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A (im)possibilidade do exequente pedir a imposição de prisão civil como medida atípica da execução de obrigação de fazer

A (im)possibilidade do exequente pedir a imposição de prisão civil como medida atípica da execução de obrigação de fazer

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O Novo CPC traz a possibilidade de o juiz "determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente". Todavia, deve ser analisada a natureza do dever descumprido e a efetividade da garantia da tutela jurisdicional.

art. 536, caput e seu §1º da Lei 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil), antes art. 461, §5º do CPC de 1973, dispõe essencialmente que o juiz poderá valer-se das medidas necessárias para obter a satisfação do exequente, trazendo, ainda, um rol exemplificativo, que não se propõe a esgotar as medidas cabíveis, conforme, também, o entendimento do doutrinador Cristiano Imhof (2015, p. 531):

No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o Juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.

Todavia, deve ser levado em consideração o fato de que a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXVII, veda a prisão civil por dívida, “salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”, sendo a última hipótese rechaçada a partir do Pacto de San José da Costa Rica, e da edição da súmula vinculante 25 do Supremo Tribunal Federal e súmula 419 do Superior Tribunal de Justiça.

De tal modo a doutrina se dividiu quando dispôs sobre a possibilidade de o exequente pedir a imposição de prisão civil como medida atípica de execução de obrigação de fazer ou de não fazer, com base em vertentes da interpretação da norma constitucional. 

Parte dos doutrinadores entende que a Constituição é clara e, portanto, descabida a prisão civil por dívida, em uma análise extensiva do vocábulo “dívida” utilizado na Carta Magna; já outra parte entende pela visão restritiva de tal expressão, havendo possibilidade quando trata de prestações que não tenham por base a obrigação de pagar quantia. 

Medina (2012, p. 435-436), seguidor da primeira corrente, que veda a prisão civil em qualquer forma, quando trata do assunto, dispõe:

Pensamos que, quando a Constituição Federal veda a prisão civil por dívidas (art. 5º, LXVII), abarca não apenas a possibilidade de prisão como meio de “satisfação” da dívida, mas, também, o emprego da prisão como meio coercitivo, pois também neste caso a prisão civil estaria ocorrendo por causa da dívida.

Sua visão, também abarcada por demais doutos doutrinadores, faz uso da visão extensiva do vocábulo “dívida”, assim, não haveria possibilidade de utilização da prisão civil como meio coercitivo, pois, ainda que indiretamente, a prisão seria em razão da dívida.

De outro lado, o doutrinador Marinoni (2008, p. 431-432), também seguido por demais especialistas no assunto, esclarece que não pode haver uma interpretação do dispositivo constitucional que não seja com base nas demais normas trazidas pela Carta Magna, especialmente aquelas que tratam sobre os direitos fundamentais, ex vi:

Há necessidade de estabelecer-se uma interpretação que leve em consideração todo o contexto normativo dos direitos fundamentais. Nessa perspectiva, não há como deixar de interpretar a norma no sentido de que a prisão deve ser vedada quando a prestação depender da disposição de patrimônio, mas permitida para a jurisdição poder evitar – quando a multa coercitiva e as outras medidas para efetivação dos direitos não se mostrarem adequadas – a violação de um direito.

O preceptor de tal corrente continua explicando que, caso contrário, poderia haver a possibilidade de algumas situações ficarem desprovidas de uma efetiva tutela jurisdicional, o que não é o intuito da Constituição Federal ou da legislação vigente em uma visão ampla sobre o assunto (MARINONI, 2008, p. 431).

A prisão civil poderia, portanto, “ser utilizada para impor um não-fazer ou mesmo para impor um fazer infungível que não implique disposição de dinheiro e seja imprescindível à efetiva proteção de um direito” (MARINONI, 2008, p. 432). Assim, não seria usada para constranger o executado a dispor do seu patrimônio, mas sim para que haja a efetivação da tutela jurisdicional, quando as demais possibilidades, menos gravosas, não se mostrarem idôneas.

Para tanto, não basta que seja previsto que todas as medidas possam ser utilizadas, mas sim que a prisão seja o meio último e mais eficaz para o cumprimento da obrigação de fazer, ou até mesmo de não fazer, quando os demais meios, previstos ou não previstos – dada a amplitude da previsão legal – não se mostrarem suficientes.

Complementa, ainda, o doutrinador que “deve o juiz demonstrar na sua decisão que, para o caso concreto, não existe nenhuma outra técnica processual capaz de dar efetividade à tutela jurisdicional, além de demonstrar que o uso da prisão não importará na restrição da liberdade de quem não observou a ordem apenas por não possuir patrimônio”, o que é indispensável para a imposição da prisão civil (MARINONI, 2008, p. 432).

Entende-se, portanto, que existe validade em ambas as correntes apresentadas – que não pretendem esgotar o assunto, existindo outras que as intercalam – e, ademais, que para a fixação de tal meio de satisfação do exequente, deve ser analisada a natureza do dever descumprido, bem como a efetividade da garantia da tutela jurisdicional.


Fontes:

BRASIL. Lei 5.869/1973. Disponível em <www.planalto.gov.br> Acesso: 09.10.2015.

______.Lei 13.105/2015. Disponível em <www.planalto.gov.br> Acesso: 09.10.2015.

IMHOF, Cristiano. Novo código de processo civil comentado. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2015

MARINONI, Luiz Guilheme. Código de processo civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

MEDINA, José Miguel Garcia. Código de processo civil comentado: com remissões e notas comparativas ao projeto do novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.


Autor

  • Ana Carolina Zanini

    Sócia fundadora do escritório Zanini Advogados Associados. Formada pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC) no ano de 2014. Especialista em Direito de Família e das Sucessões. Especialista em Direito Processual Civil. Membro da Comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Santa Catarina. Associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família. E-mail: [email protected] - Telefone: (48) 99936-1030.

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