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A teoria dos contratos relacionais.

Perspectivas da sua recepção no direito brasileiro

A teoria dos contratos relacionais. Perspectivas da sua recepção no direito brasileiro

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Os contratos relacionais são de longa duração, por se inclinarem às criações de relações contínuas e duradouras, onde os termos da troca são cada vez mais abertos, e as cláusulas são de regulamentação do processo de negociação contínua.

Sumário: Introdução; 1- Evolução da idéia contratual; 2- Aspectos conceituais sobre a relação de consumo; 3- A sociedade de serviços e o consumidor; 4- Pós-modernidade jurídica e os contratos relacionais; 5- Noções conceituais dos Contratos Relacionais; 6- Princípios da tutela contratual; 7- A boa-fé de uma perspectiva relacional; 8- Cláusulas abusivas nos contratos relacionais; 9- Âmbito de aplicação da tutela contratual no CDC; 10- Direitos do consumidor e deveres do fornecedor; 11- Mercado de serviço e agências reguladoras; 12- Aparente conflito entre CC e o CDC; Conclusão.


INTRODUÇÃO

A evolução histórica dos contratos e a atual situação no mundo jurídico e sócio-econômico são fatores indispensáveis aos aspectos históricos e relevantes dos contratos, além das mutações entre a relação da sociedade de serviço e o consumidor, fatos estes de suma importância para um desenvolvimento e transformação.

Tamanha foi a importância da concepção tradicional (neoclássica) dos contratos nesta fase. Teve seu início há muito tempo atrás, porém, ainda sobrevive, em que pese à circunstância de estar cada vez mais em desuso pela sociedade de um modo geral. A teoria clássica já não mais supre as necessidades das relações contratuais, o que proporcionou a crise do instituto e a necessidade de ser rever algumas questões importantes para o bom desempenho dos contratos.

Portanto, buscou-se examinar o estudo mais específico acerca dos aspectos conceituais e primordiais que envolvem os Contratos Relacionais, analisando a boa-fé como fator determinante para validade dos contratos, além de se vislumbrar o combate às cláusulas abusivas.

Enfim, verificar a apreciação do âmbito de incidência dos Contratos Relacionais no Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil, envolvendo aspectos relevantes sobre a relação entre o consumidor e o fornecedor.


1- EVOLUÇÃO DA IDÉIA CONTRATUAL

A Idade Média, na transição entre o feudalismo e o capitalismo, dá boas lições no que se refere à relação entre o mestre artesão e o cliente. Era uma relação de confiança. O artesão negociava a matéria-prima, produzia e vendia o produto.

A produção manufatureira, ou também chamada artesanal, era até meados do século XIX, o feito dominante, e apresentava as seguintes características:

"1-baixos índices de produção e produtividade;

2-grande inventividade;

3-altos custos com o trabalho direto;

4-produção de bens caros e de baixa qualidade". [1]

A produção fornecia para o mercado uma elevada quantidade de produtos que eram confeccionados por um curto período de tempo e um baixo custo de investimento.

Acontece que a doutrina contratual dominante foi duramente afetada pelo escambo por ser um mercado pequeno onde as entregas eram de curto prazo e intervalos irregulares, sendo assim, de produção limitada.

Diante da imprevisibilidade da demanda de produtos, não havia como fazer planejamentos a longo prazo, afinal, era exigido um mecanismo rápido e de simples resolução de conflitos relacionados ao mercado de troca, o que posteriormente veio a surgir o contrato descontínuo.

Após o século XIX, a produção industrial capitalista passa a ser modificada, principalmente em países como os Estados Unidos.

Nesse período, os produtos que alcançaram êxito, conquistaram vantagens no mercado pela capacidade em fornecer produto de maneira rápida e flexível às necessidades do mercado competitivo. Com a possibilidade de ameaças de concorrência no tocante a preço, qualidade, demanda e entrega, os produtos que se adaptaram ao novo tipo de produção procuraram se tornar maleáveis na reformulação de seus produtos de modo a alcançar ou superar as exigências e variações do mercado.

Esta nova fórmula estava sendo sustentada por um plano industrial que tinha como base o uso de uma determinada maquina capaz de efetuar processos múltiplos e diversificados que permitia a produção de pequenas quantidades de mercadorias.

Já no início do século XX, a construção de mercados nacionais e a admissão de outras tecnologias ajustadas à nova produção permitiram outras circunstâncias favoráveis ao mercado, promovendo a absorção de uma nova forma de estratégia industrial.

Henry Ford, no ano de 1914, na cidade de Michigan, deu início ao fordismo na fábrica, ou seja, estabeleceu o dia de trabalho de 8 horas e a recompensa de cinco dólares para os trabalhadores. O fordismo consolidou-se na realidade na proposta de Ford. Ele propunha uma sociedade baseada no consumo de massa e para isso, deveria haver condições para tal.

As empresas que tinham a visão voltada para a produção e distribuição de produtos em grande quantidade, ou seja, produção de massa aos poucos passou a dominar o mercado devido a seu desempenho em fornecer vastas quantidades de bens padronizados e com custos de menores valores nos mercados nacionais.

Na década de 70, no entanto, aconteceu grave crise na economia, as vendas diminuíram e os clientes ficaram mais exigentes e seletivos.

A garantia do retorno do investimento feito pelos produtores dependia do bom funcionamento das linhas de produção, controle que os próprios produtores em massa tinham que fazer. Em decorrência do vasto dispêndio de investimento inicial, a produção que visava maiores volumes de produção não poderia correr o risco de possíveis interrupções ou diminuições bruscas que implicariam em prejuízos para o empresário capitalista. Uma das grandes exigências que o mercado fazia era a garantia de estabilidade.

Contudo, o planejamento industrial de longo prazo buscou a prevenção quando criou técnicas de estabilização de mercados de suprimentos e de produtos em níveis que asseguravam a completa utilização da linha de produção implantada.

Em suma, pode-se afirmar que a produção de massa possibilitou o alcance de um dos maiores níveis de produção, produtividade e qualidade industrial, com menor quantidade de trabalho envolvido, ao preço de maiores investimentos, que passarão a exigir maior planejamento e estabilidade e duração nas relações contratuais.

Posteriormente a informática revolucionou os processos de comunicação e a globalização da economia deu um verdadeiro choque na competitividade das empreses, pois tornou possível comercializar produtos e serviços de qualquer parte do mundo com uma tarifa de importação reduzida.


2- ASPECTOS CONCEITUAIS SOBRE A RELAÇÃO DE CONSUMO

Hodiernamente, a relação de consumo pode ser tida como o liame de direito determinado entre duas partes através do qual se possibilita a transmissão provisória ou permanente de algum bem ou serviço.

Conceituar é buscar o núcleo do instituto, o verdadeiro sentido de uma palavra ou expressão diante de determinada ciência, permitindo definir o campo de sua aplicação.

Segundo Tupinambá M. C. do Nascimento, "Relações de consumo são aquelas relações jurídicas relativas à aquisição ou utilização de produtos e serviços, em que o adquirente, aparece como destinatário final." [2]

Nesse instituto, a pessoa que se localiza no pólo ativo será denominada de consumidor ao passo que o fornecedor estará no pólo passivo da relação contratual. Somente a ligação entre eles, que se forma no momento da aquisição do bem ou serviço, é que caracteriza a relação de consumo.

Segundo Olimpio Costa Júnior:

"Há situações que envolvem no mínimo dois sujeitos, diversamente posicionados (postos em confronto) diante do objeto. Dizem-se, por isso, situações relacionais. Ao incidir sobre elas, as normas jurídicas não só qualificam os sujeitos e delimitam o objeto, como estabelecem, entre os sujeitos, assim contrapostos, um vínculo individual direto e concreto (relação jurídica em senso próprio, ou restrito), pelo qual um deles (nominado sujeito passivo) tem o dever de prestar ao outro (denominado ativo) o objeto a que este tem direito. Cabe àqueles realizar, em favor destes, o escopo atributivo definido na norma." [3]

O fornecedor redige as cláusulas e determina as condições no contrato (stipulatio), ocorrendo que o consumidor, pela necessidade do serviço ou do bem, se sujeita às condições estipuladas pelo fornecedor, quase sempre em benefício próprio e em detrimento daquele, o que ocasiona um desequilíbrio nas relações contratuais de consumo e o enriquecimento ilícito por parte do fornecedor de má fé.

Com o surgimento da Sociedade de Consumo no mundo todo, se fez necessário uma reforma jurídica, com o intuito de proteger e amparar juridicamente a parcela mais massificada da sociedade.

Apesar da antiga preocupação tanto por parte do Estado, quanto pelo setor privado, com relação à proteção da Boa-fé do consumidor, através de normas corporativistas privadas e principalmente, na instituição do Código Civil e Código Comercial, o consumidor ainda mantinha uma posição bastante vulnerável, diante das contratações abusivas e outras ofensas.

Atualmente, percebemos uma clara modificação nas atitudes dos consumidores brasileiros, cada vez mais conscientes, exigentes e informados, formando assim uma massa de forte poder político.

Porém, apesar de todo o rigor legal a respeito do tema, nunca a pessoa do consumidor foi tão importante quanto hoje. Este fenômeno é mundial, o que revela a importância e a profundidade de tais alterações.


3- A SOCIEDADE DE SERVIÇOS E O CONSUMIDOR

A atual dinâmica do capitalismo contemporâneo vem trazendo grandes mudanças para as cidades e para as economias nacionais. A globalização econômica trouxe uma nova realidade para os países. Os mercados financeiros e as informações, entre outros fatores, cumprem um papel preponderante na globalização: o mundo é uno.

À substituição da sociedade de consumo de bens por uma sociedade de serviços foi uma das mais importantes repercussões geradas pelas transformações no mercado de consumo, ou seja, cada vez mais o mercado de consumo é um mercado de serviços.

Os contratos de consumo começam a tomar proporções cada vez mais amplas. Tal fenômeno, por sua vez, conduz a modificações visíveis na prática contratual num mundo globalizado. Por um lado, produz o início do direito contratual num mundo dominante. As idéias neoclássicas começam a ser duramente questionada pela nova ordem econômica. Os mecanismos tradicionais de proteção ao consumidor, se tornam incapazes para reprimir os abusos. A natureza desse tipo de relação jurídica apresenta novos e difíceis desafios para o direito do consumidor tradicional.

Para o nosso direito, o consumidor, enquanto partícipe da categoria dos consumidores, é visto como destinatário final daqueles bens e serviços que devem ser circulados nas regras da ordem jurídica positiva.

Segundo Antônio Herman V. Benjamin, "é a definição de consumidor que estabelecerá a dimensão da comunidade ou grupo a ser tutelado e, por esta via, os limites da aplicabilidade do Direito especial.

Conceituar consumidor, em resumo, é analisar o sujeito da relação jurídica de consumo tutelada pelo Direito do Consumidor". [4]

O artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor,emitiu critérios objetivos, consagrando o consumidor como destinatário final do produto ou serviço, porém, surge o questionamento de como deva ser entendido o destinatário final. Será ele apenas um simples consumidor ou poderá ser um adquirente profissional? "Pergunta-se: caso a aquisição venha a ser utilizada em benefício de sua atividade, voltada à obtenção de lucro, a saída do bem ou serviço do mercado tipificaria relação de consumo, disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor?" [5]

Para o direito comparado, a delimitação do que seja consumidor se modifica de lugar para lugar. A França entende que o profissional também é consumidor, independentemente do fim a que se terá a aquisição do bem e serviço e que a proteção contra cláusulas abusivas inseridas nos contratos também beneficiam os mesmos.

Já a doutrina belga, critica a tendência francesa, aceitando apenas como consumidor, a pessoa jurídica que não tenha fins lucrativos.

Portanto, face à experiência do direito comparado, a escolha do legislador brasileiro parece bastante adequada. A regra é a exclusão do profissional da proteção do Código de Defesa do Consumidor, mas as exceções virão através da jurisprudência, que inicialmente concedia a posição mais ampla de aplicação da norma, fato este que vem sendo modificado nos últimos anos onde os magistrados passaram a interpretar a concessão da tutela strictu sensu com mais cuidado.


4- PÓS-MODERNIDADE JURÍDICA E OS CONTRATOS RELACIONAIS

As mudanças industriais e sociais geradas pela globalização alteram o solo epistemológico do direito contemporâneo e influenciam na organização dos sistemas jurídicos.

O pós-modernismo jurídico tem sido marcado pela de falta de confiança com respeito às tentativas de se implantar uma teoria jurídica total e completa do fenômeno jurídico.

No sistema contratual, o maior vestígio dessas modificações é o surgimento dos contratos ditos relacionais. Tais mudanças produzem de forma generalizada quase todos os tipos de relações contratuais modernas, promovendo o surgimento de relações duradouras que tenham por fundamento a cooperação.

A conservação da teoria contratual neoclássica nos tribunais e também na doutrina não impede o surgimento de alguns questionamentos relevantes e importantes em sua lógica interna, que, de maneira gradativa vão surgindo nos alicerces dessa mesma teoria. A modificação é determinada a partir de transformações que surgem no interior do próprio paradigma dominante.

O importante é perceber que os tipos de produção relatados não se modificam no tempo e no espaço. Mesmo com a inserção da produção em massa, a produção manufatureira não se desfez completamente. Na realidade, o que se modifica, é o ponto estratégico da forma produtiva dominante, isso significa que os antigos desafios ao direito do consumidor ainda permanecem.

Atualmente, vivemos novos desafios que determinam resultados inovadores.


5- NOÇÕES CONCEITUAIS DOS CONTRATOS RELACIONAIS

A partir do final do século XIX a produção industrial capitalista ganhou novos contornos, especialmente em países economicamente emergentes, como os Estados Unidos, sendo modificada sua economia e as demais economias capitalistas dinâmicas, até então fragmentadas na forma de ilhas de mercados locais, passando a formar ilhas de mercados nacionais. Tal processo de integração da produção industrial aos mercados nacionais se deu paulatinamente e acompanhou a expansão da oferta dos serviços de correio, estradas de ferro e outros canais de comunicação, sem os quais seria inviável. Nessa época os produtores que obtiveram sucesso, adquiriram vantagens no mercado pela sua capacidade de responder de maneira rápida e flexível aos sinais de mercado competitível. Frente as primeiras ameaças de concorrência no tocante ao preço, qualidade, demanda e entrega, os produtores melhores adaptados ao novo tipo de produção, esforçaram-se no sentido de se tornarem capazes de reajustar e reformular seus processos produtivos de modo a atingir ou superar as exigências e variações do mercado. No início do século XX, a formação de mercados nacionais e a introdução de novas tecnologias aplicadas à produção, forneceram outras oportunidades ao mercado, provocando a absorção de uma nova fórmula de estratégia industrial. As empresas voltadas para a produção de massa, aos poucos passaram a dominar o mercado devido a sua habilidade de fornecer grandes quantidades de bens padronizados por baixos custos aos mercados nacionais. Em síntese pode-se dizer que a produção de massa permitiu que se atingissem maiores níveis de produção, produtividade e qualidade industrial, com menor quantidade de trabalho envolvido, ao preço de maiores investimentos de longa maturação, que exigirão maior planejamento e estabilidade e duração nas relações contratuais. Conforme observa David Harvey, "o fordismo do pós-guerra deve ser visto menos como um mero sistema de produção de massa e mais como um completo estilo de vida. Produção de massa significou a padronização dos produtos" [6], em contrapartida, a internacionalização dos mercados de produtos, a introdução de novas tecnologias de produção e informação, as novas técnicas de gerenciamento e as mudanças nas demandas de consumo, criaram a oportunidade para uma nova estratégia industrial e dinâmica das relações contratuais, com isso, os contratos de consumo passaram a adquirir uma dimensão cada vez mais relacional. Do ponto de vista da geopolítica internacional, o pós-fordismo, importou na transnacionalização dos mercados e criação de um sistema geopolítico controlado pelos EUA, em menor grau pelos países industrializados, conseqüentemente a reação de tal processo, novos blocos econômicos, vem se formando em todos os continentes.

A atual sociedade vive uma relação de consumo de massa cada vez mais voltada para o fornecimento de serviços. Uma das marcas desta nova sociedade de serviços é certamente a ampliação da natureza dos contratos de consumo em relação aos contratos descontínuos

Os contratos relacionais são de longa duração, por se inclinarem às criações de relações contínuas e duradouras, onde os termos da troca são cada vez mais abertos, e as cláusulas são de regulamentação do processo de negociação contínua. Enfim, contratos relacionais englobam relações difíceis entre diversas partes, onde os vínculos pessoais de solidariedade, confiança e cooperação são determinantes.

Apesar da inserção dos contratos relacionais estar alcançando cada vez mais espaço na bibliografia jurídica e econômica (em especial na Europa e nos Estados Unidos), a sua introdução no Brasil é relevantemente recente.

A dificuldade está em se determinar a medida da desigualdade entre as partes de maneira justificada ou legítima. Como saber quanto cada um é merecedor? Como saber quanto cada um deve ter de discriminação positiva neste mercado de consumo? Qual é o preço mínimo da tarifa? Qual é a alíquota máxima que se deve cobrar dos consumidores de serviços mais abastados? Estas são questões relevantes no nosso estado de bem-estar social.

Necessário se faz, porém, determinar parâmetros a serem inseridos na proteção do consumidor usuário, e esta responsabilidade se inicia com a definição de uma medida justa para a tarifa, ou seja, qual a adequação mínima de um serviço público. Com isso, necessário se faz à criação de mecanismos democráticos que visem os interesses da sociedade (agências reguladoras).


6- PRINCÍPIOS DA TUTELA CONTRATUAL

Os contratos relacionais serão caracterizados pelos seguintes princípios:

Princípio da Transparência.

O art 4º do Código de Defesa do Consumidor instituiu um princípio básico para a construção dos contratos entre consumidores e fornecedores chamados Princípio da Transparência. A idéia principal visa buscar uma aproximação mais sincera e menos danosa entre os contraentes. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, mesmo na fase pré-contratual.

O Código de Defesa do Consumidor regulará, em princípio, as manifestações do fornecedor tentando atrair o consumidor para a relação contratual, motivando-o a adquirir seus produtos e utilizar os serviços que oferece, assim como a publicidade veiculada por ele.

A função destas normas protetoras é garantir a seriedade e a veracidade destas manifestações.

A jurisprudência tem utilizado com zelo este novo princípio das relações contratuais no mercado, afinal, este novo mandamento, possui efeitos concretos de grande relevância no dia-a-dia das relações de consumo.

Princípio da Equidade

O contrato entre o fornecedor e o consumidor deve ser executado pelas partes. A nova lei determina o respeito ao Princípio da Equidade Contratual, do equilíbrio de direitos e deveres nos contratos, para alcançar o equilíbrio contratual, instituindo normas imperativas que proíbem a inserção de qualquer cláusula abusiva, que assegurem vantagens unilaterais ou exageradas para o fornecedor de bens e serviços, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé e a equidade.

Para a caracterização da abusividade da cláusula, a lei brasileira não exige que a cláusula abusiva seja incluída no contrato por abuso do poderio econômico do fornecedor. Pelo contrário, a cláusula pode ter sido aceita de forma consciente pelo consumidor, porém, se traz vantagem excessiva para o fornecedor, ou são contrárias às novas normas de ordem pública de proteção do Código de Defesa Consumidor e a autonomia de vontade não subsistirá.

Princípio da Confiança

É o Princípio da Confiança, instituído pelo Código de Defesa do Consumidor, que determina ao consumidor a adequação do produto e do serviço, evitando riscos e prejuízos oriundos dos produtos e serviços, garantindo o ressarcimento do consumidor, em caso de insolvência, de abuso, desvio da pessoa jurídica- fornecedora, para regular também alguns aspectos da inexecução contratual do próprio consumidor.

Princípio da Boa-fé

Uma das características dos contratos relacionais refere-se a importância que passa a ter o princípio da boa-fé. Seu conceito vem ganhando importância cada vez mais destacada, permitindo a análise do comportamento adequado dos agentes contratuais de diferentes contextos.

Através deste princípio, pode se reconhecer a intenção dos contraentes, verificando se o contrato se prestará a finalidades sociais ou apenas econômicas e individuais.

O caput do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor dá o devido respaldo acerca da necessidade de harmonia nas relações de consumo, buscando da exigência de boa-fé nas relações entre consumidor e fornecedor.

De maneira geral, o princípio da boa-fé pode ser considerado como o princípio máximo orientador do Código de Defesa do Consumidor.

Devido à sua importância para Código de Defesa do Consumidor, o instituto será abordado com mais vagar no próximo tópico.


7- A BOA-FÉ DE UMA PERSPECTIVA RELACIONAL

A idéia de boa-fé vem conquistando cada vez mais espaço e importância na doutrina e prática contratual contemporânea, estabelecendo-se, na principal ligação dos princípios de cooperação, confiança e solidariedade no atual direito contratual.

Do ponto de vista psicológico, a existência da boa-fé depende unicamente da convicção, da crença, ou de um fato do espírito, caracterizando o estado de ignorância do sujeito.

A boa-fé no contrato relacional, pode ser encarada como fonte primária da responsabilidade contratual. As obrigações se manifestam diante da imposição que a própria sociedade faz, e não apenas por uma promessa individual que a estipulou.

As idéias de justiça ou bem estar dos indivíduos, devem ser ajustados ou equilibrados de acordo com os interesses privados dos contratos.

O Código de Defesa do Consumidor consagra tal princípio de forma expressa em seu artigo 6º, superando, pois a concepção clássica de boa-fé subjetiva, (praticada na total ignorância dos fatos) já existente no Código Civil de 1916. O novo sistema de proteção do consumidor brasileiro inseriu o princípio da boa-fé objetiva (manifesta a existência de culpa).

Para a teoria relacional, a boa-fé tem uma importante função em encorajar e a prosseguir as relações contratuais, isto porque as normas, além de promessas e vantagens, são também confiança, reciprocidade, solidariedade, o equilíbrio do poder e a harmonização.

O comportamento adequado dos contraentes é determinado pela boa-fé. Esta, contudo, na medida em que admite elementos da vida afetiva, não comporta uma definição formal que a esgote.

"Em primeiro lugar, ela lembra a incompletude dos contratos, os limites da capacidade de previsão humana, os custos e ameaças à solidariedade e as barreiras insuperáveis para a comunicação perfeita e sem ruídos entre as partes. Em segundo lugar, ela enfatiza, valoriza e torna juridicamente protegido o elemento de confiança, sem o qual nenhum contrato pode operar. Em terceiro lugar, ela evidencia a natureza participatória do contrato, que envolve comunidades de significados e práticas sociais, linguagem, normas sociais e elementos de vinculação não promissórios. Assim, a boa-fé realça o elemento moral das relações contratuais." [7]

É por meio da boa-fé que se percebe as finalidades sociais e morais e não apenas econômicas e individuais.

Apesar de hoje em dia ser dominante a teoria neoclássista e não a corrente relacional há razões muito fortes para reconhecer o crescimento e a importância da abordagem relacional.

As situações mais comuns são os contratos de cooperação, de franquia, de trabalho, formação de redes produtivas e de fornecimento de produtos num sistema de produção pós-fordista. Um bom exemplo disto pode ser encontrado no papel e na demanda jurídica cada vez maior pela participação como fonte de solidariedade nos contratos de trabalho. A participação na gestão da empresa pelo trabalhador cria um sentido de comunidade que tem se revelado um importante elemento de estímulo à produtividade.

A boa-fé está inserida em dois marcos da participação nos contratos. Em primeiro lugar, ela permite a fusão de interesses, o que facilita a existência de relações de longo prazo. Em segundo lugar, a boa-fé passa a criar um conjunto de garantias dos contrates nas relações contratuais, dentro do direito privado. Isto é claro no contexto das relações de trabalho com a criação de mecanismos de garantia da dignidade do trabalhador, direito á participação, representação, segurança no trabalho etc.

Percebe-se, contudo, que o bom êxito do Código de Defesa do Consumidor Brasileiro continua a ser mais patente em face dos contratos descontínuos. Até hoje existe resistência por parte dos aplicadores da lei em aceitar a sua aplicabilidade aos contratos de consumo relacionais. Assim, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor teve uma reação instantânea sobre o comércio feito por telefone ou em casa, às exigências de informação correta na embalagem e mesmo na estipulação de cláusulas abusivas de difícil leitura etc. Porém, somente agora os problemas envolvendo contratos relacionais como planos de saúde, contratos bancários e previdência privada começam a chamar a atenção dos juristas brasileiros, sendo aqui as resistências à utilização das inovações relacionais introduzidas pelo Código de Defesa do Consumidor, maiores resultados obtidos e mais modestos.


8- CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS RELACIONAIS

Como este não é necessariamente o assunto do trabalho, apenas serão feitas algumas considerações à cerca do assunto.

O fenômeno da elaboração prévia e unilateral, pelos fornecedores das cláusulas dos contratos possibilita aos empresários direcionar o conteúdo de suas futuras relações contratuais com os consumidores como melhor lhes convém. A cláusula contratual assim elaborada não tem, portanto, como objetivo realizar o justo equilíbrio nas obrigações das partes, mas sim, destinam-se a reforçar a posição econômica e jurídica do fornecedor que as elabora.

Não é raro, portanto, que contratos de massa, contenham cláusulas que garantam vantagens unilaterais para os fornecedores que as elaborou diminuindo os seus deveres em relação ao consumidor, exonerando-o de responsabilidade, diminuindo, assim, os riscos da atividade e minimizando os custos de uma futura lide.

Segundo Valéria Silva Galdino [8], "cláusulas abusivas são aquelas que estabelecem obrigações iníquas, colocando o consumidor em desvantagem exagerada, causando um desequilíbrio contratual entre as partes, ferindo a boa-fé e a equidade."

As cláusulas abusivas não se restringem aos contratos de adesão, mas a todo e qualquer contrato de consumo, escrito ou verbal, ou seja, nem sempre é necessário que a cláusula seja estanque para ser abusiva.

Poderíamos perguntar porque o consumidor aceitaria contratar sob estas condições que lhe são tão desfavoráveis. Em verdade, a maioria dos consumidores que concluem contratos pré-redigidos o faz sem conhecer precisamente os termos do contrato.

A abusividade é, assim, abstrata (porque a cláusula talvez ainda não tenha sido executada ou exigida), potencial (como o abuso de direito é fenômeno jurídico dá a má utilização desse direito) e atual (a estipulação de cláusulas abusivas é concomitante com a celebração dos contratos).

A função do jurista em reconhecer a abusividade das cláusulas é, portanto, crucial e deve concentrar na visão dinâmica e total dos contratos.

Porém, o combate às cláusulas abusivas consiste em:

a)Controle judicial: o Código de Defesa do Consumidor no artigo 51, fala a respeito da nulidade absoluta como sanção para as cláusulas abusivas: "Como a cláusula abusiva é nula de pleno direito, deve ser reconhecida essa nulidade de ofício pelo juiz, independentemente de requerimento da parte ou interessado". [9]

O direito de modificação das cláusulas existirá quando o contrato estabelecer prestações desproporcionais em detrimento do consumidor.

A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não tornará o mesmo inválido, a menos que decorra de ônus excessivo a qualquer das partes. O magistrado irá integrar o contrato, criando novas circunstâncias contratuais.

b)Nulidade das cláusulas abusivas:

"A nulidade de cláusula abusiva deve ser reconhecida judicialmente, por meio de ação direta (ou reconvenção), de exceção substancial alegada em defesa (contestação), ou, ainda, por ato ex officio do juiz." [10]

Consiste numa lista de proibições de cláusulas abusivas, sendo elas:

1-Ficam proibidas as cláusulas que limitam os novos direitos do consumidor;

2-Ficam proibidas as cláusulas criadoras de vantagens unilaterais para o fornecedor;

3-Ficam proibidas as cláusulas "surpresa";

4-Ficam proibidas as cláusulas contrárias à boa-fé (cláusula geral proibitória).

Questão controvertida é a que diz respeito à validade das cláusulas de não-indenizar nos contratos de adesão. O art. 25 do Código do Consumidor, veda esta possibilidade no âmbito das relações de consumo, determinando que a garantia do direito do consumidor à indenização prevalece sobre qualquer cláusula que afaste a responsabilidade do devedor.


9- ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA TUTELA CONTRATUAL NO CDC

Os precursores dos chamados Direitos do Consumidor foram os juristas norte-americanos, na década de 60, desenvolvendo o assunto e sua incidência em todo o mundo.

No Brasil, antes do evento da criação do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078 de 11/09/1990, não havia a caracterização jurídica da pessoa do consumidor, mas sim mecanismos de Direito Civil, e legislação esparsa, buscando a boa-fé do contraente na economia popular.

O Código de Defesa do Consumidor tem uma função legal de estabelecer a igualdade material entre o fornecedor e o consumidor, por meio de um tratamento distinto entre as partes, porém, em benefício do consumidor.

A responsabilidade do Estado é de interferir nas relações de consumo, diminuindo a autonomia de vontade, e determinando normas imperativas que estabeleçam o equilíbrio e a igualdade de forças nas relações entre consumidores e fornecedores.

É de extrema importância falar sobre as duas correntes doutrinárias a cerca do instituto. Em princípio, a que se falar na teoria finalista. Para os seus adeptos, o consumidor é todo aquele que, no exercício da profissão, produzir lucro, não incidirá na proteção do Código de Defesa do Consumidor.

Segundo Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamim, "adquirir para transformar ou para vender não é, evidentemente, ato de consumo, no sentido que lhe empresta o direito do consumidor. A aquisição que visa a um fim profissional não é ato de consumo na acepção jurídica. Ato profissional opõe-se a ato de consumo". [11]

Enfim, a pessoa jurídica só poderá ser considerada como consumidora quando não visar lucro, como é o caso das associações e entidades beneficentes.

A contrário senso, existe a corrente maximalistas, que vê o Código de Defesa do Consumidor de maneira mais ampla. Seus adeptos não se limitam a proteger o consumidor não-profissional. O consumidor será caracterizado pela simples retirada do bem do mercado que esteja como objeto de venda, nada se opondo quanto à sua utilização.

No direito comparado, o que prevalece nos países suecos e mexicanos, é a teoria finalista.

Outro enfoque de grande importância quanto aplicabilidade da nova teoria contratual, está no fato de que a sociedade de consumo, com seu sistema de produção e de distribuição em grande quantidade para o comércio jurídico, mudou seu caráter, e os métodos de contratação em massa aparecem em quase todas as relações contratuais entre empresas e consumidores.

O maior exemplo disso, está no crescimento dos contratos por Adesão, onde as cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo fornecedor e repassados ao público de maneira uniforme, geralmente já impresso, faltando apenas o preenchimento dos dados particulares à identificação do consumidor.

A principal característica do contrato de adesão, refere-se à ausência de uma fase pré-contratual, ou seja, a falta de uma discussão prévia quanto ao conteúdo das cláusulas contratuais

Vem crescendo de maneira muito rápida o fenômeno dos contratos de adesão, como é o caso dos contratos de seguros, os planos de saúde, as operações bancárias, a venda e aluguel de bens, e outros.

Um grande exemplo a ser comentado é o Contrato de Transportes, sendo imprescindível a distinção entre transporte de pessoas ou de coisas.

O contrato de transporte de pessoas é um contrato de prestação de serviços, ou seja, uma obrigação de resultado. Neste caso, não é difícil a caracterização do profissional transportador como fornecedor, nem a do consumidor como usuário do serviço, não importando qual seja o fim que pretende com o deslocamento.

Outra situação que merece comentários é quanto ao contrato de fornecimento de serviços públicos. É uma das grandes inovações do sistema do Código de Defesa do Consumidor que visa incluir as pessoas jurídicas de direito público entre os fornecedores.

O artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor entende que o contrato firmado entre os consumidores e os órgãos públicos e suas empresas podem, também, ser consideradas de consumo. Porém, em uma interpretação literal da norma, os serviços prestados a todos os cidadãos com os recursos adquiridos em impostos, ficariam excluídos da responsabilidade de eficiência previsto pelo Código de Defesa do Consumidor. O que realmente importa, é somente aquele serviço prestado em decorrência de uma relação contratual.

A proteção do usuário do serviço público precisa ser aprofundada por parte da doutrina, afinal, poucos são os estudos sobre o tema, em particular sobre a aplicabilidade das normas de proteção ao consumidor em favor do serviço público.


10- DIREITOS DO CONSUMIDOR E DEVERES DO FORNECEDOR

Dentro do contrato relacional a proteção legal do consumidor quando da formação dos contratos, concentra-se na declaração de vontade e é instituído pelo Código de Defesa do Consumidor como princípio básico de transparência nas relações de consumo.

a)Direito à informação: Nos contratos de massa a oferta é genérica. Não é feita à pessoas específicas, mas sim, a todos os indivíduos integrantes da sociedade. Toda informação e mesmo a publicidade suficientemente precisa vincula o fornecedor e passa a integrar o futuro contrato. Comprometendo o fornecedor da informação veiculada, seja através de impressos, propaganda, rádio, jornais e televisão, afinal, estas já criam para ele um vínculo, uma obrigação pré-contratual.

A falsa informação ou a publicidade insuficiente será considerada como um vício do produto, ficando o fornecedor forçado a sanar o vício em 30 dias, cumprindo o que prometeu e informou, ou poderá o consumidor exigir a substituição, completementação, restituição da quantia paga, ou ainda o abatimento proporcional do preço.

b)Direito de reflexão e de arrependimento: para que o consumidor possa refletir com calma sobre os produtos adquiridos à domicílio, o Código de Defesa do Consumidor determinou um prazo de arrependimento. No art. 49, o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. O exercício deste direito pressupõe que não haverá enriquecimento sem causa por nenhuma das partes.

"Os direitos dos consumidores correspondem sempre, na metodologia do Código de Defesa do Consumidor, os novos deveres para os fornecedores de bens e serviços," [12] sejam eles:

a)Cuidados na redação dos contratos: O Código de Defesa do Consumidor instituiu um dever especial quando da elaboração dos contratos de massa que são pré- redigidos unilateralmente pelo fornecedor. Com base no artigo 46, os contratos não obrigarão os consumidores "se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance". Sua base é a preocupação de que todos os contratos de consumo sejam redigidos conforme a boa-fé.

b)Cuidados na utilização de contratos de adesão: "Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo." [13]

Os responsáveis pela elaboração do contrato deverão fazê-lo de maneira clara e legível de modo a facilitar a compreensão pelo consumidor.

"De acordo com Iain Ramsey, há seis falhas básicas que podem ocorrer no funcionamento do mercado: 1-a falta de competição (em razão de monopólio ou oligopólio); 2-a existência de barreiras de entrada no mercado; 3- os problemas com a diferenciação do produto onde há diferenças qualitativas dentro do mercado (e assim, falta de homogeneidade de produto); 4- as lacunas de informação entre vendedor e comprador, ou uns certos sinais de mercado, por exemplo à reputação do vendedor pode ser imperfeita; 5- os efeitos para terceiros que não foram computados no custo de mercado; 6- os custos da transação que incluem; a- os custos da procura e da informação sobre o serviço; b-os custos da negociação e da decisão de consumir; c-os custos da fiscalização, monitoramento, garantia e implementação da legalidade das práticas de consumo." (14)


11- MERCADO DE SERVIÇO E AGÊNCIAS REGULADORAS

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor em 1990, é notória a redução das cláusulas abusivas nos contratos de consumo, e o aumento das informações nos produtos.

Atualmente, o mercado de serviços de educação, de saúde e de planos de saúde, serviços bancários e os produtos farmacêuticos, são os campeões de reclamações nos órgãos do consumidor como o Procon.

Umas das grandes funções das agências regulatórias é a realização do equilíbrio dos contratos de serviço, afinal, elas visam monitorar o processo de renegociação contratual entre os fornecedores do serviço e os consumidores do mesmo, agindo como um terceiro imparcial regulador da relação de consumo do serviço público.

A atual legislação instituiu as agências regulatórias como ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) e da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), que visa à inserção de normas diversas que citam à defesa do consumidor.

"Sendo assim, o significado do Código de Defesa do Consumidor, no campo dos serviços públicos, é garantir a defesa do consumidor-usuário, ampliando o grau de participação deste." (15)


12- APARENTE CONFLITO ENTRE O CC E O CDC

Para os juristas atuantes, o que realmente interessa é saber em qual diploma legal encontrará o fundamento jurídico adequado para o contrato que se apresenta frente a ele, ou seja, saber se as questões decorrentes de um contrato de compra e venda, de locação ou de abertura de conta-corrente, ainda são regidos pelas normas tradicionais de Direito Civil ou Comercial, ou se vão encontrar sua regulamentação no novo Código de Defesa do Consumidor.

"O conflito entre as normas do Código de Defesa do Consumidor com as do Código Civil e Código Comercial, seria resolvido pela aplicação da regra do § 2º do artigo 2º da LICC, segundo a qual a lei nova especial não revogará a antiga lei geral, quando instituir normas especiais a par das já existentes. Na prática, os efeitos se aproximam, mas a sobrevivência das regras gerais é importante porque nem todos os contratos serão regidos pela nova lei, nem todos podem ser sempre caracterizados como consumidores e nem o Código regulou toda matéria referente à existência, a validade e a eficácia dos contratos." [16]

Outra questão relevante é saber se as normas do Código de Defesa do Consumidor se aplicam a todos os contratos existentes no mercado, tenham sido eles concluídos antes ou depois da entrada em vigor da lei, ou se a proteção do consumidor terá início com a entrada em vigor do referido Código.

A segunda hipótese é a que parece mais adequada com o respeito ao ato jurídico perfeito e aos direitos adquiridos. A experiência em direito comparado demonstrou que as novas leis protetoras foram aplicadas a todas as relações contratuais em curso quando de sua entrada em vigor. A proteção concedida pela nova lei ao consumidor pode ser dividida em dois momentos. "O momento pré-contratual terá de continuar a ser regido pela lei vigente à época; mas, no momento contratual, toda vez que o efeito do cumprimento do contrato já firmado ofender o espírito da nova lei, ofender os direitos agora assegurados ao consumidor, quebrar o agora obrigatório equilíbrio contratual, este efeito será contrário a esta nova noção de basilar do nosso sistema jurídico, norma de ordem pública, e o juiz poderá aplicar as normas do Código de Defesa do Consumidor para afastar este efeito agora proibido. O tema, porém, é complexo em virtude da hierarquia constitucional dos dois valores envolvidos – proteção do consumidor e respeito ao ato jurídico perfeito – ambos dispostos no art. 5º da CF/88." [17]

Enfim, o Código de Defesa do Consumidor inova em relação ao Código Civil, na medida em que ele obriga o operador do direito a analisar as circunstâncias do desequilíbrio contratual caracterizado pela presença do ônus excessivo.


CONCLUSÃO

Diante de tal explanação, pode ser concluído, portanto, que em decorrência de todo e desenvolvimento e transformação sofrida na história das relações contratuais, a relação de consumo entre prestadores de serviço e consumidores do mesmo sofreram gigantescas mutações no decorrer de tantas décadas.

Por tal motivo, a teoria contratual clássica já não mais supre todas as necessidades existentes nas relações de consumo. Para tanto, criou-se a teoria dos Contratos Relacionais que tem por objetivo amparar e regularizar as circunstâncias advindas da relação de consumo.

Atualmente, se pode afirmar que a globalização apresenta novos e importantes desafios para o direito do consumidor.

A medida em que a sociedade de consumo de serviços apresenta novos problemas ela demanda soluções inovadoras.

Os Contratos Relacionais são disciplinados pelo Código de Defasa de Consumidor, o que proporciona o nascimento de um novo equilíbrio nas relações contratuais entre consumidores e fornecedores de bens e serviços.

Enfim, a criação de uma nova base legal para o controle das relações contratuais representa um início para a solução dos conflitos oriundos das relações de consumo, porém, dependerá da consciência e adaptação dos fornecedores, bem como o conhecimento do conteúdo da Lei por parte dos consumidores.


NOTAS

01. MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. Max Limonad, 1998, p. 104.

02. NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Responsabilidade civil no código do consumidor. Rio de Janeiro: AIDE, 1991.

03. "COSTA JÚNIOR, Olimpio. A relação Jurídica Obrigacional. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 17.

04. BENJAMIN, Antônio Herman, apud, DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 48.

05. NOBRE, JÚNIOR. A proteção contratual no código do consumidor e o âmbito de sua aplicação. Revista de Direito do Consumidor, nº 27, julho-setembro, 1998, p. 66.

06. Apud, MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto. Globalização e Direito do Consumidor. Revista Direito do Consumidor, n. 32, São Paulo: RT,1999.

07. MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto, ob. Cit., p. 230.

08. GALDINO, Valeria Silva. Cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 12.

09. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 5º ed., 1997, p. 404.

10. Idem, ibidem, p. 402

11. O conceito jurídico de consumidor, RT 628/73.

12. MARQUES, Cláudia Lima. Novas regras sobre a proteção do consumidor nas relações contratuais. Revista de Direito do Consumidor. Nº, São Paulo: RT, p.42.

13. Idem, ibidem, p. 43

14. MACEDO JÚNIOR, Direito à informação nos contratos relacionais de consumo. Revista de Direito do Consumidor, nº 35, p. 114.

15. MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. A proteção dos usuários de serviços públicos – a perspectiva do direito do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, nº 37, ano 10, janeiro/março de 2001, p. 89

16. MARQUES, Cláudia Lima. Novas regras sobre a proteção do consumidor nas relações contratuais. Revista de Direito do Consumidor. Nº, São Paulo: RT, p.38.

17. Idem, ibidem , p.38.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Eloiza Prado de. A teoria dos contratos relacionais. Perspectivas da sua recepção no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 175, 28 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4567. Acesso em: 28 mar. 2024.