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A prova ilícita

A prova ilícita

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O presente estudo examina o instituto da prova ilícita, iniciando-se pelos princípios processuais relativos à prova, destacando-se o sistema de avaliação do livre convencimento motivado.

RESUMO

O presente estudo examina o instituto da prova ilícita, iniciando-se pelos princípios processuais relativos à prova, destacando-se, aqui, o sistema de avaliação do livre convencimento motivado. No que tange ao assunto propriamente dito, a Lei Fundamental preconiza a vedação dos meios de prova obtidos ilicitamente, tendo a doutrina e a jurisprudência, de forma majoritária, adotado o entendimento da relativização do texto constitucional, baseados no princípio da proporcionalidade, que deve ser o norteador das soluções das demandas apresentadas no meio jurídico, servindo, também, para os casos de prova ilícita por derivação. Neste contexto, tem-se como propósito, também, estudar a ilicitude de elementos probatórios na esfera processual civil, enfatizando-se a gravação clandestina ambiental e de conversas telefônicas, a fotografia e, ainda, aspectos atinentes à interceptação de comunicações telefônicas. Esta somente pode ser autorizada para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, e, conseqüentemente, por um Juiz referente ao campo de apuração (criminal). Antes do advento da Lei nº 9.296/96 - responsável pela regulamentação do procedimento interceptatório - todas as autorizações judiciais neste sentido são nulas, ensejando a ilicitude da prova por este meio colhida. Além disso, demonstra-se a possibilidade de utilização do material coletado desta forma no âmbito processual civil, desde que tenha sido respeitado o princípio do contraditório na ação penal.


ABSTRACT

The present review, assays the ilicit proof institute, introducing by the processual principles related to the proof, detaching here, the free motivated convincement evaluation system. In what concerns about the issue itself, the Fundamental Law, professes the prohibition of the evidence expedients obtained in a ilicit way, having the doctrine and the jurisprudence, in it´s majority, adopted the constitutional text relativization understanding, based on the proportionality principle, wich has to be the header of the demands presented in the juristic expedient, good also to the cases of ilicit proof by derivation. In this context, it´s been had as a purpose, also, to study the illicitude of probatory elements in the civil processual field, enphasizing the clandestine environmental recording and of telephonic conversations, photography and, yet, aspects concerning to the interception of telephonic communications. This last one only can be allowed to criminal investigation purposes or penal processual instruction, and, consequently, by a judge concerning to the research field(criminal).Before the advent of the Law 9.296/96 – responsible for the regulamentation of the interceptory procedure – all the judicial authorizations in this sense are inept, bringing on the illicitude of the proof obtained by this mean. Besides that, inferes the possibility of using material acquired in this way in the civil processual field, since it has been respected the principle of the contradictory in the penal act.


INTRODUÇÃO

A prova possui importância no processo judicial na medida em que contribui diretamente para a formação do convencimento do julgador acerca da lide. Ela pode ser produzida de várias formas, quais sejam, com a realização de perícia (prova pericial), a oitiva de testemunhas (prova testemunhal), o depoimento das partes, a juntada de documentos (prova documental), etc.

É necessário, no entanto, que o juiz acolha e valore, em regra, apenas os meios de prova considerados lícitos, sob pena de causar insegurança jurídica. Primeiramente, tem o dever de observar os princípios atinentes à prova, sendo este o ponto de partida do presente estudo.

Após este exame, passar-se-á diretamente ao instituto da prova ilícita, argumentando-se com o direito de todos os cidadãos de demonstrar os fatos por eles afirmados, o denominado direito à prova.

Pretende-se, posteriormente, conceituar a prova ilícita, tecer considerações sobre suas correntes doutrinárias, analisando-se, profundamente, o princípio da proporcionalidade, e mostrar aspectos concernentes à prova ilícita por derivação, conhecida pelos juristas brasileiros como a teoria dos frutos da árvore venenosa ou envenenada.

Objetiva-se, ainda, apresentar elementos a propósito da ilicitude da prova no ordenamento jurídico brasileiro, iniciando-se com a previsão do sistema constitucional vigente.

Adentra-se, em seguida, na esfera processual civil, onde há importância no estudo do comando legal constante do Código de Processo Civil, nas gravações clandestinas e na fotografia.

Investiga-se o instituto da interceptação de comunicações telefônicas no Brasil, seu significado e abrangência, sua licitude ou não como meio de prova com o advento da Constituição Federal de 1988, como também no lapso entre esta e a Lei nº 9.296/96, responsável por sua regulamentação.

Busca-se examinar referida lei, apresentando-se quais as formas aceitas e não admitidas pelo sistema jurídico brasileiro de captação de comunicações telefônicas.

Por fim, almeja-se investigar a respeito da possibilidade da utilização da prova obtida mediante interceptação telefônica no processo civil veiculada por prova emprestada.

Houve a necessidade da realização de pesquisa bibliográfica e legislativa nas áreas do Direito Processual Civil, Constitucional e Processual Penal.

Para o desenvolvimento do assunto, escolheram-se os métodos dedutivo e analítico. Este, pelo fato de serem apresentadas posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre os institutos mais relevantes, no intento de corroborar ou criticar normas legais e/ou constitucionais. Aquele, pelo motivo de se iniciar o estudo no sistema probatório brasileiro, seguindo-se na ilicitude da prova lato sensu e, ao final, perquirindo-se a legalidade ou não de algumas de suas modalidades, especificando-as. Em vista disso, partiu-se do geral para o particular.

Esse é o objetivo do estudo, o que se aguarda tenha logrado êxito.


1 PRINCÍPIOS PROCESSUAIS RELATIVOS À PROVA

1.1 Princípio dispositivo

O princípio dispositivo significa que as partes devem ter a iniciativa de levar ao processo as alegações e o material probatório que serão utilizados pelo julgador para a formação do seu convencimento.

Os países que consagram de forma absoluta aludido princípio vedam que o juiz, por exemplo, determine ex officio a produção de uma prova que entenda necessária e que não tenha sido requerida, sendo que, nestes casos, as partes possuem o poder exclusivo de fazerem suas afirmações e trazerem as provas que entenderem pertinentes.

Os defensores deste entendimento afirmam a exigência de preservar a imparcialidade do magistrado, que poderia ser quebrada, caso lhe fossem concedidos maiores poderes investigatórios.

O direito processual pátrio determina a iniciativa exclusiva das partes no que tange aos fatos alegados no processo, não se admitindo que o juiz profira a sentença com base em situação fática estranha à lide.

Contudo, tendo em vista a autonomia do direito processual, seu enquadramento no ramo do direito público, como também o poder-dever que tem o Estado de prestação jurisdicional, nosso sistema processual não adota o princípio dispositivo de maneira irrestrita, passando o juiz de mero espectador para uma posição ativa no processo.

Em decorrência disso, o julgador pode ordenar de ofício as provas necessárias à instrução do processo, consoante os termos do artigo 130 do Código de Processo Civil Brasileiro, sempre observando o tratamento igualitário às partes. Pode-se afirmar, portanto, que a aplicação do princípio dispositivo em relação à produção das provas foi atenuado no nosso sistema processual.

Não obstante os termos do artigo 130 do Código de Processo Civil Brasileiro, em regra, incumbe à parte provar o fato por ela alegado, consoante regra do artigo 333 do citado diploma legal, que enuncia o seguinte:

O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor;

Assim, tanto o autor, a partir de sua petição inicial, quanto o réu, em sua defesa, possuem o ônus de provar os fatos por elas alegados. Por exemplo, caso o réu apresentar sua contestação tempestivamente limitando-se a negar o fato alegado pelo autor, o ônus da prova certamente incidirá sobre este, uma vez que cabe ao postulante demonstrar a veracidade do fato alegado na petição inicial.

Porém, se o requerido contestar a ação, afirmando fato capaz de elidir a situação fática invocada pelo requerente, certamente o ônus probatório recairá sobre aquele, com base na regra do artigo 333, II, do Código de Processo Civil Brasileiro.

A palavra "ônus" não significa que a parte tenha obrigação de provar o fato por ela narrado, mas sim o encargo de tal providência, isso porque a inobservância de uma obrigação gera uma sanção, o que não ocorre com a parte que deixa de provar o fato por ela afirmado.

Tal entendimento é corroborado por Humberto Theodoro Júnior, nos seguintes termos:

No processo civil, onde quase sempre predomina o princípio dispositivo, que entrega a sorte da causa à diligência ou interesse da parte, assume especial relevância a questão pertinente ao ônus da prova.

Esse ônus consiste na conduta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz.

Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente.

A respeito, invoque-se, ainda, a análise de Ovídio A. Baptista da Silva:

Como todo direito se sustenta em fatos, aquele que alega possuir um direito deve, antes de mais nada, demonstrar a existência dos fatos em que tal direito se alicerça. Pode-se, portanto, estabelecer, como regra geral dominante de nosso sistema probatório, o princípio segundo o qual à parte que alega a existência de determinado fato para dele derivar a existência de algum direito incumbe o ônus de produzir a prova dos fatos por si mesmo alegados como existentes.

1.2 Princípio do contraditório e da ampla defesa

O artigo 5º, LV, da CF/88, preceitua que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Observa-se que o direito de defesa é garantido tanto ao autor como ao réu, existindo o direito das partes de alegarem fatos e de prová-los por meios lícitos.

O contraditório pode ser definido mediante a expressão audiatur et altera pars (ouça-se também a outra parte), ensejando o aparecimento da dialeticidade processual.

Ao contrário do que ocorre no processo penal, onde é imperativa a ocorrência do contraditório efetivo, tanto que a confissão do acusado, isoladamente, não pode servir de base para a sua condenação, no processo civil é aceito o denominado contraditório virtual, no sentido de que é admitido que o juiz profira sentença condenatória baseada na revelia do réu.

A regra é de que o contraditório seja absoluto no processo de conhecimento, mas pode sofrer limitações em virtude da sumarização de mencionada ação judicial, como também nas ações de execução e cautelares.

No processo de execução, por exemplo, o executado tem direito de defesa por meio de embargos à execução, mas o contraditório não é pleno, uma vez que o Código de Processo Civil Brasileiro prevê um rol taxativo de circunstâncias possíveis do executado embargar o processo executivo.

No âmbito do direito probatório, o contraditório manifesta-se na oportunidade que as partes têm para requerer a produção de provas, o direito de participarem diretamente de sua realização, bem como o direito de se pronunciarem a respeito do seu resultado. O princípio do contraditório necessita ser observado durante toda a fase instrutória do processo, sob pena de cerceamento de defesa e possível desconstituição da sentença com base em tal fundamento.

1.3 Princípio da imediação

O juiz é o responsável pela direção do processo. Este poder que a lei lhe confere se depreende quando ele fixa prazos, declara a abertura ou o encerramento da audiência, oportuniza que as partes se manifestem acerca de documentos ou do laudo pericial, ouve os peritos e as testemunhas.

Em audiência, compete ao juiz proceder, direta e pessoalmente, à colheita das provas, consoante regra estabelecida no artigo 446, II, do Código de Processo Civil.

Em decorrência disso, deve ouvir as partes, seja em interrogatório ou em depoimento pessoal, inquirir as testemunhas, fazendo as indagações formuladas por ele ou pelos procuradores das partes, colher esclarecimentos do perito sobre o laudo pericial e do assistente técnico a propósito do parecer técnico. Este é o princípio da imediação.

Tendo em vista que as partes possuem como objetivo a produção de sua prova oralmente, existe a necessidade de que o juiz atue de forma imediata, colhendo a prova oral efetiva e pessoalmente.

O juiz deve ter relação direta com a prova oral, não admitindo, em hipótese alguma, que ela seja mediada por outra pessoa, como, por exemplo, deixar claro que os advogados não podem fazer perguntas diretamente às partes, ou seja, às testemunhas, aos peritos ou assistentes técnicos.

Conseqüentemente, é vedado o relato realizado em Tabelionato ou colhido por escrivães, secretários ou mesmo outro julgador que não seja o titular do processo. O objetivo do mencionado princípio é que o magistrado constate diretamente se a testemunha está falando a verdade, para que, posteriormente, tenha melhores meios para avaliar a prova oral.

Quando o juiz estiver colhendo a prova oral e já estiver convencido sobre os fatos relatados, não é recomendado que ele registre, na ata de audiência, sua impressão pessoal valorativa a respeito das declarações prestadas. É necessário observar que neste momento o magistrado está na fase instrutória do processo e somente deve emitir sua convicção pessoal sobre o relato testemunhal quando da prolatação da sentença.

Contudo, não há como observar o princípio da imediação em todos os casos que se apresentam no meio jurídico, sendo cabível a análise de suas exceções.

O modo mais freqüente de distanciamento do magistrado com a prova oral são as cartas, tanto a chamada carta rogatória, expedida quando a parte ou testemunha estiver domiciliada fora do país, quanto a carta precatória, emitida quando a parte ou testemunha resida em comarca diversa da localidade onde tramita o processo.

Nessas situações, não será o juiz do processo quem procederá a oitiva das testemunhas ou o depoimento pessoal da parte, mas ele tem a possibilidade de remeter ao juízo deprecado perguntas que julgar relevantes. Tais indagações serão consideradas supletivas àquelas formuladas pelo magistrado que efetivamente colherá a prova oral.

Outras duas hipóteses excepcionam o contato direto do juiz com a prova oral. A primeira é quando há necessidade de intérpretes para a oitiva de estrangeiros ou surdos-mudos.

A segunda situação ocorre na produção antecipada de provas, em que existe a importância de ouvir a parte ou testemunha antes da propositura da ação. A futura ação principal poderá ser distribuída a julgador diverso daquele que ouviu antecipadamente a prova oral. Todavia, nenhuma das exceções expostas tem o condão de esvaziar o sistema do princípio da imediação.

Pelo princípio do duplo grau de jurisdição, os processos sentenciados poderão ser reexaminados pela instância superior mediante recurso legalmente previsto.

Nessas circunstâncias, os efeitos do princípio da imediação praticamente não ocorrem, uma vez que a prova oral foi produzida na fase instrutória do processo e não será renovada para o julgamento do recurso.

Não há, em regra, a oitiva de testemunhas ou o depoimento pessoal das partes na sessão onde será apreciado o recurso interposto. Isso tanto é verdade que, mesmo em se tratando de processos de competência originária dos Tribunais, é comum a delegação da oitiva de testemunhas a juízes de primeiro grau.

O princípio da imediação visa, em última análise, aproximar o magistrado da prova oral, para que no momento da prolatação da sentença, tenha condições de chegar o mais próximo da verdade, propiciando uma decisão justa, devendo ser esta o ideal do Direito.

1.4 Princípio da identidade física do juiz

O artigo 132 do Código de Processo Civil Brasileiro enuncia que "o juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor".

Este é o princípio da identidade física, relativamente ao fato de que o juiz responsável pela prova oral e finalizador da audiência de instrução e julgamento tem a obrigação de proferir a sentença. A exigência é no sentido de que apenas aquele que concluiu a audiência julgará a lide.

O artigo 455 do referido diploma legal afirma que "a audiência é una e contínua. Não sendo possível concluir, num só dia, a instrução, o debate e o julgamento, o juiz marcará o seu prosseguimento para dia próximo".

Por conseqüência, quem iniciou a audiência e, por algum motivo, a suspendeu, designando data posterior, não se vincula à prolatação da sentença.

Nelson Nery Júnior entende que não obstante tenha o juiz concluído a audiência, não terá o dever de proferir a sentença se for afastado do órgão judicial por quaisquer dos motivos elencados no artigo 132 do Código de Processo Civil Brasileiro, consoante os termos abaixo:

4. Afastamento do juiz. Mesmo que tenha concluído a audiência, o magistrado não terá o dever de julgar a lide se for afastado do órgão judicial, por motivo de convocação, licença, cessação de designação para funcionar na vara, remoção, transferência, afastamento por qualquer motivo, promoção ou aposentadoria. Incluem-se na exceção os afastamentos por férias, licença-prêmio e para exercer cargo administrativo em órgão do Poder Judiciário (Assessor, Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça etc.).

A observância do comando legal em exame é obrigatória pelo juiz, pois se trata de norma cogente, de interesse público.

Salvo as exceções previstas no referido artigo, se a sentença for proferida por magistrado diverso daquele que concluiu a audiência de instrução e julgamento, tal decisão será reputada como absolutamente nula.

Certamente, o objetivo do princípio em análise diz respeito à maior probabilidade que terá aquele que colheu a prova oral e praticou atos de forma concentrada na audiência de decidir da maneira mais eficiente e justa.

O princípio da identidade física do juiz não tem aplicação em juízos coletivos, como o da Justiça do Trabalho, nas demandas em que não há lide, caso da jurisdição voluntária, bem como nos procedimentos documentais, sendo exemplo típico o mandado de segurança. Vários países reconhecem mencionado princípio em seus códigos de processo civil, podendo-se citar Portugal, Itália e México.

O Código de Processo Civil Brasileiro de 1939 consagrou o princípio da identidade física de maneira radical, tanto que caso um magistrado iniciasse a instrução do processo e fosse promovido, tinha o dever de retornar à comarca para dar prosseguimento à audiência de instrução e julgamento.

Após o advento da Lei 8.637/93, que deu nova redação ao artigo 132 do Código de Processo Civil Brasileiro, ocorreram mudanças na aplicação do princípio, já que a comentada norma legal trouxe expressamente exceções, como a convocação, licença, afastamento por qualquer motivo, promoção ou aposentadoria.

O melhor é que o julgador mais presente e atuante no encadeamento dos atos processuais certamente disporá das melhores condições de observar outro princípio processual relevante, o do livre convencimento motivado.

1.5 Princípio do livre convencimento motivado

Primeiramente, cabe referir a existência, no direito processual, de três grandes sistemas de avaliação da prova: o sistema da prova legal ou tarifada, o da livre apreciação e o do livre convencimento motivado ou também denominado pelos doutrinadores de sistema da persuasão racional.

O critério da prova legal ou tarifada considera que cada prova possui um valor previamente preconizado em lei, não sendo admissível sua valoração conforme impressões próprias. Deve, o juiz, observar os exatos termos da lei quando da avaliação do conjunto probatório.

Em decorrência disso, conquanto a prova produzida na ação judicial não demonstre a verdade e a lei lhe atribua valor, o magistrado precisa decidir com base nela, desconsiderando totalmente os fatores racionais que poderiam formar seu convencimento.

Esse sistema de avaliação da prova foi muito utilizado no direito medieval, onde o valor da prova testemunhal era previsto em lei e o julgador estava vinculado a observá-lo.

Por exemplo, o depoimento de um servo jamais tinha o mesmo peso que o de um nobre. Porém, a declaração realizada por dez servos correspondia à de um nobre ou senhor feudal, embora o juiz tivesse certeza de que o depoimento prestado pelo servo era o verdadeiro.

No sistema da livre apreciação da prova, o juiz é totalmente livre para formar seu convencimento acerca dos fatos, porque pode utilizar suas convicções pessoais, ainda que não decorram logicamente das provas e dos fatos constantes do processo.

Caracteriza-se este sistema como o oposto do critério da prova legal, uma vez que o magistrado não tem a obrigação de observar previsões legais valorativas atinentes à prova.

Porém, é relevante o alerta dado quanto ao perigo pela opção ao critério da livre apreciação da prova, ipsis literis:

No segundo, ao contrário, ao juiz se entrega poder arbitrário, porquanto, não apenas não se lhe limita o exame, podendo inclusive lançar mão de seu conhecimento privado, como se o dispensa de motivação. É o julgamento secundum conscientiam, de que serve como exemplo, hoje, e em nosso sistema processual penal, o que realiza o jurado. Exatamente porque de consciência, do julgamento se poderia demitir, ‘jurando sibi non liquere’.

Os sistemas probatórios modernos não utilizam o critério da prova legal, tampouco o da livre apreciação da prova.

Existe a preferência por um modelo misto, chamado de livre convencimento motivado ou da persuasão racional, baseado em características dos dois tipos acima referidos.

O direito processual brasileiro, no que tange à avaliação da prova, optou pelo princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, conforme se depreende dos termos do artigo 131 do Código de Processo Civil pátrio:

O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.

O julgador brasileiro, como regra, não está adstrito à lei no que se refere à valoração da prova, assim como não tem liberdade total para apreciá-la, porque há a condição de que se limite a observar os elementos probatórios pertencentes ao processo. Ademais, o artigo 93, IX, da CF/88, exige decisão fundamentada do magistrado, in verbis:

Artigo 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(...)

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes.

O Superior Tribunal de Justiça, em várias decisões, suscitou a vigência do princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional no sistema processual brasileiro, como também aduziu seu significado:

CRIMINAL. RMS. BUSCA E APREENSÃO. PROVA ILÍCITA. ILEGALIDADE NÃO-DEMONSTRADA DE PRONTO. IMPROPRIEDADE DO MEIO ELEITO. LEGALIDADE DA DECISÃO. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.

O mandado de segurança constitui-se em meio impróprio para a análise de questões que exijam o reexame do conjunto fático-probatório – como as alegações de que a decisão que determinou a busca e apreensão na residência de no escritório do recorrente estaria fundamentada exclusivamente em prova ilícita, se não demonstrada, de pronto, qualquer ilegalidade. A busca e apreensão, como meio de prova admitido pelo Código de Processo Penal, deverá ser procedida quando houver fundadas razões autorizadoras a, dentre outros, colher qualquer elemento hábil a formar a convicção do Julgador.

Não há qualquer ilegalidade na decisão que determinou a busca e apreensão na residência de no escritório do recorrente, se esta foi proferida em observância ao Princípio do Livre Convencimento Motivado, visando a assegurar a convicção por meio da livre apreciação da prova. Não obstante ser cabível a utilização de mandado de segurança na esfera criminal, deve ser observada a presença dos seus requisitos constitucionais autorizadores.

Ausente o direito líquido e certo, torna-se descabida a via eleita. (ROMS nº 7691/DF, STJ, 5ª T, Rel. Min. Gilson Dipp, D.J. 03.06.02, negado provimento, unânime)

PROCESSO CIVIL. SENTENÇA. MOTIVAÇÃO. LAUDO PERICIAL. NÃO-ADSTRIÇÃO. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. CULPA E NEXO CAUSAL. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICA. ENUNCIADO N.7 DA SÚMULA/STJ.RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. RECURSO NÃO-CONHECIDO.

I - Inadmissível em nosso sistema jurídico se apresenta a determinação ao julgador para que dê realce a esta ou aquela prova em detrimento de outra. O princípio do livre convencimento motivado apenas reclama do juiz que fundamente sua decisão, em face dos elementos dos autos e do ordenamento jurídico.

II - Nos termos do artigo 436, CPC, "o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos", sendo certo, ademais, que o princípio do livre convencimento motivado apenas reclama do juiz que fundamente sua decisão, em face dos elementos dos autos e do ordenamento jurídico.

III - Para fins de pré-questionamento, é indispensável que a matéria seja debatida e efetivamente decidida pelo acórdão impugnado, não bastando que o Colegiado "mantenha" a sentença por seus próprios fundamentos.

IV - O recurso especial não é a via apropriada para reexame de fatos e provas dos autos, a teor do enunciado n. 7 da súmula/STJ. (RESP nº 400977/PE, STJ, 4ª T, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, D.J. 03.06.02, não conhecido, por maioria)

Processual civil. Recurso especial. Ação de indenização. Livre Convencimento. Reexame das provas. Vedação. Enunciado 7/STJ.Embargos declaratórios. Caráter infringente. CPC, artigo 535. Ofensa não caracterizada.

Estando bem fundamentado o acórdão recorrido, prevalece o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o magistrado forma sua convicção a partir das provas, da legislação pertinente, da jurisprudência, sem estar vinculado às alegações de qualquer das partes.

(AGA nº 405610/SP, STJ, 3ª T, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, D.J. 25.02.02, negado provimento, unânime)

HABEAS CORPUS. TESTEMUNHA. ARTIGO 208 DO CPP. COMPROMISSO.

O deferimento de compromisso à testemunha contraditada e que não poderia prestá-lo, a teor da letra do artigo 208, última parte, do Código de Processo Penal, não vicia a ação penal, mas exterioriza-se como mera irregularidade, pois, não encerrada a instrução e dentro do princípio do livre convencimento motivado, o juiz, não adstrito a critérios de valoração apriorístico, atribuirá ao depoimento o peso que sua consciência indicar, mediante fundamentação, nisto residindo, como, aliás, assevera, na exposição de motivos do Código de Processo Penal, do Ministro FRANCISCO CAMPOS, "a suficiente garantia do direito das partes...". (HC nº 11896/RJ, STJ, 6ª T, Rel. Min. Fernando Gonçalves, D.J. 21.08.00, denegada a ordem, unânime)

A propósito do mencionado princípio, importante comentário foi feito por Nelson Nery Júnior:

2. Livre convencimento motivado. O juiz é soberano na análise das provas produzidas nos autos. Deve decidir de acordo com o seu convencimento. Cumpre ao magistrado dar as razões de seu convencimento. Decisão sem fundamentação é nula pleno jure (CF 93 IX). Não pode utilizar-se de fórmulas genéricas que nada dizem. Não basta que o juiz, ao decidir, afirme que defere ou indefere o pedido por falta de amparo legal; é preciso que diga qual o dispositivo de lei que veda a pretensão da parte ou interessado e porque é aplicável no caso concreto.

Correto afirmar, então, a exigência de motivação em todas as decisões judiciais, ou seja, deve ocorrer a apresentação dos fundamentos pelos quais se está decidindo daquele modo.

Além disso, não é apenas o Código de Processo Civil Brasileiro que adota expressamente o princípio do livre convencimento motivado (artigo 131), mas também o Código de Processo Penal Brasileiro, em seu artigo 157, dispondo que "o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova".

Francisco Campos, na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, alude que a sentença precisa ser motivada, pois a observância desta exigência é garantidora da segurança contra os abusos ou excessos, os erros de apreciação.


2 A PROVA ILÍCITA

2.1 A prova como direito do cidadão

A Constituição Federal Brasileira de 1988 reputa o direito constitucional de ação e o direito à prova como garantias fundamentais do cidadão.

Em conseqüência deste direito constitucional de ação, o cidadão pode demandar judicialmente, postulando ao Estado-Juiz que lhe seja entregue a proteção pertinente ao seu direito.

O direito à prova é uma decorrência lógica do direito constitucional de ação. O cidadão, ao requerer a tutela jurisdicional, necessita apresentar as provas preexistentes ao ajuizamento do processo e postular a produção de outras cabíveis.

Como bem apanhado por Kenny e Rios, "a parte deve se valer de todos os meios de prova possíveis e adequados para influenciar no convencimento do Juiz. A prova é para o processo e a demonstração dos fatos gera uma sentença mais justa e adequada".

Portanto, pode-se afirmar a relevância da prova no âmbito do direito processual civil, porque é por meio dela que o Juiz forma seu convencimento acerca da procedência ou não da pretensão deduzida.

A propósito do assunto, cabe aludir o ensinamento de José Carlos Barbosa Moreira, in verbis:

No pensamento praticamente unânime da doutrina atual, não se deve reduzir o conceito de ação, mesmo em perspectiva abstrata, a simples possibilidade de instaurar um processo. Seu conteúdo é mais amplo. Abarca série extensa de faculdades cujo exercício se considera necessário, em princípio, para garantir a correta e eficaz prestação da jurisdição. Dentre tais faculdades sobressai o chamado direito à prova. Sem embargo da forte tendência, no processo contemporâneo, ao incremento dos poderes do juiz na investigação da verdade, inegavelmente subsiste a necessidade de assegurar aos litigantes a iniciativa – que, em regra, costuma predominar – no que tange à busca e apresentação de elementos capazes de contribuir para a formação do convencimento do órgão judicial.

A finalidade da prova é convencer o juiz da veracidade dos fatos narrados na exordial ou refutados pela defesa e, por conseqüência, pode-se dizer que ele é o destinatário da prova.

A prova, em regra, passa por três momentos distintos: da proposição, da admissão e da produção. Este é o posicionamento de Moacyr Amaral Santos, consoante abaixo consignado:

Alguns autores não separam o momento da admissão dos dois outros momentos da prova – a proposição e a execução, ou produção, - uns integrando-o naquele, uns conhecendo-o como parte deste (...)

Contudo, não parece haver dúvida que a admissão é distinta da proposição e da produção. Basta considerar-se que aquela é ato do juiz, com exclusividade, enquanto que a proposição, geralmente, é ato da parte e na produção atuam, regra geral, aquele e esta. Além do que, não se faz suficiente a simples proposta da prova para que se dê a sua produção. Esta só se verifica quando ordenada, admitida, pelo juiz.

É o que ocorre, por exemplo, com a prova testemunhal e pericial, as quais devem ser propostas pelas partes, cabendo ao juiz a apreciação de sua admissibilidade e, caso deferidas, devem ser produzidas.

No primeiro caso, a prova será produzida em audiência, com o comparecimento dos depoentes previamente arrolados. No segundo, dependendo da natureza do fato a ser apreciado, será produzida com a nomeação de um perito de confiança do juízo que, após esgotado o prazo concedido aos litigantes para apresentarem quesitos e indicarem assistentes técnicos, irá investigar, detalhadamente, o fato objeto da perícia.

Posteriormente, o expert apresentará nos autos do processo o denominado laudo pericial, no qual constará a análise feita acerca do fato, com as respostas aos quesitos formulados pelos litigantes e a conclusão.

Há exceções de provas que não seguem ordenadamente os três momentos anteriormente mencionados. Quando a parte autora, ao ajuizar a demanda judicial, e o réu, ao protocolar sua defesa, apresentarem prova documental, consoante regra estabelecida no artigo do Código de Processo Civil Brasileiro, ela será incorporada de imediato no processo quando do seu deferimento.

Não são todos os fatos que precisam ser provados, conforme preceitua o artigo 334 do citado diploma legal, in verbis:

Não dependem de prova os fatos:

I – notórios;

II – afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;

III – admitidos, no processo, como incontroversos;

IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.

Não obstante, a regra processual civil a propósito do ônus da prova, como também a garantia constitucional do direito à prova, esta capaz de efetivar o acesso à justiça, tal direito não pode ser reputado absoluto, como, aliás, nenhum direito ou princípio é irrestrito.

Este foi o alerta dado por José Carlos Barbosa Moreira, ao insurgir-se no particular:

Por outro lado, convém ter presente que no direito em geral, e no processo em especial, é sempre imprudente e às vezes muito danoso levar às últimas conseqüências, como quem dirigisse veículo sem fazer uso do freio, a aplicação rigorosamente lógica de qualquer princípio. Desnecessário frisar que os princípios processuais estão longe de configurar dogmas religiosos. Sua significação é essencialmente instrumental: o legislador adota-os porque crê que a respectiva observância facilitará a boa administração da Justiça. Eles merecem reverência na medida em que sirvam à consecução dos fins do processo, e apenas em tal medida.

Em vista da relativização da garantia constitucional do direito à prova, origina-se o debate acerca de um dos temas mais polêmicos da atualidade, qual seja o da prova ilícita ou, também denominado, provas obtidas por meios ilícitos.

Há, a respeito de aludido assunto polêmico, três correntes doutrinárias que serão objeto de análise em tópico próprio.

2.2 Conceito de prova ilícita

Não existe, no Brasil, um conceito único acerca da prova ilícita ou prova obtida por meio ilícito, divergindo os autores a propósito do seu significado.

Por exemplo, a prova ilícita pode ser conceituada no sentido lato ou no sentido restrito. No sentido lato, abrange não apenas as provas que afrontam a Constituição, como também as contrárias às leis ordinárias e aos bons costumes. Em sentido restrito, dizem respeito àquelas ofensivas às disposições legais e constitucionais.

O jurista Ovídio A. Baptista da Silva torna evidente não fazer distinção entre a prova ilícita e a ilegítima, considerando-as uma só, quando afirma que "A doutrina moderna, tanto no campo do processo penal quanto no domínio do processo civil tem dedicado atenção especial ao problema das provas ilegítimas ou provas obtidas por meios ilegítimos."

A posição da maioria dos autores brasileiros é no sentido de diferenciar a prova ilícita da ilegítima, conforme constatado abaixo:

Prova ilícita é toda aquela que ofende o direito material. Há atualmente uma confusão entre prova ilegítima e prova ilícita, mas não devem ser confundidas, apesar de ambas não serem aceitas pelo nosso direito processual, pois a prova ilícita fere o direito material enquanto a prova ilegítima o direito processual. (...) Enfim, prova ilícita consiste na prova obtida por meios não aprovados pela legislação pátria ou meios que contrariam direitos zelados por alguma legislação, seja ela ordinária, complementar, carta magna etc.

Este entendimento é corroborado pela decisão abaixo consignada:

Prova ilícita. Interceptação, escuta e gravação, telefônicas e ambientais. Princípio da Proporcionalidade. Encobrimento da própria torpeza. Compra e Venda com dação em pagamento. Verdade processualizada. Doutrina e jurisprudência.

1 – Prova ilícita é a que viola normas de direito material ou os direitos fundamentais, verificável no momento de sua obtenção. Prova ilegítima é a que viola as normas instrumentais, verificável no momento de sua processualização. Enquanto a ilegalidade advinda da ilegitimidade produz a nulidade do ato e a ineficácia da decisão, a ilicitude comporta um importante dissídio acerca de sua admissibilidade ou não, o que vai desde a sua inadmissibilidade, passando da admissibilidade a utilização do princípio da proporcionalidade.

2 – O princípio da proporcionalidade, que se extrai dos artigos 1º e 5º da Constituição Federal, se aplica quando duas garantias se contrapõem. A lei nº 9.296/96 veda, sem autorização judicial, a interceptação e a escuta telefônica, mas não a gravação, ou seja, quando um dos interlocutores grava a própria conversa. A aplicação há de ser uniforme ao processo civil, em face da comunicação entre os dois ramos processuais, mormente dos efeitos de uma sentença penal condenatória no juízo cível e da prova emprestada.

3 – A garantia da intimidade, de forte conteúdo ético, não se destina a proteção da torpeza, da ilicitude, mesmo que se trate de um ilícito civil. Na medida em que o requerido, deliberadamente, confessa ao autor o negócio realizado, mas diz que este não conseguiria prová-lo, pretende acobertar-se sob o manto da torpeza, com a inadmissibilidade da gravação. A conduta do autor manteve-se dentro dos estritos limites da justa causa, da necessidade de reaver seu crédito, sem interferência ou divulgação para terceiros.

4 – A prova testemunhal, ainda que indiciária, robora a existência do negócio jurídico havido entre as partes. (Apelação Cível nº 70004590683, TJRS, 2ª Câmara Especial Cível, Rel. Des. Nereu José Giacomolli, Data do julgamento 09.12.2002, negado provimento, unânime)

Prova ilícita é a colhida com violação de normas ou princípios de direito material, principalmente de direito constitucional, tendo em vista que a controvérsia acerca do assunto diz respeito sempre à questão das liberdades públicas, onde estão assegurados os direitos e as garantias relativas à intimidade, à liberdade, à dignidade humana.

Também se refere ao direito penal, civil e administrativo, áreas onde já se encontram definidos direitos ou cominações legais passíveis de se contrapor às exigências de segurança social, investigação criminal, inviolabilidade do domicílio, sigilo da correspondência e outros.

O direito material estabelece sanções próprias para a violação de suas normas, tomando-se, como exemplo, o caso da violação do sigilo da correspondência ou de infração à inviolabilidade do domicílio, que possuem penas cominadas no Código Penal.

Nelson Nery Júnior também considera a prova ilícita quando sua proibição for de natureza material, diferenciando-a da prova ilegal, que será sempre aquela violadora do ordenamento jurídico como um todo, compreendendo leis e princípios gerais, quer sejam de natureza material ou meramente processual.

A prova ilegal é gênero das espécies provas ilícitas e provas ilegítimas, pelo fato de que abarca tanto a violação de natureza material (prova ilícita), quanto a violação de natureza processual (prova ilegítima).

2.3 Correntes doutrinárias sobre sua admissibilidade

Importante aspecto diz respeito à questão de se admitir a prova ilícita como válida e eficaz no ordenamento jurídico de cada país, existindo três correntes doutrinárias, que serão abaixo nominadas e analisadas.

2.3.1 Teoria obstativa

A teoria obstativa pode ser entendida como aquela que considera inadmissível a prova obtida por meio ilícito, em qualquer caso, pouco importando a relevância do direito em debate.

Isso significa que a aludida teoria apoia-se no fato de que a prova ilícita deve ser sempre rejeitada, reputando-se assim não apenas a afronta ao direito positivo, mas também aos princípios gerais do direito, especialmente nas Constituições assecuratórias de um critério extenso quanto ao reconhecimento de direitos e garantias individuais.

Os defensores da teoria obstativa sustentam, conforme Francisco das Chagas Lima Filho, que "a prova obtida por meios ilícitos deve ser banida do processo, por mais altos e relevantes que possam se apresentar os fatos apurados."

De acordo com esta teoria, o direito não deve proteger alguém que tenha infringido preceito legal para obter qualquer prova, com prejuízo alheio. Nestes casos, o órgão judicial tem o dever de ordenar o desentranhamento dos autos da prova ilicitamente obtida, não reconhecendo-lhe eficácia.

2.3.2 Teoria permissiva

Já segundo a teoria permissiva, a prova obtida ilicitamente deve sempre ser reconhecida no ordenamento jurídico como válida e eficaz.

Em todos os casos, deve prevalecer o interesse da Justiça no descobrimento da verdade, sendo que a ilicitude na obtenção da prova não deve ter o condão de retirá-la o valor que possui como elemento útil para formar o convencimento do Julgador. Não obstante a validade e eficácia de aludidas provas, o infrator ficará sujeito às sanções previstas pelo ilícito cometido.

Ademais, para esta teoria, a prova obtida ilicitamente precisa ser aceita válida e eficazmente no processo por entender que o ilícito se refere ao meio de obtenção e não ao seu conteúdo. Significa dizer que o infrator será penalizado pela violação praticada, mas o teor do elemento probatório deverá contribuir para a formação da convicção do magistrado.

2.3.3 Teoria intermediária

Entre a teoria obstativa e a teoria permissiva, surgiu a intermediária, a qual não defende nenhum dos dois extremos, ou seja, nem a inadmissibilidade absoluta da prova ilícita (teoria obstativa), tampouco a admissibilidade absoluta da prova ilícita (teoria permissiva). É o chamado princípio da proporcionalidade, que necessita, primeiramente, do exame da sua evolução.

A idéia de proporção já existia nos arquétipos do pensamento jurídico ocidental e tinha a conotação de direito, assemelhando-se muito a essa noção.

Na Antiguidade clássica, encontra-se o pensamento voltado ao princípio da proporcionalidade, no qual o direito deveria possuir alguma utilidade. Essa ótica de direito como uma utilidade também foi bastante difundida entre os juristas romanos, entre eles, Ulpiano. Modernamente, o conceito do denominado utilitarismo está presente no pensamento teleológico de Jhering, materializado na obra "Zwed im Recht" (Finalidade no Direito), onde surgiu a "jurisprudência dos interesses", que, mais tarde, ensejou a criação da "jurisprudência das valorações", atualmente dominante no ordenamento jurídico alemão.

No que tange ao aspecto moral, os antigos gregos compreendiam que seu comportamento deveria ser baseado na idéia de proporcionalidade como padrão do justo.

Tal noção foi realmente consolidada por Aristóteles mediante o conceito de "justiça distributiva", onde a partilha dos encargos e recompensas tinha que ser realizada de acordo com a posição ocupada pela pessoa na comunidade e pelos serviços ou desserviços que tenha prestado.

Assim, a proporcionalidade permaneceu forte em todo o pensamento jurídico-filosófico, como em Aristóteles, Dante, Hugo Grócio e outros. Nos séculos XVIII e XIX, a conceituação de proporcionalidade guardou relação com as limitações administrativas da liberdade individual, sendo acolhida pela Teoria do Estado.

O termo "proporcional" (verhaltnismassig), utilizado por Von Berg em 1802, ganhou relevância na esfera do Direito Administrativo, quando foi aventada a possibilidade da ocorrência da limitação da liberdade em virtude do Direito de Polícia.

Tendo em vista a proibição da força policial ultrapassar o limite estritamente necessário e exigível para a realização de sua finalidade, Wolzendorff criou o Princípio da Proporcionalidade entre os Meios e os Fins (Grundsatz der Verhaltnismassigkeit). Durante a primeira metade do século passado, a aplicação de mencionado princípio restringiu-se ao Direito de Polícia do Direito Administrativo.

O princípio da proporcionalidade desempenhou um papel importante na Alemanha, no período pós-II Guerra Mundial que, rompendo-se com a ancestral tradição da civil law, foram reunidas possibilidades para um expressivo desdobramento da doutrina das liberdades públicas, amparada nos artigos 1º e 2º da Lei Fundamental Alemã.

A jurisprudência alemã, além de aplicar causas de justificação como a legítima defesa e o estado de necessidade, admitia exceções à proibição genérica de admissibilidade das provas ilicitamente obtidas, sob o fundamento de realização de exigências superiores de caráter público ou privado, merecedoras de particular tutela.

Chega-se, neste momento, ao princípio da Güterund Interessenabwägung (ou seja, o princípio do balanceamento dos interesses e dos valores) e, de forma reflexa, ao Verhältnismässigkeitsprinzip (ou seja, o princípio da proporcionalidade entre o meio empregado e a finalidade pretendida).

Outra questão de relevância é que os Tribunais Alemães, entre eles o Bundesgerichtshof, têm recomendado a aplicação do princípio da proporcionalidade para a correta solução dos casos relacionados às provas obtidas de forma ilícita.

Por exemplo, no ano de 1970, o referido Tribunal Alemão, em sede de ação de divórcio, entendeu que o interesse em provar fatos específicos em juízo não poderia ter o condão de justificar a indevida invasão da esfera pessoal de um indivíduo.

Este julgamento não contou com boa parte da doutrina, sendo que alguns afirmaram que a Corte Julgadora Alemã incorreu em erro na individuação dos valores balanceados. Isso tanto é verdade que, no caso sob comento, não se tratava de contrapor o direito da personalidade de um dos litigantes ao interesse objetivo à descoberta da verdade, mas balancear o direito de um dos cônjuges com o direito do outro, pois, se um pretendia ser protegido contra a invasão indevida na sua esfera de intimidade, o outro tinha um direito igualmente respeitável à dissolução do casamento.

Neste caso judicial, assim como em outros, estão contrapostos dois direitos dignos de tutela, e é neste aspecto peculiar que se fala no princípio da proporcionalidade, concretizado por meio do balanceamento dos valores em jogo.

Atualmente, a maioria dos autores brasileiros filia-se a esta teoria. Kellyanne Kenny e Taiana Rios explicam o significado e a relevância na apreciação do Julgador do princípio da proporcionalidade frente às provas ilicitamente obtidas, ipsis literis:

O princípio da proporcionalidade se coaduna com a tese intermediária, ou seja, nem deve aceitar todas as provas ilícitas, nem proibir qualquer prova pelo fato de ser ilícita. Deve haver uma análise de proporcionalidade de bens jurídicos.

Podendo-se ofender um direito através da prova ilícita se o outro direito for de maior importância para o indivíduo, para que ocorra a prestação de uma tutela mais justa e eficaz.

O Superior Tribunal de Justiça, a respeito da licitude da prova, aplicou o princípio da proporcionalidade, nos seguintes termos:

PENAL. PROCESSUAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA POR UM DOS INTERLOCUTORES. PROVA LÍCITA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE."HABEAS CORPUS". RECURSO.

1. A gravação de conversa por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal.

2. Pelo Princípio da Proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema, cujo harmonia impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento a alguns direitos por ela conferidos, no caso, o direito à intimidade.

3. Precedentes do STF. (RHC nº 7216/SP, STJ, 5ªT, Rel. Min. Edson Vidigal, D. J. 25.05.98, por unanimidade, negar provimento)

Há dois pontos que precisam ser apreciados sob a ótica do princípio da proporcionalidade. O primeiro ocorre quando o direito de maior relevância for o violado. Neste caso, tal direito deverá ser tutelado pelo Poder Judiciário e, conseqüentemente, a prova ilicitamente obtida não deverá ser aceita. O segundo acontece no momento em que o direito oriundo da prova ilicitamente obtida possuir maior relevância que o direito violado pela ilicitude na obtenção da prova. Neste caso, a prova ilícita deverá ser aceita válida e eficazmente.

Em decorrência disso, é indubitável que o princípio ou teoria da proporcionalidade exige que sejam sopesados os interesses e direitos postos em questão, predominando o de maior relevância.

Porém, com certeza não é fácil o papel do Julgador quando da valoração desses direitos colocados em confronto, já que ambos possuem pesos distintos conforme a situação concreta que se apresentam.

Para que o juiz tenha possibilidade de saber se é cabível a utilização da prova, ele deverá fixar uma prevalência axiológica de um dos bens, quando comparado com outro bem, de acordo com os valores existentes no momento da apreciação.

No entanto, não se trata de realizar um cotejo valorativo abstrato dos bens em confronto, tendo em vista que o princípio da proporcionalidade tem como exigência a ponderação dos direitos ou bens jurídicos que estão em jogo conforme o peso que é conferido ao bem respectivo em determinada situação.

2.4 A prova ilícita por derivação no direito comparado

Questão atual e importante diz respeito à chamada prova ilícita por derivação, casos em que a prova deriva de outra obtida ilicitamente, isto é, provas que são lícitas em si mesmas, mas que são oriundas de alguma informação extraída de outra ilicitamente colhida.

São os casos, por exemplo, da confissão colhida por meio de tortura, em que o réu afirma o local onde se encontra o produto do crime, que vem a ser posteriormente apreendido, e a interceptação telefônica clandestina, na qual o órgão policial descobre uma testemunha do ocorrido, que, após seu depoimento, incrimina o acusado.

A prova ilícita por derivação é conhecida como a "teoria dos frutos da árvore envenenada" (the fruit of poisonous tree), criada pela Suprema Corte norte-americana, onde o vício da planta se transmite a todos os seus frutos.

A Suprema Corte norte-americana entende que as provas serão ilícitas quando obtidas por agentes públicos estaduais ou federais, por serem reputadas inconstitucionais consoante a IV Emenda. Esta tutela os direitos individuais dos cidadãos, como também dispõe acerca das garantias fundamentais contra a ingerência do Estado na esfera particular do indivíduo. Não

se permite que o Estado interfira no âmbito particular do cidadão, visto que a IV Emenda é considerada uma forma de proteção do particular contra atos abusivos dos agentes estatais.

Entretanto, pode-se afirmar que a doutrina dos frutos da árvore envenenada não é absoluta, tanto que o Direito americano, criador da referida doutrina, reconheceu quatro exceções, ou limitações, na Jurisprudência.

A primeira limitação é a chamada "Limitação da Fonte Independente" (The Independent Source Limitation), que foi aplicada no caso Silverthorne, em que os fatos apurados através de uma violação constitucional não seriam, necessariamente, inacessíveis ao tribunal, desde que tivessem condições de serem provados por uma fonte independente.

A exceção à doutrina dos frutos da árvore envenenada também foi invocada pela Suprema Corte norte-americana nos casos "Bynum v. US" e "US v. Crews", no sentido de que a obtenção da prova mediante fonte independente não sofreria a influência da violação regulada na IV Emenda, tendo perfeitas condições de ser utilizada, por não estar diretamente ligada com a árvore.

Outro episódio aconteceu no caso "Murray v. US", de 1988, quando a polícia possuía indícios suficientes para conseguir um mandado de busca, motivada pela possibilidade de ocorrência do delito de contrabando.

Porém, ilegalmente, procedeu à busca carecendo do necessário mandado, encontrando o corpo de delito no local. A polícia retirou-se do local da busca e, sem fazer menção ao que foi encontrado, obteve do Magistrado um mandado calcado apenas nos indícios previamente conhecidos.

Posteriormente, de posse do necessário mandado, a polícia realizou a busca e apreendeu o contrabando. Nesta decisão, a maioria da Corte manifestou-se afirmando a necessidade da prova de que o mandado não havia sido requerido com base no que foi encontrado ilegalmente, mas apenas pelos indícios anteriores à diligência ilegal.

O Tribunal salientou que, em sentido contrário, estaria se reconhecendo uma relação de dependência e a limitação não poderia ser aplicada. A decisão não foi unânime, já que alguns julgadores pugnaram a fundamentação da exclusionary rule, dizendo que o reconhecimento da limitação por fonte independente poderia encorajar policiais a primeiro constatar ilegalmente o crime, para somente depois requerer, se ainda oportuno, o mandado, o que ensejaria sucesso em todos os casos. Contudo, tal fundamentação não prevaleceu, e a analisada limitação foi aplicada.

Caso bastante interessante também foi o "Segura v. US", de 1984. Policiais sem mandado entraram e permaneceram por horas na residência de um acusado, tempo em que o mandado estava sendo providenciado com base em informações obtidas anteriormente ao ingresso ilegal na mencionada residência.

A Suprema Corte norte-americana, em maioria, aplicou a limitação da fonte independente, argumentando que as provas não possuíam correlação direta à ilegalidade realizada, mas ao mandado obtido perante o magistrado competente, sem qualquer tipo de conexão.

É necessário o exame cuidadoso para o reconhecimento da "Limitação da Fonte Independente" (The Independent Source Limitation), em vista da exigência da demonstração cabal de que a prova a ser valorada pelo julgador originou-se de uma fonte autônoma, sem qualquer relação de dependência com a prova ilícita.

Caso não fique evidenciado no processo que a prova nasceu de uma fonte independente, deverá ser aplicada a doutrina da inadmissibilidade da prova derivada, sob pena de burlar facilmente tal proibição.

A segunda exceção à doutrina dos frutos da árvore envenenada é a denominada "Limitação da Descoberta Inevitável" (The Inevitable Discovery Limitation), significando que a prova decorrente de uma violação constitucional, como a IV Emenda, poderia ser aceita desde que pudesse, inevitavelmente, ser descoberta por meios jurídicos.

Não se trata de saber se a prova foi ou não obtida com abstração da árvore venenosa, pois, neste caso, a prova a ser admitida no processo é inconstitucional. Em decorrência disso, é indispensável avaliar se, mesmo sendo inconstitucional, tal prova seria hipoteticamente descoberta por meios jurídicos disponíveis.

No caso Nix V. Williams, de 1984, ficou estabelecido que a análise hipotética da descoberta da prova por meios jurídicos não pode se basear em meras conjecturas. No caso em apreço, a Suprema Corte expôs que é ônus da acusação provar que a informação ilegalmente obtida seria, inevitavelmente, adquirida por outros meios legais, reclamando fatos concretos, passíveis de pronta verificação.

A terceira exceção à doutrina dos frutos da árvore envenenada é a chamada "Limitação da Descontaminação" (The Purged Taint Limitation), segundo a qual, não obstante ilícita a prova, poderá ocorrer no processo um acontecimento capaz de purgar o veneno, imunizando os respectivos frutos conquistados.

Este fato teria o condão de tornar secundária a ligação da prova com a violação da norma constitucional. Dessa forma, a intervenção de um ato independente, como a posterior confissão espontânea, e em consonância com os direitos fundamentais do acusado, tornam a aludida prova como não sendo mais considerada obtida de uma ilegalidade, pois houve quebra do nexo de causalidade com a árvore envenenada.

No caso Wong Sun, policiais da narcóticos ingressaram, sem mandado, na residência de "A" e o prenderam. Este, imediatamente após sua prisão, fez uma confissão, acusando "B" como sendo o vendedor das drogas.

Posteriormente, "B" também foi preso pelos agentes policiais, sem o devido mandado, e prestou depoimento incriminando "C", que foi preso ilegalmente. Após alguns dias, "C" prestou, espontaneamente, declarações aos agentes policiais da narcóticos, confessando sua participação nos crimes.

Em conseqüência da confissão espontânea de "C", "A" e "B" invocaram, em seu favor, a doutrina dos frutos da árvore venenosa, requerendo a respectiva exclusão. A Suprema Corte Norte-Americana acolheu o pedido de "A" e "B".

Tentando aproveitar-se do mesmo fundamento, "C" também requereu a exclusão, afirmando que jamais teria confessado os crimes se não existissem as ilegalidades praticadas contra "A" e "B".

Todavia, a Suprema Corte Norte-Americana não deu provimento ao pedido de "C", mencionando que a sua confissão voluntária, realizada em conformidade aos seus direitos fundamentais, ensejou a atenuação da conexão entre a prisão e a confissão, a tal ponto que acabou por dissipar o veneno. Portanto, o ato praticado por "C" (confissão voluntária acerca dos crimes) rompeu o nexo de causalidade gerado pela prova ilicitamente obtida.

A quarta exceção à doutrina dos frutos da árvore envenenada consiste na "Limitação da Boa-Fé" (The Good Faith Exception), que foi inicialmente aplicada pela Suprema Corte Norte-Americana, no caso United States v. Leon, em 1984, quando os policiais realmente acreditaram que sua diligência havia observado as disposições da IV Emenda.

Em Leon, policiais da Califórnia cumpriram, de boa-fé, um mandado que foi posteriormente invalidado. Os acusados invocaram a supressão da prova com base na doutrina dos frutos da árvore envenenada, sendo que a Suprema Corte Norte-Americana indeferiu a postulação dos acusados, fundamentando sua decisão na exceção em exame.

Cumpre referir a observação feita por Danilo Knijnik quando da apreciação de uma prova que tenha decorrido de uma prova ilícita, sendo que o referido autor menciona uma quinta limitação à doutrina dos frutos da árvore envenenada, in verbis:

Isso não quer dizer que, diante de toda e qualquer prova originariamente ilícita, deva ocorrer a supressão das evidências dela derivadas. Cumpre aqui recordar que os tribunais deverão, necessariamente, verificar se o caso não se subsume a uma dentre as cinco limitações abaixo:

- Limitação da Fonte Independente, segundo Wong Sun v. United States, 1963.

- Limitação da Descoberta Inevitável, segundo Nix v. Williams, 1984.

- Limitação da Descontaminação, segundo United States v. Ceccolini, 1978.

- Limitação da Boa-Fé, segundo United v. Leon, 1984; e, ainda

- Limitação da Expectativa Legítima e Pessoal, segundo Rakas v. Illinois, 1978.

Como afirmou o Justice Frakfurther em United States v. Ceccolini, ‘aqui, como em Silverthorne, os fatos impropriamente obtidos não se tornam sagrados e inacessíveis.’ Será, pois, imprescindível passar a uma segunda etapa e verificar se não é possível imunizar os frutos colhidos, após o que, realmente, se deverá rejeitar o material probatório em questão.

No Brasil, não há qualquer disposição legal acerca da prova ilícita por derivação, sendo que a solução dos casos é buscada na doutrina e na jurisprudência.

Relativamente a esta matéria, ocorreu um julgamento no Supremo Tribunal Federal que causou grande repercussão no meio jurídico, nos seguintes termos:

Prova ilícita: escuta telefônica mediante autorização judicial: afirmação pela maioria da exigência de lei, até agora não editada, para que, ‘nas hipóteses e na forma’ por ela estabelecida, possa o juiz, nos termos do artigo 5º, XII, da Constituição, autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal; não obstante, indeferimento inicial do habeas corpus pela soma dos votos, no total de seis, que, ou recusaram a tese da contaminação das provas decorrentes da escuta telefônica, indevidamente autorizada, ou entenderam ser impossível, na via processual do habeas corpus, verificar a existência de provas livres da contaminação e suficientes a sustentar a condenação questionada; nulidade da primeira decisão, dada a participação decisiva, no julgamento, de Ministro impedido (MS 21.750, 24.11.93, Velloso); conseqüente renovação do julgamento, no qual se deferiu a ordem pela prevalência dos cinco votos vencidos no anterior, no sentido de que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta de lei que, nos termos constitucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contaminou, no caso, as demais provas, todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (fruits of the poisonous tree), nas quais se fundou a condenação do paciente. (HC nº 69912-0/RS, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, D. J. 25.03.94, deferido, por maioria)

Quanto a esta decisão, ocorreu divergência entre os Ministros a propósito da aplicação da doutrina dos frutos da árvore envenenada, tendo prevalecido, por maioria, a incidência de referida doutrina.

O relator do HC nº 69.912-0/RS, Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto, foi favorável ao deferimento do hábeas corpus, conforme abaixo:

(...) o caso demanda a aplicação da doutrina que a melhor jurisprudência americana constituiu sob a denominação de princípios dos fruits of the poisonous tree; é que às provas diversas do próprio conteúdo das conversações telefônicas, interceptadas, só se pode chegar, segundo a própria lógica da sentença, em razão do conhecimento delas, isto é, em conseqüência da interceptação ilícita de telefonemas (...) estou convencido de que essa doutrina da invalidade probatória do fruit of the poisonous tree é a única capaz de dar eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita (...) De fato, vedar que se possa trazer ao processo a própria ‘degravação’ das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela contidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que sem tais informações, não colheria, evidentemente, é estimular e não reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas privadas.

Analisando o referido julgado do Supremo Tribunal Federal, em sede de hábeas corpus, é necessário afirmar que ele trouxe ao meio jurídico o entendimento de que deve ocorrer uma compatibilização entre a ampla liberdade que o Juiz possui para apreciar a prova e a limitação ensejada pela doutrina dos frutos da árvore envenenada. Há de se atentar não mais apenas à convicção formada pelo Julgador, mas também à forma pela qual essa convicção foi buscada.

Após o exame da polêmica decisão do Supremo Tribunal Federal, cabe trazer outros julgados da mesma Corte, tendo utilizado o hábeas corpus nº 69.912-0/RS como precedente:

COMPETÊNCIA – HABEAS CORPUS – ATO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Na dicção da ilustrada maioria (seis votos a favor e cinco contra), em relação a qual guardo reservas, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar todo e qualquer habeas-corpus impetrado contra ato de Tribunal, tenha este, ou não, qualificação de superior.

PROVA ILÍCITA – ESCUTA TELEFÔNICA – PRECEITO CONSTITUCIONAL – REGULAMENTAÇÃO. Não é auto-aplicável o inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal. E surge ilícita a prova produzida em período anterior à regulamentação do dispositivo constitucional.

PROVA ILÍCITA – CONTAMINAÇÃO. Decorrendo as demais provas do que é levantado via prova ilícita, tem-se a contaminação daquelas, motivo pelo qual não subsistem. Precedente: habeas-corpus nº 69.912/RS, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence perante o Pleno, com acórdão veiculado no Diário da Justiça de 25 de março de 1994. (HC nº 73.510-0/SP, STF, 2ª T, Rel. Min. Marco Aurélio, D. J. 12.12.97, deferido, por maioria)

HABEAS CORPUS. ACUSAÇÃO VAZADA EM FLAGRANTE DE DELITO VIABILIZADO EXCLUSIVAMENTE POR MEIO DE OPERAÇÃO DE ESCUTA TELEFÔNICA, MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA ILÍCITA. AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO REGULAMENTADORA. ARTIGO 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FRUITS OF THE POISONOUS TREE.

(...)

Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta da lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta. (HC nº 73.351-4/SP, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, D. J. 19.03.99, deferido, por maioria)

A decisão realizada no HC nº 73.351-4/SP, acima transcrita, foi comentada por Sérgio Salomão Shecaira, ipsis literis:

Certamente, a posição mais sensível às garantias da pessoa humana e mais afinada com a moderna concepção do processo penal, voltada à tutela da liberdade dos acusados, é no sentido de inadmitir-se as provas ilícitas por derivação, tal como fez o v. acórdão referido. Enfim, mesmo sendo processado alguém que carrega a pecha de ‘traficante’, não lhe foram retirados os direitos inerentes à cidadania, em decisão que, em nosso entender, é um banho de legalidade.

Portanto, não obstante a ausência de disposição legal a respeito do assunto, a posição do Supremo Tribunal Federal, conforme as decisões acima trazidas, é clara no sentido de que as provas ilícitas por derivação não devem ser aceitas, em consonância com a doutrina dos frutos da árvore envenenada e pelo efeito preventivo do disposto no artigo 5º, LVI, da Constituição Federal Brasileira, que será examinado em tópico próprio.


3 A PROVA ILÍCITA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

3.1 A prova ilícita no sistema constitucional vigente

A Constituição Federal de 1988 pode ser considerada distinta das suas antecessoras, no que tange aos aspectos processuais, pois as constituições brasileiras pretéritas jamais trataram de tais matérias com tamanha abrangência.

Os congressistas, componentes da Assembléia Constituinte, receberam importante apoio de juristas na elaboração da Constituição Brasileira em vigor, o que, de certa forma, explica a inclusão no texto constitucional de garantias processuais dos direitos individuais e coletivos.

A Constituição Brasileira em vigor tratou do tema em seu artigo 5º, LVI, ao afirmar que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". Tal dispositivo refere-se a todos os processos indistintamente, seja na esfera civil, penal ou de outros ramos do Direito, em qualquer lide com participação apenas de particulares ou a presença do Estado.

Em decorrência disso, existente uma ação judicial, os envolvidos no processo (este reputado como o instrumento de realização do direito material postulado) não poderão utilizar em seu favor, como regra, provas obtidas por meios ilícitos, tendo em vista expressa vedação constitucional.

Não apenas no processo a ilicitude probatória é inadmissível. Quando a norma constitucional em exame expressa os termos "no processo", deve-se interpretá-la de maneira a incluir referida vedação ao inquérito policial ou qualquer outra forma de investigação criminal. Ora, se existe a proibição da utilização da prova ilícita no intento de tutelar o acusado, necessário estendê-la também ao indiciado, sob pena de violação ao princípio da isonomia.

Ademais, como ela não pode ser admitida na fase processual, tampouco será aceita na fase pré-processual, exatamente onde se insere o inquérito policial.

Utilizando-se uma interpretação literal, pode-se dizer, num primeiro momento, que a disposição constitucional sob comento não comporta exceções, devendo ser aplicada de forma irrestrita. A propósito do assunto, cabe aduzir o alerta dado por José Carlos Barbosa Moreira, ipsis literis:

Apesar disso, é irrealístico pensar que se logre evitar totalmente a conveniência (ou melhor, a necessidade) de temperar a aparente rigidez da norma. Para não ir mais longe: como se procederá se um acusado conseguir demonstrar de maneira cabal sua inocência com apoio em prova que se descobre ter sido ilicitamente adquirida? Algum juiz se animará a perpetrar injustiça consciente, condenando o réu, por mero temor de contravir à proibição de fundar a sentença na prova ilícita?

Os juristas prestadores de assessoria aos congressistas na elaboração do texto constitucional vigente pertenciam à corrente doutrinária da inadmissibilidade absoluta da prova ilícita ou teoria obstativa, já examinada.

Não se pode olvidar que os fatos históricos anteriores ao advento da Constituição de 1988 contribuíram fortemente para a rigidez da norma constitucional acerca da ilicitude da prova, uma vez que o sistema constitucional vigente foi elaborado em período posterior à modificação política no Brasil.

Durante muito tempo, imperou em nosso país o regime autoritário, onde o Estado achava-se no direito de intervir na esfera particular de cada cidadão, cometendo arbitrariedades, abusos, graves violações à intimidade e à vida privada das pessoas. Os direitos fundamentais não eram respeitados e nenhuma pessoa poderia reclamar tamanho autoritarismo, pois era tal regime que reinava no Brasil.

A respeito, José Carlos Barbosa Moreira ensina de forma brilhante que "a melhor forma de coibir um excesso e de impedir que se repita não consiste em santificar o excesso oposto".

O referido jurista, seguidor da teoria intermediária, quis dizer que não obstante a queda recente do regime autoritário quando do advento da Constituição Brasileira de 1988, autoritarismo este violador dos direitos fundamentais dos cidadãos, os elaboradores do texto constitucional atual não deveriam ter sido tão radicais a ponto de se posicionarem no outro extremo.

Embora analisada sob sua literalidade, a Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5º, LVI, fora muito rígida no que se refere à inadmissibilidade das provas ilícitas. A doutrina brasileira e a jurisprudência, em sua maioria, pugnam pela necessidade de se levar em conta os bens conflitantes e que o caso concreto seja sempre solucionado à luz do princípio da proporcionalidade, já analisado, posicionamento corroborado pelo julgado abaixo:

Constitucional e Processual Penal. "Habeas Corpus". Escuta Telefônica com ordem judicial. Réu condenado por formação de quadrilha armada, que se acha cumprindo pena em penitenciária, não tem como invocar direitos fundamentais próprios do homem livre para trancar ação penal (corrupção ativa) ou destruir gravação feita pela polícia. O inciso LVI do artigo 5º da Constituição, que fala que ‘são inadmissíveis...as provas obtidas por meio ilícito’, não tem conotação absoluta. Há sempre um substrato ético a orientar o exegeta na busca de valores maiores na construção da sociedade. A própria Constituição Federal Brasileira, que é dirigente e programática, oferece ao juiz, através da ‘atualização constitucional’

(VERFASSUNGSAKTUALISIERUNG), base para o entendimento de que a cláusula constitucional invocada é relativa. A jurisprudência norte-americana, mencionada em precedente do Supremo Tribunal Federal, não é tranqüila. Sempre é invocável o princípio da ‘razoabilidade’ (REASONABLENESS). O ‘princípio da exclusão das provas ilicitamente obtidas’ (EXCLUSIONARY RULE) também lá pede temperamentos. (HC nº 3982/RJ, STJ, 6ª T., Rel. Min. Adhemar Maciel, D.J. 26.02.96, denegada a ordem, por unanimidade)

3.2 A prova ilícita no processo civil

Após a análise da questão atinente à ilicitude da prova no sistema constitucional pátrio, é importante tecer considerações de aludido tema no Código de Processo Civil.

3.2.1 Aspectos gerais

A Constituição Federal de 1988 veda expressamente a utilização de provas colhidas ilicitamente. No que tange ao processo civil, o legislador brasileiro jamais inseriu qualquer previsão acerca da matéria, apenas mencionando os meios de prova admissíveis em juízo.

O Código de Processo Civil Brasileiro de 1939, em seu artigo 208, afirmava que "são admissíveis em juízo todas as espécies de prova reconhecidas nas leis civis e comerciais". Nota-se que apenas os meios probatórios constantes do Código Civil e do Código Comercial eram reputados lícitos na esfera processual civil, não se admitindo qualquer outro.

O artigo 136, do Código Civil Brasileiro de 1916, preconizava o seguinte:

Os atos jurídicos, a que se não impõe forma especial, poderão provar-se mediante. I – confissão; II – atos processados em juízo; III – documentos públicos ou particulares; IV – testemunhas; V – presunção; VI – exames e vistorias; VII – arbitramento.

Já o Código Comercial, no artigo 122, dispunha que:

Os contratos comerciais podem provar-se:

1.por escrituras públicas;

2.por escritos particulares;

3.pelas notas dos corretores, e por certidões extraídas dos seus protocolos;

4.por correspondência epistolar;

5.pelos livros dos comerciantes;

6.por testemunhas.

As modalidades de prova listadas nas leis civis e comerciais eram as únicas admissíveis, constituindo-se em rol taxativo. É evidente que a disposição legal estava ultrapassada face do avanço tecnológico mundial.

Em 1973, entrou em vigor o atual Código de Processo Civil Brasileiro, trazendo alterações quanto aos meios de prova admissíveis e, mais uma vez, o legislador brasileiro resolveu não enfrentar expressamente a questão da sua ilicitude.

O artigo 332, do mencionado diploma legal, preceitua que "todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa".

Percebe-se, com a leitura do artigo acima, que os tipos probatórios legais foram ampliados, não existindo mais um elenco exaustivo como no Código de Processo Civil Brasileiro de 1939.

Contudo, em que pese o desaparecimento de referido rol, o artigo em exame possui um problema ainda divergente na doutrina e na jurisprudência, qual seja o significado da inserção dos meios de prova moralmente legítimos, sendo importante tal entendimento na medida em que é necessário primeiramente investigar o real alcance do artigo 332 do Código de Processo Civil Brasileiro para depois saber quais são as provas ilícitas na esfera processual civil.

Nelson Nery Júnior, ao comentar o comando legal em apreço, afirma que as provas moralmente legítimas são todos os "meios processuais ou materiais considerados idôneos pelo ordenamento jurídico para demonstrar a verdade ou não da existência e verificação de um fato jurídico".

Há doutrinadores compreendendo que os meios legais de prova são previstos em lei, além do Código de Processo Civil, e que as modalidades moralmente legítimas são aquelas atentas à moralidade média de uma determinada sociedade. Ocorrendo violação a esta, o elemento probatório será considerado ilegítimo.

A grande questão do posicionamento doutrinário sobre os meios de prova moralmente legítimos é saber qual o conceito de moralidade média de uma determinada sociedade.

Será que o julgador conseguirá empregar o critério da moralidade média da sociedade brasileira quando estiver diante de um processo civil, onde uma das partes invocar o desentranhamento da prova por ser moralmente ilegítima?

A única certeza possível é que a noção de moralidade média da sociedade brasileira é muito abstrata e cada magistrado deve ter noções diferentes a respeito dela. Em decorrência desse subjetivismo dado ao juiz, tal critério é equivocado, possibilitando o surgimento de insegurança jurídica.

Estão corretos os defensores que o artigo 332 do Código de Processo Civil Brasileiro não precisava fazer menção aos meios de prova moralmente legítimos. Bastava fosse aduzida a prova legal ou lícita, pois o que se deve levar em consideração é a legalidade do meio empregado, não sua legitimidade frente à moral, definição, esta, vaga e imprecisa.

Um exemplo típico de modalidade probatória carecedora de previsão legal, mas que é considerada pela doutrina como moralmente legítima é a denominada prova emprestada.

Em vista da dificuldade da busca do verdadeiro alcance do artigo 332 do Código de Processo Civil Brasileiro pela imprecisão em sua redação no que tange às provas moralmente legítimas e a ausência de previsão em tal diploma legal a propósito da prova ilícita, é forçoso reconhecer que, atualmente, no âmbito do processo civil, cabe ao juiz apreciar no caso concreto, o que considera como ilegal ou, ainda, moralmente ilegítimo, devendo sempre fundamentar a decisão, com fulcro no princípio do livre convencimento motivado.

3.2.2 As gravações clandestinas no processo civil

Um dos temas mais tormentosos no processo civil diz respeito às gravações clandestinas e sua licitude ou não. Inicialmente, é necessário trazer o seu significado para posterior exame da sua utilização como meio de prova civil.

A gravação clandestina é realizada por um dos interlocutores da conversa e pode se dar de duas formas: a primeira ocorre quando há o registro por meio de aparelho telefônico, denominada gravação telefônica; a segunda acontece quando os dados são coletados em um ambiente de conversação, chamada gravação ambiental.

Conseqüentemente, existem as gravações clandestinas de conversas telefônicas e as gravações clandestinas ambientais. Note-se que não há a intervenção de terceiro, sendo a gravação registrada sempre por um dos personagens da conversa, telefônica ou ambiental, consoante os termos abaixo:

A gravação clandestina, entendida esta, como acima referido, a praticada pelo próprio interlocutor, prende-se à inexistência do fator terzeità, não podendo, portanto, se enquadrar no conceito de interceptação. Consiste no registro da conversa telefônica (gravação clandestina propriamente dita) ou da conversa entre presentes (gravações ambientais) por um de seus participantes, com o desconhecimento do outro.

O verdadeiro problema incide na possibilidade de utilização da gravação clandestina no âmbito processual civil. Sérias divergências ocorrem, tanto na doutrina como na jurisprudência.

Alguns juristas pugnam pela admissão da gravação clandestina, argumentando a ausência de vedação legal para o seu uso, sendo possível o registro da conversa, telefônica ou ambiental, por um dos participantes, desde que esta seja regular, em livre expressão do pensamento. Neste sentido, é relevante aduzir o comentário, in verbis:

Contrariamente, a gravação por um interlocutor de sua conversa com outro, ainda que não comunicada, a filmagem da conduta de alguém na via pública ou a filmagem feita pelo proprietário, no interior de sua casa têm sido consideradas legítimas, podendo ser apresentadas no Juízo Cível ou Criminal.

Existem, ainda, doutrinadores pregadores da licitude da gravação clandestina no processo civil, afirmando que a parte pode utilizá-la, caso não haja dever de guardar segredo acerca do teor da conversa registrada, chamado direito à reserva. Ademais, mesmo que a obtenção da prova acarrete violação à intimidade da parte contrária, a ilicitude poderá não ser levada em conta em face de outro interesse jurídico mais relevante, como a vida ou a saúde.

Há autoridades jurídicas com compreensão oposta, qual seja que a gravação clandestina precisa ser repudiada pelo julgador, não se constituindo como meio de prova legal ou moralmente legítima, exigência contida no artigo 332 do Código de Processo Civil Brasileiro.

Além disso, aduzem que caso aceita, ocorrerá violação ao artigo 5º, X, da Constituição Federal de 1988, dispondo que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

Assim como ocorre na doutrina brasileira, a jurisprudência também não é pacífica quanto à admissibilidade da gravação clandestina no processo civil. A seguir, segue uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, onde o relator afirma ser mencionada prova ilícita, ipsis literis:

PROCESSO CIVIL. PROVA.

A gravação clandestina, em fita magnética, de conversa telefônica, não é meio de prova legal e moralmente legítimo. (RESP nº 2194/RJ, STJ, 4ª T., Rel. Min. Bueno de Souza, D. J. 01.07.96, provido, por maioria).

No mesmo entendimento, cabe transcrever, ainda, parte da fundamentação dos votos de três Desembargadores do antigo Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, componentes da Oitava Câmara Cível, em sede de agravo de instrumento:

Dra. Genacéia da Silva Alberton:

Conquanto o artigo 383 do CPC admita como meio de prova ‘qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de qualquer espécie’ o artigo 332 do referido diploma restringe o princípio nele contido, da ampla liberdade de apresentação das provas, à legalidade e à moralidade da prova... Ora, em sendo ilícita a gravação de conversa telefônica, não pode ser admitida como hábil a prova dos fatos, máxime quando impugnada pelo agravante, que não lhe admite conformidade. Mais. Na espécie, além de ilícita, a prova se constitui moralmente ilegítima, porquanto obtida sem o conhecimento e consentimento do ora agravante.

Dr. Jorge Luís Dall’agnol:

Nesta seara – processos civis, de um modo geral – não há pretender – salvo hipóteses excepcionais (atento à incidência do princípio da proporcionalidade) – gravação clandestina de conversação telefônica com desconhecimento dos ou de um dos interlocutores. Sendo assim, se a conversa é gravada clandestinamente...a prova deste modo colhida não deve ser admitida no processo em face do comportamento ilícito para a sua obtenção.

Dr. José Francisco Pellegrini:

Na jurisprudência do direito alemão o tema encontrou uma solução que me agrada e que recebeu o título da teoria da proporcionalidade e que caso a caso colocam-se em confronto os danos resultantes da recepção de uma prova ilícita com os danos resultantes de sua não recepção, prevalecendo o bem maior que estiver em jogo. Contudo, como regra, eu também concordo com os colegas pela inviabilidade deste tipo de prova por que também como regra existe um valor maior a ser preservado que é a ética no convívio social e a ética no processo, nós não podemos ficar todos os cidadãos a mercê, a cada momento, de invasões na nossa intimidade por quem quer se diga interessado na apuração de qualquer circunstância. (Agravo de Instrumento nº 197.165.012, TARS, 8ª Câmara Cível., Rel. Desª. Genacéia da Silva Alberton, D. J. 17.12.97, provido, por unanimidade).

Contrariamente às decisões acima colacionadas é o julgado do Superior Tribunal de Justiça, cujo relator foi o Min. Nilson Naves:

Processo Civil. Prova. Gravação de conversa telefônica feita pela autora da ação de investigação de paternidade com testemunha do processo. Requerimento de juntada da fita, após a audiência da testemunha, que foi deferido pelo juiz. Tal não representa procedimento em ofensa ao disposto no artigo 332 do CPC, pois aqui o meio de produção da prova não é ilegal, nem moralmente ilegítimo. Ilegal é a interceptação, ou a escuta de conversa telefônica alheia. Objetivo do processo, em termos de apuração da verdade material ("A verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa"). (RESP nº 9012/RJ, STJ, 3ª T., Rel. Min. Nilson Naves, D. J. 14.04.97, não conhecido, por maioria).

Em vista do exposto, pode-se salientar que a admissibilidade da gravação clandestina, de conversas telefônicas ou ambientais, no processo civil, dependerá de caso a caso, com as suas circunstâncias peculiares, não havendo, atualmente, no Brasil, posição remansosa sobre o tema.

3.2.3 A fotografia como prova

A fotografia é um meio de prova admitido no processo civil, desde que observadas algumas condições. O artigo 383, caput, do Código de Processo Civil Brasileiro prevê que "qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica..., faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade".

Existe uma corrente doutrinária fundamentando que para a fotografia não ser considerada ilícita, deverá ser obtida por meio de autorização do fotografado, porque este terá a oportunidade de invocar em seu favor violação a direito de personalidade.

A pessoa contra quem se produziu a prova fotográfica poderá ter dois comportamentos: alegar sua irresignação ou admitir a sua conformidade.

Porém, caso ocorra a impugnação à fotografia apresentada em juízo, não há que se falar, neste momento, ainda, em perda da sua eficácia, incidindo o parágrafo único do artigo 383 do Código de Processo Civil Brasileiro, preconizando que "impugnada a autenticidade da reprodução mecânica, o juiz ordenará a realização de exame pericial". Referido exame servirá para descobrir se a fotografia realmente é autêntica, se não passou por um processo de montagem.

Na verdade, a fotografia é destinada a fixar a imagem e é reconhecida pelo Código de Processo Civil Brasileiro como meio de prova, mas necessita, também, ser acompanhada do respectivo negativo, conforme os termos do artigo 385, §1º, do aludido diploma processual civil. Caso ela tenha sido tirada em local público, o fotografado não poderá afirmar sua ilicitude baseada em afronta ao direito de intimidade, porque havia presente uma coletividade.

Importante salientar que a fotografia será, em regra, reputada ilícita de duas maneiras: a primeira ocorrerá se o fotografado não tiver autorizado e suscitar violação ao direito de intimidade, desde que não tenha sido tirada em local público; a segunda acontecerá se não obstante autorização do fotografado, este impugnar a autenticidade da fotografia e, após a realização do exame pericial a que se refere o artigo 383, §único, do Código de Processo Civil Brasileiro, ficar demonstrada que a fotografia não é autêntica.

Nessas hipóteses, a reprodução fotográfica deverá ser desentranhada dos autos, tendo em vista sua obtenção por meios ilícitos.

3.3 A interceptação telefônica no Brasil

Um dos assuntos mais corriqueiros no meio jurídico sobre a obtenção ilícita da prova diz respeito à interceptação telefônica. É difícil tratar sobre a prova ilícita sem mencionar e analisar a modalidade probatória mais questionada, qual seja a interceptação telefônica. Indubitavelmente, a grande maioria dos julgados sobre a matéria versa sobre o denominado "grampo" telefônico.

Primeiramente, é imperativo o exame do conceito de interceptação telefônica, para que depois seja possível tecer comentários a propósito de aludida prova.

3.3.1 Conceito de interceptação telefônica

Anteriormente, foi abordado, dentro da esfera processual civil, o assunto sobre gravação clandestina, dividida em ambiental e conversas telefônicas. Esta última é a que interessa no presente momento.

Não é possível confundir a interceptação telefônica, em sentido estrito, com a escuta telefônica e a gravação clandestina de conversas telefônicas. Nesta, conforme já aduzido, ocorre o registro de conversa telefônica por um dos interlocutores, sem o conhecimento e consentimento do outro participante, sem a intervenção de terceiros.

Na interceptação telefônica, há a intervenção de uma terceira pessoa, que grava a comunicação telefônica sem o conhecimento dos dois interlocutores, sendo chamada de interceptação telefônica strictu sensu. A escuta telefônica acontece da mesma forma, com a captação da comunicação telefônica por um terceiro, porém um dos interlocutores tem conhecimento da gravação. Este é o entendimento da doutrina brasileira, ipsis literis:

Pelo que ficou exposto, conclui-se: interceptação telefônica (em sentido estrito), portanto, é a captação feita por um terceiro de uma comunicação telefônica alheia, sem o conhecimento dos comunicadores; escuta telefônica, por seu turno, é a captação realizada por um terceiro de uma comunicação telefônica alheia, mas com o conhecimento de um dos comunicadores... O que não se pode, de qualquer modo, é confundir interceptação e escuta, de um lado, com gravação telefônica (que é a captação feita diretamente por um dos comunicadores), de outro.

Conseqüentemente, a escuta telefônica é uma forma de interceptação, mas com o conhecimento de um dos interlocutores, como acontece, por exemplo, em casos de seqüestro, onde a polícia capta a comunicação telefônica entre os criminosos e a família do seqüestrado, com a cognição desta. O fato de um dos participantes saber da captação não desnatura a interceptação telefônica.

Após a menção feita sobre o significado da interceptação telefônica, em sentido estrito, sua distinção da escuta e da gravação clandestina de conversas telefônicas, é importante analisá-la no regime jurídico brasileiro.

3.3.2 A interceptação telefônica na Constituição Federal de 1988

Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o sistema constitucional brasileiro vedava, aparentemente, de maneira absoluta, a captação de comunicações telefônicas.

A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, em seu artigo 153, §9º, preconizava sobre a inviolabilidade da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, salvo nos casos de estado de sítio e de estado ou medidas emergenciais.

Neste período, a interceptação telefônica era tratada pelo Código de Telecomunicações, Lei nº 4.117/62, e em seu artigo 57, inciso II, letra "e", dispunha que não se configura violação de telecomunicação o conhecimento dado ao Juiz competente, mediante requisição ou intimação deste. Ademais, o artigo 56, §2º, do mesmo texto legal, aduzia que a operação técnica de interceptação deveria ser feita pelos serviços das estações e postos oficiais.

Juristas defendiam que a norma constitucional sobre a inviolabilidade da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas não poderia ser considerada de forma absoluta, tendo em vista a necessidade de interpretação sistemática, onde nenhum direito ou garantia torna-se regra absoluta. Importante ressaltar que, mesmo para esses doutrinadores, as exceções legais deveriam ter autorização judicial motivada, observância da ocorrência de crimes graves e a presença dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris.

Em 1988, sobreveio a Constituição Federal, constando em seu artigo 5º, XII, que "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".

A norma constitucional veda expressamente, como regra, a interceptação de comunicações telefônicas, ressalvadas as hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Note-se que o artigo sob comento restringiu a possibilidade de utilização do procedimento interceptatório à esfera penal, tanto na fase da investigação criminal como no curso da ação penal.

Porém, mais uma vez ocorreu divergência na doutrina e na jurisprudência quanto à recepção pela Constituição Federal do Código de Telecomunicações, Lei nº 4.117/62, única lei que tratava na época da interceptação telefônica, ou pela necessidade de nova legislação regulamentadora do artigo 5º, XII, da Constituição Federal.

Prevaleceu, na doutrina brasileira, de forma majoritária, o segundo entendimento, qual seja, de que o dispositivo constitucional em análise não é auto-aplicável e não recepcionou as normas atinentes à interceptação telefônica constantes do Código de Telecomunicações, necessitando de nova lei que regulamente a matéria, conforme os termos abaixo:

A lei disciplinadora da matéria ainda não foi editada (...) Enquanto a aludida lei não for promulgada, somente existem, para disciplinar legalmente a matéria, os dispositivos do Código de Telecomunicações. Todavia, como visto, essa lei não cuida das hipóteses a que alude o inc. XII do artigo 5º da Constituição, limitando-se, quanto à forma, a prescrever que a operação técnica deve ser efetuada pelos serviços das estações e postos oficiais.

Assim, não se pode dizer que o Código de Telecomunicações supra a exigência constitucional. Enquanto não for promulgada a lei disciplinadora das hipóteses e formas das interceptações e escutas telefônicas, não há base legal para a autorização judicial. E as operações técnicas porventura efetuadas serão ilícitas, subsumindo-se à espécie do inc. LVI do artigo 5º da Constituição.

O Supremo Tribunal Federal andou pelo mesmo caminho da doutrina, consoante se verifica na decisão abaixo transcrita:

HABEAS CORPUS. CRIME QUALIFICADO DE EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO (CP, ARTIGO357, PÁR. ÚNICO). CONJUNTO PROBATÓRIO FUNDADO, EXCLUSIVAMENTE, DE INTERCEPTAÇÃO TELEFONICA, POR ORDEM JUDICIAL, PORÉM, PARA APURAR OUTROS FATOS (TRÁFICO DE ENTORPECENTES): VIOLAÇAO DO ARTIGO 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO. 1. O artigo 5º, XII, da Constituição, que prevê, excepcionalmente, a violação do sigilo das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal não é auto-aplicável: exige lei que estabeleça as hipóteses e a forma que permitam a autorização judicial. Precedentes. a) Enquanto a referida lei não for editada pelo Congresso Nacional, é considerada prova ilícita a obtida mediante quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mesmo quando haja ordem judicial (CF, artigo5º, LVI). b) O artigo57, II, a, do Código Brasileiro de Telecomunicações não foi recepcionado pela atual Constituição (artigo5º, XII), a qual exige numerus clausus para a definição das hipóteses e formas pelas quais é legítima a violação do sigilo das comunicações telefônicas. 2. A garantia que a Constituição dá, até que a lei o defina, não distingue o telefone público do particular, ainda que instalado em interior de presídio, pois o bem jurídico protegido é a privacidade das pessoas, prerrogativa dogmática de todos os cidadãos. 3. As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF, artigo5º, LVI), ainda que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima das contumélias do paciente. 4. Inexistência, nos autos do processo crime, de prova autônoma e não decorrente de prova ilícita, que permita o prosseguimento do processo. (HC nº 72588/PB, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, D. J. 04.08.00, provido, por maioria).

Após oito anos de espera, entrou em vigor a Lei nº 9.296/96, de 24 de julho de 1996, que regulamentou o artigo 5º, XII, da Constituição Federal de 1988. Tendo em vista o entendimento de que a norma constitucional não é auto-aplicável, todas as interceptações telefônicas autorizadas e realizadas no lapso entre o advento da Constituição Federal de 1988 e a entrada em vigor da Lei nº 9.296/96 devem ser consideradas ilícitas.

Embora o Superior Tribunal de Justiça, por algumas de suas Turmas, possuía a compreensão que, em determinadas circunstâncias, mesmo sem lei regulamentadora do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, poderia ser utilizada a interceptação de comunicações telefônicas, ocorreram decisões em sentido contrário, corroborando o posicionamento majoritário da doutrina brasileira e do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. PROVA OBTIDA POR MEIOS ILÍCITOS. ESCUTA. LEI Nº 9.296/96. PROVA RESTANTE. EFEITO EXTENSIVO.

I – A escuta telefônica realizada antes da Lei nº 9.296/96, ainda que calcada em ordem judicial, não estava juridicamente amparada, acarretando prova obtida por meio ilícito (Precedentes do Pretório Excelso).

II – Se o restante da prova foi considerado imprestável para uma condenação, correta a aplicação do efeito extensivo, ex vi artigo 580 do CPP (Precedente do Pretório Excelso). (RESP nº 225450/RJ, STJ, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, D. J. 08.03.00, não provido, por unanimidade).

Como a Constituição Federal de 1988 enuncia como regra a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas e excepciona, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, importante analisar o regime jurídico dado às interceptações telefônicas após a entrada em vigor de citada lei, qual seja a Lei nº 9.296/96, de 24 de julho de 1996.

3.3.3 A interceptação telefônica após a lei nº 9.296/96

Depois do advento da Lei nº 9.296/96, acabaram as discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da ilicitude da prova colhida mediante interceptação de comunicações telefônicas, pois referida lei trouxe vários dispositivos. Para que a captação seja considerada lícita, é imperativo que haja integral observância aos comandos legais advindos da lei.

O artigo 1º da Lei nº 9.296/96 preconiza o seguinte:

A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de Justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

Pela redação do dispositivo legal acima, cabe analisar, inicialmente, o que se entende por interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza.

Indubitavelmente, o artigo 1º, caput, da Lei nº 9.296/96, abarca tanto a interceptação telefônica em sentido estrito como a escuta telefônica, cujos conceitos já foram aduzidos, pois ambas possuem como característica a captação de comunicação telefônica alheia. Contudo, as gravações clandestinas de conversas telefônicas e ambientais, bem como a interceptação ambiental, não estão abrangidas pela Lei nº 9.296/96.

Outro aspecto é que a interceptação de comunicações telefônicas somente pode ser autorizada para fins de investigação criminal e instrução processual penal. Ademais, a interceptação, para ser lícita, dependerá de ordem do juiz competente da ação principal.

Portanto, somente o juiz criminal possui competência para deferir o pedido de interceptação, sendo tal providência proibida pelo juiz da área civil.

Quanto à competência para o seu deferimento, há duas indagações a serem respondidas. Caso o pedido de interceptação seja realizado no plantão judiciário, como fica a situação se o juiz que irá presidir o processo principal não for o plantonista? Além disso, caso o inquérito ainda não foi distribuído, não se saberá quem é o juiz competente da ação principal. Como ficará essa hipótese?

Nos dois casos, certamente a prova colhida será válida, pois o procedimento previsto na Lei nº 9.296/96 é de natureza cautelar, não podendo se escolher momento apropriado para a sua realização. Ademais, a decisão de deferimento da prova é provisória e só se tornará definitiva no momento em que o juiz da ação principal avaliar a admissibilidade da prova colhida, como também seu teor.

A interceptação telefônica deverá ser realizada sob segredo de justiça e isso se justifica para que não seja prejudicada a própria finalidade da prova. Existe o interesse do Estado e da justiça na persecução penal.

Por exemplo, caso os interlocutores da comunicação telefônica tivessem prévio conhecimento da sua captação, certamente não fariam prova contra si mesmos e estaria totalmente comprometido o seu objetivo. A Lei nº 9.296/96, acertadamente, prevê sigilo absoluto na realização da interceptação telefônica.

No que tange ao parágrafo único do artigo 1º da Lei 9.296/96, há polêmica na doutrina brasileira sobre sua constitucionalidade.

Alguns juristas, como Vicente Greco Filho, entendem que, em se admitindo a interceptação de comunicações pelo sistema de informática e telemática, se estaria violando o sigilo dos dados, o que é vedado pela Constituição Federal de 1988. Esta, em seu artigo 5º, XII, apenas ressalva, em casos excepcionais, a quebra do sigilo das comunicações telefônicas.

Salienta-se que as comunicações em sistemas de informática e telemática são aquelas feitas via modem em sistemas de computador, utilizando-se linha telefônica ou similares, sendo a telemática a ciência responsável pela manipulação e utilização da informação por meio do uso combinado do computador e meios de telecomunicação.

Existe uma corrente doutrinária intermediária que pugna pela constitucionalidade restrita do artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.296/96. Afirmam a presença no texto legal da expressão comunicações telefônicas, abarcando sua interceptação a qualquer modalidade, ainda que realizada por meio de sistemas de informática existentes ou que venham a ser desenvolvidos, desde que observe a forma comunicações telefônicas, ou seja, utilize a telefonia.

A terceira corrente doutrinária afirma a integral constitucionalidade da norma legal sob comento, consoante os termos abaixo:

(...) entendemos que o parágrafo único em questão é absolutamente legítimo, inquestionavelmente constitucional. Estão regidas pela Lei 9.296/96 tanto as comunicações telefônicas como as comunicações telemáticas (independentes da telefonia), seja no que se refere à possibilidade de restrição (interceptação mediante autorização judicial fundamentada e proporcionada – artigo 1º, parágrafo único), seja no que concerne ao aspecto de ‘garantia’, de proteção da intimidade e do sigilo dessas comunicações (artigo 10), configurando crime qualquer incursão abusiva na intimidade alheia. Pensar de modo diferente significa tratar o comunicador brasileiro como sujeito com menos direitos que os comunicadores dos países europeus, que disciplinaram escorreitamente o assunto.

A decisão abaixo ratifica a idéia da constitucionalidade do artigo 1º, parágrafo único, da lei da interceptação telefônica, ipsis literis:

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. SIGILO DE DADOS. QUEBRA. BUSCA E APREENSÃO. INDÍCIOS DE CRIME. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. LEGALIDADE. CF, ARTIGO5º, XII. LEIS 9.034/95 E 9.296/96.

- Embora a Carta Magna, no capítulo das franquias democráticas ponha em destaque o direito à privacidade, contém expressa ressalva para admitir a quebra do sigilo para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (artigo5º, XII), por ordem judicial.

- A jurisprudência pretoriana é unissonante na afirmação de que o direito ao sigilo bancário, bem como ao sigilo de dados, a despeito de sua magnitude constitucional, não é um direito absoluto, cedendo espaço quando presente em maior dimensão o interesse público.

- A legislação integrativa do cânon constitucional autoriza, em sede de persecução criminal, mediante autorização judicial, o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancários, financeiros e eleitorais (Lei nº 9.034/95, artigo2º, III), bem como a interceptação do fluxo de comunicações em sistema de informática e telemática (Lei nº 9.296/96, artigo 1º, parágrafo único). (HC nº 15026/SC, STJ, 6ª T., Rel. Min. Vicente Leal, D. J. 04.11.02, não provido, por unanimidade).

O artigo 2º da Lei nº 9.296/96 lista as hipóteses da inadmissibilidade da interceptação de comunicações telefônicas, nos seguintes termos:

Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III – o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese, deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

Este artigo, ao invés de trazer os casos cabíveis de interceptação, arrola as hipóteses em que tal prova não é permitida.

É indispensável indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal, não bastando a mera suspeita. Aliás, como já aduzido, sendo a interceptação telefônica medida cautelar, está sujeita aos seus requisitos, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora. O artigo 2º, I, da Lei nº 9.296/96, é a fumaça do bom direito.

A interceptação telefônica somente deve ser autorizada quando a prova não puder ser realizada por outros meios disponíveis, porque consiste em medida excepcional, de extrema necessidade, violadora da intimidade dos interlocutores e não se justifica nos casos passíveis de outros elementos probatórios, como a oitiva de testemunhas, a perícia, etc.

O jurista Lenio Luiz Streck alerta corretamente que a expressão ‘outros meios disponíveis’ não são os materialmente pertencentes pelos órgãos da persecução penal. Por isso, são os meios legais, pois, do contrário, bastaria a alegação pela autoridade policial de falta de peritos, por exemplo, para que a interceptação telefônica pudesse ser deferida, o que desconfiguraria a característica de extrema necessidade.

Os crimes sujeitos à pena de detenção não são passíveis de interceptação telefônica, sendo esta admitida apenas nos fatos criminosos sujeitos à pena de reclusão. Contudo, tal comando legal é desproporcional, tendo em vista que muitos crimes punidos com reclusão não necessitam de medida tão extrema.

Nestes casos, certamente deve ser invocado o princípio da proporcionalidade, já examinado, pois delitos como o furto simples e o estelionato, com pena de reclusão, jamais poderiam ter a interceptação telefônica como prova.

Outro fator importante é que, em qualquer pedido de interceptação telefônica realizado perante o juiz, deve haver a descrição clara da situação investigada, como também a indicação e qualificação dos investigados. A lei, portanto, exige a delimitação precisa da situação fática perquirida, de forma indubitável, pois não existe interceptação telefônica pré-delitual.

Além disso, determina a feitura da correta individualização do sujeito passivo da interceptação telefônica que é, em regra, o interlocutor da comunicação. Essa exigência está diretamente ligada ao artigo 2º, I, da Lei nº 9.296/96, que enuncia a admissão da interceptação telefônica apenas quando houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal.

O juiz pode, entretanto, dispensar tais observâncias, desde que requerido de maneira justificada, quando, por exemplo, a medida for tão urgente que não dá tempo para o órgão incumbido da persecução penal encontrar todos os dados do investigado.

Também possui relevância a análise da interceptação telefônica em face de terceiros e de fatos não previstos. Será que existe a possibilidade da gravação realizada servir como prova contra terceiros que se utilizaram da mesma linha interceptada e em relação a fatos criminosos que não foram base para a autorização da interceptação, mas surgem por ocasião dela?

No primeiro caso, é admitida pela doutrina que a prova colhida possa servir para um juízo condenatório contra outras pessoas que utilizaram a linha telefônica gravada, porém relacionadas com o fato criminoso autorizador da medida.

No segundo caso, também é possível, devendo-se observar, contudo, a validade e licitude da prova, que o fato descoberto possa ensejar a interceptação, não se encontrando entre as vedações do artigo 2º da Lei nº 9.296/96, como também que tenha ligação com o primeiro delito, configurando concurso de crimes, continência ou conexão.

O que não se pode aceitar é a utilização da interceptação em relação a fatos desvinculados da situação fática da diligência, sob pena de ser ilícita a prova colhida de tal maneira.

O artigo 3º da Lei nº 9.296/96 enuncia que:

A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:

I – da autoridade policial, na investigação criminal;

II – do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.

Consoante a redação do caput do dispositivo legal acima transcrito, o juiz pode determinar de ofício a interceptação telefônica, não precisando de requerimento da autoridade policial e do Ministério Público.

Indubitavelmente, equivocou-se o legislador ao dispor de tal forma, porque a determinação da interceptação telefônica ex officio pelo juiz afronta o sistema penal acusatório, onde as partes possuem a iniciativa probatória.

O juiz tem a iniciativa probatória no âmbito penal apenas nos sistemas inquisitórios, não sendo este o caso do Brasil. Em vista disso, a mencionada previsão do caput do artigo 3º da Lei nº 9296/96 é inconstitucional, pois afronta o sistema penal acusatório e rompe com a necessária imparcialidade do julgador. Neste sentido, é a lição de Luiz Flávio Gomes, in verbis:

É inconstitucional a interceptação telefônica ‘de ofício’, em conseqüência, porque vulnera o modelo acusatório de processo, processo de partes, instituído pela Constituição de 1988, quando considera os ofícios da acusação e da defesa como funções essenciais ao exercício da jurisdição, atribuindo esta aos juízes, que têm competência para processar e julgar, mas não para investigar, principalmente no âmbito extraprocessual.

A autoridade policial somente possui legitimidade para requerer a interceptação telefônica durante a investigação criminal. Já o Ministério Público tem dupla legitimidade, podendo pedir a medida cautelar na investigação criminal e na instrução processual penal.

O Parquet, sendo o órgão incumbido da acusação no âmbito penal, nos casos de crimes de ação penal pública, é o maior interessado na obtenção de provas contra o investigado ou denunciado, até porque o artigo 156 do Código de Processo Penal Brasileiro dispõe que "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer (...)".

Já os artigos 4º e 5º da Lei nº 9.296/96 têm a seguinte redação:

artigo 4º O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados.

§1º Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente, desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em que a concessão será condicionada à sua redução a termo.

§2º O juiz, no prazo máximo de vinte e quatro horas, decidirá sobre o pedido.

artigo 5º A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

A autoridade policial e o Ministério Público, ao requererem o pedido de interceptação de comunicações telefônicas, precisarão mostrar ao juiz competente que a sua realização é necessária para a elucidação do fato criminoso.

Esta norma legal (artigo 4º, caput), está intimamente ligada com o artigo 2º, II, da mesma lei, dispondo que não será admitida a interceptação telefônica quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis.

Mais uma vez, demonstra-se a característica de excepcionalidade deste meio de prova. O juiz criminal não poderá autorizá-la caso o crime possa ser apurado de outra forma, não havendo necessidade de ocorrer a captação das comunicações telefônicas do indiciado ou denunciado.

Conseqüentemente, a prova colhida mediante interceptação telefônica, quando autorizada sem a devida necessidade, será considerada ilícita.

Além disso, as autoridades legitimadas legalmente a realizarem o pedido do procedimento de interceptação (autoridade policial e Ministério Público) possuem o dever de indicar quais os meios que serão empregados na diligência, ou seja, informar quais as linhas telefônicas que serão interceptadas e quem são seus titulares.

Devem, também, mostrar quais os aparelhos que serão colocados à disposição para o cumprimento da providência e decorrente gravação.

Depois de apresentado o pedido, o juiz terá o prazo de vinte e quatro horas para apreciá-lo, de maneira fundamentada, sob pena de nulidade.

O lapso de tempo concedido ao juiz é exíguo, tendo em vista a natureza cautelar e, portanto, urgente do referido meio de prova. Isso tanto é verdade que a lei não menciona que o magistrado tem o dever de dar vista dos autos ao Ministério Público, quando o pedido for feito pela autoridade policial.

Caso seja possível sem prejudicar a obtenção da prova, é importante a prática de tal ato pelo magistrado, visto que o Ministério Público é o titular da ação penal pública e grande interessado na realização da prova.

De acordo com o artigo 5º da Lei nº 9.296/96, o juiz precisa indicar a forma de execução da interceptação telefônica, sendo este o motivo pelo qual as autoridades legitimadas legalmente, ao requererem a realização da citada prova, têm a obrigação de aludir quais serão os meios empregados para a diligência.

A lei informa que o prazo para a execução da interceptação de comunicação telefônica não poderá exceder quinze dias, havendo a possibilidade de prorrogação do tempo, desde que comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

Não há limite de vezes para a ocorrência da dilação, porque há crimes em que a providência é necessária por mais de trinta dias.

Salienta-se que em todos os requerimentos de autorizações ou prorrogações ao magistrado para a execução da diligência, é indispensável a demonstração da necessidade da prova, sob pena de ser reputada ilícita.

Após o deferimento do pedido de interceptação de comunicações telefônicas, é preciso observar o procedimento descrito nos artigos 6º e 7º da Lei nº 9.296/96, in verbis:

artigo 6º Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.

§1º No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição.

§2º Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas.

§3º (...)

artigo 7º Para os procedimentos de interceptação de que trata esta lei, a autoridade policial poderá requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público.

A competência para conduzir a fase executiva da interceptação telefônica é da autoridade policial, exclusivamente, ninguém mais tendo legitimidade para tanto.

Porém, ela é operacional e não legal, pois esta é do juiz. Tudo que estiver em consonância com a licitude ou não da prova colhida, será de competência do magistrado.

A autoridade policial deve executar os atos dentro dos limites estabelecidos pelo juiz, sem abusos, já que, do contrário, será pronunciada a ilicitude da prova.

O Ministério Público, principal interessado na colheita da prova, deverá ser cientificado pela autoridade policial de todos os atos operacionais, sob pena de nulidade, sendo facultativo o acompanhamento das diligências.

De acordo com a lei em exame, a interceptação telefônica é possível na investigação criminal. Mesmo que tal investigação seja comandada pelo Ministério Público, como já dito, a competência para as medidas executivas da interceptação ficará a cargo de uma autoridade policial. Este entendimento é criticado por Lenio Luiz Streck, nos termos abaixo:

Preocupa, sobremodo, que somente à autoridade policial é conferida a possibilidade de executar a interceptação (artigo 6º, caput), quando se sabe que o inquérito policial é peça dispensável e que não é vedado ao Ministério Público realizar investigações. Daí a pergunta: nos casos de corrupção de altas autoridades ou da própria polícia, ou ainda nos casos de sonegação fiscal, qual a razão de o Poder Legislativo não ter conferido no mesmo artigo 6º tal possibilidade também ao Ministério Público, ou – o que seria mais coerente – da possibilidade deste, como titular da ação penal, coordenar o procedimento da interceptação? Este é um dos vários aspectos da Lei que dão a nítida impressão do anacronismo do ‘legislador’ brasileiro. Assim como o cometimento ao juiz da possibilidade da determinação da escuta de ofício, a exclusividade da execução da interceptação pela polícia significa uma inadequação da Lei 9.296/96 aos novos tempos.

O legislador brasileiro acertadamente dispôs que a gravação da comunicação interceptada será feita quando possível, pois, em alguns casos, não há como gravá-la, por impossibilidade técnica ou mesmo em situações que só há interesse em saber a quem se chama, em que hora chama, mas sem a captação da comunicação telefônica. A gravação comprova a existência da prova, qual seja a comunicação, e a sua transcrição é um meio de prova documental.

Encerrados todos os atos executivos, a autoridade policial entregará ao magistrado o resultado da interceptação, acompanhado do auto circunstanciado, documento que consigna o resumo das operações feitas e por este motivo é considerado outro meio de prova documental. Normalmente, o resumo das operações consiste em detalhar quanto tempo demorou a captação da comunicação telefônica, qual foi a linha telefônica interceptada, etc.

Esta prova documental serve para demonstrar se os atos praticados pela autoridade policial corresponderam exatamente às determinações do juiz. Imagina-se, por exemplo, a menção no auto circunstanciado de captação de comunicação em linha telefônica distinta daquela autorizada judicialmente. A prova colhida, com base na violação da intimidade, seria, indubitavelmente, ilícita.

A Lei nº 9.296/96, em seu artigo 8º, trata do momento apropriado para o apensamento do procedimento cautelar da interceptação telefônica aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, ipsis literis:

A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.

Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal, artigo10, §1º) ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal.

A interceptação é um incidente do procedimento criminal, abrangendo o processo penal e a investigação criminal.

O parágrafo único do dispositivo legal sob comento aduz que a apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade policial ou, já instaurada a ação penal, na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente dos artigos 407, 502 ou 538, todos do Código de Processo Penal Brasileiro.

Tratando-se do apensamento na fase de investigação, o resultado da interceptação será parte integrante do relatório policial.

No caso de interceptação no curso da ação penal, o apensamento, oportunidade que terá a defesa de tomar ciência da prova colhida, ocorrerá por ocasião da decisão de pronúncia, da sentença no processo ordinário, quando os crimes possuírem pena prevista de reclusão e quando da audiência de instrução e julgamento em relação aos delitos com pena de detenção.

O legislador, ao aludir, no parágrafo único do artigo 8º da Lei nº 9.296/96, que a apensação da interceptação telefônica poderá ser feita na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto no artigo 538 do Código de Processo Penal Brasileiro, cometeu um grande equívoco.

A referida prova não é admitida nos crimes previstos com pena de detenção, baseado no artigo 2º, III, da lei supra mencionada. Significa, então, que somente nas oportunidades dos artigos 407 e 502 do Código de Processo Penal Brasileiro é que a defesa terá conhecimento da interceptação.

A interceptação telefônica, quando apensada nos casos em que a ação penal já foi instaurada, será sempre reputada como uma prova nova, uma vez que até este momento a defesa não teve acesso a ela.

Melhor seria se a defesa tomasse conhecimento do procedimento de interceptação logo após seu término, para que não ocorresse violação ao princípio do contraditório. Neste diapasão é o ensinamento de Lenio Luiz Streck:

Assim, após as alegações finais, as partes poderão falar acerca do conteúdo da interceptação e de sua transcrição. Soa um tanto estranho que o defensor, já tendo defendido sua tese em alegações escritas, tenha que, após o conhecimento do conteúdo da interceptação, elaborar, quem sabe, nova tese, porque surpreendido por provas que até aquele momento desconhecia. Parece que a lei, ao determinar o apensamento somente após as partes terem oferecido as alegações do artigo 407 e após as alegações finais do rito comum, violou o princípio do contraditório. É evidente que deve haver sigilo na realização da escuta. É evidente que o réu não pode ser informado acerca da escuta. Porém, após feita a interceptação, independentemente da fase em que ocorreu (investigação ou instrução criminal) deve o defensor ter vista do conteúdo do procedimento interceptatório.

No intento de penalizar a violação do sigilo das comunicações telefônicas, o artigo 10 da Lei nº 9.296/96 instituiu crime nos termos abaixo:

Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Examinando-se a redação da norma legal, chega-se à conclusão de que são dois os crimes preconizados, quais sejam realizar interceptação ilegalmente e quebrar o segredo da Justiça. Tais crimes devem receber análise separada, tendo em vista suas ocorrências distintas, assim como seus agentes.

Partindo-se da idéia de que a interceptação é a violação realizada por terceiro em face de dois interlocutores, o crime é consumado com o ato de interceptar, ou seja, ingressar em, intervir, independentemente da realização da gravação.

Qualquer pessoa pode cometer o crime, sendo que, em tese, admite-se a tentativa. Existe um elemento normativo (sem autorização judicial) e um elemento subjetivo (com objetivos não autorizados em lei).

Esses elementos aludidos são alternativos, bastando ocorrer um deles para que o crime esteja consumado. Então, não obstante tenha sido a interceptação autorizada judicialmente, se a finalidade é distinta da investigação criminal ou instrução processual penal, o crime acontece.

Em contrapartida, caso a interceptação seja realizada com a finalidade correta, porém sem a necessária autorização judicial, também incide a norma penal sob comento. Todas essas condutas são criminosas e a prova colhida por essas maneiras é ilícita e deve ser rejeitada pelo julgador.

Salienta-se que "sem autorização judicial" significa interceptar sem ligação com a decisão judicial e mediante o procedimento legal. Em que pese essa afirmação, a norma penal não exige prévia autorização judicial, porque todas as interceptações feitas com autorização são legítimas e a infração penal deixa de existir.

Pelos termos de Luiz Flávio Gomes, "o objeto material é uma comunicação telefônica, de informática ou telemática. Como se vê, não só a comunicação telefônica tradicional (conversação) está tutelada".

O jurista acima referido tem este posicionamento porque defende a constitucionalidade do artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.296/96, conforme já visto.

O crime é permanente, pois a consumação existe durante todo o tempo da feitura da interceptação, ainda que o agente não esteja presente no momento. Admite-se, ainda, co-autoria ou participação e o crime é reputado doloso. Ademais, a pena é a de reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Atualmente, há um caso bastante comentado sobre interceptação telefônica ilegal ocorrido na Bahia envolvendo o senador Antônio Carlos Magalhães.

Mais de 190 linhas telefônicas foram grampeadas e muitas delas de titularidade de inimigos políticos do senador, como também de sua ex-namorada Adriana Barreto e do marido desta, o advogado Plácido Faria.

Em outubro de 2001, no município de Itapetinga, estado da Bahia, duas crianças foram seqüestradas e o crime chamou a atenção dos moradores. A investigação teve um lapso de dois meses e foi conduzida pela delegada Ângela Sá Labanca, que requereu 86 quebras de sigilo telefônico de 42 números de telefone suspeitos. A autoridade policial conseguiu prender dez criminosos e afastou-se do caso em dezembro de 2001, tendo praticamente resolvido o crime.

Três meses depois, o delegado Valdir Barbosa reabriu o caso de forma inesperada, afirmando que havia sido identificados novos números telefônicos que possibilitariam a descoberta de um dos mentores do seqüestro.

Em decorrência disso, o referido delegado de polícia solicitou, inicialmente, o monitoramento, o rastreamento e a escuta de 24 linhas telefônicas.

Porém, neste rol de telefones enviados ao Poder Judiciário em março de 2002, já constavam os números do advogado Plácido Faria e de seu pai.

Durante cinco meses, o delegado Valdir Barbosa apresentou 379 pedidos de quebra de sigilo telefônico em 190 números distintos e de todas as linhas telefônicas envolvidas, nenhuma possuía ligação com o seqüestro.

Houve, também, solicitações em que o número de telefone apareceu rasurado à mão. Noutro caso, o despacho da magistrada autorizava a escuta telefônica, num celular da Bahia, com final 6080, mas a rasura retificou os números para a seqüência 7080, final do celular do deputado Geddel Vieira Lima, inimigo político do senador Antônio Carlos Magalhães.

Em vista da descoberta desse acontecimento, é provável que em breve tenhamos alterações na Lei nº 9.296/96. Alguns juristas, liderados por Ada Pellegrini Grinover, estão analisando a citada lei e irão propor mudanças.

O crime de quebra de segredo da Justiça consiste em crime funcional, onde o sujeito ativo é o funcionário público, consoante o conceito dado pelo artigo 327 do Código Penal Brasileiro:

Artigo327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§1º. Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal.

O acusado e seu defensor não possuem obrigação de preservar segredo de Justiça, apenas incidindo tal conduta criminosa, por exemplo, à autoridade policial e seus agentes, membro do Ministério Público e Juiz.

A consumação do crime ocorre com a revelação do teor do procedimento de interceptação, admitindo-se, em regra, a tentativa, a co-autoria e a participação, sendo que é considerado doloso, tanto eventual como direto.

3.3.4 A utilização da prova colhida mediante interceptação telefônica no processo civil

Questão relevante diz respeito à possibilidade ou não de utilização da prova colhida da interceptação telefônica no processo civil por meio da denominada prova emprestada.

Em primeiro lugar, é forçoso reconhecer que o juiz da área civil não possui competência para autorizar o procedimento de intercepção, porque tal atribuição compete exclusivamente ao juiz criminal, conforme se depreende da norma constitucional reguladora da matéria (artigo 5º, XII), como também da Lei nº 9.296/96 (artigo 1º, caput).

Necessário, ademais, apreciar aspectos atinentes à prova emprestada, para que depois seja possível elucidar a questão sob comento.

A prova emprestada é aquela produzida num processo e transportada para outro, no intento de surtir efeitos jurídicos, sendo considerada pela doutrina brasileira como prova documental no plano formal, porém, não perdendo a natureza originária. Neste diapasão é o ensinamento abaixo:

Concluindo: a prova emprestada, formalmente, obedece às prescrições legais, para a prova documental, por ser trazida aos autos mediante um meio gráfico de reprodução, um documento; quanto à essência, conserva a natureza jurídica primitiva e será avaliada e considerada segundo as normas que regem tal natureza.

Quanto aos efeitos, valor e avaliação, a prova emprestada possui quatro princípios norteadores que precisam ser observados conjuntamente: o primeiro é que ela tenha sido produzida em processo formado pelas mesmas partes ou, pelo menos, naquela ação judicial em que uma das partes suportou seus efeitos; o segundo princípio exige que na demanda anterior e na qual era primitivamente destinada, tenham sido observados todos os aspectos legais atinentes a sua natureza; outro requisito afirma que os fatos necessitam semelhança e, por último, que no processo o qual foi transportada, devem ser cumpridos os comandos legais acerca da prova documental.

Nelson Nery Júnior é favorável à utilização da prova colhida da interceptação telefônica no processo civil, mediante prova emprestada, conforme se depreende do seu pensamento, in verbis:

A dúvida existirá quando se pretender utilizar, no processo civil, como prova emprestada, essa prova obtida licitamente.

Sendo norma de exceção, o disposto no inciso XII do artigo5º da CF deve ser interpretado restritivamente. Quer isto dizer que somente o juiz criminal pode autorizar a interceptação telefônica, quando ocorrerem as hipóteses previstas na Constituição Federal. O juiz do cível não pode determinar escuta telefônica para formar prova direta no processo civil.

Entretanto, entendemos ser admissível a produção da prova obtida licitamente (porque autorizada pela CF) para a investigação criminal ou instrução processual penal, como prova emprestada no processo civil. A natureza da causa civil é irrelevante para a admissão da prova. Desde que a escuta tenha sido determinada para servir de prova direta na esfera criminal, pode essa prova ser emprestada ao processo civil.

Outro aspecto confirmador do posicionamento do aludido jurista é que tendo ocorrido a quebra do sigilo, não há que se falar mais em preservação da intimidade do interlocutor da comunicação telefônica.

Entretanto, existem doutrinadores discordantes do ensinamento adotado por Nelson Nery Júnior, defendendo que, como a finalidade da interceptação telefônica restringe-se à investigação criminal e à instrução processual penal, somente neste âmbito pode a mesma ser utilizada. Neste diapasão é a compreensão de Luiz Flávio Gomes, ipsis literis:

E poderia a prova obtida dentro de uma investigação criminal ou instrução penal ser utilizada em outro processo (civil, administrativo, constitucional etc.)? Pode haver prova emprestada nessa hipótese? Nelson Nery Júnior responde afirmativamente. Nosso pensamento, no entanto, é divergente. O legislador constitucional ao delimitar a finalidade da interceptação telefônica (criminal) já estava ponderando valores, sopesando interesses. Nisso reside também o princípio da proporcionalidade. Segundo a imagem do legislador, justifica-se sacrificar o direito à intimidade para uma investigação ou processo criminal, não civil. Isso tem por base os valores envolvidos num e noutro processo. Não se pode esquecer que a proporcionalidade está presente (deve estar, ao menos) na atividade do legislador (feitura da lei), do Juiz (determinação da medida) e do executor (que não pode abusar).

Mais uma vez divide-se a doutrina brasileira em duas correntes, conforme exposto. O certo é que a admissibilidade da prova no processo civil dependerá do entendimento do magistrado, que se filiará a uma das defensáveis posições doutrinárias.


CONCLUSÃO

A Constituição Federal de 1988 prevê a existência de três poderes, harmônicos e independentes entre si, sendo um deles o Judiciário. Este possui como atribuição a intervenção, quando requerida, resolvendo a lide mediante uma decisão, no intento de assegurar a paz social.

Para que aludido Poder alcance satisfatoriamente seu objetivo, garantindo uma sentença justa e correta para os cidadãos, é necessária a observância de certas regras pelo magistrado.

Por exemplo, consoante disposição constitucional, todas as decisões judiciais precisam ser fundamentadas, sob pena de nulidade. Este é o princípio do livre convencimento motivado, utilizado no Brasil e examinado no presente estudo.

Ademais, as provas possuem extrema relevância para a motivação do Juiz, pois as decisões exaradas são nelas baseadas. Não há como condenar alguém num processo carecedor de elementos probatórios.

Porém, seu destinatário (magistrado) deve ter muita cautela ao admiti-la, analisando, primeiramente, como elas foram obtidas.

Nesse contexto, revela-se a importância do instituto da prova ilícita, uma vez que no Brasil ela é vedada pelo artigo 5º, LVI, da Constituição Federal de 1988.

Num primeiro momento, pode-se imaginar uma conotação rígida e absoluta do mandamento constitucional. Equivoca-se quem pensa de tal modo, pois a norma sob comento possui essa redação porque foi criada logo após o término do regime autoritário no Brasil, período esse em que o Estado não respeitou as liberdades e garantias individuais, invadindo a esfera particular dos cidadãos.

Deve-se, sempre, num caso concreto, onde há discussão acerca da ilicitude ou não da prova, invocar o princípio da proporcionalidade, para que o juiz faça um balanceamento dos bens em jogo, prevalecendo o mais lesado. Esta tese é defendida pelos juristas filiados à Teoria Intermediária sobre a admissibilidade da prova ilícita.

Nenhum princípio ou garantia, mesmo com previsão constitucional, é absoluto, podendo ceder para outro com peso maior no caso em questão.

Importante ressaltar que o cotejo dos bens não deve ser realizado de forma abstrata, mas sim concretamente, investigando-se caso a caso, significando, indubitavelmente, a possibilidade de sua variação axiológica em processos judiciais distintos.

No que tange à prova ilícita por derivação (lícitas em si mesmas, mas oriundas de alguma informação extraída de outra ilicitamente colhida), chega-se à mesma conclusão da Suprema Corte norte-americana e adotada de forma majoritária pelo Supremo Tribunal Federal, qual seja, que não deve ser aceita no ordenamento jurídico uma prova obtida de outra ilícita, salvo naqueles casos em que um bem axiológicamente superior está em jogo (proporcionalidade).

Realmente, o vício da planta se transmite aos seus frutos, por isso a denominação de Teoria dos Frutos da Árvore Venenosa ou Envenenada. A regra é que não se deve admitir a validade de um elemento probatório colhido de outro reputado ilícito, pois, do contrário, se estaria retirando totalmente a eficácia do comando constitucional a propósito da proibição da prova ilícita.

Problema existe no processo civil, área do direito carecedora de regramento expresso sobre a vedação dos meios de prova. Contrariamente, o Código de Processo Civil Brasileiro, estabelece em seu artigo 332, a aceitação dos meios legais, como também dos moralmente legítimos.

Pode-se afirmar que tal redação está equivocada, porque confunde Direito e Moral, legalidade com moralidade. Entretanto, após o exame doutrinário, chega-se ao

posicionamento que, no âmbito processual civil, não são válidas e eficazes as provas ilegítimas (afrontam normas de ordem processual) e as ilícitas (violam comandos de cunho material), servindo a prova emprestada como exemplo de moralmente legítima.

A admissibilidade da gravação clandestina, seja de conversas telefônicas ou ambiental, também deve ser perquirida sob à luz do princípio da proporcionalidade.

Naqueles casos em que não há obrigação do interlocutor guardar segredo sobre o teor da conversa, ou quando o bem da vida está em jogo, deve prevalecer o entendimento do seu cabimento como meio de prova.

Nas hipóteses de grande violação à intimidade e naquelas não enquadradas dentre as citadas acima, a gravação clandestina precisa ser considerada ilícita, e, conseqüentemente, desentranhada do processo civil.

Em relação à interceptação de comunicações telefônicas, modalidade de prova mais divergente na jurisprudência quanto a sua admissibilidade, é incontroversa sua abrangência tanto pela interceptação telefônica stricto sensu, como pela escuta telefônica, porque em ambas há a intervenção de um terceiro.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu artigo 5º, XII, que as comunicações telefônicas poderão ser violadas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, mediante lei prevendo as suas hipóteses.

Forçoso reconhecer a não aplicabilidade imediata do comando constitucional, que necessita de lei regulamentadora, no caso, a Lei nº 9.296/96. Em vista disso, todas as captações de comunicações telefônicas autorizadas pelo Juiz Criminal no lapso entre o advento da Constituição Federal de 1988 e a entrada em vigor da referida lei devem ser reputadas ilícitas. Este foi inclusive o entendimento predominante no Supremo Tribunal Federal.

Quanto à Lei nº 9.296/96, há vários equívocos a serem retificados. Não se pode admitir que o Juiz determine ex officio a interceptação telefônica, pois tal ato fere o sistema penal acusatório e rompe com o princípio da imparcialidade.

O parágrafo único do artigo 1º do citado diploma legal não é inconstitucional ao prever a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, porque o Estado necessita de meios eficazes para a repressão dos crimes e a maioria dos criminosos, atualmente, utilizam constantemente tecnologias análogas.

Podem, também, os dados da interceptação de comunicações telefônicas ser utilizados no processo civil como prova emprestada, embora apenas o juiz criminal possua competência para autorizá-la. Contudo, para que tal prova tenha validade e eficácia na demanda civil, é necessária a observância do princípio do contraditório na lide criminal, onde originariamente foi colhida.

Enfim, afirmam-se imperativas futuras alterações na legislação brasileira a propósito da ilicitude da prova. No intento de ensejar maior segurança jurídica, jamais se olvide do relevante emprego do princípio da proporcionalidade para a solução dos conflitos.


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PETRY, Vinícius Daniel. A prova ilícita. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 146, 29 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4534. Acesso em: 26 abr. 2024.