim terá que ser julgada com base nos critérios normais da responsabilidade subjetiva.

Como bem esclarece o artigo 88 do CDC, "Na hipótese do art. 13, parágrafo único deste Código, a ação de regresso poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos, vedada a denunciação da lide."

Por razões de economia processual, permite o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 88, que "a ação de regresso seja aforada no próprio juízo da ação de indenização e com o aproveitamento dos mesmos autos de processo." É a idêntica técnica utilizada pelo legislador pátrio para a cobrança da multa imposta ao locador, em favor do locatário, por desvio de uso do imóvel retomado (parágrafo único do artigo 39 da Lei n.º 6.649/79).

O objetivo deste artigo também é evitar que a intervenção de outros interessados no processo possa torná-lo mais moroso, retardando a obtenção do direito do consumidor.

O artigo 90, rege que: "Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições."

Na interação entre o CDC e a LACP, o Código de Processo Civil é o nosso ordenamento processual de caráter geral, de sorte que sua aplicação, nos aspectos em que o Código não tem qualquer disposição específica e nem contrarie seu espírito, é solução imperiosa.

Um novo tipo chamamento ao processo, como aponta o artigo 94 do CDC, "Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor."

Edital: é a publicação no Diário Oficial do resumo do processo: quem propôs, qual a razão, qual a finalidade e outros casos afim, com o objetivo de comunicar a existência da ação às eventuais pessoas envolvidas e cujo interesse se defende. Assim, se quiserem, elas poderão integrar o processo como litisconsortes.

A divulgação da propositura da ação para conhecimento dos interessados, é a índole das ações de classe sua ampla divulgação entre os interessados, com a finalidade de possibilitar a intervenção destes no processo ou mesmo, em certos ordenamentos, para facultar-se-lhes o pedido de exclusão da futura coisa julgada. É aquilo que o ordenamento norte-americano chama de "the best notice practicable under the circumstances", recomendando, ainda, "individual notice to all members who can be identified through reasonable effort".

O legislador brasileiro, deixando de lado as intimações pessoais – não só impraticáveis mas até impossíveis na hipótese da ação coletiva sub examine, dada a inderterminação das vítimas e de seus sucessores no mento do ajuizamento do processo de conhecimento -, escolheu o caminho da intimação por edital, para a qual se aplicarão, analogicamente, as regras do art. 232 do CPC, no que couberem.

O Código do Consumidor dispensa a publicação em jornal local, por ser dispendiosa e pouco acrescentar à notícia do órgão oficial, enquadrando-se ambas na categoria da scientia ficta.

Em contrapartida, o art. 94 do CDC orienta no sentido da ampla divulgação da propositura da ação pelos meios de comunicação social – rádio e televisão -, de que encarrega os órgãos de defesa do consumidor, quais sejam, os órgãos federais, estaduais e municipais, bem como as entidades privadas de defesa do consumidor, integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (art. 105 do CDC).

A intervenção dos interessados como litisconsortes: a ampla divulgação prevista pelo art. 94, tem por finalidade a intervenção dos interessados no processo, a título de litisconsortes do autor coletivo. A espécie rege-se pelas disposições do CPC (arts. 46 usque 49), inclusive no que respeita à regra segundo a qual os atos e as omissões de um não prejudicarão os demais (art. 48 do CPC).

Trata-se, na espécie, de litisconsórcio unitário, uma vez que a lide será necessariamente decidida de modo uniforme com relação a todos, no que diz respeito ao dever de indenizar, fixado na sentença condenatória. Depois, nos processos individualizados de liquidação da sentença, o litisconsórcio que eventualmente se formar será comum.

Litisconsortes: geralmente no processo existem um autor e um réu. Todavia, é possível que em um ou em ambos os pólos dessa relação haja mais de uma pessoa ou litígio. As pessoas que, em comunhão de interesses, integram o mesmo pólo da relação processual são chamadas de litisconsortes.

Cumpre observar, no entanto, que o interveniente do art. 94, embora litisconsorte, não poderá apresentar novas demandas, ampliando o objeto litigioso da ação coletiva à consideração de seus direitos pessoais, o que contraria todo o espírito de "molecularização" da causa. Assim, aqui também há uma inovação nas tradicionais regras processuais, tanto assim que alguns autores preferem considerar a intervenção do art. 94 como assistência processuais, transportados do processo individual para o coletivo, está sempre a mudanças e a novas figuras.

A intervenção, a título de litisconsórcio, acarreta importantes conseqüências quanto aos limites subjetivos da coisa julgada: com efeito, tenham os interessados intervindo, ou não, no processo a título de litisconsortes, serão beneficiados pelos efeitos da sentença favorável. Se, todavia, a sentença rejeitar a demanda pelo mérito, somente os que tiverem intervindo no processo poderão propor suas ações reparatórias individuais. É o que determina o art. 103, III; c/c seu parágrafo 2.º do CDC.

Existem, portanto, duas possibilidades:

A)o interessado não intervém no processo coletivo. Sendo a sentença procedente, será igualmente beneficiado pela coisa julgada, mas se a demanda for rejeitada, pelo mérito, ainda poderá ingressar em juízo com sua ação individual de responsabilidade civil;

b)o interessado intervém no processo a título de litisconsorte: será normalmente colhido pela coisa julgada, favorável, não podendo, neste último caso, renovar a ação a título individual.

23 A FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA DE FORO PELO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR-AUTOR

Segundo a regra geral do artigo 93 do CDC, "ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II – no foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente".

Faz-se, como adverte Ada Pellegrini Grinover, "alternativamente pelo foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal" (inciso II do artigo 93).

Tanto num como noutro caso, a competência é da Justiça local, nos termos do disposto no caput do dispositivo. Os casos de competência concorrente serão solucionados pelos critérios do CPC, inclusive quanto à prevenção".

O "poder-dever de julgar" comum é dividido em duas órbitas: federal e estadual. À Justiça Federal cabe o julgamento das causas em que a União participa ou, de algum modo, intervém no processo. Com exceção dessa situação, em que matéria de consumidor é excepcional, todas as causas caberão à Justiça Estadual (local).

Com efeito, embora em regra a competência para as ações civis públicas e coletivas seja absoluta, e venha determinada pelo local do dano, em algumas hipóteses o CDC admite critérios de competência territorial ou relativa, para fixar a competência nas ações coletivas, qual seja o domicílio do autor.

Assim, como regra geral, poder-se-á concluir que sendo o fato gerador do direito subjetivo de âmbito local é competente o foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano (artigo 93 do CDC).

No mesmo sentido, é também competente para a execução, nos termos do parágrafo 2.º do artigo 98 do CDC: a) o juízo "da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual" (inciso I); b) o juízo "da ação condenatória, quando coletiva a execução" (inciso II).

A Justiça Estadual tem fórum em quase todas as cidades. Por isso, se a lesão ao consumidor tiver caráter regional, envolvendo mais de uma cidade (denominadas, em âmbito judiciário, de comarca), a causa caberá ao fórum da capital. Se o caráter da lesão for local, caberá ao fórum mais próximo.


CAPÍTULO II

1 AÇÕES COLETIVAS

O presente trabalho trata das ações coletivas, como uma forma de acesso à justiça.

Trar-se-á a lume a questão da participação popular na administração da justiça, representando, no dizer de VITTORIO DENTI, "um instrumento de garantia, de controle e de transformação".

Aliás, essa forma de participação também responde à exigência da legitimação democrática no exercício da jurisdição e às instâncias prementes de educação cívica, conforme bem salienta Mauro Cappelletti.

Como se pode notar, a abertura participativa popular permite que o acesso à ordem jurídica justa, no plano processual, concretize-se pelos novos esquemas da legitimação para agir.

Novos conflitos nascem e não seriam suportados quer pela estrutura formalista do processo clássico, quer pelos tribunais sobrecarregados e burocratizados.

Vê-se nascer os conflitos metaindividuais ou pluriindividuais, em que estão inseridas comunidades de pessoas mais ou menos indeterminadas ou de difícil determinação, tendo por objeto bens ou valores espalhados pela coletividade e de natureza indivisível: trata-se dos interesses ou direitos coletivos ou difusos.

Esses interesses ou direitos podem ser agrupados em pretensões homogêneas por sua origem comum, permitindo que a apreciação do litígio conflituoso possa beneficiar um maior número de pessoas que estejam na mesma situação legitimante.

Nesse plano dos grandes conflitos de índole coletiva, o direito brasileiro debutou com a Lei da Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347/85), que tratou dos interesses difusos e coletivos, de natureza indivisível, atinente ao ambiente e aos consumidores.

Posteriormente, já com a boa experiência inicial, veio a Constituição da República de 1988, com os dispositivos relativos ao Mandado de Segurança Coletivo (art. 5.º, LXX) e às Ações Coletivas de Associações (art. 5.º, XXI), de sindicatos (art. 8.º, III), do Ministério Público (art. 129,II) e dos Índios e suas comunidades e organizações (art. 232), sem prejuízo de outras titularidades que possam vir a ser estabelecidas em lei (art. 129, parágrafo 1.º).

Por fim, chega-se ao Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), que ampliou a abrangência da Ação Civil Pública, e a estendeu à tutela de qualquer interesse difuso ou coletivo. Também criou uma nova ação coletiva, pioneira nos sistemas de civil law, para a defesa de direitos subjetivos divisíveis, de ordinário tratados separadamente, mas que podem ser agrupados por sua origem comum.

Em todos esses casos, o direito brasileiro adota a legitimação concorrente e autônoma, permitindo a entes públicos ou organizações associativas a titularidade das ações coletivas, suprindo-se as deficiências organizacionais dos titulares desses interesses, se individualmente considerados, e permitindo um acesso à ordem jurídica justa a diversos níveis da população.

É o Estado assegurando igualdade de oportunidades a seus cidadãos.

2 ASPECTOS HISTÓRICO-EVOLUTIVO DO CONCEITO DE INTERESSE: COLETIVO & INDIVIDUAL

Tratar da questão do coletivo & individual exige uma prévia abordagem sobre a sua evolução conceitual.

Por Ulpiano chegou-se a estabelecer "jus publicum est quod ad statum rei romanae spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem: sunt enim quoedam publice utilia, quoedam privatim".

Logo, os pólos de referência eram o indivíduo e o Estado. E foi assim que o Direito Positivo restou organizado em dois ramos: o público e o privado.

Com o surgimento e o crescimento dos chamados corpos intermediários, houve o fracionamento do poder estatal, já que esses corpos intermediários passaram a desempenhar o papel de freio e contra peso na partilha do poder.

Porém, nos idos da Idade Moderna, esse quadro modificou-se, tomando os corpos intermediários novas posições: a igreja estabilizou-se nas atividades de ordem espiritual; o feudalismo declinou e desapareceu; as corporações desapareceram, dragadas pelas revoluções comercial e industrial, substituídas pelos conglomerados econômicos e empresas multinacionais. Mas, ainda que extremamente transformados ou enfraquecidos, os corpos intermediários engendram o espírito corporativo (ou corporativismo), representado pelo anseio dos indivíduos de participar do processo político-econômico.

Nasceu a consciência do coletivo.

Essa consciência representou assim um tertium genus, podendo-se dizer que representou um novo interesse, paralelo ao do público e do privado, o interesse coletivo.

Ainda que muitos movimentos contrários ao florescimento do interesse coletivo tenham surgido, ele se manteve, atravessando o século e fortalecendo-se cada vez mais, cabendo aqui citar : os sindicatos, as associações, os trusts, os cartéis, os conglomerados financeiros, os partidos políticos, os grupos de lobbies.

Para bem retratar esse ponto, Mancuso (1997:80) ressalta que: "É curioso observar que o indivíduo buscou o grupo como forma de melhor assegurar sua realização pessoal, como também para se proteger; renunciou, assim, a certas vantagens pessoais, em nome dos interesses coletivos sustentados pelo grupo ao qual se filiou, é de se interrogar se hoje não é elo nostálgico de uma sociedade inspirada no espírito liberal-individualista do século passado".

Mauro Cappelletti (1975:100) também se refere à insuficiência da tradicional dicotomia público-privado, dizendo-a superada, pois, embora sofisticada, não é suficiente para retratar a realidade, que é complexa, muito articulada para a simplista dicotomia tradicional.

Nos dias de hoje, essa dicotomia entre público e privado é insuficiente. O público, o privado e o coletivo haurem sua significação a partir da síntese dos interesses individuais neles agrupados. Um interesse é metaindividual quando, além de perpassar o círculo de atributividade individual, corresponde à síntese dos valores predominantes num determinado segmento ou categoria social, ou seja, é interesse coletivo de um grupo homogêneo.

Assim, cumpre frisar que a divisão do Direito Positivo em público e privado não mais significa exclusividade, mas sim predominância.

O Direto Penal, por exemplo, integra o ramo dos Direitos Públicos porque a maioria de suas normas são de natureza cogente, imperativas.

O Direito Civil, por sua vez, integra o ramo dos Direitos Privados em razão da predominância das normas de natureza privada, embora nele coexistam normas de ordem pública, como as relativas ao direito de família e sucessões.

3 AÇÃO: CONCEITO E CONDIÇÕES (Requisitos)

Não se pode falar em ações coletivas sem antes falar de ação e seu conceito, bem como das condições (requisitos da ação).

Assim, tem-se que "a ação é o direito subjetivo público, autônomo e abstrato, de provocar o exercício da função jurisdicional sobre determinada lide ou determinada relação ou situação jurídica sujeita pela lei à tutela jurisdicional do Estado", esclarecendo-se que a ação é direito subjetivo porque, mediante determinadas condições, as chamadas condições da ação, o autor tem o poder de exigir do Estado o exercício de determinada atividade, a atividade jurisdicional; é um direito autônomo, porque é um direito diverso do direito subjetivo material que o autor pretende ver reconhecido em juízo; é um outro direito, com outra essência.

Donde se concluir que o conteúdo do direito de ação é a providência jurisdicional através da qual o juiz compõe a lide ou provê a relação jurídica de direito material que lhe é submetida pelos particulares. O direito de ação é o direito a esta providência jurisdicional.

Acresça-se que a ação não é radicalmente abstrata, no sentido de ser totalmente incondicionada, mas a sua existência depende da verificação de certas condições na relação material tal como apresentada pelo autor ao juiz, pois somente na concorrência destas condições, que são condições da ação, farão jus as partes a um pronunciamento judicial sobre o mérito da causa.

Portanto, como o direito de ação não é condicionado, optou-se por chamar as condições de requisitos da ação, sendo eles: legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do pedido.

4 OS INTERESSES E SUAS CATEGORIAS

Nesse ponto, já se pode compreender que dicotomia esmaecida entre o público e o privado, fez florescer a percepção dos interesses em jogo.

Emerge, então, a distinção básica entre interesse público (titular = Estado) e interesse privado (titular = indivíduo).

Entretanto, é importante não criar uma idéia de classes distintas e intocável de interesses.

A uma, porque o interesse público pode alcançar interesses indisponíveis do indivíduo ou da coletividade, interesses sociais e até alguns interesses difusos.

A duas, porque há uma categoria intermediária de interesses, que não constituem nem interesse público, nem tipicamente privado.

O interesse público pode ser conceituado como o interesse geral da coletividade ou o interesse da coletividade como um todo.

Renato Alessi sustenta que o interesse público pode ser primário (= ao interesse social, interesse da sociedade ou da coletividade como um todo) ou secundário (= à vista da administração pública, ela define o que é bom para a coletividade, diz-se, então, que é o interesse público abstrato).

Já o interesse individual é tido como aquele cuja fruição se esgota no círculo de atuação de seu destinatário. Os interesses individuais homogêneos apresentam-se uniformizados pela origem comum, na sua essência remanescem individuais. Compreendem os integrantes determinados ou determináveis de grupo, categoria ou classe de pessoas que compartilhem prejuízos divisíveis, oriundos das mesmas circunstâncias de fato.

Nos interesses individuais homogêneos, os titulares são determinados ou determináveis e o dano ou a responsabilidade se caracteriza por sua extensão divisível ou individualmente variável.

Como exemplo, pode-se trazer a lume a questão dos compradores de veículos produzidos com o mesmo defeito de série.

Há uma relação jurídica comum subjacente entre os consumidores, mas, o que os liga é antes o fato de que compraram carros do mesmo lote produzido com o mesmo defeito.

Tanto os interesses individuais homogêneos como os difusos originam de circunstâncias de fato comum; entretanto, são indeterminados os titulares de interesses difusos, e o objeto de seu interesse é indivisível, enquanto nos interesses individuais homogêneos o dano ou a responsabilidade se caracteriza por sua extensão divisível ou individualmente variável, repita-se.

Quanto aos interesses coletivos, maior habilidade se requer na conceituação, eis que se apresentam em três acepções – 1.ª) interesse pessoal do grupo; 2.ª) interesse coletivo como soma de interesses individuais e 3.ª) interesse coletivo como síntese de interesses individuais -, mas apenas uma delas é efetivamente tida como interesse coletivo.

O interesse pessoal do grupo tem conotação bastante restrita, chegando a não ser considerado interesse propriamente coletivo. Ele se refere a interesse predominentemente ligado à pessoa jurídica que o compõe, isto é, a interesse direto e pessoal da entidade. Como exemplificação pode-se citar o interesse de uma cooperativa de agricultores em elevar o seu capital social.

O interesse coletivo como soma de interesses individuais diz respeito apenas e tão-somente a uma forma, pois pertine a interesses individuais exercidos em coletivo. A essência permanece individual.

O interesse coletivo como síntese de interesses individuais é o que se pode chamar de verdadeiro interesse coletivo, coletivo, pois se trata de interesses que ultrapassam os limites, dos anteriores, é um fenômeno coleitvo, ainda que originário dos interesses individuais, os quais se desvanecem para dar lugar a um veículo verdadeiro interesse coletivo, representando um ideal coletivo, uma alma coletiva.

Porém, o interesse coletivo, em oposição ao interesse público e ao interesse privado (individual), tornou-se, nos dias atuais, gênero, do qual são espécies: o interesse coletivo propriamente dito e o interesse difuso.

O interesse coletivo propriamente dito aparece como uma entidade geral e abstrata que absorve e ultrapassa a soma de interesses individuais de seus membros.

No que diz respeito aos interesses difusos, tem-se que são interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Compreendem grupo menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático preciso. São como um conjunto de interesses individuais, de pessoas indetermináveis, unidas por pontos conexos.

Diversos doutrinadores contribuíram para o estudo do tema, conceituando o interesse coletivo, e alguns, ainda, mais especificamente, o interesse difuso.

Dentre esses, pode-se citar o de Péricles Prade (1987: 57/58), que prega: "interesses difusos são os titularizados por uma cadeia abstrata de pessoas ligadas por vínculos fáticos exsurgidos de alguma circunstancial identidade de situação, passíveis de lesões disseminadas entre todos os titulares".

Na opinião de Ada Pellegrini Grinover (Novas Tendências: 1984:2), "os interesses coletivos são tidos como os interesses comuns a uma coletividade de pessoas e apenas a elas, mas ainda repousando sobre um vínculo jurídico que os congrega".

Vittoria Denti (1978:4) considera coletivos os interesses referíveis a uma comunidade bem definida, ligando-se à idéia de determinação do grupo.

Insta, por fim, trazer à colação a definição de Celso Bastos (1981:40), para o qual "os interesses coletivos dizem respeito ao homem socialmente vinculado, e não ao homem isoladamente considerado" ; "é o homem enquanto membro de grupos autônomos e juridicamente definidos, tais como o associado de um sindicato, o membro de uma família, o profissional vinculado a uma corporação, o acionista de uma grande sociedade anônima, o condômino de um edifício de apartamentos".

5 CARACTERÍSTICAS DOS INTERESSES COLETIVOS E DIFUSOS

As notas caracterizadas dos interesses coletivos são: a) a organização, a fim de que os interesses ganhem a coesão e a identificação necessárias; b) a afetação desses interesses a grupos determinados (ou ao menos determináveis), que serão os seus portadores; c) um vínculo jurídico básico, comum a todos os participantes, conferindo-lhes situação jurídica diferenciada.

Os interesses difusos podem ser : a) tão abrangentes que coincidam com o interesse público (meio ambiente); b) menos abrangentes que o interesse público; c) em conflito com o interesse da coletividade como um todo; d) em conflito com o interesse do Estado, enquanto pessoa jurídica; e) atinentes a grupos que mantêm conflitos entre si.

A diferença entre interesse individual, como por exemplo, a pretensão ao meio ambiente hígido, posto compartilhado por número indeterminável de pessoas, não pode ser quantificada ou dividida entre os membros da coletividades.

As notas caracterizadoras dos interesses difusos são: a) a indeterminação dos sujeitos; b) a indivisibilidade do objeto; c) a intensa conflituosidade; d) a duração efêmera, contigencial.

INTERESSES

GRUPO

DIVISIBILIDADE

ORIGEM

DIFUSOS

INDETERMINÁVEL

INDIVISÍVEIS

SITUAÇÃO DE FATO

COLETIVOS

DETERMINÁVEL

INDIVISÍVEIS

RELAÇÃO JURÍDICA

INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEOS

DETERMINÁVEL

DIVISÍVEIS

SITUAÇÃO DE FATO

6 TUTELA JURISDICIONAL DOS INTERESSES COLETIVOS

A questão da tutela jurisdicional dos interesses coletivos é de delicada e extrema importância.

Considerando os interesses coletivos com um caminho a permitir um acesso mais democrático à justiça, é preciso sejam fixados alguns pontos, a fim de permitir a concreta efetivação da tutela jurisdicional coletiva.

Pontos como a legitimação para agir, os limites da coisa julgada nas demandas coletivas, as espécies de sanções, fazem crer que os novos direitos que ora se implementam têm características muito próprias, sendo de se admitir que o velho e tradicional processo já não comporta os contornos que a sociedade pretende dar à função do Estado.

Assim, inicia-se este capítulo com a abordagem das quatro maiores dificuldades (reais) para assegurar o acesso à justiça nos interesses coletivos, na opinião abalizada de Mauro Cappelletti (1976:199/200).

O supramencionado professor destaca dificuldades, a saber:

1.ª) a legitimação. Da legitimação individual à legitimação por classe. Ação pelo grupo e ação de grupo.

2.ª) o direito de defesa e do contraditório de membro da coletividade não presente em juízo. O conceito de adequada representatividade e o superamento de uma garantia meramente individualista.

3.ª) o efeito do pronunciamento da matéria de interesse coletivo.

4.ª) a insuficiência de uma tutela essencialmente repressiva e monetária.

A seguir, cada uma delas, pormenorizadamente:

O PROBLEMA DA LEGITIMAÇÃO. O nascimento do Ideological Plaintiff. DA LEGITIMAÇÃO INDIVIDUAL À LEGITIMAÇÃO POR CLASSE. AÇÃO PELO GRUPO E AÇÃO DO GRUPO (Verbandsklagen).

A dificuldade real é aquela que deve ser enfrentada e resolvida justamente por quem aceita conscientemente a permissa de uma necessária e profunda reforma do processo civil, para adequá-lo às supramencionadas transformações radicais e às novas imensas exigências das sociedades contemporâneas.

O problema da legitimação é de grande importância para a questão que se vai abordar.

O processo não pode, em regra, ser aberto por quem não tenha relação com o objeto deduzido em juízo. O requesito de legitimidade deve existir, porém, as actio popularis (ou coletivas) representam uma exceção.

E bem acentua Cappelletti que se deve superar essa velha conceituação de legitimação para agir, vez que extremamente individualista, para adequá-la às novas necessidades de tutela coletiva, de caráter metaindividual e coletivo.

Entretanto, permanece necessário que se fixe certos requisitos de legitimidade para agir, mesmo que se deva construir um conceito de legitimação totalmente diverso e novo, consistente numa relação ou conexão ideológica, antes que propriamente jurídica, entre a parte e a relação deduzida em juízo.

E tal exigência se faz razão da necessidade de se limitar os abusos que poderiam derivar de uma legitimidade indiscriminada para quem poderá agir para a tutela de relacionamentos não propriamente seus.

A doutrina tradicional reconhece no titular (ou qualquer que se diz titular) da relação jurídica a pessoa legitimada a propor a ação.

O aparecimento das relações essencialmente coletivas ou de grupo, chamadas difusas, torna necessária a superação dessa doutrina por demais individualística

O aparecimento daquelas relações comporta o aparecimento da parte ideológica, do ideologic plaintiff na teoria de Louis Jaffe, que preconizava o autor não só pelo seu interesse jurídico individual, mas no interesse coletivo ou comunitário, de grupo, de classe.

Mas, ainda assim, há de se qualificar o ideologic plaintiff, sob pena de se permitirem abusos.

Não há dúvida de que aquele que vai a juízo, em nome de um grupo para a defesa do interesse coletivo, deve ser um bom representante da classe, uno buon paladino, seja uma associação, ou mesmo um indivíduo que haja não somente para si, como ator ou parte si, como ator ou parte individualística, mas como representante de uma coletividade.

Porém, impõem-se ainda assim uma seleção de requisitos de legitimidade, por exemplo, o reconhecimento da personalidade jurídica da associação.

Mas, se esse interesse que surge, por ser novo, não encontre o respaldo imediato de uma associação? Diga-se, por exemplo, do interesse da coletividade em se opor à construção de uma fábrica poluente em sua cidade? Não há uma associação pré-constituída para tratar desse interesse. Será que não haveria possibilidade de essa coletividade opor-se juridicamente?

Mauro Cappelletti defende que o problema da nova legitimação para agir, essa legitimação para agir por categorias, por classes, deva admitir uma maior margem de discricionariedade jurídica, que é, no momento atual de conhecimento e experiência da matéria, o único modo de dar solução, com respostas suficientemente realísticas, flexíveis, à imprevisível variedade dos casos concretos.

Deve-se permitir ao juiz, ainda segundo o autor, que possa examinar caso por caso, e segundo as circunstâncias concretas, se o champion é o adequado, se as condições são as melhores e se a legitimação é também adequada.

Nesse ponto, estar-se-á inovando e criando um novo acesso à tutela jurisdicional.

Na questão da legitimação para agir, o Direito Brasileiro vem inovando, com consideráveis pontuações feitas por Ministros do Superior Tribunal de Justiça.

Em recente Recurso Especial interposto perante a 3.ª Turma do STJ, o Ministro EDUARDO RIBEIRO proferiu o seguinte voto:

"A Comissão de Representantes dos adquirentes de frações ideais de terreno, vinculados à construção do Edifício "Mansão Portobello", ajuizou ação contra Construtora Rodrigues Sá Ltda., pleiteando a entrega das escrituras definitivas dos imóveis adquiridos. Cumulou pedido de indenização pelo atraso.

Rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva, argüida na defesa, a ré agravou de instrumento.

A Décima Sexta Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, com base nos artigos. 29, parágrafo único e 50 da Lei n.º 4.591/64, reconhecendo a legitimidade da autora, negou provimento ao agravo.

Rejeitado o pedido de declaração, a ré manifestou recurso especial. Alegou que contrariado o artigo 6.º do CPC, por ter o acórdão recorrido reconhecido a legitimidade da autora, inexistindo previsão legal para tanto. Afirmou, ainda, existir divergência com julgado que arrolou.

Recurso admitido e processado.

É o relatório.

VOTO

Sustenta-se que violado o disposto no artigo 6.º do Código de Processo Civil, ao admitir-se ser dado à Comissão de Representantes, de que cuida o artigo 50 da Lei n.º 4.591/64, deduzir em juízo pretensão dos adquirentes das unidades, como substituta processual desses. A norma citada veda a defesa de direito alheio, em nome próprio, salvo com autorização legal. E essa inexistiria, não podendo ser encontrada no citado dispositivo da lei de Condomínios e Incorporações. Se invocáveis para regular a espécie apenas o CPC e aquela lei especial, ausentes diplomas que ensejassem, com a integração dos textos, uma outra interpretação, ter-se-ia série dificuldade de escapar às rigorosas conclusões do excelente parecer trazido aos autos, elaborado pelo eminente professor ARRUDA ALVIM. Creio, entretanto, que o tema merece ser analisado, tendo em vista a adoção, em nosso direito, das ações coletivas, buscando-se solução harmônica com a orientação que se recomenda após a introdução desses novos instrumentos de solução dos litígios. Questão análoga à ora em apreciação foi objeto de exame por esta terceira Turma, ao decidir o Resp. n.º 10.417, de que fui relator. Naquele caso discutia-se sobre a ligitimidade do condomínio, representado pelo síndico, para pleitear indenização em virtude de vícios de construção que afetavam, não só as partes comuns, como as unidades autônomas. Concluiu-se por tê-lo como parte legítima. Peço vênia para reproduzir trecho do voto que então deferi:

‘Primeiro fundamento do recurso diz com a ilegitimidade ativa do condomínio, para demandar a propósito de defeitos localizados nas unidades autônomas. Sustenta-se que seus proprietários os únicos legitimados, tendo sido violado, pelo acórdão, o disposto no artigo 6.º do Código de Processo Civil.’

Prende-se a questão ao sentido que se der ao contido no artigo 22, parágrafo 1.º, "a" da Lei n.º 4.591/64, ao estabelecer que cabe ao síndico representar o condomínio em juízo, praticando os atos de defesa dos interesses comuns.

Exegese conservadora da citada norma da lei processual poderia conduzir a que se admitisse houvesse sido contrariada. Inegável a orientação marcadamente individualista do vigente Código, que pouco ou nada levou em conta o fenômeno atual da existência de direitos cuja defesa só é possível ou eficaz quando exercida coletivamente. Poder-se-ia entender que a expressão "interesses comuns’ dissesse tão-só com aqueles que, juridicamente tutelados, tivessem caráter transindividual e fosse indivisíveis. Cuidando-se de questões, como a posta nos autos, haveriam de referir-se apenas aos danos nas partes comuns. Creio recomendar-se, entretanto, outra interpretação, que tenha em vista o estágio atual do pensamento jurídico e de nosso ordenamento positivo.

A necessidade de tornar efetivo acesso à justiça e propiciar eficácia a sua atuação, constitui hoje a grande preocupação dos processualistas e de quantos se dedicam ao direito. Em função dessa tendência atual merece ser entendida a norma citada, contida na Lei de Condomínios. Instrumento adequado a ensejar sejam tais objetivos alcançados encontra-se nas chamadas ações coletivas. Entre elas, além das que alcançam estatura constitucional, as previstas na lei da ação civil pública e no Código de Defesa do Consumidor.

7 O PROBLEMA DA INSUFICIÊNCIA DE UMA TUTELA ESSENCIALMENTE REPRESSIVA E MONETÁRIA

Aqui se fala dos tipos de remédios que se possa pedir, ou seja, do tipo de pronúncia e de sanção que se pode obter do juiz.

Este é um problema enorme, pois que se dá conta de que os velhos remédios de caráter repressivo-ressarcitório e monetário não servem mais, representam uma tutela inadequada, especialmente no campo desses novos direitos e interesses de grupos, coletivos, freqüentemente não monetizáveis.

O melhor, na opinião de Cappelletti, são os pronunciamentos inibitórios e ordenadores, injuctions e mandamus, freqüentemente de caráter preventivo e com fortes e adequadas sanções, mesmo penais, no caso de inobservância.

Aqui deve também surgir um novo juiz, atento ao que se passa, adaptado às novas questões jurídicas e, principalmente, aos novos interesses coletivos, sendo capaz de ultrapassar certos esquemas tradicionais, para aplicar uma gama de poderes ainda desconhecidos, mesmo que discricionariamente. Pensa-se até no juiz participativo, que colhe na opinião pública, ou seja, junto a seus jurisdicionados envolvidos na lide, a melhor solução para o conflito que se lhe põe.

Outro autor que aborda com maestria a questão é o professor português Luís Felipe Colaço Antunes (1989:100).

Passa-se, agora, a considerar, segundo a ótica do supramencionado professor, as hipóteses nas quais os particulares e os grupos agem e intervêm em juízo em defesa dos interesses plurindividuais (difusos).

Dois grandes problemas surgem quando a questão aqui é levantada:

1.º) quanto ao caráter político-constitucional ;

2.º) quanto à natureza técnica.

Quanto ao caráter político-constitucional, basta dizer que a utilização do processo para a defesa deste tipo de interesses (plurindividuais) faz imediatamente surgir a questão dos próprios limites da função jurisdicional e a questão do novo papel do juiz em conflitos deste gênero, conforme já evidenciou, acima, Mauro Cappelletti.

No que tange à natureza técnica, ressalta-se a questão da legitimação para agir, do tipo de provimento jurisdicional a atingir, a eficácia da sentença e da sua coercibilidade.

A análise desses problemas será feita à luz do direito comparado.

8 TUTELA INDIVIDUAL

A facilitação do acesso à justiça e a celeridade na solução dos conflitos de interesses foram, dentre outras, as razões que deram margem à instalação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas e, posteriormente, os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, em cumprimento, aliás, ao comando do artigo 81, parágrafo I, da Constituição Federal de 1988.

A tutela individual do consumidor, assim, passa a ser prestada de forma mais efetiva, dando causa, em conseqüência da multiplicação de ações, a uma explosão de demandas judiciais, já que, além de causas de menor complexidade, foram também reveladas as causas que, até então, permaneciam em estado de hibernação.

Percebeu-se, então, a necessidade de garantir-se a efetividade do acesso à Justiça – requisito básico e fundamental dos direitos do cidadão – de forma mais ampla e efetiva, já que as causas coletivas de menor complexidade mantinham-se, em razão dos altos custos e morosidade dos processos, fora do alcance e da paciência dos consumidores lesados.

Com o aparecimento das class actions do direito americanos, os interesses coletivos e difusos a receber um tratamento mais uniforme, com economia de tempo e custo e garantia de acesso a um determinado grupo ou classe de pessoas.

A partir do século XV, observa Aluísio Castro Mendes, "as ações em grupo começam a trilhar o caminho de transição da common law e da manorial law para a equity".

No Brasil, com a edição das Leis n.º 4.717/65 (Lei da Ação Popular), n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) os interesses coletivos passam a ser mais bem resguardados, tornando, assim, efetivo o acesso à Justiça, possibilitando, dessa forma, o exercício pleno da cidadania (artigo 1.º, inciso II, da CF).

Com a edição da Carta Constitucional em 1988, dois novos dispositivos passam também a prever, independentemente da espécie de ação, a tutela coletiva em geral: o artigo 5.º, XXI (que confere legitimação às entidades associativas, quando expressamente autorizadas, para representar seus filiados, judicial ou extrajudiciamente) e o artigo 8.º (que confere aos sindicatos a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas).

Por fim, a Lei n.º 9.870. de 23 de novembro de 1999, ao dispor sobre o estabelecimento dos valores das anuidades escolares, legítima as associações de alunos, de pais de alunos e responsáveis para a defesa dos direitos que lhes são assegurados.

9 TUTELA COLETIVA

A tutela coletiva, segundo Kazuo Watanabe, abrange dois tipos de interesses ou direitos: a) os essencialmente coletivos, que são os ‘difusos’, definidos no inciso I do parágrafo único do artigo 18, e os ‘coletivos’ propriamente ditos, conceituados no inciso II do parágrafo único do artigo 18; b) os de natureza coletiva apenas na forma em que são tutelados, que são os ‘individuais homogêneos, definidos no inciso III do parágrafo único do artigo 18".

Aduz, ainda, que "os termos ‘interesses’ e ‘direitos’ foram utilizados como sinônimos, certo é que, a partir do momento em passam a ser amparados pelo direito, os ‘interesses’ assumem o mesmo status de ‘direitos’, desaparecendo qualquer razão prática, e mesmo teórica, para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles".

Com efeito, "passageiros do mesmo barco, os habitantes deste irrequieto planeta vão progressivamente tomando consciência clara da alternativa essencial com que se defrontam: salvar-se juntos ou juntos naufragar".

O princípio da dimensão coletiva confere nova regra de interpretação aos contratos consumeristas. Surge, como esclarece Jorge de Miranda Magalhães, "a legitimação da coletividade, nas ações correspondentes à defesa do consumidor, não só quanto aos interesses difusos e coletivos stricto sensu, mas ainda nas chamadas individuais homogêneas, como as do mercado de valores mobiliários, antes regulados pela Lei n.º 7.913/89, que não previa expressamente a tutela dos direitos individuais homogêneos afirmando alguns que o Codecon criou a clars action brasileira.

10 A TUTELA ESPECÍFICA DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER (ART. 461 DO CPC)

O processo, como instrumento que é para a obtenção da prestação jurisdicional correspondente à realização do direito, somente obtém êxito integral em seu mister quando for capaz de gerar, na prática, resultados idênticos aos que decorreriam do cumprimento natural e espontâneo das normas jurídicas. Daí dizer-se que, proibida a autotutela, o processo ideal é o que dispõe de mecanismos aptos a produzir ou a induzir a concretização do direito mediante a entrega da prestação in natura. E quando isso ocorre, ou seja, quando se proporciona, judicialmente, ao titular do direito, a obtenção de tudo aquilo e exatamente daquilo que pretenda, há prestação de tutela jurisdicional específica. Nesse ponto, assume particular relevância essa espécie de tutela – entendida como o conjunto de remédios e providências tendente a proporcionar, àquele em cujo benefício se estabeleceu a obrigação, o preciso resultado prático que seria atingido pelo adimplemento. Assim, como afirma Flávio Luiz Yarshell, "o próprio conceito de tutela específica é praticamente coincidente com a idéia da efetividade do processo e da utilidade das decisões, pois nela, por definição, a atividade jurisdicional tende a proporcionar ao credor o exato resultado prático atingível pelo adimplemento".

No que se refere à tutela das obrigações de fazer ou não fazer, previstas nos arts. 878 a 883 do Código Civil, que consistem em comportamento omissivo ou comissivo do obrigado, o Código de Processo, em sua versão primeira, apresentava-se longe do modelo ideal, eis que notoriamente destituído, em grande numero de situações, de meios eficientes para prestar a tutela específica. Os instrumentos disponíveis eram, ou limitados quanto à eficácia, ou restritos a apenas algumas daquelas obrigações. Como exemplo: em se tratando de obrigação cujo objeto pode ser atendido não somente pelo obrigado, mas também por terceiro (obrigação de fazer fungível), o Código regulou a forma para que a prestação específica fosse atendida pelo terceiro (art. 634), ou mesmo pelo próprio credor (art. 637), à custa do devedor, apenas operacionalizando os preceitos contidos na norma material civil. Igualmente, em se tratando de obrigação de concluir um contrato ou de prestar declaração de vontade (obrigação de fazer infungível), o legislador processual substituiu o ato do devedor relutante pela ação estatal, para suprir a abstenção daquele, dispondo que a própria sentença de procedência produziria "o mesmo efeito do contrato a ser firmado" (art. 639) ou da "declaração não emitida" (art. 641), mecanismo que encerrava nítida tutela específica. Quanto às demais situações, a obtenção da tutela específica não era escorada por meios coercitivos eficientes, resolvendo-se o inadimplemento sempre pelo sucedâneo pecuniário.

Assim, permaneciam ao desabrigo de qualquer forma eficaz de proteção do direito à prestação específica um grande número de obrigações de fazer e, de um modo geral, de não fazer. No tocante a estas últimas – que são, por natureza, infungíveis, já que a prestação específica consiste exatamente no comportamento omissivo a ser tomado pelo próprio obrigado – não havia em nosso ordenamento jurídico, mormente na seara processual, um mecanismo que inibisse, satisfatoriamente, o evento lesivo. Ao credor ameaçado apresentava-se, como alternativa heróica, buscar uma sentença condenatória, prolatada em processo de conhecimento, já inútil a coibir a anterior consumação da ofensa.

Neste aspecto, o Código de Processo Civil de 1973 apresentou, como afirma Barbosa Moreira, um retrocesso em relação à codificação anterior, pois:

(...) conhecendo o expediente adequado, furtou-se curiosamente a fazer dele o uso amplo que lhe sugeriam a política jurídica e a própria tradição do direito brasileiro, já chegada no Código de 1939 a grau de aprimoramento bastante para produzir uma figura genérica de tutela do credor, em matéria de obrigação de fazer e de não fazer, construída sobre o esquema de preceito initio litis, com aplicação imediata da sanção cominada, no caso de descumprimento: a ação cominatória do art. 302, XII. Restringiu-se de modo notável, na reforma processual, à simples proteção da posse e da propriedade; fora desse âmbito privilegiado, o processo de conhecimento disciplinado no vigente estatuto afigura-se impotente para tutelar em forma preventiva, e portanto específica, com eficácia prática, as posições jurídicas de vantagem a que correspondam obrigações negativas no sentido lato posto no início (...) e a carência é tanto mais séria quanto menos satisfatória, em inúmeras situações excluídas (basta pensar nas de conteúdo não patrimonial), a tutela meramente sancionatória ou repressiva.

Ausente, pois, um mecanismo adequado para a obtenção da tutela específica nos casos aludidos, um seguimento expressivo da doutrina do processo civil recomendava, a despeito de sua natureza técnica, o uso da ação cautelar inominada, com supedâneo nos arts. 798 e 799 do Código de Processo Civil. Esta recomendação, pelo que demonstrou a experiência forense, foi adotada em parte, com um aspecto adicional: ante a ameaça de inadimplemento de obrigações de não fazer, utilizou-se, com freqüência, a via da ação declaratória (para aparentemente obter a certificação da existência da obrigação) acompanhada ou precedida da ação cautelar inominada, esta fadada a antecipar efeitos da tutela de conhecimento, notadamente, a expedição de ordem de abstenção.

Com o advento da Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, o panorama foi substancialmente alterado: sem eliminar as técnicas de tutela jurisdicional até então existentes, deu-se nova redação ao art. 461 do Código de Processo Civil, em cujo caput ficou estabelecido que "na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará as providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento". E, nos termos do § 1º, "a obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente". Para tornar possível a prestação da tutela específica, o legislador conferiu ao juiz poderes para "impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito" (§ 4º). Estabeleceu, ainda, que "para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas ou coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial" (§ 5º).

A novel redação do art. 461 do CPC, transladado, praticamente na íntegra, do art. 84 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), trouxe, como se percebe, inovações expressivas, todas fundadas no princípio da maior coincidência possível entre a prestação devida e a tutela jurisdicional entregue. No sistema anterior, a alternativa oferecida ao credor para a impossibilidade de obter a tutela específica era a de converter tal prestação em indenização por perdas e danos. Agora, nova alternativa se apresenta: a de substituir a prestação específica por outra que diz: caput, "Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz considerará a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento".

Ao se propor ação com o objetivo de obter o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer há nela embutido, como pedido implícito, o da designação de outras providências que assegurem referido resultado prático, de modo que a compensação pecuniária somente se dará se assim expressamente requerer o autor, ou se "impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente" (§ 1º).

Esta recente sistemática adotada pelo legislador, integrando ao ordenamento processual novas espécies de direito material – que não se coadunam com a prática meramente ressarcitória –, privilegiando a máxima chiovendiana de efetividade da função jurisdicional, estabeleceu uma nova ordem de prioridades, onde a tutela jurisdicional busca em primeiro plano a tutela específica da prestação devida; na impossibilidade da prestação in natura, o resultado prático equivalente e, em último caso, a reparação por perdas e danos.

A relevante valorização que se deu à busca da tutela específica está acentuada nos dispositivos que conferem ao juiz uma espécie de "poder executório discricionário", habilitando-o a utilizar, inclusive de ofício, além dos mecanismos nominados nos §§ 4º e 5º, outros mecanismos de coerção ou de sub-rogação inominados, aptos a produzir a entrega específica da prestação devida ou o resultado prático equivalente, desde que, por óbvio, juridicamente legítimos.

Outra questão de suma importância, é o caráter emergencial que impregna a tutela específica das obrigações de fazer ou não fazer e que a coloca pari passu com as demais tutelas provisórias de urgência.

Esta característica inerente à tutela específica das obrigações de fazer ou não fazer, como se observará, está calcada na assertiva de que a demanda pela tutela específica possui um conteúdo de satisfatividade tal, que sua concessão in limine litis confunde-se com a própria tutela de mérito.

Com efeito, a compreensão pacífica dos estudiosos do direito processual civil brasileiro identifica, na própria demanda pela tutela específica, um conteúdo eminentemente emergencial na busca pela prestação in natura da obrigação, sob pena de ineficácia da tutela jurisdicional postulada, pois, não raro, o requerimento deduzido em juízo sugere uma resposta imediata do juiz para que ordene o cumprimento de obrigação ou a abstenção específica, em caráter provisório e sem que haja uma cognição exauriente. Assim, determina o legislador pelo § 3º: "sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente, ou mediante justificação prévia, citado o réu" e, da mesma forma que na antecipação de tutela do art. 273 do CPC, indica que "a medida poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada".

Eis aí o elemento de convergência entre a antecipação dos efeitos da tutela de mérito, instituída como tutela provisória pelo art. 273 do CPC, e a tutela específica do art. 461 do mesmo diploma processual.

Ambas estas técnicas de tutela, como afirma J. E. Carreira Alvim, "são modalidades de tutela diferenciada, cujo objetivo é satisfazer uma pretensão material que, de outro modo, estaria comprometida pela natural demora na conclusão do processo".

Na prática, entretanto, não se tem feito a devida distinção entre essas espécies de tutela jurisdicional, tratando-se a tutela antecipatória como tutela específica e vice-versa. Não obstante as distorções na aplicação destes institutos processuais, esta diferenciação é de suma importância, porquanto dela dependerá a incidência ou do art. 273 (tutela antecipada) ou do art. 461 (tutela específica) do CPC, cada qual com seu âmbito de aplicação rigorosamente definido.

O melhor critério para se delimitar uma e outra forma de tutela é proceder por exclusão: aquilo que, em tese, não se comportar no âmbito da tutela específica das obrigações de fazer e não fazer (art. 461), comportar-se-á no da tutela antecipada (art. 273). Assim, qualquer pretensão envolvendo obrigação de dar lato sensu (entregar, restituir) cabe no âmbito desta(6), ou seja, as pretensões embasadas na obrigação de dar coisa certa (arts. 863 a 873 do Código Civil) ou incerta (arts. 874 a 877 do Código Civil) estão sob o alcance do art. 273 do Código de Processo Civil, já as pretensões embasadas nas obrigações de fazer (arts. 878 a 881 do Código Civil) e de não fazer (arts. 882 e 883 do Código Civil) restam sob o alcance do art. 461 do Código de Processo Civil, nada obstando, contudo, que haja uma aplicação sistemática e integrada dos dois institutos.

As dificuldades de estabelecer-se, em certos casos, os exatos limites entre as pretensões embasadas nos arts. 273 e 461 determinam, muitas vezes, o ajuizamento de uma ação por outra, pedindo o autor a tutela antecipada quando se trata, na verdade, de tutela específica, ou vice-versa. Constituindo técnicas de tutela de mesma natureza (urgência quanto à pretensão material), destinadas à satisfação do direito num momento diverso daquele considerado adequado, que seria o da sentença (cognição exauriente), a doutrina assevera a possibilidade de conversão de uma espécie de tutela em outra, sem a necessidade de emenda da inicial. Esta conversão, aliás, não afronta o princípio da demanda, mesmo porque o que caracteriza a pretensão material e lhe dá conteúdo é o pedido, na sua substância, e não o modus postulandi, segundo o melhor entendimento doutrinário na seara processual.

De modo contrário, todavia, não poderá haver esta conversão se a hipótese for de medida cautelar (daquelas não deferíveis de ofício) em vez da tutela antecipada ou específica, devendo o juiz, neste caso, facultar ao autor a emenda da inicial, pois, se assim não fizer estará decidindo extra petita.

Outro aspecto de suma relevância para o presente estudo encontra-se na atuação volitiva do homem como óbice ao alcance da tutela específica.

Durante longo tempo estabeleceu-se a vontade humana como limite intransponível ao cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer. Assim, historicamente, a vontade do homem, mesmo que reconhecidamente devedor de uma prestação in natura, era intangível. Decorrente dessa premissa, ficou consagrado o princípio insculpido no art. 1.142 do Código Civil Francês, de que toda obrigação de fazer ou não fazer inadimplida, resolve-se em perdas e danos. Contudo, a equivalência entre a prestação específica e sua substituição pelo dinheiro, não raro, deixa ao desabrigo o conteúdo daqueles direitos que efetivamente não possuem valor econômico ou patrimonial, como os de cunho personalíssimo (direito à saúde, à imagem, à intimidade, etc.). "Do que adianta", afirma Thereza Alvim, "para alguém que tem a saúde de sua família e a sua abalada por poluentes de indústria, que está vizinha de sua moradia, não pare esta de poluir o ambiente mas o indenize em pecúnia?".

Mesmo antes de qualquer alteração no Código de Processo Civil, entendendo não ser atentatório à dignidade humana fazer cumprir sua manifesta vontade, a lei processual já encampava dispositivos, consubstanciados nos arts. 639 e 641, através dos quais a decisão judicial supria a vontade do contratante, produzindo os efeitos da declaração não emitida.

Nessas hipóteses, a legislação processual fornecia a tutela específica, em casos que a certificação do direito, realizada no processo de conhecimento, e sua execução forçada mantinham a efetividade da prestação mesmo depois de passado o lapso temporal compreendido entre a demanda e a prestação jurisdicional. Nos demais casos, ainda que infungível a obrigação, restava ao credor da obrigação de fazer ou não fazer a resignação pelo sucedâneo pecuniário.

Hoje, no entanto, superado em parte o mito da nulla executio sine titulo, está definitivamente integrada a nossa cultura a idéia de que a tutela específica não fere a dignidade da pessoa humana, mas, ao contrário, vai ao seu encontro, prevalecendo o entendimento de que a alteração prática ilegítima dessa vontade é que não merece a proteção do direito. Assim, o legislador fez incluir meios de coerção (multa cominatória) e meios de sub-rogação (parágrafo 5º, art. 461, CPC) para privilegiar a efetividade da tutela específica.

Antolhe-se, pois, do exposto, a elevada relevância da tutela específica das obrigações de fazer ou não fazer, do art. 461 do CPC, verdadeiro primor da efetividade do processo, da superação dos óbices conservadores de ordem processual e da garantia de obtenção de tudo aquilo que o titular de um direito deve, pelo exercício pleno da justiça, obter.

11 NATUREZA DA AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER OU NÃO FAZER NÃO CUMPRIDA

As inovações trazidas pela atual redação do art. 461 do Código de Processo Civil, recebeu, com entusiasmo, o apoio de inúmeros autores renomados, que a este instituto agregaram valorosos comentários.

Entre as inovações extraídas do dispositivo está a de permitir medidas executivas imediatas sem necessidade de processo de execução ex intervallo. A quebra do mito nulla executio sine titulo, na ação de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, é objeto de exame de Ada Pellegrini nas invulgares considerações que se seguem:

(...) descumprido o preceito da sentença ou de sua antecipação, passa-se às medidas executivas lato sensu, no mesmo processo de conhecimento já instaurado: se se tratar de obrigação de prestar declaração de vontade, aplica-se o sistema dos artigos 639 e 641, ambos do CPC, pois a sentença constitutiva já produz resultado equivalente ao da declaração; se se tratar de prestação fungível, que possa ser prestada por terceiro, a hipótese subsume-se ao disposto no art. 634 CPC - inalterado -, que não deixa de configurar medida sub-rogatória enquadrável no § 5º do art. 461, independente de processo separado de execução; nas demais hipóteses, a multa se torna exigível e, sempre que possível, o juiz procederá de imediato à tomada de providências sub-rogatórias exemplificadas no § 5º do art. 461, para atingir o resultado equivalente ao adimplemento, sem necessidade de execução.

Sendo assim, conclui a autora, está-se diante de sentença cuja natureza não encontra identificação "na visão tradicional, que classifica o processo de conhecimento, e as sentenças nele proferidas em meramente declaratórias, condenatórias e constitutivas".

E postula, ainda:

(...) a sentença do art. 461, quando aplicadas as medidas sub-rogatórias previstas em seu § 5º, é de natureza condenatória, mas atípica, pois os atos executórios são praticados no próprio processo de conhecimento. O que nada mais é do que reconhecer a existência de sentenças condenatórias imediatamente executivas, ou, em outras palavras, de sentenças executivas lato sensu.

Observa, mais adiante, lembrando as críticas da doutrina ao reconhecimento da categoria das sentenças mandamentais, que:

(...) hoje as coisas mudaram: a prestação jurisdicional invocada pelo credor da obrigação de fazer ou não fazer deve ser a expedição de ordem judicial, a fim de que a tutela se efetue em sua forma específica. Bem o demonstra o teor do § 4º do art. 461, que permite ao juiz impor ao obrigado multa diária (desde que suficiente ou compatível com a obrigação), independentemente de pedido do autor: o pedido deste, portanto, terá sido de expedição de uma ordem para que, por meios sub-rogatórios, se chegue ao resultado prático equivalente ao adimplemento.

Por outro lado, o destinatário da sentença não é mais exclusivamente a autoridade pública ou o agente de pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder Público (segundo o art. 5º, inc. LXIX, da Constituição vigente), como ocorre no mandado de segurança, mas sim qualquer demandado, titular de uma obrigação de fazer ou não fazer.

E arremata, afirmando que "o art. 84 do CDC e, agora, o art. 461 CPC demandam uma profunda revisão da crítica à existência da sentença mandamental, hoje realidade incorporada ao processo civil comum".

Em outras palavras, essa insigne doutrinadora reconhece, na ação de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, traços característicos de ação executiva lato sensu e de ação mandamental, porém, expõe claramente não se tratar ela de ação puramente condenatória.

Nesta mesma diapasão, entoa Ovídio Baptista: "parece-nos indiscutível", afirma, "que a ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, do art. 461, pode ser tudo, menos uma ação condenatória, com execução diferida". E mais adiante: "...as ações do art. 461 ou serão executivas (...); ou serão mandamentais", tudo dependendo da natureza das providências ordenadas pelo juiz, com base nos poderes que lhe conferem os §§ 4º e 5º, do art. 461.

No entender de Kazuo Watanabe:

(...) valeu-se o legislador, no art. 461, da conjugação de vários tipos de provimento, especialmente do mandamental e do executivo lato sensu, para conferir a maior efetividade possível à tutela das obrigações da fazer ou não fazer, de modo que a execução específica ou a obtenção do resultado prático correspondente à obrigação pode ser alcançado através do provimento mandamental ou do provimento executivo lato sensu, ou da conjugação dos dois. Através do provimento mandamental é imposta uma ordem ao demandado, que deve ser cumprida sob pena de configuração de crime de desobediência, portanto mediante imposição de medida coercitiva indireta.

Isto, evidentemente, sem prejuízo da execução específica, que pode ser alcançada através de meios de atuação que sejam adequados e juridicamente possíveis, e que não se limitam ao pobre elenco que tem sido admitido pela doutrina dominante. E aqui entra a conjugação do provimento mandamental com o provimento executivo lato sensu, permitindo este último que os atos de execução do comando judicial sejam postos em prática no próprio processo de conhecimento, sem necessidade de ação autônoma de execução.

O problema de se reconhecer sempre, na ação do art. 461, uma ação executiva lato sensu, ou seja, que permite desde logo, na mesma relação processual, as providências executivas decorrentes da sentença (que é mandamental ou executiva, ou conjugadas), está no reformado art. 644 do Código de Processo Civil, que, como visto em tópico anterior, prevê ação autônoma de execução de obrigações de fazer ou não fazer determinada em título judicial. Afirma a autorizada doutrina que, se a sentença está sujeita a ação de execução autônoma, ex intervallo, como prevê o dispositivo, é porque o art. 461 produz, pelo menos em certos casos, sentença condenatória, e não executiva lato sensu.

A elucidação da questão tem relevante importância prática, pelas conseqüências de ordem processual daí decorrentes, entre elas, (v.g.), a relativa à defesa do devedor e à competência para promover os atos de execução.

Com efeito, se se considerar a sentença como condenatória, a defesa do executado será promovida por via de embargos, ou seja, por uma nova ação autônoma e incidental (de conhecimento), caso houver execução; todavia, caso se considere a sentença como de natureza executiva ou mandamental, toda a matéria de defesa, inclusive no que se refere às providências executórias, se dará por petição e, se for o caso, por recurso de agravo, na própria ação de conhecimento original. Por outro lado, no que tange à competência, sendo considerada condenatória a sentença, será competente para a ação de execução o juízo originariamente competente para decidir a ação de conhecimento (CPC, art. 575, I e II).

O mesmo não ocorreria em se tratando de sentença executiva lato sensu. Vislumbre-se a hipótese em que, estando o processo em fase recursal, haja antecipação da tutela, com base no art. 461, § 3º, deferida pelo relator. Aqui, se considerada de natureza condenatória, a decisão antecipatória servirá como título executivo para a instauração de ação executiva perante o juízo a quo. Contudo, se tratada como executiva lato sensu, o cumprimento da medida antecipatória será promovido, desde logo, perante o próprio órgão que a deferiu, isto é, o Tribunal.

Ovídio Baptista, aliás, nega a natureza condenatória da ação do art. 461, em qualquer caso, quando assevera:

Parece-nos fora de dúvida que o modo como está concebido o art. 461 afasta a conclusão de que as ações aí indicadas pudessem ter por objetivo apenas a condenação do demandado, a fim de que a execução da sentença se processasse, com fundamento no art. 644, numa segunda demanda.

Na verdade, esta norma limita-se a autorizar o juiz, a quem caiba ordenar a execução, a fixar multa a ser suportada pelo demandado, quando omissa a sentença. Não seria lícito extrair dela a conclusão de que esteja prevista aí uma ação de execução complementar à pretensa sentença condenatória do art. 461.

Convém, para a maior clareza do exposto, que ora se faça uma breve consideração de ordem conceitual.

Costuma-se, para efeito de distinção entre as ações executivas lato sensu e as condenatórias, definir as primeiras como sendo as que comportam, em si mesmas, também os atos de execução e as segundas, aquelas cuja a execução é deslocada para ação autônoma. Com base nesta distinção, pode-se considerar como pertencente à classe das ações executivas lato sensu aquela de que resulta sentença mandamental, isto é, sentença em que o juiz emite uma ordem de execução imediata.

Destarte, quando se faz alusão à "ação executiva lato sensu" quer-se referir à ação em que os provimentos judiciais ali emitidos, sejam específicos ou sub-rogatórios, são cumpridos na própria relação processual de conhecimento.

O cotejo do art. 461 do CPC não deixa dúvida de que a ação de cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer contém uma executividade lato sensu, ou melhor, comportam em si mesmas a execução em função da configuração da obrigação a ser cumprida, o que a torna incompatível com uma posterior ação executiva autônoma.

Dentre as possibilidades do art. 461, é passível de ser identificada com legitimamente executiva lato sensu a ação em que se postula a tutela específica de obrigação de não fazer (obrigação omissiva), posto que eminentemente preventiva, sendo tutela consistente, necessariamente, numa ordem para que o réu se abstenha, tolere ou permita algum ato ou fato. A sentença, portanto, tem caráter mandamental e poderá vir acompanhada de multa cominatória, com valor fixo (e não diário), para o caso de descumprimento da ordem.

Analisando-se pelos critérios da finalidade e da efetividade, visados pelo legislador da reforma processual, há que se entender, também, como de natureza executiva lato sensu a ação para o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer nas hipóteses em que deferida a antecipação da tutela com base no art. 461, parágrafo 3º.

Neste particular, comenta Teori A. Zavascki:

Ora, se a lei prevê a antecipação de efeitos executivos como meio para superar a ameaça de ‘ineficácia do provimento final’, e assim garantir a prestação da tutela específica, parece certo que não haveria sentido lógico em diferir a efetivação dos correspondentes atos executivos para uma outra ação, com nova citação, com fixação de prazo para cumprimento, sujeita a embargos etc. Só há sentido no § 3º do art. 461 quando, não apenas a decisão antecipatória, mas também a sua execução, sejam procedidas de imediato e afastando, com isso, o iminente risco de ineficácia. (...) inclinamo-nos em considerar que as ações previstas no art. 461 serão executivas lato sensu quando isso decorra da natureza própria da obrigação a ser cumprida (obrigação de concluir contrato, obrigação de declarar vontade, obrigação específica de não fazer) ou quando, para resguardo da efetividade da tutela específica ou da medida de resultado prático equivalente, houver urgência na concretização dos atos executórios (antecipação da tutela com fundamento no § 3º do art. 461). Nos demais casos, havendo compatibilidade e não se fazendo presente qualquer risco de ineficácia, a sentença terá natureza condenatória, sujeita, portanto, à execução ex intervallo e em ação autônoma.

Pelo exposto, nota-se que a característica da executividade lato sensu impregna a ação de cumprimento do art. 461 do CPC, mormente nos casos de tutela de obrigação de não fazer e naqueles em a urgência requer a antecipação prevista no § 3º. Nas demais hipóteses, divergem os doutrinadores pátrios, alguns entendendo a ação de cumprimento manter a natureza executiva lato sensu e mandamental, devendo as medidas práticas da tutela serem tomadas na própria ação de conhecimento, outros a entender que, inexistindo o risco de ineficácia, deverão as medidas executivas ser tomadas em ação autônoma.


CAPÍTULO III

1 INTERESSES METAINDIVIDUAIS

Como anota Washington de Barros Monteiro o direito objetivo subdivide-se em direito público e direito privado. Toda regra de direito "enquadra-se forçosamente num ou noutro ramo do direito".

Essa distinção formulada pelos romanos, segundo o saudoso civilista, refere-se a um direito "destinado a disciplinar os interesses gerais da coletividade (publicum jus est quod ad statum rei romanae spectat)" e a um direito privado, que por seu turno, "é o conjunto de preceitos reguladores das relações dos indivíduos entre si (privatum, quod ad singulorum utilitatem)".

No entanto, adverte Hugo Nigro Mazzilli, o "interesse público consiste na contraposição do interesse do Estado ao interesse do indivíduo (como ocorre no Direito Penal), enquanto o interesse privado contrapõe os indivíduos em seu inter-relacionamento (como no Direito Civil).

Contudo, comenta Alberto Trabucchi, a distinção entre direito público e direito privado não resulta, contudo, de linha separativa precisa; é sujeita a alterar-se no tempo e no espaço, segundo as tendências sociais e políticas, conforme o idealismo que anime as nações.

Exatamente entre esses dois interesses (público e privado), como destaca Mazzilli sob o foco da lição de Cappelletti, é que se situam os denominados interesses metaindividuais ou coletivos, "referentes a um grupo de pessoas (como condôminos de um edifício, os sócios de uma empresa, os membros de uma equipe esportiva, os empregados do mesmo patrão). São interesses que excedam o âmbito estritamente individual mas não chegam a constituir interesse público".

Pondera, entretanto, o próprio autor, que o Código do Consumidor passou a disguí-los segundo sua origem: "a) se o que une interessados determináveis é a mesma situação de fato (por exemplo, os consumidores que adquirem produtos fabricantes em série com defeito), temos interesses individuais homogêneos; b) se o que une interessados determináveis é a circunstância de compartilharem a mesma relação jurídica (como os consorciados que sofrem o mesmo aumento ilegal das prestações), temos interesses coletivos em sentido estrito; c) se o que une interessados indetermináveis é a mesma situação de fato (por exemplo, os que assistem pela televisão à mesma propaganda enganosa), temos interesses difusos".

Enuncia-se, pois, como interesses ou direitos metaindividuais os difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Ainda sobre o tema, registra Aluísio Gonçalves de Castro Mendes que a palavra "interesse", no plano comum ou técnico, tem variado de significação. Mas na acepção jurídica, o termo dispõe de conceito bem mais amplo, ora mostrando a intimidade de relações entre a pessoa e as coisas, ora a pretensão que se baseia ou pode basear-se em direito.

Sem querer alavancar outra discussão, o certo é que os incisos I e II, do parágrafo único, do artigo 81 do Código do Consumidor estampam as definições de interesses ou direitos difusos e interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código; a) "os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; b) "os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica".

Constatada, assim, a transindividualidade e a natureza indivisível do objeto, "estar-se-á diante de interesses essencialmente coletivos, mas que poderão ser classificados como difusos ou coletivos em sentido estrito".

2 INTERESSES DIFUSOS

Conceitua o Código do Consumidor como difusos os direitos "transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato" (artigo 81, parágrafo único, inciso I).

É difuso, portanto, o Direito caracterizado, no aspecto subjetivo, pela indivisibilidade de seu objeto, que é compartilhado por um número indeterminável de pessoas; no aspecto objetivo, pela ausência de relação jurídica base entre esses titulares.

Expõe o ilustre José Carlos Barbosa Moreira que os interesses difusos "não pertencem a uma pessoa isolada, nem a um grupo nitidamente delimitado de pessoas (ao contrário do que se dá em situações clássicas como a do condomínio ou a da pluralidade de credores numa única obrigação), mas a uma série indeterminada – e, ao menos para efeitos práticos, de difícil ou impossível determinação, cujos membros não se ligam necessariamente pôr vínculo jurídico definido. Pode tratar-se, por exemplo, dos habitantes de determinada região, dos consumidores de certo produto, das pessoas que viviam sob tais ou quais condições socioeconômicas, ou que se sujeitam às conseqüências deste ou daquele empreendimento público ou privado".

A demanda que tem por objetivo interesses difusos, como por exemplo a relativa à propaganda enganosa veiculada pela televisão, busca, em última análise, a tutela jurisdicional em benefício de todos os consumidores atingidos, uma vez que, além de ser o bem jurídico tutelado indivisível, é também incalculável o número de pessoas atingidas.

Assim, decidida a lide em favor dos consumidores lesados, a sentença faz coisa julgada erga omnes, evitando-se, com isso, a contradição de julgados (artigo 103, inciso I).

Adverte Aluísio Castro Mendes, por outro lado, que a correta distinção entre interesses difusos e interesses coletivos se faz necessária, "na medida que as duas categorias estão submetidas a regime diverso em termos de coisa julgada. A sentença proferida em relação aos inrteresses difusos produzirá efeitos erga omnes, enquanto nas soluções dos conflitos envolvendo interesses coletivos, a eficácia estará adstrita ao grupo, categoria ou classe".

A diferenciação entre essas duas espécies (direitos difusos e direitos coletivos) deverá levar em conta, como sublinha Aluísio Mendes, "se as pessoas são ou não determinadas e se estão ligadas por meras circunstâncias de fato ou por vínculo jurídico relevante para o caso".

3 INTERESSES COLETIVOS

Os interesses ou direitos coletivos são conceituados como sendo os "transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base" (inciso II).

Diferem, pois, dos interesses difusos, exatamente porque a relação jurídica base naqueles é preexistente à lesão a interesses de grupos, categorias ou classes de pessoas. Nos interesses difusos, ao revés, a relação jurídica nasce em razão da lesão ou da ameaça de lesão.

Segundo Hugo Mazzilli, "tanto os interesses difusos como coletivos são indivisíveis, mas distingue-se pela origem: os difusos supõem titulares indetermináveis, ligados por circunstâncias de fato, enquanto os coletivos dizem respeito a grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou indetermináveis, ligadas pela mesma relação jurídica básica".

Apesar de terem um ponto de contato (já que reúnem grupo, categoria ou classe de pessoas determináveis), os interesses coletivos e os interesses individuais homogêneos também se distinguem de forma clara: "só os interesses individuais homogêneos são divisíveis e supõem origem de fato comum".

Daí resulta que, nas ações coletivas, a sentença proferida fará, nos termos do inciso II do artigo 103 do CDC, coisa julgada ultrapartes, ou seja, beneficiará limitadamente ao grupo, categoria ou classe.

Exemplificando: proposta ação coletiva por determinada associação que congrega membros de uma mesma categoria, a decisão favorável beneficiará, além de seus filiados, todos os demais membros da mesma categoria, independentemente de estarem ou não filiados. O interesse, por ser indivisível, a todos irá beneficiar.

4 INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

São interesses ou direitos individuais homogêneos "os decorrentes de origem comum", de que são titulares grupos, categorias ou classes de pessoas determinadas ou determináveis, que sejam divisíveis e decorram das mesmas circunstâncias de fato (inciso III).

Esses interesses São essencialmente individuais e apenas acidentalmente coletivos. Para serem qualificados como homogêneos, "precisam envolver uma pluralidade de pessoas e decorrer de origem comum, situação esta que "não significa, necessariamente, uma unidade factual e temporal"".

A defesa coletiva de direitos individuais, além de atender ao princípio de economia processual – desafogando o Poder Judiciário, para que este cumpra tempo hábil e qualidade suas funções constitucionais -, facilita o acesso do cidadão comum à Justiça, salvaguardando o princípio da igualdade da lei.

Daí concluir-se que, como mais uma vez adverte Hugo Mazzilli, "tanto os interesses individuais homogêneos como os difusos originam-se de circunstâncias de fato comuns; entretanto, são indetermináveis os titulares de interesses difusos, e o objeto do seu interesse é indivisível; já nos interesses individuais homogêneos, os titulares são determinados ou determináveis, e o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível ou individualmente variável".

Exemplificando: "as vítimas de uma publicidade enganosa veiculada por vários órgãos de imprensa e em repetidos dias ou de um produto nocivo à saúde adquiridos por vários consumidores num largo espaço de tempo e em várias regiões têm, como causa de seus danos, fatos com hemogeneidade tal que os tornam a ‘origem comum de todos eles".

5 JURISPRUDÊNCIA

"PROCESSO CIVIL. AÇÃO COLETIVA. CUMULAÇÃO DE DEMANDAS. NULIDADE DE CLÁUSULA DE INSTRUMENTO DE COMPRA-E-VENDA DE IMÓVEIS. JUROS. INDENIZAÇÃO DOS CONSUMIDORES QUE JÁ ADERIRAM AOS REFERIDOS CONTRATOS. OBRIGAÇÃO DE NÃO-FAZER DA CONSTRUTURA. PROIBIÇÃO DE FAZER CONSTAR NOS CONTRATOS FUTUROS. DIREITO COLETIVOS. INDIVIDUAIS HOMOGÊNEO E DIFUSOS, MINISTÉRIO PUBLICO. LEGITIMIDADE, DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. RECURSO PROVIDO. I – O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação coletiva de proteção ao consumidor, em cumulação de demandas, visando: a) a nulidade de cláusula contratual inquinada de multas (juros Mensais); b) a indenização pelos consumidores que lá firmaram contratos em que constava tal cláusula.; c) a obrigação de não mais inserir contratos futuros a referida cláusula. II – Como já assinalado anteriormente (Resp. 34.155-MG), na sociedade contemporânea, marcadamente de massa, e sob os influxos de uma noca atmosfera cultural, o processo civil, vinculado estritamente aos princípios constitucionais e dando-lhes efetividade, encontra no Ministëior Público uma instituição de extraordinário valor na defesa da cidadania. III – Direitos (ou interesses) difusos e coletivos se caracterizam como direitos transindividuais, de natureza indivisível. Os primeiros dizem respeito a pessoas indeterminadas que se encontram ligadas por circunstâncias de fato; os segundo, a um grupo de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária através de uma única relação jurídica. IV – Direitos individuais homogêneos são aqueles que tem a mesma origem no tocante aos fatos geradores de tais direitos, origem idêntica essa que recomenda a defesa de todos a um só tempo. V Embargos acolhidos". (STJ, REsp. 141491/SC, EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL, Corte Especial, Rel. Min. WALDEMAR SVEITER, Dj 01.08.2000 - p. 182).

"PROCESSUAL CIVIL. PARA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI E DEFENDER DIREITOS DIVISÍVEIS. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA FIGURAR NO PÓLO ATIVO. EXTINÇÃO DO PROCESSO. O Ministério Público tem legitimidade para figurar no pólo ativo de ação civil pública, quando na defesa de interesse difuso ou coletivo, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (artigo 81, parágrafo único, incisos I e II da lei n.º 8.078/90) de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. O pedido de suspensão de pagamento de tributo e a respectiva repetição de indébito não se inserem na categoria de interesses difusos ou coletivos, porquanto, são divisíveis e individualizáveis. Interesse coletivo, na dicção da lei, não se confunde com interesse público ou da coletividade, pois, aquele (interesse público) não entende como sendo uma simples realidade quantitativa, dependente do número de indivíduos que o partilha. O pedido de sustação de pagamento de tributo, cumulado com repetição de indébito, não tem conteúdo de interesse público, a ser protegido pela ação civil pública, que não pode substituir a de repetição de indébito, pois, se cuida de direito individual, determinado, quantificado, eis que, cada contribuinte efetua pagamento de quantia certa, em período considerado. Os contribuintes não são consumidores, não havendo como se vislumbrar sua equiparação aos portadores de direitos difusos ou coletivos (Lei n.º 7.343, artigo 1.º, inciso IV). Em se tratando, in casu, de direitos individuais homogêneos, identificáveis e divisíveis, titularidades e quantificáveis, devem ser postulados, na esfera jurisdicional, pelos seus próprios titulares, já que, na sistemática do nosso direito, salvo exceção legal, ninguém poderá pleitear, nome próprio, direito alheio. Recurso improvido. Decisão unânime". (STJ, REsp. 175.888, 1.ª Turma, Rel. Min. DEMÓCRITO REINALDO, Dj 03.05.1999 - p. 101).

6 A TUTELA DOS INTERESSES DIFUSOS NOS DIREITOS NORTE-AMERICANO, FRANCÊS, ITALIANO E BRASILEIRO

Foi nos Estados Unidos que se iniciou a discussão sobre a possibilidade de tutela jurisdicional dos interesses difusos. E tal se deu em razão da especial importância dada ao meio ambiente.

A particular natureza dos problemas da tutela dos interesses difusos, em particular do ambiente, e a documentada exigência de garantir uma resposta efetiva às exigências sociais de controle das atividades poluidoras, oferecem argumento determinantes aos que militam a favor do alargamento dos poderes judiciais, desde que não existia um limite expressamente previsto pelas normas estatutárias. Entretanto, essa ampliação denotará um controle judicial sobre os poderes administrativos, temendo alguns que os tribunais passem a interpretar o seu papel como se fossem autorizados a interferir nas decisões macroeconômicas, sem ter em conta que existem outros poderes institucionais a quem competem as funções de direção política. Porém, efetivou-se o entendimento de que a jurisprudência delineia-se de forma pluralística, em um sistema de governo aberto, que consente aos juizes e aos cidadãos a participação em um espaço institucional impensável no passado.

Na verdade, o direito francês não tem bem definida a distinção entre interesse coletivo e o interesse pessoal. Entretanto, é claro ao exigir, no mínimo, um interesse pessoal e atual como condição para instauração de qualquer pleito.

Quanto aos limites, a decisão administrativa deve ter uma incidência sobre a situação pessoal do autor. O interesse lesado pode ser de ordem material ou moral e pertencer a uma pessoa física, cuja natureza do interesse seja individual e privada, ou a uma pessoa jurídica, cujo interesse tenha natureza pública se se tratar de entes públicos, ou coletiva se se tratar de associações privadas.

A tutela dos interesses difusos no direito italiano também goza de critérios da jurisprudência administrativa.

O conceito do direito difuso foi desenvolvido pela jurisprudência, que criou a oportunidade de conciliar as exigências de tutela com os caracteres de um processo informado por critérios de tipo subjetivo e com uma tradição rigorosa em admitir em juízo situações não exclusivamente individuais nas limitadas hipóteses expressas de ação popular.

Por fim, cumpre salientar que o direito brasileiro, antes da Lei n.º 7.347, de 24.07.85, não dispunha de muitas fórmulas para defesa global, em juízo, desses interesses metaindividuais, mas apenas:

a) a ação popular, ajuizada pelo cidadão;

b) algumas ações civis públicas já cometidas ao MP (ação reparatória de danos ao meio ambiente);

c)a autorização a entidades de classe para postular interesses coletivos em juízo.

Assim, mister se tornava encontrar fórmula que, dentro da tradição do Direito Pátrio, desse melhor acesso ao Judiciário quando de conflitos a propósito de interesses difusos ou coletivos.

E foi a Carta Magna de 1988 que não só ampliou o rol dos legitimados ativos para a defesa dos interesses transindividuais, mas também inovou com outras espécies de demandas coletivas nominadas.

Dentro das alterações trazidas pela Constituição da República Federal do Brasil de 1988 estão:

- as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

- o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político, organização sindical, entidade de classe ou associação;

- a ampliação do objeto da ação popular;

- cometimento ao sindicato da defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria;

- a ampliação do rol dos legitimados ativos para a ação de inconstitucionalidade;

- a ampla legitimação concedida ao Ministério Público para as ações civis públicas para defesa de interesses coletivos e difusos;

- a legitimação ativa conferida aos índios, suas comunidades e organizações, para ações em defesa de seus interesses.

Não resta dúvida que a Lei da Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347/85), por permitir a propositura de inúmeras ações e servir de base para novas leis que ampliaram sua abrangência, marcou época.

Reportando-se a ela sobrevieram a Lei n.º 7.853, de 24.10.89, que cuidou da ação civil pública em defesa das pessoas portadoras de deficiência, a Lei n.º 7.913, de 07.12.89, que dispõe sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários, a Lei n.º 8.069, de 13.07.90, Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei n.º 8.078/90, de 11.09.90, Código de Defesa do Consumidor e a Lei n.º 8.864, de 11.06.94, que instituiu a ação de responsabilidade por danos causados por infração da ordem econômica.

7 DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Constituição Federal de 1988 conferiu ao Ministério Público atribuições que o tornaram instrumento essencial do Estado Democrático de Direito. Seu perfil constitucional permite chamá-lo de guardião da sociedade e de seus interesses constitucionalmente assegurados, de forma que a amplitude do campo de atuação do parquet e a sua independência são fatores diretamente proporcionais à consecução do bem-comum, objetivo final do Estado. Assim, a definição das atribuições do Ministério Público de forma a garantir o cumprimento de seu papel institucional e sua instrumentalização devem ser privilegiadas pelo Estado, considerado em tese, e por qualquer governo que se pretenda democrático.

Em seu art. 127, caput, a Constituição Federal de 1988 classifica o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional de Estado e elege como suas incumbências a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Suas funções institucionais estão enumeradas no art. 129, cujo exame revela a dimensão que o legislador constituinte pretendeu conferir ao Ministério Público, pois, além de sua atuação no inquérito policial e no processo penal, o parquet atuará como guardião dos direitos constitucionalmente assegurados, inclusive quando atacados pelos próprios poderes públicos (inciso II); do patrimônio público e social (III); da constitucionalidade dos atos normativos (IV); dos direitos e interesses das populações indígenas (V); dos interesses difusos e coletivos (III); entre outras atribuições.

Ressalte-se que o rol do art. 129 é meramente exemplificativo, nos termos do inciso IX (exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade). Portanto, o legislador constituinte originário não considerou a melhor solução restringir a função do Ministério Público àquelas hipóteses expressamente previstas na Constituição Federal. Ponderou que, em face da relevância de sua atuação, deveria deixar clara, antes que algumas vozes sustentassem o contrário, a possibilidade de extensão da atividade do parquet a outros casos que escapassem à sua previsão naquele momento. O legislador, portanto, permite o exercício de outras funções, desde que compatíveis com sua finalidade. Nem assim, conforme se demonstrará adiante, o Ministério Público ficou protegido contra investidas que buscassem restringir sua atuação.

Para fins deste estudo, deve-se destacar a Lei Complementar 75 de 1993, que confere ao parquet competência para promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção de "interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos"(art. 6º, VII, d) e para "propor ação civil coletiva para a defesa de interesses individuais homogêneos"(art. 6º, XII).

8 O PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Como é sabido, no Brasil o direito de acesso à Justiça e à efetividade da tutela jurisdicional é garantido pela Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXV.

Na Constituição da República Portuguesa tal direito é assegurado pelo artigo 20, n.º 1, que dispõe que "A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos."

Na Constituição Espanhola o direito é garantido no artigo 24, n.º 1, estatuindo que "Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e interesses legítimos, sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión."

Nos Estados Unidos da América o acesso ao Judiciário também é amplo e vem disciplinado pelo artigo 3.º da Constituição Federal e pela Emenda XI.

Assim, também na França o acesso à justiça é considerado direito fundamental dos cidadãos.

Assim, podemos notar que o direito à tutela judicial efetiva, passa, portanto, no final do século XX a ser encarado como direito e garantia fundamental dos sistemas jurídicos que pretendem ser modernos e igualitários e que pretendam garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.

Podemos ressaltar que este direito à efetividade decorre tanto do direito constitucional de ação como do devido processo legal. Isto porque quando a Constituição assegura amplo poder de acesso ao Judiciário, estabelece também o meio para tirar a jurisdição de sua inércia, sendo este meio o processo.

9 O DESENVOLVIMENTO DA LITIGIOSIDADE E A BUSCA DA EFETIVIDADE DO PROCESSO. A EXPERIÊNCIA DE OUTROS PAÍSES

Após a segunda metade do século XX, começaram a surgir novas idéias no campo do direito processual civil no mundo. Passou-se a encará-lo mais como um serviço que se presta à população (como tantos outros: transporte, educação, saúde, segurança pública) do que um campo dominado por processualistas insensíveis à realidade.

A partir dessa idéia central, procurou-se encontrar os principais entraves ao bom desempenho do aparelho judiciário e descobriu-se que eles estavam localizados em pontos essenciais e muitas vezes comuns em diversos sistemas jurídicos.

Numa análise preliminar, constatou-se que o acontecimento processual marcante deste último meio século foi sem dúvida o considerável aumento da massa litigiosa. As demandas apresentadas aos tribunais multiplicam-se em condições inquietantes. Isto resultou da evolução rápida da sociedade, onde as leis sucedem-se em ritmo acelerado e fatalmente geram um contencioso mais abundante. Por outro lado, o pessoal judiciário praticamente não aumentou em número e portanto o resultado mais claro de semelhante situação consiste em que os tribunais não conseguem deter essa maré e consequentemente só podem proferir seus julgamentos ao fim de muitos meses, quando não de muitos anos.

Esse primeiro fenômeno é notavelmente agravado pelo fato de que o volume de litígios não se limitou a aumentar em quantidade, pois também se modificou em nível qualitativo fundamentalmente.

No século XIX, os litígios versavam em geral sobre direitos individuais. Atualmente é diferente o contexto. A grande maioria dos processos envolve questões que impregnam nossa vida cotidiana e sociologicamente o processo deslocou-se na direção das camadas populacionais de condições mais modestas, o que fez surgir a preocupação do acesso dessas pessoas à tutela jurisdicional.

Antigamente, quando os processos giravam em torno de questões que atingiam camadas relativamente abastadas da população, o acesso à Justiça quase não suscitava problema: contratava-se um advogado e provia-se facilmente as despesas judiciais. Em nossos dias, muitos hesitam em aventurar-se a um processo do qual se ignora quanto custará.

Com relação a este problema a França viu-se necessitada de instituir um sistema de assistência judiciária, compatível um pouco a sua Seguridade Social, no tocante à Saúde Pública. Assim, em 1991, editou-se uma lei que propiciasse àqueles desprovidos de recursos financeiros, o acesso gratuito á justiça.

Também em decorrência da evolução qualitativa das lides, teve origem a chamada onda renovatória do excessivo individualismo que impregna o processo civil.

O processo de origem romano-germânica, que influenciou os ordenamentos da Espanha, Portugal e França, ainda possui como tradição a concepção do processo de duas partes, com uma rígida concepção para determina a legitimidade de partes. Até há pouco esse padrão atendia bem às necessidades para o qual foi criado; quase inexistiam conflitos com contornos sociais. O máximo que poderia ocorrer eram processos com número bem elevado de litisconsortes, mas para esses casos o modelo tradicional ainda servia.

A situação, no entanto, complica-se de maneira acentuada á medida que cada vez mais as relações de direito material tornam-se complexas e passam a envolver uma quantidade enorme de pessoas. No esquema tradicional, os sujeitos da relação jurídica de direito material, normalmente, são os legitimados para estarem no processo na qualidade de partes. Mas para hipóteses em que a lei prevê um fato envolvendo milhares ou até milhões de pessoas, como utilizar-se do processo montado no princípio da dualidade de partes, caso esse fato hipotético ocorra na realidade e se queira resolver a situação litigiosa judicialmente?

A solução para diversos países veio pela importação de um instituto existente no direito norte-americano, a class action, na qual qualquer membro da classe pode agir em nome próprio para vindicar direitos ou defender interesses de todo o grupo.

No direito francês chamou-se esse tipo de ação de action collective.

A segunda preocupação decorrente dos aumentos quantitativo e qualitativo do processo concerne á duração dos processos. No início do século passado a lentidão dos processos era talvez algo de irritante, mas se acabava por se resignar a ela, atribuindo a responsabilidade ao formalismo judicial, a cujo respeito ocasionalmente se pilheirava. Hoje, levada em conta a natureza dos litígios, já não é possível conformar-se: uma pensão alimentar, uma indenização por despedida ou destinada a ressarcir um dano não pode esperar meses. Eis porque a celeridade se converteu num dos primeiros imperativos da Justiça moderna.

Como solução para o problema, na grande maioria das nações, há uma tendência de se privilegiar a oralidade nos procedimentos, a rapidez na fase de cognição judicial, a liberdade dos atos processuais e a atribuição de maior autoridade ao juiz no comando do processo.

A razão por essa preferência está na percepção de que o processo, para melhor acompanhar a evolução de sua época, deve ser mais dinâmico; ser operado de modo que a providência a ser nele emitida venha o mais breve possível.

Sob este aspecto, na França a reforma se iniciou a partir de 1981. Essa reforma caracterizou-se antes de tudo pela notável ampliação dos poderes do juiz. Ela também se caracterizou pela instituição de um juiz encarregado da instrução, pela instituição de medidas provisórias, pela inversão do contraditório e pelo favorecimento da chamada solução alternativa dos litígios, isto é, praticamente, a conciliação e a mediação.

Não se deve olvidar também da instituição da execução provisória, que permite executar de imediato a sentença de primeiro grau, embora impugnada por apelação.

Para traçarmos experiência norte-americana sobre a efetividade do processo, devemos principiar pela contraposição que se costuma estabelecer entre os ordenamentos anglo-saxônicos e os da família romano-germânica, no que respeita aos papéis desempenhados pelo órgão judicial, de um lado, e pelas partes, de outro, em aspectos importantes do funcionamento do mecanismo processual. Os expositores do direito dos Estados Unidos se preocupam em caracterizá-lo pela primazia reconhecida às partes não só na iniciativa de instaurar o processo e de fixar-lhe o objeto – traço comum dos sistemas jurídicos ocidentais – senão também na determinação da marcha do feito, em suas etapas iniciais, e na colheita das provas em que se há de fundar o julgamento da causa. Para designar tal modelo, emprega-se corretamente a expressão "adversarial system" e por imposição a ele qualifica-se de "inquisitorial" o modelo adotado na Europa continental e no resto do mundo sujeito á sua influência, onde as mencionadas atividades ficariam de preferência confiadas ao juiz.

No entanto a opção pela concessão de maior autoridade ao juiz vem permeando também o ordenamento jurídico norte-americano. Não há de se estranhar, portanto, que os ordenamentos anglo-saxônicos admitam várias exceções à regra do predomínio das partes e, em determinados setores, reservem espaço maior que o costumeiro à intervenção do juiz.

Vale ressaltar também que nos Estados Unidos, a duração de um processo que percorra todas as etapas previstas é bastante longa. Daí a propensão, largamente difundida, a encerrar com maior brevidade, mediante um settlement, o combate forense. Até existirão casos em que a propositura da ação civil, ao invés de possuir o intuito de ver julgada a lide, serve como simples instrumento de pressão para obter acordo em condições favoráveis. O extraordinário florescimento dos chamados "meios alternativos de resolução de litígios" (ADR, na conhecida expressão inglesa) se deve às dificuldades normalmente encontradas por quem vai a juízo.

A admiração generalizada pelo cinema americano, por sua vez, pode fazer supor que a máquina judiciária daquele país funcione de modo completo e fulminante, como nos filmes policiais. Não obstante, os dados que se colhem acerca da duração dos seus processos surpreendem.

Em muitos lugares, um feito civil de itinerário completo (isto é, que chegue ao trial ) dura comumente, no primeiro grau de jurisdição, nada menos que de três a cinco anos.

Também o excessivo custo do processo caracteriza-se como entrave ao mundo anglo-saxônico. Os sistemas de assistência judiciária não se mostram capazes de ministrar remédio bastante. É por sinal a crescente preocupação com o problema (e com o da exagerada duração os pleitos) que vai começando a produzir alto número de mudanças importantes no ordenamento processual dos EUA.

10 A BUSCA PELA EFETIVIDADE DO PROCESSO NO BRASIL

Como já mencionado retro, a Constituição Federal de 1988 passou a assegurar como direito fundamental de caráter individual e coletivo, o acesso ao judiciário para se buscar tutela dos direitos lesados ou ameaçados (art. 5.º, XXXV da CF).

Neste sentido, devemos atualmente fazer uma releitura do art. 75 do Código Civil de 1916 (Súmula 150 do STF), uma vez que este artigo é hoje interpretado sem que se veja nele um resquício da teoria imamentista da ação, entendendo-se que a afirmação de que "a todo direito corresponde uma ação, que o assegura " tem o sentido de afirmar que a toda posição jurídica de vantagem corresponde um remédio processual capaz de tutelá-lo.

No que diz respeito ao âmbito de atuação do processo, o excesso de individualismo do Direito Processual Civil brasileiro começou a ser abrandado pela Lei da Ação Popular (Lei n.º 4.717/65). De acordo com este diploma legal qualquer cidadão é legitimado a propor "ação popular". Posteriormente surgiram inúmeros novos diplomas legais que consagraram regras capazes de estabelecer legitimidade extraordinária para demandar em juízo na defesa de interesses metaindividuais. Antes de qualquer outra, há que se fazer referência à Lei da Ação Civil Pública, Lei n.º 7.347/85. Dispõe o art. 5.º deste diploma que são legitimados a propor "ação civil pública" o Ministério público, a União, os Estados, os Município, e ainda pelas autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista, quando estas estiverem constituídas há pelo menos um ano e incluírem entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, histórico, estético, turístico e paisagístico.

Pouco tempo depois da Lei da Ação Civil Pública, a constituição de 1988 ampliou o leque de casos em que se atribui legitimidade para a defesa em juízo dos interesses individuais e coletivos: consagrou outros remédios de tutela dos interesses metaindividuais, como o mandado de segurança coletivo (art. 5.º, LXX); e a ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, "a", e art. 103).

Após a Constituição de 1988, outros diplomas legislativos vieram a ampliar este leque, sendo de menção obrigatória o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), que estabelece em seu art. 201, V, a legitimidade do Ministério Público para propor "ação civil pública" para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, e o Código de proteção e Defesa do consumidor (Lei n.º 8.078/90), que consagrou o instituto da "ação coletiva para a tutela de interesses de consumidores". (art. 91).

Diante de um tão grande número de remédios processuais colocados à disposição da sociedade e destinados à tutela de interesses metaindividuais, em suas duas espécies – coletivos e difusos -, além dos interesses individuais homogêneos, que também são alcançados por aqueles instrumentos, não resta outra alternativa senão afirmar, como o faz a mais abalizada doutrina pátria, que o Brasil é hoje, o país mais rico do mundo quando se trata de tutela destes interesses tão valorizados pela sociedade moderna.

Quanto à problemática da instrução probatória, podemos afirmar que os entraves não são tanto da legislação que apresenta menos defeitos que o mau uso dos poderes instrutórios do juiz fazem parecer.

De qualquer maneira, pode-se afirmar que nossa legislação processual confere ao magistrado os meios capazes de dirigir a atividade de produção de provas, sendo-lhes mesmo lícito a determinação, ex officio, da produção dos meios de prova que se façam necessários para a formação de seu convencimento.

No que se refere ao gozo pleno do resultado do processo a que tem direito a parte vitoriosa, temos que o processo de conhecimento de cunho declaratório e constitutivo continuam, como sempre, capazes de satisfazer integralmente os titulares de posições jurídicas de vantagem. Já a tutela jurisdicional condenatória executiva permanece, muitas vezes, a prejudicar a plena efetividade do processo, posto que a demora do processo de conhecimento de procedimento ordinário, somado às mazelas do processo executivo, é capaz de provocar situações em que o direito material seja alvo de um dano grave, de difícil ou impossível reparação.

Para se solucionar este problema sempre se utilizou o processo cautelar, o qual acabou transformado em técnica de sumarização da cognição, permitindo a prestação de uma tutela jurisdicional satisfativa com base em juízos de probabilidade. A recente reforma por que passou o Código de Processo Civil brasileiro, porém, deu ao processo cautelar a sua devida destinação, qual seja a de proteção do processo, servindo de meio capaz de assegurar que o provimento jurisdicional satisfativo seja verdadeiramente efetivo, afastando-se com isso o periculum in mora.

A tutela preventiva não-cautelar, de outro lado, foi também consagrada com a previsão do art. 273 do Código de Processo Civil, do instituto da tutela antecipada. Trata-se de forma de tutela jurisdicional satisfativa através da qual se permite – com base em juízo de probabilidade – a imediata satisfação do direito material

Além da tutela antecipada, outros instrumentos destinados a assegurar ao titular de uma posição jurídica de vantagem exatamente aquilo a que faça jus são agora conhecidos do direito brasileiro. Assim, entre outros, podemos referir a tutela jurisdicional específica das obrigações de fazer e de não fazer, consagrada no art. 84 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor e, posteriormente no art. 461 do Código de Processo Civil. Além deste exemplo, não se poderia deixar de fazer referência á tutela inibitória, espécie de tutela jurisdicional de caráter preventivo (mas, também aqui, não cautelar), através da qual se busca impedir a prática de atos ilícitos, assegurando-se assim proteção efetiva ao titular da posição jurídica de vantagem mediante a prevenção do ilícito.

Por fim, devemos ter também como cânon da efetividade do processo, o princípio da economia processual, de acordo com o qual o processo deve assegurar o máximo de resultado com o mínimo de dispêndio de tempo e energias, pois a demora na entrega da prestação jurisdicional é um elemento capaz de afastar qualquer esperança de efetividade do processo.

Por outro lado não podemos nos olvidar de que um processo extremamente rápido mas sem nenhuma segurança é tão inadequado quanto um processo extremamente seguro mas excessivamente lento. Há portanto que se garantir um processo que, tão rápido quanto possível, estabeleça a maior segurança que se possa obter através dos provimentos jurisdicionais.

A este respeito, o artigo 331 do Código de Processo Civil, criou a audiência para conciliação, especificação e justificação de provas, oportunidade em que tentada a conciliação, sendo esta infrutífera, as partes estabelecem os pontos controvertidos da demanda e protestam pelas provas que pretende utilizar para demonstrar sua razão. Neste momento, o juiz também já dá o despacho saneador, praticando assim uma economia de meses na duração do processo.

11 TUTELAS DIFERENCIAIS

A longa histórica da civilização, que veio desaguar nas idéias liberais que fomentaram a Revolução Francesa, acabou, no Século XIX, dando ao Estado uma figura mínima e à vontade individual a dimensão maior no plano dos regramentos jurídicos. Para romper com o velho regime aristocrático, não havia valor a prestigiar que fosse maior do que a liberdade cujo caráter quase absoluto passou a dominar a teoria dos negócios jurídicos.

Porque todos eram livres para enunciar suas vontades e, assim, dispor de seus bens e contrair obrigações, o regime contratual encontrou seu apogeu na consagração do pacta sunt servanda. O contrato, oriundo da vontade livre do contratante, era lei a ser respeitada e cumprida, sem resistência.

Como, todavia, o indivíduo era o centro de toda a normatização jurídica, mesmo quando descumprisse o contrato, não poderia, de forma alguma, ser pessoalmente compelido a executar a prestação prometida ao credor. Toda a sanção legal destinada a garantir o cumprimento da obrigação teria de recair sobre seu patrimônio, porque, tal como proclamava o art. 2.092 do Código Napoleão, o princípio dominante era no sentido de que todo aquele que se obriga pessoalmente fica sujeito a sofrer as conseqüências de sua obrigação sobre todos os seus bens presentes e futuros.

Quando as obrigações eram de dar, a execução forçada proporcionada pela tutela estatal cumpria-se in natura, porque fácil era alcançar o bem devido sem necessitar de coagir o devedor pessoalmente. Bastava que os agentes do poder apreendessem ditos bens e os entregassem ao credor. Mas, quando a prestação estivesse intimamente ligada a uma ação pessoal do devedor - a um facere ou um non facere - esbarrava a concepção liberalista numa barreira intransponível. Ninguém poderia, na ótica de então, ser compelido, contra a sua vontade, a adotar qualquer tipo de comportamento pessoal. Logo, ninguém poderia ser levado pela execução forçada a praticar prestações típicas das obrigações de fazer e não fazer. Da antiga regra romana - nemo ad factum potest cogi - o direito francês do Século IX exportou para todo o mundo ocidental o preceito de que "toute obligation de faire ou de ne pas faire se résout en dommages et intérêts en cas d’inexécution de la part du débiteur".

Na plenitude do liberalismo, então, não havia lugar, em princípio, para a execução específica das prestações de fazer e não fazer. Por ser intocável o devedor em sua liberdade pessoal, uma vez recalcitrasse em não cumprir esse tipo de obrigação, outro caminho não restava ao credor senão conformar-se com as perdas e danos. Teria de apelar para a execução substitutiva ou indireta.

O direito processual, praticamente inexistente como técnica ou ciência autônoma, apresentava-se como mero apêndice do direito material. Nada acrescentava em termos de medidas criativas para dar maior eficácia aos preceitos da ordem substancial. Era, aliás, o próprio direito material que predeterminava os expedientes instrumentais que correspondiam aos direitos subjetivos de fundo quando descumpridos ou violados. Não cabia, assim, ao Poder Judiciário maior flexibilidade no uso dos remédios do processo.

Havia um processo ordinário ou comum a ser observado no julgamento das lides e que teria de servir, às causas em geral, e as ações especiais eram rigorosamente destinados a casos típicos que não poderiam ser dirimidos na sistemática do procedimento comum. Não havia maleabilidade alguma no terreno do processo.

Foi com o desvio do foco do indivíduo para a sociedade que se conseguiu divisar na passagem para o Século XX, a existência de interesses sociais que estavam a reclamar a atenção do ordenamento jurídico, forçando, assim, a ampliar seus domínios além do milenar binômio direito público - direito privado.

O Século XX pôde impor esse modo de ver na medida em que o Estado Liberal foi suplantado, politicamente, pelo Estado Social. Nessa concepção do Estado Democrático, a organização da máquina estatal deixou de ser mera declaradora de direitos fundamentais para transformar-se em agente realizador desses mesmos direitos.

Em nome de tais concepções, o Estado assumiu a intervenção na vida econômica e social para proclamar e fazer respeitar os direitos coletivos e difusos e, para tanto, não podia continuar a se valer apenas dos procedimentos judiciais forjados no Século XIX, sob o predomínio das idéias liberais puras.

Aos poucos foram surgindo ações de feitio coletivo para instrumentalizar direitos até então nem sequer conhecidos da ordem jurídica tradicional, como os direitos indivisíveis da comunidade, isto é, da sociedade como um todo, ou de grandes parcelas da sociedade. Ao mesmo tempo ampliava-se a ordem jurídica material para agasalhar os direitos transindividuais ou coletivos, e concebiam-se novos procedimentos judiciais que pudessem lhes dar cobertura quando necessário fossem discuti-los em juízo.

Essa abertura para o social não só fomentou a preocupação com os problemas gerados pela convicção da necessidade de tutelar adequadamente os novos direitos sociais, como também impôs aos operadores do direito processual a conscientização de que o processo, em si mesmo, ainda que não cogitando de ações coletivas, era sempre um instrumento tutelar da cidadania. O direito de ação não mais se via como simples meio de o indivíduo reagir contra a violação de algum direito subjetivo. Era, isto sim, o direito cívico de acesso à Justiça, como uma das garantias fundamentais do moderno Estado Democrático de Direito. Era ele mesmo a expressão de uma das maiores garantias da paz social e da realização política dos ideais da nação agasalhados em sua ordem constitucional.

Passou-se a divisar no processo, desde então, metas que iam além da simples composição dos litígios e que se comprometiam com as aspirações do devido processo legal, tanto no plano formal como no material. A missão do judiciário a ser cumprida por meio do processo, a partir de então, vinculou-se à preocupação de efetividade, ou seja, à perseguição de resultados que correspondessem à melhor e mais justa composição dos litígios.

Foi, à luz dessa nova constatação, desse novo posicionamento institucional que se insinuou e se fez prevalecer a teoria das tutelas diferenciadas.

Não era mais aceitável sujeitar os litigantes a poucos e inflexíveis procedimentos, um apenas para cada tipo de ação ou pretensão, que muitas vezes se apresentavam inconvenientes e incômodos como verdadeiras camisas-de-força para partes e juízes.

A principal preocupação dessa nova visão da tutela jurisdicional era não só a de criar novos procedimentos como abrir, sempre que possível, um leque de opções que permitisse, conforme as conveniências da parte e de seu caso, contar com mais de uma via processual à sua disposição; e dentro de um mesmo procedimento, fosse possível inserir-lhe expedientes de aceleração e reforço de eficácia, tendentes a proporcionar ao direito material da parte a mais plena tutela conforme particularidades de cada caso.

Nesse sentido, as tutelas diferenciadas se prestam a valorizar o moderno processo de resultados, onde o compromisso maior da jurisdição é com a efetividade da prestação posta à disposição do litigante.

A essência do pensamento de Chiovenda, que se apresenta como o grande idealizador da efetividade processual, consiste justamente na afirmativa de que o processo, para ser efetivo, deverá apoiar-se num sistema que assegure a quem tem razão uma situação jurídica igual à que deveria ter se derivado do cumprimento normal e tempestivo da obrigação. "E, na medida em que se evidencie a possibilidade de dano ou perigo de perecimento do direito, essa situação deve ser, desde logo e especificamente, protegida, o que é, precisamente, a hipótese do art. 461 (do CPC brasileiro), no que diz respeito às obrigações de fazer e não fazer".

No dizer de Arruda Alvim, não prevalece a autonomia do processo e do direito material em sua plenitude quando se trata das chamadas tutelas diferenciadas, pois o que se dá é a adaptação ou a submissão da disciplina processual a uma ou várias situações materiais. "Vale dizer, a tutela diferenciada deve ser compreendida a partir de uma reaproximação entre direito e processo. Ou ainda, configura-se o instituto processual especificamente em função de dada situação de direito material".

12 NO DIREITO BRASILEIRO

O direito brasileiro anteriormente à Lei n.º 8.078/90, que introduziu de forma conceitual dentro do direito positivo brasileiro, em noção tripartite os interesses metaindividuais, apenas elencava matérias que definia como possível a sua tutela coletiva, o que dentro de nossa categorização seria impossível definir-se previamente, até mesmo por isso a doutrina já construía a percepção que os elementos caracteizados no artigo 1.º da Lei n.º 4.737/85, eram apenas exemplificativos.

De fato, com a Lei n.º 8.078/90, artigo 81, incisos I, II e III, foram introduzidos as estruturas de acoplamento que permitem a inclusão de forma aberta destes interesses dentro do sistema, tornando-os passíveis de uma práxis decisória de forma mais estável, caracterizados como difusos, coletivos e individuais homogêneos.

a) Interesses difusos

Os interesses difusos são espécie do gênero interesses metaindividuais - interesses coletivos latu sensu - e ocupam o topo da escala de indivisibilidade e falta de atributividade a um determinado indivíduo ou grupo determinado, sendo a mais ampla síntese dos interesses de uma coletividade, verdadeiro amálgama de interesses em torno de um bem da vida.A conceituação normativa dos interesses difusos foi introduzida no direito positivo brasileiro através da Lei n.º 8.078/90, artigo 81, parágrafo único, inciso I, que os definiu como os interesses ou direitos "transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato".

b) Interesses coletivos( stricto sensu )

O interesse coletivo é a espécie de interesse metaindividual referente a um grupo ou coletividade como veículo para sua exteriorização e todo grupo pressupõe um mínimo de organização, sendo que o caráter organizativo é traço básico distintivo desta espécie de interesse, como se verifica da leitura do art. 81, inciso II da Lei n.º 8.078/90, que os define como "os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica".

c) Interesses Individuais Homogêneos

Cumpre, preliminarmente, dizer que compreendemos os interesses individuais homogêneos como espécie de interesse metaindividual muito próximo dos interesses coletivos, a que se refere o artigo 81, inciso II do CDC, uma vez que a doutrina, em geral, considera esta espécie de interesse metaindividual apenas como um interesse individual exercido de forma coletiva.


CAPÍTULO IV

1 SIGNIFICANTE DENOTATIVO DE "HOMOGÊNEO" E A NATUREZA COLETIVA DO INTERESSE INDIVIDUAL HOMOGÊNEO

Desde o clássico pensamento de Platão, já encontramos a lição de impossibilidade de se atingir o conhecimento sem explicação racional e, consistindo esta no fato de "tornar claro o pensamento por meio da voz, com o emprego de verbos e substantivos", iniciaremos o nosso estudo da natureza do interesse individual homogêneo pela análise do significante denotativo deste, porque cremos que o conhecimento não pode ser tomado de forma independente da linguagem.

Pesquisando sobre as palavras componentes do termo Interesse Individual Homogêneo, podemos verificar a natureza coletiva deste interesse, por exemplo, através do termo "homogêneo", que em função adjetiva, como na lei exerce, é o termo qualificativo de substantivo no qual todas as partes possuem a mesma natureza e estão solidamente e/ou estreitamente ligadas. Rememorando os traços característicos dos interesses coletivos, observamos a presença daqueles por meio deste adjetivo.

Vale lembrar que a nota de organização mínima, como traço característico do interesse coletivo, pode ser vislumbrada no interesse individual homogêneo, porque o adjetivo da homogeneidade qualifica aquilo que por sua natureza faz resultar a estreita ligação dos seus componentes, como supra apontado.

Destarte, o traço de afetação a grupo determinado ou determinável no interesse individual homogêneo é ainda mais presente do que no interesse coletivo stricto sensu, pois, como todo grupo, caracteriza-se por ser reunião de pessoas ligadas para fim comum, é a afetação a grupo determinado ou determinável elemento que terá o seu nascedouro na origem comum desta espécie de interesse metaindividual, como apontada pelo art. 81, inciso III do CDC.

Não podemos olvidar que é da própria natureza daquilo que é coletivo a característica de pertencer a uma classe, povo, ou a qualquer grupo; corolário é a existência de um vínculo jurídico básico comum a todos os participantes do grupo formado em torno de interesse individual homogêneo, pois este é o interesse de um grupo decorrente de origem comum, fator que lhe defere situação jurídica diferenciada dos demais interesses metaindividuais.

Conclua-se que o traço distintivo do interesse individual homogêneo para o coletivo - stricto sensu - é a sua divisibilidade, decorrente da sua afetação a um grupo mais restrito e determinado de pessoas, que estão ligadas entre si para um fim comum decorrente de origem comum.

2 FUNDAMENTOS JURÍDICO-NORMATIVOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DO INTERESSE INDIVIDUAL HOMOGÊNEO COMO INTERESSE COLETIVO

A Lei n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) mesmo antes das modificações introduzidas pela Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) já apontava a sua característica de instrumento processual para a defesa de interesses metaindividuais, seja pelo fato de não excluir o uso da ação popular, que sempre teve o escopo de defender os interesses da coletividade pública de natureza metaindividual (art. 1.º, da Lei n.º 7.347/85), além de que o efeito da sentença civil da ACP, prevista no artigo 16, mostra o caráter coletivo deste instrumento processual por ser "erga omnes", salvo a improcedência por falta de provas.

Estes pequenos exemplos normativos demonstram que a Lei n.º 7.347/85, sempre teve cunho de defesa de interesse coletivo (metaindividual) e, logo, não é do seu campo normativo a defesa de interesse individual, ou seja, aquele interesse que não tenha natureza coletiva.

Desta feita, quando o artigo 21 da Lei n.º 7.347/85, mandado acrescentar pela Lei n.º 8.078/90, preceitua que "aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do título III da lei que institui o Código de Defesa do Consumidor " (grifo nosso), estes interesses individuais citados no preceito normativo em tela, o qual faz reminiscência a aplicação da parte processual da defesa em juízo dos interesses metaindividuais prevista no CDC, só podem referir-se a interesses de natureza coletiva ou de interesse da sociedade, porque, se fosse de outra forma, estariam sendo tutelado interesses de natureza puramente individual por meio da ACP.

É ponto pacífico que não cabe a tutela através de ACP de interesses que não tenham a natureza coletiva, e, logicamente, a reminiscência normativa a individuais do artigo 21 da Lei n.º 7.347/85 só pode reportar-se aos interesses individuais homogêneos.

Corolário é que os interesses individuais homogêneos, como espécies de interesses metaindividuais possuem natureza coletiva, pois, caso contrário, a Lei n.º 8.078/90 não introduziria a sua tutela através de sua inclusão normativa na Lei de Ação Civil Pública, via artigo 21.

Alerta-se, ainda, que a Lei n.º 8.078/90 aponta a natureza coletiva do interesse individual homogêneo, não sendo apenas um interesse individual exercido de forma coletiva, quando analisamos o preceituado no artigo 81 caput, de que a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo ( grifos nosso).

Lembrando-se de que a defesa em juízo de direito individual está plenamente abrangida pelo artigo 5.º da CF desde a simples lesão, e que a regra geral é de que, quando se tratarem de interesses de natureza coletiva, a Constituição e a legislação prevêem um instrumento processual específico, é conseqüência lógico-hemenêutica que, quando no mesmo caput do artigo 81 in fine, o legislador preceituou sobre a defesa dos interesses do consumidor a título coletivo e, em seguida, no parágrafo único e incisos do preceito normativo em análise, estabeleceu que a defesa coletiva será exercida quando se tratarem de: interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

Obriga-nos o concatenamento destes fragmentos de disposição normativa (art. 81 caput in fine com parágrafo único e incisos) a concluir que a mens legis normatizou nestes preceitos a defesa coletiva em juízo dos interesses ou direitos que tem efetivamente a natureza coletiva, excluindo da sua tutela os interesses de natureza individual que podem ser ajuizados de forma conjunta ou coletivizada através das espécies de litisconsórcio previstas no sistema processual comum.

Percebe-se, assim, que o parágrafo único do artigo 81 da Lei n.º 8.078/90 é o pórtico de entrada do sistema processual para o acesso à tutela jurisdicional daqueles interesses de natureza coletiva e que permaneciam numa dimensão paralela do jurídico, fora do raio de ação de seus instrumentos jurídico-processuais, por não se enquadrarem nos clássicos moldes da legitimação ordinária, ligada à titularidade subjetiva, e que busca o fundamento para a sua tutela jurisdicional nos critérios maiores de relevância do bem jurídico a ser protegido e interesse social, a exemplo as previsões expressas destes critérios nos artigos 82, inciso IV, parágrafo 1.º, e, 84, parágrafo 3.º do CDC.

Conclusão necessária do anteriormente exposto é que, por estar incluída no inciso III do parágrafo único do artigo 81 da Lei n.º 8.078/90 a definição do que sejam interesses ou direitos individuais homogêneos, conjuntamente com os interesses difusos e coletivos stricto sensu, estas espécies de interesses metaindividuais possuem natureza coletiva como estes, sendo, portanto, uma das espécies de interesses coletivos lato sensu.

Avançando na análise normativa do texto da Lei n.º 8.078/90, especialmente no que se refere à previsão da ação civil coletiva para a responsabilidade dos danos individualmente sofridos (artigo 91) que, para Arnold Wald, por exemplo, é instrumento adequado somente para a tutela dos interesses individuais homogêneos fora dos casos previstos no artigo 1° da Lei n.º 7.347/85 quando tratar-se de defesa do consumidor, por que embora exercido de forma coletiva, excluída está a tutela através da ação civil pública nos casos de interesses individuais homogêneos não expressamente previstos no artigo 1° da Lei de Ação Civil Pública ( meio ambiente, consumidor, patrimônio público e social).

Necessário torna-se lembrar de que a ação civil coletiva da Lei n.º 8.078/90 constitui-se em instrumento específico para atuação no âmbito das relações de consumo para a tutela dos interesses individuais homogêneos, mas que esta norma não anula o preceituado no artigo 83 do CDC, que legisla no sentido de que para a defesa dos direitos e interesses protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar a sua efetiva tutela.

Observa-se, claramente, que este preceito (art. 83 do CDC) não exclui o uso da ACP para a tutela dos interesses individuais homogêneos, seja nos casos expressos, seja em outros não previstos expressamente, como é o caso dos interesses ligados às relações do trabalho, uma vez que permite a tutela dos interesses e direitos previstos no CDCin generi, portanto, das três categorias( difusos, coletivos e individuais homogêneos), preocupando-se o legislador em propiciar a sua adequada efetiva tutela, consignado expressamente no final do preceito normativo.

Válido lembrar de que o próprio artigo 1° da Lei n.º 7.347/85 prevendo que a ação civil pública não prejudica o uso da ação popular, já seguia o princípio de que o importante no campo da tutela de interesses metaindividuais é a efetiva proteção do bem jurídico de relevância e interesse social, e quaisquer interesses individuais homogêneos possuem estes caracteres.

Destarte, o artigo 89 do CDC, vetado pelo Presidente da República, preceituava expressamente que as normas do seu título III, que trata da defesa do consumidor em juízo, "aplicam-se, no que for cabível a outros direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, tratados coletivamente." Este preceito normativo, embora vetado, reforça a idéia de que não era intenção do legislador fazer, como não fez no artigo 81 do CDC, expressa distinção quanto a natureza metaindividual, logo, coletiva lato sensu, dos diversos interesses tutelados pelo CDC, somente diferindo quanto ao grau de concretude dos interesses metaindividuais previstos.

Cristalino, portanto, que quando o parágrafo único do artigo 81 e incisos, preceitua que a defesa coletiva será exercida no caso de se tratar de interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, em nenhum momento está normatizando que a defesa coletiva somente será exercida através das ações civis coletivas do CDC, previstas no artigo 91, excluindo dos casos não previstos expressamente o uso da ACP para a tutela dos interesses individuais homogêneos.

Desta forma, embora exista no CDC um instrumento específico para a tutela dos interesses individuais homogêneos em juízo no campo das relações de consumo para a responsabilidade dos danos individualmente sofridos, as ações civis coletivas, estes interesses não perdem a sua natureza coletiva ante a existência na Lei da previsão do seu exercício mediante defesa a título coletivo, conjuntamente com os interesses coletivos por excelência, que são: os difusos e coletivos stricto sensu (art. 81 do CDC).

Além do que o CDC expressamente normatiza que, para a defesa dos interesses ou direitos por ele tutelados, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar a sua adequada e efetiva tutela (artigo 83), prevalecendo o critério da relevância social dos interesses.

No caso das relações de trabalho que é o campo de nosso estudo, a defesa dos interesses individuais homogêneos só pode ser exercida por meio da ação civil pública, sendo impossível a sua defesa por meio das ações civis coletivas, próprias para as relações de consumo.

3 A TUTELA JURISDICIONAL DO CONSUMIDOR

(JUSTIFICATIVAS E SALVAGUARDAS)

Ao comentar a tutela de direitos sociais, Mauro Cappelletti, apud Richard Tur (1982:135), afirma que "o gozo dos tradicionais bem como dos novos direitos sociais pressupõe mecanismos para sua efetiva proteção", dizendo ainda que "tal proteção, mais do que nunca, é melhor assegurada mediante um remédio eficaz dentro do esquema do sistema judiciário".

E o próprio Molony Report, de 1962, conclui que "as leis e regulamentos são de pouca valia, a menos que sejam observados", haja vista que "a maior causa da fraqueza do consumidor no passado tem sido na aplicação inadequada das multas leis feitas em seu favor".

Além disso, há evidente desigualdade de condições entre o consumidor, principalmente se individualmente considerado, de um lado, e o fornecedor de bens e serviços, de outro, sendo de todo conveniente, pois, que se agrupem os consumidores ou então entreguem a um órgão com maior capacidade de postulação a defesa de seus legítimos interesses.

Como bem acentua Mauro Cappelletti (1985:11-12), a "pobreza jurídica não é somente a pobreza de um indivíduo que não tem recursos financeiros, que não tem cultura bastante, que não tem posição social adequada, ou seja, pobreza econômica, social, jurídica, cultural etc.", asseverando ainda que a "pobreza pode ser um fenômeno mais vasto", "fenômeno de grupos, de categorias", concluindo que, nesse caso encontra-se exatamente o consumidor, mesmo porque o somos todos nós, sem exceção e, por conseguinte, "pobres economicamente ou culturalmente". Acrescenta ainda que, "o consumidor que compra um produto com pequeno defeito equivalente a um dólar, não pode se defender individualmente", eis que "aí se trata de um interesse fragmentado, demasiado pequeno para que o cidadão, individualmente, defenda seu direito". "Mas", conclui, "se todos os consumidores, em conjunto, decidirem atuar, serão milhões de dólares, e não apenas um, pois milhares, centenas de milhares ou milhões de consumidores estarão comprometidos", chegando-se à conclusão de que, além dos interesses individuais de cada consumidor, há interesses difusos e coletivos, a demandar tratamento mais eficaz e sobretudo rápido.

Também para o Prof. Fábio Konder Comparato (1974), da Universidade de São Paulo, consumidores são aqueles "que não dispõem de controle sobre bens de produção e, por conseguinte, devem se submeter ao poder dos titulares destes". E complementa tal enfoque asseverando que "o consumidor é, pois, de modo geral, aquele que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, os empresários".

Tais circunstâncias ficam ainda mais evidentes quando se levam em conta, por exemplo, os danos causados por um produto alimentício ou medicinal nocivo à saúde, ou então por um bem de consumo durável perigoso, ficando as vítimas em situação de literal desamparo, não apenas em face de sua impotência ante o produtor, como também pelos frágeis instrumentos de defesa de que dispõem, fragilidade essa demonstrada pela exigência até hoje entre nós vigente, de não apenas demonstrar-se o dano sofrido, mas também o nexo causal entre o dano e o produto e, o que é pior, e mais difícil ainda, a culpa residente em negligência ou imperícia do produtor.

Isto tudo, por óbvio, mais que justifica o princípio da "inversão do ônus da prova" aliada à "responsabilidade objetiva" pelo fato do produto, já consagrados nas legislações de diversos países e agora do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor que consagrou, dentre os princípios da "política nacional de relações de consumo" (art. 4.º), o "reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo", e como um dos seus direitos básicos "a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência".

4 TUTELA PREVENTIVA

Adverte Sessarego que "no cabe restringir la tutela de la persona a la reparación del daño una vez que este se se haya producido. Es decir, no es posible tutelar negativamente al ser humano. Por el contrario, en la actualidad se suraya que la protección de la persona humana tiene, eminentemente, un sentido positivo. Ello supone procurar jurídicamente al sujeto las mejores condiciones para el pleno y libre desarrollo de su personalidad, removiendo los obstáculos que entorpezcan la consecución de esta finalidad. Pero, esta tutela positiva es también, prioritariamente, de orden preventivo. La más reciente y alerta doctrina no sólo enfatiza en la necessidad de una tutela integral y unitaria de la persona sino que preconiza que la más adecuada protección del ser humano es aquella de carácter preventivo. Se hace notar por algunos autores de vanguardia que los modelos tradicionales de protección de la persona fracasan, no sólo porque no consideran su tutela integral, sino en tanto no comprenden que ella es eficaz si toma en cuenta la exigencia de prevenir que se produzcan atentados contra el ser humano en un immediato futuro. Com el propósito de anteciparse a las probales agresiones que pueden cometerse contra la persona es que se incluye, en los más recientes ordenamientos jurídicos, acciones de caráter preventivo. Estas on la acción de amparo, a nível constitucional, y la acción inhibitoria, dentro del área derecho civil. Ambas acciones están destinadas a evitar la consumación de una imminente amenaza contra la persona, capaz de causar o daño o, en caso de haberse producido el evento dañoso, obtener su inmediata cesación para impedir la continuación e incremento del daño. Estas acciones, que no son de naturaleza repressiva sino preventiva, brindan al sujeto una relativa seguridad jurídica". (Proteción a la persona humana, Ajuris 56/107).

Carlos Cárdenas Quiróz recorda o recente Projeto do Código Civil peruano, cujo artigo 17, al. 2, dispunha que "el juez, a solicitud y por cuenta del interessado, puede ordenar la desación de un hecho potencialmente susceptible de causar daño a la persona o la paraliación de la actividad generadora del daño, siempre que se encuentre verosímilmente acreditado" (Apuentes sobre el denominado daño a la persona, Rev. Direito Civil 70/20); mas o citado dispositivo, na versão que acabou prevalecendo, proposta pela Comissão Revisora, só reconheceu o direito da pessoas agravada a solicitar a cessação dos atos lesivos, descartando a possibilidade de agir em juízo diante de uma ameaça: em outros termos, consagrou-se uma limitada ação inibitória, restringindo o amplo alcance do artigo 295 da Constituição daquele país, para ater-se exclusivamente à chamada "liberdade individual", que dá lugar à específica ação de habeas corpus (Sessarego, ob. cit., p. 108).

Em nosso direito, ausente disposição legal explícita, demonstra Flávio Luiz Yarshell, de maneira convicente, a admissibilidade da mais ampla tutela preventiva ou inibitória e da tutela específica do dano moral: o exame do tema comporta duplo enfoque, conforme se tome o momento da consumação do dano. Quando se trata de prevenir a perpetração do ilícito (impedindo que o dano moral venha a se consumar), ou mesmo de fazer cessar a violação que está em curso (impedindo sua reiteração ou agravamento), não há dúvida de que a intervenção judicial pode dar-se mediante a imposição de prestações de fazer e não-fazer. Trata-se de atuar sobre a conduta do autor da violação, para que se abstenha da prática do ilícito; ou para que cesse a violação já iniciada; ou ainda para que, desde logo, desfaça a materialidade ou o resultado de seu ato ilícito, potencial ou concretamente gerador de um dano moral. Cuida-se, a título exemplificativo, de impedir que a imagem da pessoa – expressa em fotografia ou traduzida em obra intelectual de caráter biográfico, por exemplo – seja veiculada indevidamente, impondo-se um dever de abstenção (não veicular a imagem ou a obra em que ela se contenha); ou de impedir que se perturbe o sossego e a saúde, nos casos de uso nocivo da propriedade, tal qual previsto pelo artigo 554 do Código Civil; ou ainda de impor ao fornecedor, no âmbito das relações de consumo, que se abstenha de empregar – ou mesmo que desfaça – meios ou atos tendentes à cobrança de débitos do consumidor, que o exponham ao ridículo, a constrangimento ou ameaça, conforme previsão do artigo 42 da Lei n.º 8.078/90. Em todos esses casos, portanto, não se cogita de uma tutela propriamente sancionatória, no sentido de tutela que venha a neutralizar os efeitos do dano consumado, mas essencialmente preventiva ou inibitória, isto é, apta a impedir a consumação, reiteração ou o agravamento do dano.

E anota que o ordenamento brasileiro conhece instrumentos eficazes no sentido dessa tutela: Além de disposições legais constantes da legislação extravagante – como os dos artigos 11-12 da Lei da Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347/85) e artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor -, o artigo 461 e parágrafos do Código de Processo Civil trazem o fundamento para a tutela específica nas obrigações de fazer e não-fazer, tutela essa que desfruta de declarada primazia, e que pode ser concedida antecipadamente, de sorte, portanto, a atuar de forma preventiva (inclusive para garantir seu atributo de tutela específica). A disposição tem inteira pertinência com a prevenção do dano moral, pois é precisamente no âmbito dos direitos não patrimoniais – nome, imagem, honra, intimidade, privacidade – que as tutelas preventiva e específica revelam-se mais necessárias, precisamente pelas dificuldades de – após consumada a lesão – obter-se uma justa e adequada reparação.

A jurisprudência tem admitido essa forma de tutela antecipada: Inequívoco o direito líquido e certo ao cancelamento dos efeitos da negativação decorrentes da inscrição do nome do impetrante perante o SPC, quando referida inscrição não se constituir em outra coisa que não seja o prejuízo gratuito às outras relações que venha a querer contrair. Inexistência de prejuízo ao credor-exequente enquanto não definido o quantum debeatur em sentença a ser proferida em embargos do devedor. Mostra-se abusiva a inscrição gratuita perante o SPC, bem como a decisão judicial indeferitória da medida cautelar, porque flagrantes prejuízos deste ato, de difícil e incerta reparação. Suspensão dos efeitos decorrentes da negativação até o trânsito em julgado da decisão a ser proferida nos embargos de devedor (1.ª Câmara do TAlçRS, 16.04.1996, JTARS 98/225).

Ressalva-se que, "se o devedor não ofereceu a devida garantia, no assegurar o cumprimento de eventual obrigação advinda do insucesso ou sucesso parcial da ação contra si movida, não é plausível proibir que não seja seu nome registrado no órgão de proteção ao crédito". (3.ª Câmara do TalçRS, 24.04.1996, JTARS 98/263).

5 DISPENSA DO PAGAMENTO DE CUSTAS, EMOLUMENTOS OU OUTRAS DESPESAS JUDUCIAIS

Preceitua o artigo 87 do CDC, o seguinte: "Nas ações coletivas de que trata este Código não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas, e despesas processuais. Parágrafo único - Em caso de ligitimidade de má-fé, a associação autora e os diretores responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados em honorários advocatícios e ao décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos."

Despesas com o processo: normalmente, quando ingressa com uma ação, a pessoa, de início, precisa arcar com o pagamento das taxas administrativas, denominadas custas judiciais. Além disso, alguns processos pressupõem conhecimento técnico de áreas alheias ao direito (químico, biologia etc.), o que torna necessária a intervenção de técnicos especializados para auxiliar o juiz: são os denominados peritos, remunerados, assim como os advogados, por honorários.

O Ministério Público, o município e demais órgãos estão isentos desses pagamentos pôr integrarem o Estado.

Ainda, há de se falar em litigância de má-fé: ocorre quando a associação ingressa com uma ação em juízo, tendo, pelas circunstâncias peculiares ao fato, certeza absoluta do engano, do vício ou da impropriedade do seu pedido judicial, elaborado com a finalidade exclusiva de causar um mal, um prejuízo ao fornecedor

6 COMPETÊNCIA E INTERVENÇÃO DE TERCEIROS. PROCEDIMENTO.

Estabelece o artigo 101 do CDC, que: "Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste Título, serão observadas as seguintes normas: I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor; II - a réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nessa hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos termos do artigo 80 do Código de Processo Civil.

Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade facultando-se, em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este.

O artigo 102 do CDC, adotou que: "Os legitimados a agir na forma deste Código poderão propor ação visando compelir o Poder Público competente a proibir, em todo o território nacional, a produção, divulgação, distribuição ou venda, ou a determinar alteração na composição, estrutura, fórmula ou acondicionamento de produto, cujo uso ou consumo regular se revele nocivo ou perigoso à saúde pública e à incolumidade pessoal."

Dever de fiscalizar: o Poder Público (União, Estados e Municípios) tem o dever de fiscalizar os produtores, a fim de que produtos nocivos ou perigosos à saúde não ingressem no mercado nacional.

Todavia, quando o Poder Público não adota espontaneamente as medidas que se fizerem necessárias, as associações de consumidores e o Ministério Público podem mover processo judicial para obrigar que o faça.

Pode ser ajuizada uma ação de "obrigação de fazer", em que o autor da ação pleiteia ao juiz que fixe um prazo para que o Poder Público tome as medidas necessárias. No final desse prazo, o Poder Público arcará com uma multa para cada dia de descumprimento da ordem judicial, sem prejuízo da responsabilidade dos agentes administrativos omissos.

7 O PROCESSO DE LIQUIDAÇÃO, DE EXECUÇÃO E OS EMBARGOS DO DEVEDOR

A Lei n.º 8.078/90, fortifica-se no seu artigo 97, que: "A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o artigo 82."

O artigo 98, esclarece que: "A execução poderá ser coletiva, sendo promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiverem sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções. Parágrafo 1.º - a execução coletiva far-se-à com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado. Parágrafo 2.º - É competente para a execução o Juízo; I - da liquidação da sentença ou da ação condenatória, no caso de execução individual; II - da ação condenatória, quando coletiva a execução."

O artigo 99, torna efetivo o seguinte: "Em caso de concurso de créditos decorrentes de condenação prevista na Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, LACP, e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento. Parágrafo único - Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da importância recolhida ao Fundo criado pela Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, ficará sustada enquanto pendentes de decisão de segundo grau as ações de indenização pelos danos individuais suficiente para responder pela integralidade do devedor ser manifestamente suficiente para responder pela integralidade das dívidas."

Preferência no pagamento: se houver ofensa conjunta a interesses individuais homogêneos e difusos, a satisfação dos débitos originários daqueles terá precedência.

Autua o artigo 100, o seguinte: "Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida. Parágrafo único - O produto da indenização devida reverterá para o Fundo criado pela Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, LACP (fluid recovery)."

Execução supletiva: só nessa hipótese é que os entes referidos no artigo 82 poderão promover a liquidação da sentença, cujo produto reverterá para o Fundo indicado e não mais para os consumidores lesados, que se mantiveram inertes.

Proceder a liquidação: quando o fornecedor for condenado pela prática de um crime contra o consumidor, este, ou os entes legitimados na hipótese tratada no artigo 98, poderá servir-se da sentença condenatória penal também para efeitos civis, caso em que não caberá discussão judicial quanto ao dever de pagar, mas só com relação ao valor que o fornecedor terá de pagar.

Execução: depois de apurado o valor que cada consumidor lesado vai receber, o juiz ordena que o réu faça o pagamento no prazo de 24 horas. Se o réu não cumprir a ordem, o juiz mandará vender os bens do réu em leilão para que a conta seja paga. Esta é a última fase do processo: a execução.

Linhas atrás, quando falamos da funções jurisdicionais, fizemos ver o que é notório em nosso processo e que é a independência e autonomia, assim como a imprescindibilidade do processo de execução, como regra, para a materialização das atividades executivas. Raras são as exceções.

Esta separação que dá origem ao binômio processo de conhecimento - execução forçada remonta a antigas origens do direito romano-canônico, consolindando-se sobretudo no direito medieval, origem do processus executivus.

Mas é induvidoso que o dogma da necessária antecedência de uma cognição plenária e exauriente como pressuposto da possibilidade de execução teve grande aceitação pela filosofia iluminista, porque prestigia a certeza jurídica fundamental para o capitalismo moderno. Esta doutrina encontra-se profundamente arraigada no âmago de nosso processo civil.

No entanto, não deixa de ser de certa forma paradoxal o grande número de títulos executivos extrajudiciais de nosso direito, quiçá o mais pródigo do mundo em conferir executividade a títulos de origem não judicial.

Construído sobre tal base, o processo de execução repele o exercício de cognição mais aprofundada ou mesmo estranha aos incidentes do próprio processo. É falsa, todavia, a afirmação de que inexista cognição no processo executivo. Aliás é falsa a afirmativa de que as funções jurisdicionais sejam puras, sendo comum encontrarmos interpenetração de execução cautela e conhecimento em um mesmo processo.

Mas é óbvio que cada espécie se caracteriza pela existência de uma preponderância de uma atividade, no caso do processo de execução, das atividades satisfativas, materializadoras do direito encartado na sentença ou no título extrajudicial, existindo contudo, notas de cognição e cautelaridade em seu bojo.

Mas como dissemos, a cognição dentro do processo de execução almeja em primeira plana os incidentes internos do procedimento, sendo defeso e contrário à índole do processo executivo imiscuir-se questões relativas ao título executivo, ou seja, à obrigação exeqüenda, salvante os casos de prescrição ou decadência, que podem ser veículados através de exceção de pré-executividade.

Tal atividade está reservada aos embargos de devedor ou de terceiro. Ação de cognição, de eficácia declaratória negativa ou desconstitutiva, incidental, os embargos dão origem a uma nova relação processual, absolutamente distinta da relação executiva e que tem termo via sentença de mérito ou não.

Esta circunstância, ou seja, do afastamento de atividade cognitiva de maior volume do processo de execução, resulta do fato deste processo se destinar a atividades satisfativas, mas não só disto. Há que lembrar que o título judicial, em nosso sistemática, conta com presunção iuris tantum de certeza, liqüidez e exigibilidade, conforme se dessume dos artigos 586 do CPC e 3º da LEF.

Esta presunção, segundo o legislador, assume uma feição tal que veda a inserção de discussão acerca dela em sede de execução. Foi uma opção legislativa cuja origem deve ser buscada em uma série de fatores, mas legem habemus.

Os embargos de devedor, de seu turno, possuem uma eficácia extra-processo e que opera ex lege, qual seja a eficácia suspensiva da execução na porção sobre a qual versem. A redação dada ao inciso I do artigo 791 do CPC, dada pela Lei n.º 8.953/94, não deixa margem à discussão, como outrora havia na doutrina e na jurisprudência, para o efeito suspensivo dos embargos do devedor. Interpostos os embargos, suspensa estará a execução na porção por eles impugnada.

Em outras palavras, os embargos terão efeitos suspensivo sobre a porção da execução que consistir o seu objeto. Inobstante a clareza do dispositivo, alguns magistrados menos avisados, que, diga-se, são minoria, desatentam para a possibilidade de prosseguimento da execução na porção não embargada, suspendendo indevidamente in totum a execução.

Há que salientar que os embargos, conforme sejam referentes a título judicial ou extra judicial, podem possuir a característica de demandas de cognição sumarizada, pois nos embargos à execução lastreada em título judicial reduz-se sensivelmente a esfera de abrangência da cognição a ser realizada a teor do artigo 741 do CPC.

De fato, no caso de título judicial, feriria a coisa julgada permitir-se ampla discussão em torno de matérias sobre as quais já houve tratativa em sentença e sobre as quais operou-se a maxima preclusio. Ao revés em caso de título extrajudicial, abre-se ensanchas à ampla cognição em torno dos elementos do título.

Pois bem, não se pode negar o cabimento da antecipação dos efeitos da tutela em sede de embargos, em que pese a negativa de alguma doutrina que preconiza que não se pode adiantar tutela declaratória ou constitutiva. In casu, tratar-se-ia de conceder efeitos suspensivo ao julgamento da apelação interposta em sede de embargos e que, ex vi do artigo 520, inciso V, do CPC é desprovida de efeito suspensivo, em que pese a circunstância de haver uma sentença contrária à pretensão do embargante ser fator ponderável a infirmar a existência dos requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela. É que como todo ato humano, a sentença não está livre de conter erros e veicular arbitrariedades rematadas.

8 A FLUID RECOVERY DO DIREITO BRASILEIRO

As ações coletivas que têm por objeto a reparação dos danos causados a pessoas indeterminadas podem carrear consigo algumas dificuldades. É o que tem demonstrado a experiência norte-americana, quando a sentença condena o réu a ressarcir o dano causado a centenas ou milhares de membros da class, surgindo então problemas de identificação das referidas pessoas; de distribuição entre elas da arrecadação; do uso do eventual resíduo não reclamado pelos membros da coletividade.

A jurisprudência norte-americana criou então remédio da fluid recovery (uma reparação fluida), a ser eventualmente utilizado para fins diversos dos ressarcitórios, mas conexos com os interesses da coletividade: por exemplo, para fins gerais de tutela dos consumidores ou do ambiente.

A colocação desse tipo de ações coletivas no Código do Consumidor é diversa da que ocorre com as class actions norte-americanas, em que o juiz desde logo quantifica a indenização pelos danos causados: no sistema criado pelo Código, o bem jurídico objeto de tutela ainda é indivisível e a condenação é genérica, limitando-se a fixar a responsabilidade do réu e a condená-lo a reparar os danos causados. Esses serão apurados e quantificados em liquidação de sentença, movida por cada uma das vítimas para a posterior execução e recebimento da importância correspondente à sua reparação. A condenação faz-se, portanto, pelos danos causados, mas em termos ilíquidos, e o pagamento a cada credor corresponderá exatamente aos danos sofridos.

Todavia, o legislador brasileiro não descartou a hipótese de a sentença condenatória não vir a ser objeto de liquidação pelas vítimas, ou então de os interessados que se habilitarem serem em número incompatível com a gravidade do dano. A hipótese é comum no campo das relações de consumo, quando se trate de danos insignificantes em sua individualidade mas ponderáveis no conjunto: imagine-se, por exemplo, o caso de venda de produto cujo peso ou quantidade não corresponda aos equivalentes ao preço cobrado. O dano globalmente causado pode ser considerável, mas de pouca ou ou nenhuma importância o prejuízo por cada consumidor lesado. Foi para casos como esses que o caput do artigo 100, do CDC previu a fluid recovery.

Observa-se, porém, que a indenização destinada ao Fundo LACP, criado pela Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, nos termos do parágrafo único do artigo 100, é residual no sistema brasileiro, só podendo destinar-se ao referido Fundo se não houver habilitantes em número compatível com a gravidade do dano.

Por isso mesmo, não é correto o pedido direto de recolhimento de indenização ao Fundo, sendo censurável o acolhimento desse mesmo pedido: o pedido indenizatório, em casos que tais, inscreve-se na tutela de interesses individuais homogêneos, de modo que o recolhimento ao Fundo prejudica o direito às indenizações pessoais dos consumidores que quiserem habilitar-se à reparação individual.

Adequado, ao contrário, o pedido de indenização pessoal, por lesão aos interesses individuais homogêneos, com indicação de sua reversão ao Fundo, somente na hipótese de não haver habilitações dos interessados ou, em as havendo, a da reversão pelo eventual resíduo não reclamado.

Destinação da fluid recovery – O parágrafo único do artigo 100 de CDC, destina o produto da indenização pelo dano globalmente causado ao Fundo criado pela Lei n.º 7.347/85 (a lei da denominada Ação Civil Pública). Mas a reversão ao Fundo só pode ocorrer residualmente, como já visto anteriormente.

Exatamente como faz a jurisprudência norte-americana, a indenização é, assim, utilizada para fins diversos dos reparatórios – que não puderam ser atingidos no caso -, mas com eles conexos, por intermédio da proteção aos bens e valores da coletividade lesada.

9 VALOR DA CAUSA NA AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO MORAL

Já se pretendeu que, "omissa a lei sobre os critérios para fixação do valor da causa versando indenização por dano moral puro, aquele, em princípio, é inestimável; assente a caracterização do dano moral puro, é despicienda a comprovação do prejuízo"; mais certamente, porém, "a dificuldade de fixação, na inicial, do valor do dano moral não implica atribuir-se à causa um valor sem conteúdo econômico".

Em substância, a questão pertinente ao valor da causa na ação de reparação de dano moral resolve-se pôr via de estimativa unilateral do autor, que se sujeita contudo ao controle jurisdicional, remarcado ainda pela sua provisoriedade.

Tratando-se de pedidos cumulados, observa-se o mesmo critério quanto à estimativa do valor da causa no concernente aos danos morais, respeitando o patamar mínimo dos efeitos patrimoniais da ação. O que se segue na decisão da 6.ª Câmara do TJSP: "Tem a jurisprudência proclamado que, "nas ações de reparação de danos, à falta de regra específica acerca do valor da causa, este deverá corresponder ao proveito econômico perseguido pelo autor" (RT 647/186). Por outro lado, nada impede que, não dispondo o autor de elementos para calcular o real montante do benefício patrimonial almejado, proponha uma estimativa provisória, a ser definitivamente fixada por ocasião da sentença" (RJTJSP 99/299 e 118/371). Foi o que observou na espécie, pois a autora reclama indenização ampla, de ordem moral e patrimonial, em vista do abalo de crédito sofrido, a lhe acarretar diminuição do faturamento (11.06.1992, RJTJSP 138/327).

10 PEDIDO DE DANO MORAL E SUA CONDENAÇÃO EM SENTENÇA

Em linha de princípio, a concessão de indenização por danos morais exige que tenha havido pedido expresso na petição inicial, como também não se prescinde que a sentença seja explícita no sentido dessa condenação.

É certo que, tratando-se de ação de indenização fundada na morte de pessoa da família (artigo 948, inciso II, do Novo Código Civil), uma jurisprudência mais liberal tem tangenciado o rigor desse princípio, para compreender, por vezes, na "indenização" pedida, tanto o ressarcimento dos danos patrimoniais como a reparação dos danos morais.

Assim, de regra, os pedidos são interpretados restritivamente (CPC, artigo 293), não se considerando a verba a título de dano moral se não foi formulado pedido na inicial, ainda que possa ser formulado em outra demanda (5.ª Câmara de Direito Privado do TJSP, 09.02.1996, JTJ 182/83); e, como pedido novo, não induz litispendência nem afronta coisa julgada, salvo se a anterior ação de indenização por danos materiais foi desacolhida pela ausência de ilicitude do ato.

Afirma-se que "a reparação do dano moral não comporta pedido genericamente formulado; é imprescindível que a parte, na exordial, justifique a indenização, se não para que não fique ao arbítrio do julgador, ao menos para que possa o requerido contrariar a pretensão com objetividade e eficácia"; mas essa regra tem sido abrandada no que se refere ao quantum indenizatório pretendido, com o asserto de que "não resulta em inépcia da inicial o pedido genérico de indenização para reparação do dano moral, vez que seu valor é fixado pelo prudente arbítrio do Juiz da causa" (1.ª Câmara do TJGO, 28.12.1995, RT 730/307).

Privilegiando a ação de indenização por dano moral, em razão das peculiaridades do pedido, pretende-se que, "sendo meramente estimativo o valor da indenização pedida na inicial, não ocorre a sucumbência parcial se a condenação fixada na sentença é inferior àquele montante" (3.ª Turma do STJ, Recurso especial 21.696, 25.05.1993, DJU 21.06.1993).

Igualmente se reconhece a inadmissibilidade da liquidação dos danos morais, se estes não foram objeto da sentença condenatória: A liquidação deve ater-se ao decidido no processo de conhecimento. A responsabilidade do litisdenunciado pressupõe o reconhecimento do prejuízo suportado pelo litisdenunciante. Sendo incontroverso que não só a sentença liquidanda não fez referência a prejuízo de ordem moral, como nada se alegou nesse sentido quando da denunciação da lide, determinando o conteúdo da demanda principal tão-só o ressarcimento dos prejuízos de ordem material suportados pelo litisdenunciante, impende reconhecer a violação ao artigo 610 do CPC, em decorrência da inclusão de indenização por dano moral (3.ª Turma do STJ, Rel. Min. Costa Leite, 15.08.1995, RSTJ 78/232 e RT 725/177. No mesmo sentido, 1.ª Câmara do TJSP, apel. 195.421-1, 16.08.1994).

11 NEXO DE CAUSALIDADE E ÔNUS DA PROVA

Como em qualquer área da responsabilidade civil, põe-se em evidência como pressuposto da obrigação de reparar o dano moral o nexo de causalidade entre ação ou omissão voluntária e o resultado lesivo; neste sentido, aliás, a regra do artigo 927 do Novo Código Civil, sendo mais explícito o Código Civil peruano de 1984, em ser artigo 1.985: "La indenización compreende las consecuencias que derivan de la acción u omisión generadora del daño, incluyendo el lucro cesante, el daño a la persona y el daño moral, debiendo existir una relación de causalidad adecuada entre el hecho e el daño producido".

Portanto, "em sede indenizatória por danos patrimoniais e moral, mesmo levando-se em conta a teoria da distribuição do ônus da prova, a cabência desta está ao encargo do autor a provar o nexo causal constituidor da obrigação ressarcitória, pois, inexistindo causalidade jurídica, ausente está a relação de causa e efeito, mesmo porque actore non probante, reus absolvitur".

12 DANO MORAL E ÔNUS DA PROVA

Regra geral, "no plano do dano moral não basta o fato em si do acontecimento, mas, sim, a prova de sua repercussão, prejudicialmente moral".

Mas esta regra não tem sido aplicada em termos absolutos pela jurisprudência, pois "há danos morais que se presumem, de modo que ao autor basta a alegação, ficando a cargo da outra parte a produção de provas em contrário; assim, os danos sofridos pelos pais por decorrência da perda dos filhos e vice-versa, por um cônjuge relativamente à perda do outro; também os danos sofridos pelo próprio ofendido, em certas circuntâncias especiais, reveladoras da existência da dor para o comum dos homens. Há outros, porém, que devem ser provados, não bastando a mera alegação, como a que consta da petição incial (simples aborrecimento, naturalmente decorrente do insucesso do negócio)" (11.ª Câmara do TJSP, 30.06.1994, JTJ 167/45).

Com efeito, em função da diversidade do dano moral pretendido, tem-se aceito um tratamento diferenciado no que se refere ao ônus probatório, conforme se viu anteriormente, ao cuidar-se da reparação do dano causado pela perda de pessoa da família; do protesto indevido de título de crédito, se reclamada a indenização pela pessoa física ou pela pessoa jurídica; e, de alguma forma, nos casos de lesão deformante e de ofensa à honra da mulher.

13 FORMAS DE REPARAÇÃO DO DANO MORAL

Anota Carlos Bittar que "admitem-se, nesse campo, conforme a natureza da demanda e a repercussão dos fatos, várias formas de reparação, algumas expressamente contempladas em lei, outras implícitas no ordenamento jurídico positivo, como: a realização de certa ação, como a de retratação que, acolhida, pode satisfazer o interesse lesado (Lei n.º 5.250/67, artigos 29 e 30); o desmentido, ou retificação de notícia injuriosa, nos mesmos termos (idem); a divulgação imediata de resposta (idem); a republicação de material com a indicação do nome do autor (Lei n.º 5.988/73, artigo 126); a contrapropaganda, em casos de publicidade enganosa ou abusiva (Lei n.º 8.078/90, artigo 60); a publicação gratuita da sentença condenatória (Lei n.º 5.250/67, artigo 68), ou sob expensas do infrator (Lei n.º 8.078/90, artigo 78); a divulgação de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços (idem, artigo 44)".

Descartados os casos previstos na Lei de Imprensa, pois esta lei especial refoge ao âmbito deste trabalho, os demais indicados – previstos na Lei de Direito Autoral e no Código de Defesa do Consumidor – revelam-se proveitosos, ainda que insuficiente a indicação.

Efetivamente, "un daño inmaterial puede ser resarcido en cuanto ello sea posible por meio de la restitución in natura: esto tiene lugar sobre todo en caso de pública retratación de declaraciones públicamente manifestadas, idóneas para lesionar el honor de outro o perjudicar su crédito (parágrafo 824 del BGB)" (Larenz, Derecho de Obligaciones, I, parágrafo 14, p. 229)

Mais amplamente, ensina Pontes de Miranda: o dano moral ou se repara pelo ato que o apague (e.g. retratação do caluniador ou do injuriante, casamento da mulher deflorada), ou pela prestação do que foi considerado como reparador. A reparação do dano moral pode ser específica; e.g. retificação, reconhecimento de honorabilidade; a condenação à retificação é condenação in natura, aproximativamente; o preceito cominatório pode ser conforme o artigo 302, inciso XII, do CPC (de 1939), ou, se for o caso, conforme a Lei de Imprensa.

De um modo geral, a condenação com que se busca reparar o dano moral é representada, no principal, por uma quantia em dinheiro, a ser paga de imediato, sem prejuízo de outras cominações secundárias, nas hipóteses de ofensa à honra e à credibilidade da pessoa, conforme foi visto anteriormente.

14 FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO

Inexistentes parâmetros legais para o arbitramento do valor da reparação do dano moral, a sua fixação se faz mediante arbitramento, nos termos do artigo 944, do Novo Código Civil.

À falta de indicação do legislador, os elementos informativos a serem observados nesse arbitramento serão aqueles enunciados a respeito da indenização do dano moral no caso de morte de pessoa da família, de abalo da credibilidade e da ofensa à honra da pessoa, bem como do dote a ser constituído em favor da mulher agravada em sua honra, e que se aproveitam para os demais casos.

Controvertida a questão pertinente à concorrência de culpas em matéria de indenização por danos morais, as resoluções preconizadas na fixação do dano resultante da morte de pessoa da família comportam ser generalizadas.


BIBLIOGRAFIA

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11 CHIOVENDA, Giuseppe, Principii di diritto processuale civile. 4.ª ed. Nápoles: Jovene, 1928.

12 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentados pelos autores do anteprojeto. 7.ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 06/2001, p. 545

13 COMPARATO, Fábio Konder. Proteção do Consumidor, Brasília, CNDE, 1987, In: Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, Monografia.

__________ A Proteção do Consumidor: importantes capítulo do Direito Econômico. Revista de Direito Mercantil. São Paulo: n.º 15 e 16, ano XIII, 1974.

14 Curso de Direito Civil, Parte Geral. 35.ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1997, p. 8.

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18 Istituzioni di Diritto Civile. Pádova: Cedam, 1977, p. 8.

19 GRINOVER, Ada Pellegrini, Novas Tendências, 1984 : 2.

20 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A Ação Civil Pública. 5.ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 1997, págs. 278/279.

__________ Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. São Paulo: RT, ano 1988.

21 MATOS, Cecília. Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor, tese de mestrado na USP.

__________ A Ação Civil Pública: Tutela dos Interesses Difusos. Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Porto alegre, n.º 19, ano 1986.

22 MAZZILLI, Hugo Nigro. O acesso a justiça e ao Ministério Público, Justitia, São Paulo, ano 51, 146:68-78, abr./jun. 1989.

23 MENDES. Aluísio Gonçalves de Castro, Ações coletivas no Direito Comparado e Nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, págs. 42, 45, 219, 220 e 221.

24 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. 3.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1984, págs. 173, 184.

25 MOREIRA NETO, Diogo de Fegueiredo. Ordem Econômica e Desenvolvimento na Constituição de 1988. Rio de Janeiro, APEC, 1989.

26 OLIVEIRA, Juarez de (Coordenador). Comentário ao Código de Proteção do Consumidor. São Paulo, Saraiva, 1991. P. 403.

27 PASQUALOTTO, Adalberto. Defesa do Consumidor, RT, São Paulo, ano 1979, 658:52-72, ago. 1990.

28 "Princípios Gerais do Código do Consumidor: Visão Histórica". Revista da EMERJ, vol. 2, n.º 6. Rio de Janeiro, 1999, págs. 87/88.

29 RÊGO, Werson. O Código de Defesa do Consumidor, a nova concepção contratual e os negócios jurídicos imobiliários: aspectos doutrinários e jurisprudenciais - Rio de Janeiro: Forense, 1.ª edição - compl., 2001.

30 RIOS, Josué de Oliveira. Código de Defesa do Consumidor: comentado, São Paulo: Globo, ano 2001 – (série cidadania).

31 SAAD, Eduardo Gabriel. Código de Defesa do Consumidor, comentários. Brasília, Federação das Indústrias do Distrito Federal, 1991.SIDOU, J. M. Othon. Proteção ao Consumidor. Rio de Janeiro, Forense, 1997.

32 SHARP JÚNIOR, Ronald Amaral, Código de Defesa do Consumidor: anotado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1.ª ed., ano 2002.

33 TUR, Richard. Litigation and the consumer interest: the class action and beyond. Legal Studies, v. 2, n.º 2, july 1982.

34 WALD, Arnold. O Direito do Consumidor e suas repercussões em relação as Instituições Financeiras. Revista dos Tribunais, v. 666, s.d..

35 WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto. 6.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 724.


APÊNDICE A

O PROJETO DE PESQUISA UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ / EMERJ

"A DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO"

ANTÔNIO CARLOS TADEU BORGES DOS REIS

NOME DO ALUNO

RIO DE JANEIRO

2003

Antônio Carlos Tadeu Borges dos Reis

Nome do aluno

"A DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO"

TÍTULO

Projeto de Pesquisa apresentado como exigência final da disciplina Metodologia da Pesquisa, do curso de Pós-Graduação Lato Sensu especialização em "Direito do Consumidor", Matrícula: 200203.09363-56, Turma 2.ª.

Professor(a) Orientador(a): Mariza Alves Braga

UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ/EMERJ

RIO DE JANEIRO

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............ ............................................................................. 2

2 DELIMITAÇÃO DO TEMA............ ..................................................................... 2

3 OBJETIVOS............ ........................................................................................... 3

4 JUSTIFICATIVA............ ..................................................................................... 4

5 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA............ .......................................................... 5

6 HIPÓTESE............ .............................................................................................. 6

7 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA............ .................................................................... 9

8 METODOLOGIA DA PESQUISA............ ............................................................ 10

9 CRONOGRAMA............ ....................................................................................... 11

10 BIBLIOGRAFIA............ ..................................................................................... 11

1 INTRODUÇÃO

No decorrer de nossa Pós-Graduação, mais especificamente durante o módulo destinado ao estudo da responsabilidade civil, abordado com brilhantismo pelo Professor Juiz Dr. Werson Rêgo, ficamos fascinados pelo tema.

Tivemos a oportunidade de observar com mais clareza de detalhes a questão da culpa, do risco, do dolo e outros fatores inerentes ao tema.

Observamos a importância da matéria, a sua abrangência e a sua aplicabilidade no exercício da defesa do consumidor em juízo e fora dele.

Tal fato, levou-nos a refletir sobre a atuação dos Tribunais na defesa do consumidor, os danos causados ao cliente oriundos do erro, as deficiências apresentadas pelo desconhecimento de direitos na formação de propostas, e outros fatores que serão abordados no decorrer do trabalho.

Além disso, observamos que muitos clientes reclamam da atuação de algumas empresas, mas não sabem verificar quando realmente tem direito pela busca dos seus direitos e identificação da causa.

Assim, a presente pesquisa tem por objeto a identificação de algumas das principais situações em que o réu pode ser responsabilizado civilmente e enquadrado no Código de Defesa do Consumidor.

Desta forma, desenvolvemos o presente trabalho, principalmente, através de compilação da doutrina, ou seja, mediante a exposição do pensamento de autores renomados, organizando suas opiniões de forma lógica quando apresentarem posições antagônicas e harmonizando os pontos de vista comuns.

Partindo dessas exposições doutrinárias, estabeleceremos nossa própria opinião e conclusão sobre os aspectos considerados relevantes.

No capítulo inicial, faremos um breve resumo histórico. Abordaremos o conceito e os direitos dos consumidores em juízo aplicáveis em sua defesa com ou sem advogados, além do conceito e das principais características do curso judicial.

No segundo capítulo, indicaremos os dispositivos legais aplicáveis aos casos da tutela dos consumidores, bem como exemplos de sua ocorrência.

No capítulo III, realizamos uma análise sobre a atuação e poder dos magistrados, o entendimento dos Tribunais e o ensino do Direito do Consumidor comparando as doutrinas de juristas brasileiros e internacionais.

No capítulo IV, consideramos as questões relativas ao ressarcimento de Dano Moral, assim como os benefícios da Inversão do Ônus da Prova e da Desconsideração da Personalidade Jurídica, dentre as inovações trazidas pelo CDC para a regulamentação das relações de consumo, bem como, complementando a defesa do consumidor em juízo, como grande avanço do legislador brasileiro, em prol da Justiça Social, consubstanciada no Equilíbrio Contratual.

2 DELIMITAÇÃO DO TEMA

Como se depreende do artigo 1º da Lei 8.078/90, é o consumidor o sujeito ativo da relação jurídica de consumo, já que a ele se destinam os meios de proteção e defesa instituídos. Trata-se apenas de dar efetividade ao mandamentos inseridos nos artigos 5º, XXXII, e 170, V, da Constituição Federal, a fim de resguardar o consumidor das mazelas do mercado, tendo em vista a constatação de que se hoje se vive em uma sociedade em que apenas o consumo é capaz de satisfazer as necessidades de seus componentes.

O drama da justiça estatal é o de atuar de maneira a corresponder à confiança que nela deposita aquele que se considera vítima de lesão jurídica. A prestação jurisdicional, para ele, é quase sempre a última esperança.

A tutela específica e as medidas antecipatórias e sub-rogatórias que a completam não podem falhar, seja por omissão do órgão judicial, seja por uso injustificado e, portanto, abusivo. Em qualquer caso o que se desmerecerá, perante o jurisdicionado e ainda no consenso social, será a própria justiça a quem a ordem constitucional confiou a manutenção da ordem jurídica e a realização da tutela a todos os direitos subjetivos violados ou ameaçados dos consumidores. Perder-se a confiança na justiça é o último e pior mal que pode assolar o Estado Democrático de Direito.

Este trabalho versará sobre "A Defesa do Consumidor em Juízo", têm por objetivo destacar a referência relevante do Direito do Consumidor através da Lei n.º 8.078/90, para a conscientização da população em geral no tocante aos seus direitos de cidadão e seus reflexos para a formação de um Mercado de consumo maduro, produtivo, competitivo e seguro.

3 OBJETIVOS

Este Projeto objetiva uma melhor análise pelo consumidor e profissionais da área, em relação a defesa do consumidor em juízo, tema tão relevante para os dias atuais, da seguinte forma:

Com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, passou-se a questionar o seu âmbito de incidência, haja vista a concomitante existência do Código Civil e do Código Comercial. Que espaço, portanto, se reserva à Lei 8.078/90?

Conforme se depreende do artigo 1º do estatuto em questão, dispõe ele sobre a proteção e a defesa consumidor, estatuindo normas de ordem pública nesse aspecto, em atendimento ao mandamento contido nos artigos 5º, XXXII, e 170, V, da Constituição Federal.

Ao depois, nos seus artigos 2º e 3º, trata o Código de Defesa do Consumidor da conceituação do que, para os seus efeitos, vêm a ser consumidor, fornecedor, produtos e serviços. Vê-se, pois, que a primeira preocupação do legislador de 1990 foi a de estabelecer parâmetros para a identificação dos componentes da relação jurídica de consumo, que é justamente o objeto de que trata primordialmente a lei sob comento.

Vale ressaltar, nesse tópico, que a noção de relação jurídica mostra-se de fundamental importância para o entendimento do espectro de abrangência de qualquer norma, eis que, nas palavras de MIGUEL REALE, "as normas jurídicas projetam-se como feixes luminosos sobre a experiência social: e só enquanto as relações sociais passam sob a ação desse facho normativo, é que elas adquirem o significado de relações jurídicas. (...) Quando uma relação de homem para homem se subsume ao modelo normativo instaurado pelo legislador, essa realidade concreta é reconhecida como sendo relação jurídica".

Essa deve ser, portanto, a preocupação do estudioso do direito quando tenha por objetivo fixar o alcance da norma jurídica sobre a qual se debruça: trata-se de verificar e analisar os componentes da respectiva relação jurídica que nela se encaixa, mormente quando há um certo concurso aparente de normas, como, por exemplo, ocorre com o Código de Defesa do Consumidor em cotejo com o Código Civil e o Código Comercial.

Nesse mister, e partindo-se da premissa de que a relação jurídica é composta por um sujeito ativo - assim entendido como o beneficiário da norma -, um sujeito passivo - aquele sobre o qual incidem os deveres impostos pela norma -, um objeto - que se identifica com o bem sobre o qual recai o direito -, e um "fato propulsor" - assim considerado como o tipo de vínculo que liga o sujeito ativo ao sujeito passivo -, deve-se analisar a relação de consumo sob o ponto de vista de cada um de seus componentes, vale dizer, o consumidor, o fornecedor, o produto ou serviço, e o seu fato propulsor, seja ele contratual ou extracontratual.

Destarte, identificados os elementos componentes da relação jurídica de consumo, poder-se-á, com clareza, mensurar a "ação do facho normativo" da Lei 8.078/90.

De se ressaltar, ademais, que a utilidade da correta identificação dos elementos componentes da relação jurídica de consumo prende-se, também, à necessidade da observância do princípio da legalidade disposto no artigo 5º, XXXII e 170, V, da Constituição Federal, eis que o Código de Defesa do Consumidor é um estatuto multidisciplinar, definindo inclusive tipos criminais, a par de regras de comportamento mais gravosas em cotejo com as estabelecidas pelo Novo Código Civil e pelo Código Comercial.

4 JUSTIFICATIVA

Estamos frente a um momento de revisão de ancestrais concepções que vigeram intocadas por séculos. A própria forma com que o homem se relaciona com o mundo sofre uma mutação. Não há realidades absolutas e objetivas a serem descortinadas. Somos o que a nossa cultura e a nossa histórica nos diz.

As demandas sociais crescem, pois não basta a igualdade formal. Não basta a enunciação dos direitos como meras folhas de papel. O Direito moderno tem de ser ação, transformação, tem de encontrar legitimidade.

O Direito caminha para a publicização, promovendo-se uma reviravolta no dogma publicista que nos acompanha desde Roma. O Direito de um Estado Democrático Social de Direito não pode ser tornado efetivo mediante a utilização de velhos paradigmas de uma conjuntura sócio-cultural que não mais existe.

Uma olhada pela história do processo nos demonstra como têm ocorrido esta virada metodológica, e o jurista tem o seu papel a cumprir neste novo modelo de produção do Direito que vai irrompendo do processo de crise do método jurídico, de crise ética do Direito, de crise de legitimidade da tutela jurisdicional.

É preciso que passemos a olhar o direito de "fora", para evitarmos a cegueira de uma visão introspectiva que nos tem conduzido a crise onde nos encontramos. Há novos direitos, há novas demandas e não podemos aplicar os métodos ora vigentes para a resolução destes conflitos.

A noção de Direito tem a sua base a noção de igualdade como nota essencial. A mais rudimentar concepção que se tenha de direito à luz da cultura moderna jamais poderá prescindir de uma exaltação à igualdade como princípio magno. O processo, como instrumento estatal, tanto mais quando a moderna processualística o vislumbra sob uma ótica publicista, deve pautar-se por promover a igualdade entre as partes, valorizando a " paridade de armas" entre os litigantes e mesmo porque o artigo 5º, caput, da CF, é norma que irradia sua eficácia sobre todo ordenamento.

A Antecipação da Tutela foi concebida como um mecanismo para burlar a demora própria da ordinarização do processo de conhecimento das quais uma das faces é a separação rigorosa entre execução e conhecimento, assentando-se o processo de tradição romano-canônica sobre o binômio processo de conhecimento - execução forçada.

O dogma da certeza jurídica, agravado pela prodigalidade de nosso processo em conceber recursos, somadas ambas as circunstâncias a uma crescente demanda jurisdicional, cujas causas podem ser encontradas na construção de novos direitos de fundo coletivo, na atividade estatal nem sempre pautada pela legalidade e principalmente na consciência crescente na população que busca a justiça, fazem do processo uma cainhada penosa, cara e prolongada. Nesse contexto, o autor que tem razão sempre foi submetido à necessidade de ter que aguardar o desfecho do processo de conhecimento e depois o de embargos, quase sempre opostos e muitas vezes com propósitos protelatórios e movidos pelo espírito emulativo, para ver satisfeito seu direito.

Justifica-se o projeto, porque é de importância sumária, e a pesquisa se sobrepõe sobre a necessidade de evoluir com os fatos acerca do tema.

5 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

A antecipação de tutela permite a antecipação de efeitos da tutela pretendida na "inicial", subvertendo o ônus do tempo no processo, que, via de regra, opera contra o autor, permitindo-lhe, sob certas limitações, nem sempre observáveis, o gozo do direito.

Mas porque permitir-se a antecipação somente nos casos em que o tempo opera contra o autor ? - Nos casos em que a demanda possui processo possui eficácia ex lege a produzir efeitos imediatos, pode perfeitamente o réu pedir antecipação da tutela por ele pretendida, pois a defesa nada mais é do que um pedido, em par de igualdade com a inicial.

Havendo efeitos a se fazerem presentes desde logo, alterando, pela propositura da ação, a situação fático- jurídica, surge para o réu o interesse de agir, antes ausente, porquanto a regra é permanecer, contra o autor, o estado fático- jurídico inalterado.

Assim sendo, é de ter-se por possível a antecipação de tutela pleiteada pelo réu, bem como, tendo sido pleiteada tanto pelo autor como pelo réu, ser deferida na sentença ou em grau recursal. Pode-se, a partir desta premissa, conceber-se a antecipação de tutela par a fim de suprimir o efeito suspensivo do recurso, permitindo a execução provisória do julgado.

No caso do processo de execução, por sua natureza satisfativa, em linha de princípio fenece interesse em pedir-se antecipação de tutela, pois o mandado citatório já é para satisfação do direito. Mas existe a possibilidade de interposição de embargos de terceiro e de devedor, com eficácia suspensiva da execução. Isto ocorrendo, fica postergada a satisfação do direito, surgindo algo a ser antecipado através da supressão do efeito suspensivo dos embargos, ou, dir-se-á melhor, da suspensão do efeito suspensivo dos embargos.

Surgindo o interesse, não há motivo algum a obstar a postulação de efeito suspensivo no processo executivo, pois a disciplina do processo de conhecimento é aplicável subsidiariamente ao processo de execução, e o legislador não limitou a antecipação ao processo de conhecimento, sendo inaplicável, contudo, o artigo 273 no processo de execução, posto que lá, já existe disposição expressa tratando da antecipação de efeitos da tutela cautelar.

Admitida a possibilidade de pleitear-se antecipação de tutela em sede de processo executivo para a suspensão do efeitos suspensivo dos embargos, resta saber em qual processo deve o pedido ser veiculado: no processo de execução ou no processo de conhecimento incidental.

Ambas as saídas são defensáveis à luz do direito brasileiro desde que afastemos alguns óbices formais sem grande reflexo na higidez do procedimento. Se nos parece, todavia, mais coerente e menos propícia à balbúrdia e ao tumultuo processual a utilização do processo de embargos para veiculação da medida pois a cognição acerca da fatores externos ao próprio procedimento não é da índole do processo executivo.

Ademais não há óbice a que uma providência de antecipação de tutela seja requerida no processo de embargos, ainda que referente a outro processo, mesmo porque o que se visa antes de tudo é retirar o efeito suspensivo que é eficácia dos embargos.

Esta antecipação poderá ir até mesmo aos atos de alienação, utilizando-se do expediente caução como meio de resguardo do eventuais direitos do embargante.

Assim sendo, cremos que os princípios da isonomia e de efetividade da tutela jurisdicional legitimam a antecipação dos efeitos da tutela enquanto medida destinada è dar efetividade ao direito sem a delonga que tem marcado o nosso processo é que é hoje o grande desafio a ser vencido.

Fica, assim, como sugestão, a possibilidade de discutirmos alterações na legislação, para tornar o efeito suspensivo dos embargos uma exceção, ou para, mantendo-o como regra, permitir, via antecipação de tutela, possa o juiz subtrair esta característica da demanda incidental, através de decisão fundamentada.

6 HIPÓTESE

Gostaria de dirigir-lhes algumas palavras, de falar-lhes sobre a vida de um juiz que pontificou, humildemente, durante 28 anos, na primeira instância, e de exibir-lhes as agruras e dificuldades que enfrentou. Mas gostaria também de proclamar-lhes as virtudes e o prazer que essa nobilíssima função lhe trouxe, a ponto de haver impregnado a sua alma, embora não fosse esse o seu projeto, o seu sonho.

Esse magistrado sou eu. Sim, caros colegas, não obstante haver abraçado a carreira jurídica, jamais pensei que haveria de chegar à magistratura. Aliás, esta, no pensamento de Mário Moacyr Porto, "como toda atividade artística -- não é uma profissão que se escolhe, mas uma predestinação que se aceita. E se cultiva".

E eu a aceitei com um amor sem par, profundo, carismático, iluminado, pondo sempre, como o bom juiz de que fala CALAMANDREI, "o mesmo escrúpulo no julgamento de todas as causas, mesmo as mais humildes". E convenci-me, muito cedo, para lembrar esse jurista italiano, de que "não existem grandes causas e pequenas causas" e de que "a injustiça envenena até mesmo em doses homeopáticas".

Antes, caros colegas, sonhara eu com a carreira diplomática. Cuidava que, tendo estudado o grego clássico e o latim e também alemão, inglês, francês e espanhol, deveria ser um cidadão do mundo. Parecia-me que o modesto distrito de Condado, em cuja zona rural nascera e onde vivera até os doze anos, se tornara pequeno demais para mim, para as minhas aspirações. Esvaiu-se, porém, o meu sonho, ante as circunstâncias econômicas e por faltar-me, decerto (quem sabe?) uma força maior que me levasse até o Rio de Janeiro.

Desfez-se, contudo, essa visão, que foi tragada ou absorvida, induvidosamente, pela alma da terra que, na dicção de Victor Hugo, passa para o homem. Ou talvez pelo vaticínio de José Américo de Almeida, para quem "aquilo que tem de acontecer tem muita força". E teve, evidentemente, porque, aprovado nos idos de outubro de 1964, um período por demais difícil da vida política nacional, assumi a Comarca de Brejo do Cruz a 23 de novembro desse mesmo ano. Iniciei, ali, esse ministério, que é árduo, sem dúvida, porém venerável e cheio de dignidade.

Foram ásperos e espinhosos, caros colegas o primeiros dias: as audiências realizavam-se nos cartórios, pois não havia Fórum; era reduzido o número de serventuários, embora se deva ressaltar que eram extremamente dedicados e respeitosos. Para eles, era o juiz um semideus: tinham por este uma verdadeira veneração; cumpriam, com muito amor, os mandados judiciais e defendiam-no, incondicionalmente, em qualquer circunstância. Devo afirmar-lhes ainda que essa mesma integração existia entre o juiz e o promotor e entre aquele e os advogados.

Pareciam irmãos siameses. Exauriram-se, contudo, caros colegas, esses tempos, o que, no entanto, não lhes há de fazer perder o ânimo, a coragem, o alento nem haverá de constituir-se jamais em obstáculo à independência, que, na preleção de Dalmo de Abreu Dallari, é requisito prévio e essencial à magistratura. E não se há de esquecer -- como destaca esse notável jurista em sua magnífica obra O PODER DOS JUÍZES -- que o magistrado "necessita da independência para poder desempenhar plenamente suas funções, decidindo com serenidade e imparcialidade, cumprindo verdadeira missão no interesse da sociedade". E escreve:

"Assim, pois, segundo essa visão ideal do juiz, mas do que este, individualmente, é a sociedade quem precisa dessa independência, o que, em última análise, faz o próprio magistrado incluir-se entre os que devem zelar pela existência da magistratura independente".

Hei de enfatizar, no entanto, caros colegas que são vários os fatores que se identificam como responsáveis pelas restrições a essa independência. E Dalmo de Abreu Dallari os indica:

1º) as ditaduras de todas as espécies são contrárias à independência da magistratura não só porque os sistemas totalitários, por sua própria natureza, não toleram quaisquer limitações como porque, sendo eles, "inevitavelmente e invariavelmente, corruptos e intolerantes, só admitem a magistratura dócil e acovardada, que se omita, escudada numa falsa neutralidade política.

2º) São lhe contrarias, ademais, "as estruturas sociais e políticas que, embora não se caracterizem como ditaduras, são intrinsecamente antidemocráticas ou não favoráveis à democracia, mantendo mecanismos de decisão política que asseguram a supremacia de grupos sociais determinados". Essas formas políticas, geralmente classificadas como oligárquicas ou autoritárias -- assevera, costumam utilizar formalidades democráticas sem conteúdo democrático, "inclusive uma legalidade aparente para legalizar injustiça".

3º) Também "são inimigos da independência da magistratura os violentos, os intolerantes, os egoístas, os corruptos os imorais de todas as espécies que, favorecidos pelo poder econômico, pela força política ou militar ou por uma situação social privilegiada não se preocupam com a dignidade humana e hostilizam quanto podem todos os que pretendem a prevalência da justiça".

4º) Enfim, para o douto jurista, "entre os inimigos da independência da magistratura estão os próprios magistrados que, por ações e omissões, renunciam à sua independência".

E, ao discorrer sobre essas formas de renúncia, explicita-as: ora alega-se "que o magistrado deve ser um aplicador estrito da lei, politicamente neutro e sem responsabilidade moral pelas iniqüidades que possam estar contidas, com maior ou menor evidência, em suas decisões; ora, com o argumento de serem escravo da lei, ‘procuram ocultar o temor, o comodismo as conveniências pessoais ou a falta de consciência da extraordinária relevância de sua função social".

E há renúncia explícita à independência -- acentua Dalari -- quando os juízes, colaborando com autoridades arbitrarias, vêm a poupá-las "do trabalho de negar cumprimento à decisão de um tribunal e do desgaste que isso, certamente, acarretaria". E adverte:

"Foi desse modo que magistratura alemã acobertou as violências do nazismo, que possivelmente não teriam tido curso tão fácil se o juizes tivessem resistido às primeiras investidas inconstitucionais contra os opositores do governo e as instituições democráticas. Foi assim também que as magistraturas da América Latina deram apoio às atrocidades e à corrupção praticadas pelas ditaduras militares que tomaram o poder a partir da década de sessenta".

E, falando da independência dos juizes, diz Calamandrei:

"Não conheço qualquer ofício em que, mais do que no de juiz, se exija tão grande noção de viril dignidade, esse sentimento que manda procurar na própria consciência, mais do que nas ordens alheias, a justificação do modo de proceder, assumindo as respectivas responsabilidades".

Plínio Leite Fontes

Desembargador do Tribunal de Justiça da Paraíba,

Presidente da AMPB

7 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A cidadania é qualidade que deve ser exercida muito além do papel, principalmente no cotidiano do cidadão, e cabe ao Estado, assim como os Estados integrantes do Mercado Comum, a criação de todo um sistema operacional eficiente que garanta aos cidadãos consumidores, um tratamento igualitário, não-discriminatório e justo, perante os fornecedores atuantes no Mercado Comum e fora dele, no âmbito internacional.

A cada dia que passa, cresce a importância estratégica do posicionamento dos Estados em Comunidades Internacionais, rumo a uma socio-economia global. Com o quase absoluto acesso aos mais diversos tipos de informação, estamos vivenciando neste início de século uma revolução mais profunda que a revolução industrial, em vários aspectos.

É a Revolução da Informação, pela qual os cidadãos de todo o mundo se comunicam instantaneamente, bens e serviços são trocados a todo instante entre os mais longínquos pontos do planeta, tornando o conceito de consumo global uma realidade e neste contexto, países menos desenvolvidos econômica e socialmente correm risco considerável de perderem a identidade no cenário que se desenvolve. A aglutinação dos países do Mercosul e sua implementação é fundamental para o correto posicionamento destes países no mundo atual.

O desenvolvimento econômico é parte integrante de diversos outros desenvolvimentos inerentes a este tipo de movimentação global. E no tocante ao consumidor brasileiro, a criação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078/90, com o prévio amparo constitucional dos artigos 5.º, XXXII e 170, V, somados ao Sistema da Política Nacional das Relações de Consumo, foi fruto de conquistas sociais e da atuação estatal, numa parceria de esforços com a finalidade de adequar o mercado nacional às exigências e padrões internacionais de consumo, ainda distante da realidade brasileira, já decorridos 13 (treze) anos da promulgação da Lei.

Muito se evoluiu nas relações de consumo nacionais após a vigência do CDC. O consumidor hoje é bem menos desinformado que antes da aplicação da lei. A implementação das Procuradorias do Consumidor – Procons – e das Delegacias do Consumidor, trouxe maior segurança nas relações de consumo, inclusive com o incremento dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, para as causas de pequeno valor.

Percebemos hoje que, apesar de possuirmos uma das mais avançadas legislações do mundo, em matéria de Direito do Consumidor e do fornecedor brasileiros, quanto ao papel que a cada um cabe desempenhar.

8 METODOLOGIA DA PESQUISA

São apresentados de início apenas noções básicas, da estrutura jurídica do ponto a ser tratado.

A ênfase é para o desenvolvimento do raciocínio jurídico e não para retenção de estoque de informações estáticas por parte dos estudiosos juristas.

Fizemos uma busca completa nas doutrinas expositivas e na realidade jurídica atual, coadunando com os nossos conhecimentos de nítido fio condutor de sistematização, perfilando informações e opiniões hipotéticas sobre o assunto nos institutos jurídicos.

Outorgamos conhecimentos técnicos que lhes permitam compreender a realidade sociojurídica com critérios próprios, capacitando ao leitor para encarar questões específicas do Direito do Consumidor, desenvolver e aperfeiçoar a criatividade e a pesquisa jurídicas, com vistas a futuras investigações, ao estímulo à excelência universitária e a qualificar e complementar para o exercício do magistério superior, da pesquisa e da advocacia especializada.

Acessamos as orientações bibliográficas, no que se refere aos métodos de pesquisa, fontes indicadas e localização de estudos e trabalhos doutrinárias, bem como, informações via sites jurídicos.

As consultas foram efetivadas com a localização das fontes, leitura do material, elaboramos os resumos e montamos a redação provisória de forma a proporcionar melhor entendimento do assunto.

9 CRONOGRAMA

Meses

Fases

Abril

maio

junho

Localização das fontes

16

14

-

Leitura do material

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10

10

Elaboração de resumos

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10

12

Redação provisória

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10

14

Redação final

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-

20

Entrega da monografia

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25/07

10 BIBLIOGRAFIA

1 A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 11.ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1999, p. 37.

2 ALBERTON, José Galvani. A Defesa do Consumidor: experiência catarinense. In: Defesa do Consumidor, textos básicos. Brasília, Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, 1987, p. 322.

3 ALVIM, Arruda, ALVIM, Tereza, ALVIM, Eduardo Arruda, SOUZA, James J. Marvins. Código de Defesa do Consumidor: anotado. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991.

4 AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. História e Fundamentos do Direito do Consumidor, RT, São Paulo, ano 1978, 648:31-45, out. 1989.

5 BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. 4 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1980.

6 BRASIL. Conselho Nacional de Defesa do Consumidor. Defesa do Consumidor, textos básicos, 1987-1990.

7 BRITO LIMA, Maria Cristina de, Juíza de Direito TJ/RJ, Revista da EMERJ, vol.5, n.º 19. Rio de Janeiro, 2002.

8 CAHALI, Yussef Said, 1930. DANO Moral. 2.ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

9 CAPPELLETTI, Mauro. Processo e ideologia. Bolonha : IL Mulino, 1969.

10 CARVALHO, José Carlos Maldonado de, O Direito do Consumidor. Fundamentos doutrinários e visão jurisprudencial. Rio de Janeiro: Destaque, 2002.

11 CHIOVENDA, Giuseppe, Principii di diritto processuale civile. 4.ª ed. Nápoles: Jovene, 1928.

12 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentados pelos autores do anteprojeto. 7.ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 06/2001, p. 545

13 COMPARATO, Fábio Konder. Proteção do Consumidor, Brasília, CNDE, 1987, In: Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, Monografia.

__________ A Proteção do Consumidor: importantes capítulo do Direito Econômico. Revista de Direito Mercantil. São Paulo: n.º 15 e 16, ano XIII, 1974.

14 Curso de Direito Civil, Parte Geral. 35.ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1997, p. 8.

15 DE LUCCA, N. Proteção Contratual no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo, 1993. In Revista do Consumidor, São Paulo, nº 5, p. 74/88; jan/mar, 1993.

16 FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Consumidor, Ministério Público e Constituição. In: Defesa do Direito do Consumidor, textos básicos. Brasília, Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, 1987 p. 322.

__________ Manual de direitos do consumidor. 5.ª ed. São Paulo: Editora Atlas, Jan/2001.

17 FRANCO, V. H. M. Aspectos Polêmicos na Lei Brasileira de Tutela do Consumidor. São Paulo, 1992. In: Revista do Advogado, São Paulo, nº 36, p. 104-111, março de 1992.

18 Istituzioni di Diritto Civile. Pádova: Cedam, 1977, p. 8.

19 GRINOVER, Ada Pellegrine, Novas Tendências, 1984 : 2.

20 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A Ação Civil Pública. 5.ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 1997, págs. 278/279.

__________ Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. São Paulo: RT, ano 1988.

21 MATOS, Cecília. Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor, tese de mestrado na USP.

__________ A Ação Civil Pública: Tutela dos Interesses Difusos. Revista do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Porto alegre, n.º 19, ano 1986.

22 MAZZILLI, Hugo Nigro. O acesso a justiça e ao Ministério Público, Justitia, São Paulo, ano 51, 146:68-78, abr./jun. 1989.

23 MENDES. Aluísio Gonçalves de Castro, Ações coletivas no Direito Comparado e Nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, págs. 42, 45, 219, 220 e 221.

24 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. 3.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1984, págs. 173, 184.

25 MOREIRA NETO, Diogo de Fegueiredo. Ordem Econômica e Desenvolvimento na Constituição de 1988. Rio de Janeiro, APEC, 1989.

26 OLIVEIRA, Juarez de (Coordenador). Comentário ao Código de Proteção do Consumidor. São Paulo, Saraiva, 1991. P. 403.

27 PASQUALOTTO, Adalberto. Defesa do Consumidor, RT, São Paulo, ano 1979, 658:52-72, ago. 1990.

28 "Princípios Gerais do Código do Consumidor: Visão Histórica". Revista da EMERJ, vol. 2, n.º 6. Rio de Janeiro, 1999, págs. 87/88.

29 RÊGO, Werson. O Código de Defesa do Consumidor, a nova concepção contratual e os negócios jurídicos imobiliários: aspectos doutrinários e jurisprudenciais - Rio de Janeiro: Forense, 1.ª edição - compl., 2001.

30 RIOS, Josué de Oliveira. Código de Defesa do Consumidor: comentado, São Paulo: Globo, ano 2001 – (série cidadania).

31 SAAD, Eduardo Gabriel. Código de Defesa do Consumidor, comentários. Brasília, Federação das Indústrias do Distrito Federal, 1991.SIDOU, J. M. Othon. Proteção ao Consumidor. Rio de Janeiro, Forense, 1997.

32 SHARP JÚNIOR, Ronald Amaral, Código de Defesa do Consumidor: anotado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1.ª ed., ano 2002.

33 TUR, Richard. Litigation and the consumer interest: the class action and beyond. Legal Studies, v. 2, n.º 2, july 1982.

34 WALD, Arnold. O Direito do Consumidor e suas repercussões em relação as Instituições Financeiras. Revista dos Tribunais, v. 666, s.d..

35 WATANABE, Kazuo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto. 6.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 724.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Antônio Carlos Tadeu Borges dos. A defesa do consumidor em juízo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 134, 17 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4489. Acesso em: 29 mar. 2024.