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Técnica de uniformização de jurisprudência contida no art. 896, §§ 3º e 4º da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.015/2014

Técnica de uniformização de jurisprudência contida no art. 896, §§ 3º e 4º da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.015/2014

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Reflete-se sobre a uniformização de jurisprudência no processo do trabalho sob a ótica da aplicação subsidiária das regras trazidas pelo novo CPC.

Trata-se de reflexão acerca das recentes reformas na técnica de uniformização de jurisprudência, também chamada de verticalização da jurisprudência, com o fito de desafogar o Poder Judiciário, principalmente no que tange à apreciação dos chamados recursos repetitivos.

Muito além da simples intenção de desafogar o Poder Judiciário, as reformas empreendidas nos processos judiciais têm o objetivo maior de enfatizar a segurança jurídica e conferir maior confiança jurídica aos tutelados. Isto, pois, muitas vezes o cidadão busca a tutela jurisdicional para determinada questão com a sensação de incerteza e duvidoso quanto ao resultado de sua demanda. Tal fato ocorre por conta da vasta gama de posicionamentos jurisprudenciais distintos para casos concretos semelhantes, o que fatalmente gera insegurança jurídica no meio social e falta de confiabilidade na tutela do Estado prestada por meio de seu Poder Judiciário.

Dispõe o novo Código de Processo Civil – CPC, em seu art. 926, que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”, devendo editar “enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante”. Em seu art. 927, determinou a observância, por juízes e Tribunais, de um amplo rol de decisões, enunciados e orientações, dentre os quais os acórdãos em incidente de resolução de demandas repetitivas.

Assim, o novo CPC extinguiu o chamado “incidente de uniformização jurisprudencial” e inseriu um novo modelo de julgamento de demandas repetitivas, qual seja, o supramencionado “incidente de resolução de demandas repetitivas”, disciplinado nos arts. 976 ao 987. Este será cabível havendo efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Nesse caso, o relator ouvirá partes e interessados na controvérsia, demonstrando a preocupação em ampliar a participação social na fixação de uma tese jurídica que terá aplicação a todos os processos, inclusive os futuros, que tragam idêntica questão de direito.

A diferença entre o incidente de uniformização jurisprudencial do CPC de 1973 e o incidente de resolução de demandas repetitivas adotado pelo novo CPC está na utilização da jurisprudência, pelo Código de 1973, que consiste no conjunto de decisões de uma Corte em um mesmo sentido sobre determinada matéria, ao passo que o novo CPC adota o chamado precedente, que consiste em uma única decisão.

Destarte, diante da constatação da existência de inúmeras ações judiciais com objeto idêntico que acarretam o entrave do funcionamento do Poder Judiciário, o novo CPC de 2015 traz o incidente de resolução de demandas repetitivas com o intuito de uniformizar o posicionamento dos Tribunais, inovando ao estatuir como paradigma o chamado “precedente judicial”.

Tal verticalização jurisprudencial retira, muitas vezes, a autonomia do magistrado, o qual está compelido a seguir a orientação consubstanciada em um precedente judicial. Para o Professor Jorge Luiz Souto Maior, trata-se de “subtração do poder jurisdicional dos juízes de primeiro grau”[1].

O novo CPC, em seu art. 15, dispõe expressamente que na ausência de normas que regulem processos trabalhistas, suas disposições lhe serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. Nesse sentido, cumpre consignar que quando se fala em “ausência de normas” não se deve considera-las apenas quanto às lacunas normativas, ou seja, quando há a ausência de norma sobre determinado tema. Permite-se a aplicação subsidiária do CPC não somente quando houver lacuna normativa, mas também quando a norma processual trabalhista se manifestar inadequada para a sociedade contemporânea, envelhecida, e, consequentemente, impeça ou dificulte a prestação jurisdicional justa e efetiva. Deste modo, temos que “ausência de norma” também se refere à lacuna ontológica (quando existe a norma positiva, mas ela não mais corresponde aos fatos sociais e ao progresso técnico) e à lacuna axiológica (quando existe um dispositivo legal aplicável ao caso, mas que produziria uma solução insatisfatória ou injusta).

Ressalta-se, ainda neste ponto, que as normas processuais civis somente serão aplicadas em caráter subsidiário e, mesmo assim, apenas naquilo em que não for incompatível com as normas juslaborais (art. 769, CLT), bem como com os seus princípios norteadores.

No que tange à seara laboral, em 2014 houve a reforma no processo trabalhista que também trouxe inovações quanto à uniformização jurisprudencial. A necessidade de disposição de novas regras nesse sentido adveio da verificação de que cada vez mais chegava ao Tribunal Superior do Trabalho questões em recurso de revista envolvendo não uma divergência entre Tribunais Regionais distintos, mas sim divergências que se constatava serem internas, em um mesmo TRT.

A reforma não diz respeito à uniformização da jurisprudência nacional, feita pelo TST em sede de recurso de revista, mas está contida naquela situação em que deverá haver a uniformização interna de um Tribunal Regional do Trabalho, feita por ele próprio, e não pelo TST.

Assim, dispõe o §3º do art. 896 da CLT que os tribunais regionais do trabalho devem proceder, obrigatoriamente, à uniformização de sua jurisprudência e devem aplicar nas causas de competência da Justiça do Trabalho, no que couber, o incidente de uniformização de jurisprudência previsto nos termos do Capítulo I do Título IX do Livro I do CPC de 1973.

Mesmo após a admissibilidade do recurso de revista e remessa ao TST, caso o TST verifique que a divergência objeto do recurso de revista foi apontada em um TRT que ainda não tem a sua própria jurisprudência “interna corporis” uniformizada, de ofício ele poderá determinar o retorno dos autos à corte de origem para que se proceda à uniformização da jurisprudência. Nesse sentido é o art. 896, §4º da CLT, “in verbis”:

§4º Ao constatar, de ofício ou mediante provocação de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, a existência de decisões atuais e conflitantes no âmbito do mesmo Tribunal Regional do Trabalho sobre o tema objeto de recurso de revista, o Tribunal Superior do Trabalho determinará o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que proceda à uniformização da jurisprudência. 

Este apontamento de uniformização jurisprudencial se coaduna com a nova roupagem trazida pelo Código de Processo Civil de 2015 e seu incidente de resolução de demandas repetitivas, com algumas diretrizes que já foram abarcadas pela legislação trabalhista em sua reforma ocorrida no ano de 2014. Vê-se que ambas as reformas visam evitar a proliferação de demandas repetidas, bem como evitar que demandas idênticas tenham julgamentos distintos, consagrando, assim, o princípio da segurança jurídica e intencionando aumentar a confiabilidade do jurisdicionado quanto à tutela do Poder Judiciário.

Tal sistemática, no sentido de se ter uma decisão paradigma que irá influenciar todas as demais, traz o questionamento sobre se estaria o Brasil adotando o sistema da common law e, consequentemente, abandonando o da civil law.

O Brasil, como é sabido, é um país de tradição romano-germânica, construído em bases de civil law, onde os juízes somente interpretam e aplicam a norma positivada, sendo a lei a fonte primária do ordenamento jurídico, somente valendo-se de outras fontes normativas diante de lacuna da lei.

Já para o sistema da common law, constituem fontes formais do Direito alguns estatutos formais e práticas consuetudinárias. Originariamente, portanto, esse sistema independe dos chamados “precedentes”, pois somente passou a adotá-los 600 anos após seu advento[2]. Deste modo, há afirmações no sentido de que o Brasil não estaria adotando o sistema de common law, mas tão somente teria trazido a Teoria dos Precedentes.

No entanto, ao se analisar o ordenamento jurídico brasileiro como um todo, não se pode mais afirmar de maneira categórica que ele tem uma tradição puramente de civil law, porquanto haja cada vez mais a influência do sistema de common law, como é o caso da adoção da uniformização jurisprudencial baseada em precedentes, tradicionalmente adotada pelos países anglo-saxônicos de common law.

Assim, o que se verifica hoje em nosso ordenamento jurídico é uma confluência do sistema de civil law com o de common law, o que se apresenta uma boa alternativa para cada vez mais solidificar-se a segurança jurídica no país. Isto, pois, um ordenamento seguro se baseia na uniformização das decisões prolatadas pelo Poder Judiciário, uma vez que não basta ter lei se esta estiver ao bel-prazer de infinitas possibilidades de interpretação.


Notas

[1] SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O conflito entre o novo CPC e o Processo do Trabalho. São Paulo, 2015. p. 35.

[2] DUARTE, Antonio Aurelio Abi-Ramia. BRASIL, Maria Eduarda de Oliveira. O desafio de uniformizar a jurisprudência e o papel do Código de Processo Civil de 2015 – novos desafios. p. 22.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VAZ, Valquíria Machado. Técnica de uniformização de jurisprudência contida no art. 896, §§ 3º e 4º da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.015/2014. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4621, 25 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45209. Acesso em: 28 mar. 2024.