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Um sentido jurídico para o antigo regime (ancien régime)

Um sentido jurídico para o antigo regime (ancien régime)

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Em que medida a expressão “antigo regime”, originária da França, é adequada para se referir à realidade colonial brasileira?

RESUMO: A expressão Antigo Regime é muito utilizada no vocabulário dos historiadores do Direito, em especial, aqueles que trabalham com a história nos séculos XVII, XVII e XIX. Apesar disso, poucos historiadores apresentam um conceito didático ou se preocupam em esclarecer a expressão para aqueles que não estão familiarizados com o mesmo. Alguns elementos são apresentados para facilitar a compreensão dos leitores iniciantes, não se trata, portanto, de um texto que pretende trazer novos enfoques sobre o tema, mas esclarecer a expressão e facilitar a compreensão daqueles que iniciam estudos na área histórica. Por fim, apresenta-se uma polêmica sobre o uso da expressão para a compreensão da realidade brasileira.


1. INTRODUÇÃO: POR QUE ANTIGO REGIME?

Qual é o sentido do termo “Antigo Regime” nas abordagens feitas pelos historiadores do Direito? Tal esclarecimento é necessário para evitar os equívocos comuns, presentes na historiografia tradicional em relação à interpretação do Direito no Antigo Regime. Isso porque, “(...) transportando para a história uma certa unidimensionalidade do poder político no seu tempo, os historiadores tendiam a reduzir a vida política do Antigo Regime aos actos formais do poder — i.e., aos que decorriam sob o império e regulamento do direito estadual. Todo o resto — i.e, tudo o que decorria em contravenção com este ou à sua margem – não era relevante para a investigação.”. (HESPANHA, 1994, p.26). Seguindo essa linha de raciocínio, a primeira explicação a ser dada é a motivação do uso do conceito de “Antigo Regime”. Não se trata de uma expressão depreciativa do passado ou celebratória do presente. Os historiadores contemporâneos do Direito pretendem evitar que se observem apenas os regulamentos de Direito estatal (em especial legislação em sentido estrito), conseguindo avançar na compreensão das estruturas jurídicas e administrativas anteriores ao predomínio do direito positivo.  


2. A INVENÇÃO DA EXPRESSÃO

Não é comum encontrar entre os historiadores contemporâneos da História do Direito a delimitação de grandes conceitos, isso ocorre em grande parte para apresentar certa maleabilidade fundamental para estudos que se pretendem abertos às novas interpretações (inclusive motivado pelas variações de sentido das palavras em âmbitos locais e temporais). Mesmo assim, é possível visualizar alguns limites que são centrais a interpretação da expressão.

Um primeiro limite é o temporal. Antonio Manuel Hespanha apresenta uma periodização da história das instituições portuguesas que propõe um olhar amplo do chamado sistema feudal entre os séculos III D.C. até o primeiro terço do século XIX (1982, p.42). Esse longo período feudal estaria dividido em três fases: a) sistema feudal inicial até metade do séc. XVI; b) Sistema corporativo até a segunda metade do século XVIII; c) Estado absoluto até o primeiro terço do séc. XIX. Não é possível delimitar com datas fechadas a existência do Antigo Regime, porém não é absurdo, como referência um pouco mais ampla, indicar que esse modelo que vai da metade do século XVII as primeiras décadas do século XIX.[i]

O segundo limite está relacionado à sua caracterização. Mas afinal, o que caracteriza o Antigo Regime? Novamente Hespanha esclarece que seu conceito está relacionado a uma tentativa de organizar um conceito político para a História, enfocando aspectos além das interpretações economicistas.

(...) chegou-se deste modo a uma definição em termos estruturais do Antigo Regime político — tal como já se dispunha duma definição, em termos estruturais, do Antigo Regime económico (sistema de relações feudais de produção) — nos termos da qual o Antigo Regime político será caracterizado pela não separação entre "Estado" e "sociedade civil" e pelo "carácter globalizante dos mecanismos do poder". (HESPANHA, 1984, p.42).

Um terceiro limite é político. Se no sentido amplo “Antigo Regime” está relacionado a todo um período de transição entre o modelo medieval e o moderno, em sentido estrito Antigo Regime designa a parte administrativa desse período. Ressalte-se que o conceito, atualmente explorado na Ciência Histórica, aparece inicialmente como contraposição do período pós-revolução ao modelo administrativo e político anterior. Antigo Regime era uma expressão utilizada pelos contemporâneos da Revolução Francesa para designar o sistema político anterior à revolução, “(...) Mirabeau foi o primeiro a falar num Ancien Regime”. (LOPES, 2003, p.129). Nesse sentido Tocqueville explica:

Menos de um ano após o início da Revolução, Mirabeau escreveu secretamente ao rei, "Compare o presente estado de coisas com o Antigo Regime, console-se e mantenha a esperança. Em parte - a maioria dos atos da assembléia nacional são favoráveis a um governo monárquico. De nada adianta livrar-se do Parlamento, dos estados separados, do corpo clerical, das classes privilegiadas, e da nobreza? Richelieu teria gostado da idéia de formar uma só classe,  de cidadãos, um só nível de superfície auxiliaria o exercício do poder. Uma série de reinados absolutos teria feito menos para a autoridade real do que este ano de Revolução". Ele entendeu a Revolução como um homem que era competente para liderá-la. (TOCQUEVILLE, 1856, p.21, trad. livre).[ii] [iii]

Tocqueville percebe que a Revolução não poderia ser compreendida dentro de uma lógica de total ruptura,[iv] o Antigo regime, em certo sentido, foi reorganizado dentro da Revolução como uma unidade. “Em verdade, Ancien Regime designa bem mais a 'organização' da mais perfeita desordem que exprime o verdadeiro cipoal de particularismos que caracterizou a França nos séculos XVI, XVII e XVIII.”. (LOPES, 2003, p.129). Existem diversos estudos que demonstram que essa “desorganização” não é tão desorganizada assim, e que coube ao discurso revolucionário justificar as abruptas mudanças desvalorizando o regime anterior.

Aqui é possível se deter um pouco mais, pois apesar da expressão, ao que tudo indica, ser cunhada pelos revolucionários, e adotada no debate político por Tocqueville, seu conteúdo já circulava antes da revolução, o que pode ser resgatado em Montesquieu. Em seu tempo, a estrutura da justiça era objeto de grande desconfiança e muitas críticas. De acordo com um estudo histórico realizado por um grupo de cooperação internacional (publicado pelo Ministério da Justiça do Canadá), dentre as instituições do Ancien Régime, a Justiça constava como aquela que suscitava as críticas mais vívidas.

A justiça francesa sob o Ancien Régime era caracterizada pelo número elevado de jurisdições, o acavalamento de seus mecanismos, a lentidão e o custo dos processos, a severidade do processo criminal, a crueldade das punições e das penas para os menos abastados, severidade que contrastava com a extrema clemência que era concedida aos privilegiados.

Juízes e procuradores eram, em geral, pouco amados, eis que defendiam um sistema favorável aos seus interesses, mas que a maioria da população rejeitava. Somente os advogados oriundos da média ou pequena burguesia admitiam a necessidade de uma reforma da justiça. (CANADA, 2011, p. 12).[v]

Neste sentido, alguns aspectos do Poder Judiciário francês da época de Montesquieu podem ser debatidos. Com relação ao alto custo da justiça na França do século XVIII, grande parte deste custo estava relacionada à remuneração dos juízes. Como afirmam Guy Cabourdin e Georges Viard em seu “Léxico histórico da França no Ancien Régime”, os juízes eram funcionários que haviam comprado o cargo, tornando hereditário.

Essa forma de delegação do serviço público, por meio da compra da “charge” (cargo ou encargo) se assemelha ao sistema de cartórios e registros públicos brasileiro anterior à Constituição de 1988 (e provenientes da tradição colonial portuguesa), na qual o particular que desejasse prestar o serviço obteria do poder público a outorga, em exclusividade, das atribuições e o encargo de fazê-lo às suas expensas, empregando funcionários e recursos dos quais buscaria reembolso pela cobrança de taxas pelo serviço.

Ainda de acordo com Cabourdin e Viard (1978), os juízes do tempo de Montesquieu eram mal retribuídos pelas taxas ordinárias e buscavam se reembolsar sobre as partes, exigindo propinas[vi] e fazendo durar indefinidamente o processo, com o objetivo de multiplicar os atos sujeitos a pagamento de taxas e emolumentos e maximizar seus rendimentos.[vii]

Além destes obstáculos ao acesso à justiça, havia grande desigualdade de tratamento no sistema de acordo com a classe dos litigantes. A nobreza não era obrigada a percorrer todas as etapas da justiça real, podendo recorrer diretamente ao rei, fonte de toda a justiça, que podia conceder a justiça em pessoa no conselho de partes.

Guinchard afirma que em meados do século XVIII, houve uma crescente percepção popular de que os juízes estavam governando no lugar do Rei,[viii] que passam a contestar não somente as leis, mas também as ordens de prisão civil emanadas pelo Monarca (lettres de cachet). Guinchard destaca que “em termos de separação de poderes, eles [os magistrados] exercem portanto a função legislativa, discutindo a conveniência e adequação da política real”.[ix]

Assim, é o medo do juiz – de que venha a impedir as transformações sociais operadas pelos revolucionários – que levou à necessidade de amordaçar o corpo de magistrados ao texto da Lei, operando como meros aplicadores da vontade legislativa, nas palavras de Guinchard:

[O juiz boca da lei] é a expressão de um programa político ligado a um elemento subjetivo, o medo do juiz, e não um símbolo de uma reflexão abstrata sobre a função jurisdicional. É sintomático que o argumento do juiz “boca da lei” seja proferido toda vez que se trata de limitar o poder judiciário com relação a um passado, isto é, cada vez que se trata de proibir ao juiz qualquer ambição política. Embora façam de forma unânime o elogio de um poder judiciário com considerável influência, os constituintes deduzem sempre a importância de controlar, constranger “este poder terrível afim de que ele não prejudique nem a liberdade política, nem a liberdade civil”. Segue-se então a enumeração de todas as questões a abordar afim de bem organizar o poder judiciário, isto é, com o objetivo de constranger o juiz (GUINCHARD, 2011, p. 7, grifo nosso).[x]

Desta forma, menos que uma reflexão abstrata sobre a função jurisdicional, a separação de funções proposta por Montesquieu é resultado deste contexto de desconfiança com relação aos magistrados. E quando os revolucionários cunham a expressão “Antigo Regime”, dão destaque a idéia de ultrapassado, de tempos de opressão e medo que foram finalmente superados. Em última análise os revolucionários não elaboraram a expressão pensando no passado e seu conteúdo, mas na contraposição ao presente de liberdade que pretendiam estabelecer. Atualmente, porém, os historiadores do Direito se apropriaram da expressão para lhe dar conteúdo, e relacionar uma série de conteúdos a expressão.


3. O CONTEÚDO DA EXPRESSÃO

Como herdeiro da sociedade corporativa que se desenvolve a partir da baixa idade média, o Antigo Regime também sofre influxos das transformações sociais que eclodirão no período das revoluções.[xi] Por isso, importante avaliar as permanências e descontinuidades do período.

Segundo a historiografia contemporânea, a concepção corporativa de sociedade é fundamentada na percepção teológica de mundo, origina-se e se legitima dentro de um contexto teológico.

O pensamento social e político medieval é dominado pela idéia da existência de uma ordem universal (cosmos), abrangendo os homens e as coisas, que orientava todas as criaturas para um objectivo último que o pensamento cristão identificava com o próprio Criador. Assim, tanto o mundo físico como o mundo humano, não eram explicáveis sem a referência a esse fim que os transcendia, a esse telos, a essa causa final (para utilizar uma impressiva formulação da filosofia aristotélica; o que transformava o mundo na mera face visível de uma realidade mais global, natural e sobrenatural, cujo (re)conhecimento era indispensável como fundamento de qualquer proposta política. (HESPANHA, 2005A,p.101)

Portanto, a referência central é a perspectiva de sociedade fundamentada em Deus. Sua invenção se dá dentro da lógica medieval. A longa permanência da visão medieval de sociedade pode ser percebida em nuances no final do Antigo Regime português. Por isso vale aprofundar algumas nuances da Ordem jurídica medieval. Salutar nesse sentido a obra de Paolo Grossi, que explicita o motivo pelo qual considera descrever a cultura jurídica medieval como Ordem Jurídica[xii]:

(...) a inserção da palavra “ordem”, obstinadamente intencional. De fato, parece-nos que jamais como na Idade Média o direito representou ou constituiu a dimensão profunda e essencial da sociedade, uma base estável que se destaca do caráter caótico e mutável do cotidiano, isto é, dos eventos políticos e sociais do dia-a-dia. A sociedade medieval é jurídica, porque se realiza e se salvaguarda no direito; jurídica é sua constituição mais profunda e nela está seu caráter essencial, seu elemento último. Às desordens da superfície extremamente caótica se contrapõe a ordem da secreta, mas presente, constituição jurídica. (GROSSI, 2002, p.14).[xiii]

A experiência jurídica medieval é descrita como estritamente relacionada à natureza das coisas, ordem presente no mundo. É um modelo que não se fundamenta na individualidade ou liberdade dos sujeitos, mas na ordenação social.

Ordinatio é a palavra que desloca o eixo da definição do sujeito ao objeto, porque insiste não sobre a sua liberdade, mas sobre limites à sua liberdade; ordenar é, efetivamente, uma atividade vinculada, já que significa tomar consciência de uma ordem objetiva preexistente e não eludível dentro do qual deve ser inserido o conteúdo da lex. (GROSSI, 2004, p.35)

A expressão jurídica mais reconhecida dessa Ordem das coisas aparecia no Direito Europeu como “Direito comum” (ius commune)[xiv]. “O direito romano medieval, ou direito "civil", junto com o direito canónico (que por sua vez era fortemente influenciado pelo direito romano), criou o direito erudito comum para todo o Ocidente: daí um dos motivos de seu nome ius commune.”. (CAENEGEM, 1999, p.65).[xv] Em coexistência com o Direito comum apresentava-se o Direito próprio (local) e limitado, “(...) ius proprium, o direito "particular" que estava em vigor, em suas inúmeras variações, em diversos países, regiões e cidades da Europa, sob a forma de costumes, ordenações e cartas”. (CAENEGEM, 1999, p.65).

Na lógica medieval o direito comum (ius commune) não demandava a exclusão de outras formas de Direito, ao contrário, pretendia harmonizar as diversas manifestações locais ao direito geral, não reduzindo a pluralidade à unidade.[xvi] Nesse aspecto, o direito dos rústicos (local e fundamentado no senso de justiça) deveria ser harmonizado com as regras mais amplas do Direito Comum, coexistindo pluralidade de lógicas jurídicas.

 A grande oposição entre o Antigo Regime e a Modernidade estaria no esforço artificial do jurista moderno em controlar o mundo a partir da vontade e criando uma unidade jurídica a partir de suas fontes, excluindo a pluralidade.[xvii] “Um fator que explica o papel secundário da legislação como fonte do direito sob o ancien regime é a competição com o ius commune, que tornou possível transformar o antigo direito europeu sem intervenção legislativa.”. (CAENEGEM, 1999, p.122). Na modernidade “O direito se vê reduzido ao grau de instrumento de controle social, se tornando um artifício, uma criação do titular da soberania.” (GROSSI, 2010, p.100).


4. DISTINGUINDO DIREITO MEDIEVAL DO DIREITO DO ANTIGO REGIME

Tendo em vista a centralidade do discurso teológico e a pluralidade de produções jurídicas, a fim de facilitar a compreensão das mudanças do modelo medieval para o modelo do Antigo Regime, vale destacar as características do Direito medieval. Segundo Hespanha o Direito medieval:

(a) valoriza os fenômenos grupais ou colectivos;

(b) que considera o poder como algo originariamente repartido (e não apenas delegado ou dividido pelos poderes do Estado) por múltiplos corpos sociais, cada qual dotado da autonomia política e jurídica exigida pelo desempenho da sua função social;

(c) que reserva ao poder político global apenas a função de garantir esta autonomia e especificidade do estatuto social de cada corpo (fazendo justiça, i.e, suum cuique tribuens) e assegurando, desta forma, a paz (harmonia, coharentia);

(d) que apenas vê o indivíduo como parte de grupos e os seus direitos e deveres com reflexos do estatuto ("foro”) dos grupos em que se integra;

(e) e que recusa a distinção, própria do pensamento moderno, entre "sociedade civil" e Estado (ou "sociedade política"). (HESPANHA, 1982, p. 211)[xviii]

Tendo em vista tais características, vale a pena debater sua incidência no Antigo Regime.

a) A valorização dos fenômenos grupais ou coletivos, em detrimento da idéia de direito individual, ainda é percebida no Antigo Regime. A noção de individualismo moderno será juridicamente concretizada com o liberalismo e as revoluções burguesas na Europa. Por isso, o modelo jurídico ainda é pautado na perspectiva de Direito coletivo. Voltando-se a tradição da idade média:

O direito é um fenômeno primordial e radical da sociedade (...) é terreno necessário e suficiente as flexíveis organizações comunitárias em que o social se ordena e que ainda não se fundamentam na polis, mas sim no sangue, na fé religiosa, na profissão, na solidariedade cooperativa, na colaboração econômica. (GROSSI, 2004, p.30-1).

b) O poder ainda é repartido no Antigo Regime. Em Portugal o poder local dos Concelhos (Câmaras) das vilas tem especial importância. Essa característica ressaltava o Direito como importante elo comunitário.

(...) a centralidade do direito se traduzia, de facto, na centralidade dos poderes normativos locais, formais ou informais, dos usos das terras, das situações "enraizadas" (“lura radicata"), na atenção às particularidades de caso; e, em resumo, na decisão das questões segundo as sensibilidades jurídicas locais, por muito longe que andassem daquilo que estava estabelecido nas leis formais do reino. (HESPANHA, 2007, p.57).

As autonomias política e jurídica dos concelhos marcam esse período,[xix] guardando permanência significativa até o período pós-Independência no Brasil (sofrendo retrocesso apenas com regulamentações do juízo de paz em 1828, quando retirado das câmaras poder jurisdicional). Também há de se notar que até mesmo na França, “(...) os magistrados do Antigo Regime se beneficiam de uma grande independência face aos poderes. Salvo em casos excepcionais, confiados a jurisdições extraordinárias, essa independência é real e o poder não se imiscui em seus assuntos.” (GARNOT, 2003, p.25).

c) A centralização do poder real é provavelmente a maior diferença entre o período medieval e a fase final do Antigo Regime. Mesmo não podendo se falar num absolutismo monárquico português em toda sua plenitude, é inegável que em Portugal o papel central da monarquia despontará no cenário político dos séculos XVIII e início do XIX.

Seja como for, os finais do Antigo Regime constituem uma época em que, claramente, a imagem do príncipe como caput reipublicae, como pessoa pública, se sobrepõe às restantes. E em que o governo assume as características de uma actividade dirigida por razões específicas (as razões do Estado), tendente a organizar a sociedade, impondo-lhe uma ordem e defendendo-a do caos originário. Inaugura-se, por outras palavras, uma era de "administração activa", com quadros legitimadores, métodos e agentes muito distintos dos da passiva administração jurisdicionalista. (HESPANHA, 2006, p.357)

Por isso, é possível afirmar que durante o Antigo Regime inicia-se o movimento para que “(...) a pessoa do monarca [torne-se] a única fonte instituidora do Direito” (WOLKMER, 2006, p.160).

d) A noção de sujeito de direitos, dotado de direitos universais e naturais, ainda não se concretiza no período final do Antigo Regime. Apesar do que, é possível perceber que diversos autores jusnaturalistas já defendiam tais idéias no período. Assim, a ordem medieval atribuía a cada parte do corpo a possibilidade de criar Direito, bem como a cada pessoa aplicava-se o Direito proveniente de seu status. Cada direito ainda depende do estado ao qual o indivíduo pertencia[xx], preferindo a particularidade da condição do sujeito à regra geral.[xxi] Assim, uma das mais importantes funções do juiz medieval, a qual pode ser percebida na noção de Iurisdictio[xxii], era identificar o status do indivíduo a se aplicado no caso concreto. Função ainda essencial no Antigo Regime.

(...) o arbítrio do juiz na apreciação dos casos concretos ("arbitrium iudex relinquitur quod in iure definitum non est", fica ao arbítrio do juiz aquilo que não está definido pelo direito). É ele que, caso a caso, ponderando as consequências respectivas, decidirá do equilíbrio entre as várias normas disponíveis. (HESPANHA, 2005c, p.11)

Por isso, ainda no Antigo Regime os sujeitos terão direitos diferentes, inclusive em termos processuais. É o caso do estado “rústico”. Como eram considerados ignorantes, para os rústicos as formalidades exigidas pelo direito erudito eram relativizadas. O que demonstra a multiplicidade de estatutos conforme a multiplicidades de condições (estados).

e) Apesar de não bem demarcadas, as fronteiras do Estado e da Sociedade civil já aparecem de forma incipiente no período do Antigo Regime. O problema era superar as amarras e limites das ordens.

A capacidade de intervenção do poder central ficava drasticamente reduzida pela teia emaranhada de limites postos pelas ordens jurídico-jurisdicionais inferiores e pelos direitos adquiridos (iura quaesita) de indivíduos e corpos. Desta teia, nem a lei do soberano se libertava facilmente. (HESPANHA; XAVIER, 1993, p.195)

Apesar de ainda ser fraco para desemaranhar as teias sociais, durante o século XVIII e início do XIX diversas demandas de modernização já estavam presentes na sociedade. Talvez a continuação da famosa imagem de um “Estado Crisálida” (Stato crisálide) de Grossi (2002, p.43) possa ser uma interessante metáfora para compreender o momento. No Antigo Regime o Estado tenta aos poucos sair do cásulo, que acontecerá apenas, e ainda vacilante, após as revoluções.

Assim, apesar da relativização dos valores medievais, na verdade as estruturas pré-existentes continuavam reforçadas.[xxiii] As diferenças não eram tão relevantes a ponto de anular o cerne do sistema jurídico. Na monarquia portuguesa, portanto, mantendo-se uma perspectiva de monarquia corporativa, reforçavam-se certos valores medievais. Hespanha aponta que a monarquia corporativa portuguesa até meados do século XVIII era demarcada por:

(A) o poder real partilhava o espaço político com poderes de maior ou menor hierarquia;

(B) o direito legislativo da Coroa era limitado e enquadrado pela doutrina jurídica  (ius commune) e pelos usos e práticas jurídicos locais;

(C) deveres políticos cediam perante os deveres morais (graça, piedade, misericórdia, gratidão) ou afetivos, decorrentes de laços de amizade, institucionalizados em redes de amigos e de clientes;

(D) os oficiais régios gozavam de uma proteção muito alargada dos seus direitos e atribuições, podendo fazê-los valer mesmo em confronto com o rei e tendendo, por isso, a minar e expropriar o poder real (HESPANHA, 2001, p.166-7).

Além disso, no Antigo Regime ressaltavam-se os valores jurídicos tradicionais e antigos,[xxiv] em especial voltados ao modelo do Ius Commune. Nesse sentido, (...) a situação do direito realmente praticado nos sistemas jurídicos europeus durante o regime de direito comum tardo-medieval (Ancien Régime) foi refletido principalmente em seu desenvolvimento jurisprudencial, forense e consultivo. (CAVANNA, 1982, p.227).[xxv] Nas práticas jurisprudencial, forense e consultiva a tradição detinha grande respeitabilidade, era considerada fonte segura para garantia de direitos. O Ius Commune prevalece como fonte do Direito durante o Antigo Regime. Por outro lado, a transformação a se suceder apontaria em sentido contrário, nesse caso o direito pátrio ganhava reforço progressivo sobre o direito antigo, em Portugal tal fato se deve em especial a “Lei da Boa razão” de 1769, na qual o Ius Commune tornava-se subsidiário (HESPANHA, 2004, p. 32)

Outra importante característica do direito no Antigo Regime era a atribuição da organização do poder jurisdicional ao rei. Nesse sentido ao rei pertencia a capacidade de organizar e executar a justiça. Trata-se de uma especificação do chamado do poder de império[xxvi] (merum imperium) majestático, relido a partir de uma nova visão de sociedade. Nesse sentido, os autores do período do Antigo Regime ressaltavam que ao rei pertencia a função de organizar a justiça porque estava no mais alto grau de exercício do merum imperium.[xxvii]

O rey he cabeça dos magistrados, e elles se reputão por membros do mesmo corpo; porque como ao tal Príncipe incumbe ter aos ditos Magistrados para os officios de julgar, assim nas suas cortes, como fora delas: com razão se devem, e podem chamar seus substitutos, e que estão representando sua pessoa, como trás Bald. In Cap.I (...) (FERREIRA, 1767, p.3)

Ao mesmo tempo que, ao rei cabia a função principal de organizar a justiça, cabia aos juízes reais o papel de substituírem ao rei.[xxviii] Disso resultava que não era possível visualizar uma separação de poderes no Antigo Regime português. “Os juízes de então desempenhavam tanto funções judiciais quanto administrativas, contexto emblemático das sociedades de Antigo Regime”. (GOUVEA, 1998).  Ou de forma mais precisa, os poderes se exerciam de forma cumulativa nas autoridades vinculadas ao rei. [xxix]

Essa ausência de separação de poderes vai se refletir no período colonial brasileiro. Mesmo sem refletir a enorme variedade de exceções de foro portuguesa devido à própria dificuldade de organização de tribunais de jurisdição especial, ainda assim, teria o efeito muito evidenciado nas delongas evidenciadas por debates de competência. [xxx] A própria lógica do período demarcava a falta de uma delimitação precisa e assim se estruturava.

Outro elemento interessante de ser destacado é que, sendo a justiça pertencente ao soberano, este poderia utilizá-la inclusive como forma de estabelecimento de relações sociais (economia moral do dom). Nesse caso, as mercês e graça faziam parte de certa naturalidade do exercício da justiça pelo rei. Tal atribuição foi freqüentemente utilizada como forma de manter laços entre a colônia e a metrópole.

Através da distribuição de mercês e privilégios o monarca não só retribuía o serviço dos vassalos ultramarinos na defesa dos interesses da coroa e, portanto, do bem comum. (...) reforçava os laços de sujeição e o sentimento de pertença dos mesmos vassalos à estrutura política do Império, garantindo a sua governabilidade. Materializava-se, assim, forjando a própria dinâmica da relação imperial, uma dada noção de pacto e de soberania, caracterizada por valores e práticas tipicamente do Antigo Regime, ou, dito de outra forma, por uma economia política de privilégios. (BICALHO; FRAGOSO; GOUVÊA, 2000, p.75).[xxxi]

Essa forma de reforçar os laços a partir de distribuição de cargos (política dos privilégios)[xxxii] criava uma estrutura de poder interligada a própria participação na esfera pública. 


5. BREVE ANÁLISE DA POLÊMICA ENTRE LAURA DE MELLO E SOUZA E ANTONIO MANUEL HESPANHA

Cabe ressaltar que o termo não é utilizado de forma pacífica na recente história administrativa do Brasil nos séculos XVIII e XIX. Uma polêmica recente entre Laura de Mello e Souza e António Manuel Hespanha pode ser destacada como um modelo de debate acadêmico de nível elevadíssimo, que não só enobreceu a área da História do Direito como serve de exemplo de como dois pares acadêmicos podem contribuir para aprimorar conceitos desenvolver um conhecimento científico.

A dúvida sobre a correção da expressão para compreender a realidade colonial brasileira foi levantada por Laura de Mello e Souza em seu texto O sol e a sombra (2006, p.58 e Ss.). Para a autora a expressão “Antigo Regime” não seria a melhor expressão para compreender a realidade colonial brasileira. Aponta para tanto 3 motivos: a) a realidade colonial luso-americana não conheceu o feudalismo, não podendo ser equiparada a tal condição; b) o uso da expressão também privilegiaria a visão européia, retirando o peso do colonialismo e da exploração econômica voltada a tal condição; c) por fim, a falta da inclusão essencial da escravidão no contexto colonial macularia tal olhar. O cerne do debate está relacionado a possibilidade da existência de um Estado no período colonial ou não.

Se, como ensinou, a anatomia do poder era, então, distinta da de hoje, nem por isso havia "ausência do Estado", mas um Estado em que as racionalidades eram outras. O Estado esteve indiscutivelmente presente na colonização e na administração das possessões ultramarinas: o que se deve perscrutar é a expressão e a lógica dessa presença, pois podem, constantemente, nos iludir. Se aquela era, como afirma o autor, uma sociedade de Antigo Regime, sua própria essência, assentada na hierarquia e no privilégio, impediriam que fosse diferente. (SOUZA, L. , 2006, p.51).

Apesar de não existir uma resposta evidente sobre qual posição é a mais interessante para compreensão do período colonial brasileiro (assim como, por exemplo, existem vários conceitos e limitações para a palavra “Estado” que não podem ser simplesmente descritos em tom de “síntese”), ressalto apenas (e trata-se aqui de um posicionamento pessoal, provavelmente influenciado pelas pesquisas em documentos de época ou/e por formação acadêmica) que não existia poder centralizado na Colônia e que tal acaba sendo apenas moldado como uma imagem posterior dada pela historiografia brasileira ao Estado colonial a fim de justificar a Independência como uma reação a certa postura colonialista portuguesa.[xxxiii] Portanto, a existência ou não de um Estado parece um problema sem resposta absoluta e trata-se aqui em certa medida de escolhas entre historiadores e suas ênfases conceituais.[xxxiv]

Voltando as restrições, levantadas por Laura de Mello e Sousa, tais iluminam partes por certo não evidentes do debate. Devem ser levadas em consideração ao se trabalhar com o conceito de Antigo Regime na colônia, porém podem ser superadas em alguns pontos se consideradas com cuidado.

Em relação à idéia de que “não existiu feudalismo na colônia”, pode-se responder que o Antigo Regime não se caracteriza de forma estrita pela Economia, mas como Sistema político. O feudalismo é um modo de produção econômico. Lembrando o debate de Michel Foucault em seu curso “A verdade e as formas jurídicas”, as formas jurídicas não estão vinculadas aos modelos econômicos de sociedade. Trata-se de algo diverso, e talvez um pouco mais profundo, relacionado a própria forma de imaginar a realidade.[xxxv]

Em relação à segunda objeção voltada ao “olhar eurocêntrico da análise”, parece tender exatamente ao contrário, demonstrando a maior complexidade da dominação da metrópole. Parece correto, afirmar como Hespanha que sempre esteve ausente da empreitada colonial portuguesa um projeto totalizador (HESPANHA, 2001, p.169).[xxxvi] Isso porque era característica do Antigo Regime manter-se a partir da lógica de pluralidade de fontes de poder. Assim, para ressaltar o papel da Colônia, ao invés de destacar a “dominação” pode-se tentar compreender como no Brasil se utilizaram das brechas e espaços vazios do sistema do Antigo Regime:

Para se falar de um direito colonial brasileiro - com a importância política e institucional que e isto tem -, é preciso entender que, no sistema jurídico de Antigo Regime, a autonomia de um direito não decorria principalmente da existência de leis próprias, mas, muito mais, da capacidade local de preencher os espaços jurídicos de abertura ou indeterminação existentes na própria estrutura do direito comum. (HESPANHA, 2005c, p.1)

Por fim, em relação à crítica da falta de consideração da especificidade do “estatuto da escravidão”, parece que este deve sim ser elemento chave de compreensão da realidade colonial brasileira. Ao defender-se das críticas de Laura de Mello e Sousa, Hespanha utiliza-se de uma interessante posição. Assinala:

No fundo, os escravos estavam, para as sociedades coloniais, como criados, aprendizes, moços e moças de lavoura, rústicos ou camponeses, para as sociedades européias. Milhões de pessoas, praticamente desprovidas de direitos, à mercê dos pais de família. (HESPANHA, 2007, p.66)

O argumento de que as justificativas da escravidão tinham referências européias[xxxvii] não é de todo um equívoco, mas as especificidades da escravidão brasileira tornam o discurso descontextualizado. É farta a literatura que demonstra que a escravidão “leve” (para lembrar estudos com inspiração em Gilberto Freyre) não retrata a escravidão em todas as suas nuances.[xxxviii] Por outro lado, a abertura de olhar para a multiplicidade de poderes e controles sociais pode iluminar formas complexas (e às vezes complementares) de violência.

De qualquer forma a crítica de Laura de Mello e Sousa não atinge o cerne da utilização do termo “Antigo Regime”, pois a sua crítica baseada na existência da escravidão no fundo repete o argumento econômico da existência do capitalismo como padrão nascente. E dessa forma reitera o problema da não dependência do sistema político em relação ao econômico.[xxxix] Recentemente Laura de Mello e Sousa, ao que tudo indica, teria aceitado o uso da expressão, mesmo que com limites.

(...) não se deve falar num “Antigo Regime tropicalizado”. Se a sociedade colonial for vista como de Antigo Regime no senso estrito, suas particularidades explodem e corroem os princípios básicos, já que era organizada e costurada pelo escravismo, algo que inexistia no ambiente europeu”, lembra Laura. (...) A especificidade da América portuguesa não residia na assimilação pura e simples do mundo do Antigo Regime, mas na sua recriação perversa, alimentada pelo tráfico, pelo trabalho de negros escravos, pela introdução, na velha sociedade, de um novo elemento, estrutural mais do que institucional: o escravismo.” (HAAG, 2012)[xl]

O debate por certo ainda não se encerrou. Talvez novos estudos possam ressaltar as especificidades da utilização da expressão Antigo Regime em contexto brasileiro e auxiliar sua compreensão densa.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para finalizar, vale ressaltar que o ideário do Antigo Regime não desaparece de súbito da cultura portuguesa e brasileira no início do século XIX. Mesmo os revolucionários franceses, que tanto criticavam o Antigo Regime, muitas vezes se utilizavam de seus elementos para se justificar, (...) “como quando Portalis apela para a eqüidade, ou seja, a um dos valores que caracterizavam o Antigo Regime” (GROSSI, 2004, p.119). Isso demonstra que, apesar das transformações, ainda existe muito de Antigo Regime circulando na sociedade.

Entretanto, aos saudosistas, também vale o alerta de que a cultura não é estática. E que tentar encontrar semelhanças entre nosso tempo e o passado não torna o presente um continuum do que aconteceu. As coisas mudam. Às vezes abruptamente. Com a aceleração do processo de modernização, certos conceitos e valores sofreram abalo em todo o Ocidente. No Brasil não poderia ser diferente. Ao utilizar o conceito de Antigo Regime, sempre deve-se lembrar de situá-lo em sua historicidade.


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Notas

[i] Vide: HESPANHA, Antônio Manuel. (Coord). História de Portugal: O Antigo Regime (1620-1807). Portugal: Editorial Estampa, 1998. Outra periodização interessante pode ser vista em SILVA, Nuno J. Espinosa Gomes da. História do Direito Português: Fontes do direito. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006, p. 34-8. Nesta o autor chama tal período de época da recepção do Direito comum, em certa continuidade de 1248-1750.

[ii] Em inglês: “Less than a year after the Revolution had begun, Mirabeau wrote secretly to the king, " Compare the present state of things with the old regime, and console yourself and take hope. A part—the greater part of the acts of the national assembly are decidedly favorable to a monarchical government. Is it nothing to have got rid of Parliament, separate states, the clerical body, the privileged classes, and the nobility ? Richelieu would have liked the idea of forming but one class of citizens ; so level a surface assists the exercise of power. A series of absolute reigns would have done less for royal authority than this one year of Eevolution." He understood the Revolution like a man who was competent to lead it.”

[iii] Laura de Mello e Sousa também destaca o referencial a Toqueville, porém em sua leitura parece igualar a sociedade de privilégios ao feudalismo. “Mais que a centralidade do poder, portanto, Mirabeau identificava o Antigo Regime à sociedade desigual dos privilégios: em suma, ao feudalismo, sem se dar conta de que o povo não se compunha mais de súditos, e sim de cidadãos; a soberania não mais emanava do rei, e sim do povo.”. (SOUZA, L. , 2006, p.64).

[iv] “Tocqueville abordou este período da história francesa com a empatia de quem possuía um sentido muito desenvolvido das diferenças sensíveis impostas pelo tempo histórico. Para ele, o Antigo Regime executou a obra da modernidade francesa que, de forma muitas vezes equivocada, é identificada como obra única e exclusiva da Revolução.”. (LOPES, 2003, p.130).

[v] Tradução livre do original: "La justice française sous l'Ancien Régime était caractérisée par le nombre élevé des juridictions, l'enchevêtrement de leurs ressorts, la lenteur et le coût des procédures, la dureté de la procédure criminelle, la cruauté des châtiments et la sévérité des peines  pour les petites gens, sévérité qui contrastait avec l'extrême clémence dont on faisait preuve envers les privilégiés. Juges et procureurs étaient, en général, peu aimés, du fait qu'ils défendaient un système favorable à leurs intérêts, mais que la majorité de la population rejetait. Seuls les avocats recrutés  dans la moyenne ou la petite bourgeoisie admettaient la nécessité d'une réforme de la justice."

[vi] Chamadas de ‘épices’ (especiarias), como o dinheiro destinado ao supérfluo, na mesma lógica do cultural ‘dinheiro para o cafezinho’ no Brasil.

[vii] No original: "Les juges sont des fonctionnaires qui ont acheté leur charge qui est devenue héréditaire. Mal rétribués pour le travail fait, ils se remboursent sur les justiciables en exigeant des « dessous de table » (les épices) et en faisant durer les procès afin de multiplier les actes qui sont payants."  (CABOURDIN e VIARD, 1978).

[viii] No Brasil do período colonial não há dúvida alguma que os juízes da Coroa (juízes de fora e ouvidores) governavam no lugar do rei.

[ix] Tradução livre do original : "(...) toutes les lois, au sens moderne du terme, subissent le même examen partial des Parlements dès lors que sont en cause leurs privilèges. En termes de séparation des pouvoirs, ils exercent donc la fonction législative en discutant du bien-fondé de la politique royale" (GUINCHARD, 2011, p. 9).

[x] Tradução livre do original: "Tout simplement comme  l’expression d’un’ programme politique lié à un élément subjectif,  la peur du juge, et non comme un symbole d’une réflexion abstraite sur la fonction juridictionnelle. Il est symptomatique que l’argument du juge « bouche de la loi » est avancé chaque fois qu’il s’agit de limiter le pouvoir judiciaire par référence à un passé, c’est-à-dire chaque fois qu’il s’agit d’interdire au juge toute ambition politique. S’ils font unanimement l’éloge d’un pouvoir judiciaire à l’influence considérable, les constituants en déduisent toujours l’importance de contraindre « ce terrible pouvoir afin qu’il ne nuise ni à la liberté politique, ni à la liberté civile ». Suit alors l’énumération de toutes les questions  à aborder afin de bien  organiser le pouvoir judiciaire, c’est-à-dire dans le but de contraindre le juge". (GUINCHARD, 2011, p. 7).

[xi] “Os temas da centralização administrativa e o anseio dos povos por democracia são os conceitos-chave, os problemas de fundo de todo o texto. A Revolução Francesa se afigura apenas como o coroamento, o desfecho de um processo muito longo que tem suas raízes fincadas na própria gênese da sociedade francesa do Antigo Regime. Como se refere François Furet, Tocqueville apresenta bem mais um Antigo Regime' do que uma 'Revolução', bem mais um ‘antes de 1789' do que um 'após 1789'”. (LOPES, 2003, p.132).

[xii] “Ordem. Tal termo e noção levam-nos ao cerne da antropologia medieval. Os fatos naturais e sociais, agora protagonistas, não são uma enxurrada de fenômenos amontoados desordenadamente uns sobre os outros, mas, encontrando a própria fonte na sabedoria divina, são inseridos numa harmonia que a todos concilia. A ordem é precisamente aquele tecido de relações graças ao qual um agregado de criaturas heterogêneas é reconduzido espontaneamente à unidade. O primado ontológico da totalitas e da multitudo, que leva forçosamente à supervalorização do sangue, da terra e da duração como fatos normativos fundamentais; a perfeição do coletivo como totalitas e como multitudo e a consequente imperfeição do indivíduo requerem que totalitas e multitudo resolvam-se em ordem; só assim a parte, o individuum, poderá ver a sua função racionalmente reduzida. Tudo deve ser organizado: o ordo universal de que se fala aqui não pode deixar de se articular, em nível social, em vários ordines particulares, momentos necessários de divisão da sociedade medieval, nichos necessários nos quais inserir e dar concretude e funcionalidade histórica a essa abstração desprovida de sentido que é o indivíduo.”. (GROSSI, 2002, 81-2, trad. livre)

[xiii] Completando a idéia “Uma ordem que não se deixa afetar pelos grandes ou pequenos episódios da história, pois se coloca além do poder político e de seus detentores, desvinculada das misérias do cotidiano, inserida no terreno profundo e seguro das fontes supremas, dos valores. Um valor – imanente – a natureza das coisas, um valor – transcendente – o Deus nomóteta da tradição canônica, um em absoluta harmonia com o outro, segundo os ditames da teologia cristã, constituem um ordo, um ordo iuris. Um ordo iuris que, portanto, não pode deixar de articular o direito positivo, os vários direitos positivos, em graus ascendentes de manifestações jurídicas que resultam, sem cesuras, das regras transitórias e contingentes da vida cotidiana, numa continuidade simples e espontânea, no nível supremo do direito natural e do direito divino, com toda sua riqueza de princípios normativos eternos e imutáveis, por serem a voz da própria Divindade.” (GROSSI, 2002, p.14). No original: “(...) Pinserimento delia parola 'ordine' ostinatamente voluto. Ci è sembrato infatti Che mai, come nel medioevo, il diritto abbia rappresentato e costituito la dimensione radicale e fondante délia società, un basamento stabile che fa spicco rispetto alla caoticità e alia mutevolezza del quotidiano, cioè degli eventi politici e sociali d'ogni giorno. La società médiévale è giuridica, perché si compie e si salva nel diritto, giuridica è la sua costituzione più profonda, e sta li il suo volto essenziale, sta lï la sua cifra ultima. A paragone délie risse della disordinatissima superficie contrasta l'ordine della secreta ma presente costituzione giuridica. Un ordine che non si lascia scalfire dagli episodi grandi e piccoli della vicenda storica, perché si colloca al di là del potere politico e dei suoi detentori, svincolato dalle miserie della quotidianità, collocato nel terreno fondo e sicuro délie radicazioni suprême, dei valori. Un valore – immanente - la natura delle cose, un valore - trascendente - il Dio nomoteta della tradizione canónica, l'uno in assoluta armonía con l'altro secondo i dettami della teología cristiana, costituiscono un ordo, un ordo iuris. Un ordo iuris che perianto non puô non scandire il diritto positivo, i varii diritti positivi, secondo gradi ascendenti di manifestazioni giuridiche che dalle rególe transeunti e contingenti della vita quotidiana salgono senza cesure, in spontanea e semplice continuità, al livello supremo del diritto naturale e del diritto divino con tutta la loro ricchezza di principii normativi etemi e immutabili perché voce della Divinità stessa.” (Ibid, p.14). (Tradução ainda não publicada de Ricardo Marcelo Fonseca).

[xiv] “(...) o ius commune, é fenômeno de origem e cunho tipicamente “italiano”, adquirindo forma e conteúdos no florescimento universitário italiano do século XIII. (...) a construção medieval de uma ordem jurídica própria está de acordo com uma intensa originalidade decorrente de sua intensa historicidade; um conjunto harmônico de construções típicas, por serem adequadas e inerentes às exigências históricas, fundadas nos novos valores emergentes e, como tais, reflexos da sociedade nas suas raízes mais remotas”. (GROSSI, 2002, p.9-10, tradução livre)

[xv] Direito romano desenvolvido na jurisprudência medieval constituída de diferentes maneiras e com uma variedade de eventos, uma experiência vital e dominante nos sistemas jurídico-políticos da Europa, unidos pelo acolhimento da mesma tradição jurisprudencial romanística. Em cada uma dessas jurisdições, a presença do direito romano deu vida, como normativa comum e subsidiária ao sistema de característica de fontes jurídicas que de fato limitamos a qualificar de regime de direito comum. E em todos os lugares, a lei comum se opôs como um bloco único a uma grande variedade de direitos locais e particulares e foi utilizado como ratio juris para um conjunto de interpretações comuns e de suas formas ou de seus critérios para a consolidação de uma unidade dogmática e de processamento racional: em qualquer caso, de alguma forma, como um primeiro elemento de apoio para que a uniformidade do sistema jurídico nacional que a formação do Estado pós-medieval recentemente tenderam, mas que ainda não era capaz de proporcionar. (CAVANNA, 1982, p.193). No original “Il diritto romano elaborato dalla giurisprudenza medievale costitui, a diverso titolo e con varietà di vicende, un elemento vitale e dominante nella esperienza giuridica degli ordinamenti politici europei, accomunati nell'accoglimento di una medesima tradizione giurisprudenziale romanistica. In ciascuno di questi ordinamenti la presenza dei diritto romano diede vita, come normativa comune e sussidiaria, a quel caratteristico sistema di fonti giuridiche che sogliamo appunto qualificare regime di diritto comune. E ovunque, questo diritto comune si contrappose come blocco unitário ad una eterogenea molteplicità di diritti locali e particolari o fu utilizzato come ratio iuris per una loro interpretazione uniforme o forni gli unitari criteri dommatici per una loro consolidazione ed elaborazione razionale: in ogni caso, esso in qualche modo rappresentò un primo elemento di sostegno per quella uniforrnità giuridica nazionale cui lo Stato post-medievale di recente formazione tendeva, ma che non era ancora in grado di assicurare.”

[xvi] “A primeira preocupação é torná-los harmónicos, sem que isso implique que alguns deles devam ser absolutamente sacrificados aos outros ("interpretatio in dubio facienda est ad evitandam correctionem, contrarietatem, repugnantiam", a interpretação deve ser feita, em caso de dúvida, no sentido de evitar a correcção [de umas normas pelas outras], a contradição, a repugnância). Pelo contrário, todas as normas devem valer integralmente, umas nuns casos, outras nos outros. Assim, cada norma acaba por funcionar, afinal, como uma perspectiva de resolução do caso, mais forte ou mais fraca segundo essa norma tenha uma hierarquia mais ou menos elevada, mas, sobretudo, segundo ela se adapte melhor ao caso ou à situação em exame. Ou seja, as normas funcionam como "sedes de argumentos" (topoi, loci), como apoios provisórios de solução; que, no decurso da discussão em torno da solução, irão ser admitidos ou não, segundo a aceitabilidade da via de solução que abrem”. (HESPANHA, 2005c, p.11)

[xvii] “Hoje em dia a legislação é a fonte principal do direito. O legislador abole as regras existentes e cria novas de acordo com as necessidades políticas e sociais. Legislar é manipular o direito e a sociedade numa direção desejada. Antigamente, não havia clareza de que o direito podia resultar de uma intervenção deliberada e dirigida. Ao contrário, o direito era visto como uma realidade fixa e eterna, que podia no máximo ser adaptada ou esclarecida, mas a preocupação principal era manter o bom direito antigo. A insignificância da legislação durante os primeiros séculos da Idade Média é explicável em parte por essa visão, em parte pela impotência das autoridades centrais”. (CAENEGEM, 1999, p.121).

[xviii] Vale ressaltar que nos textos mais recentes de Antonio Manuel Hespanha os conceitos são mais elásticos e abertos, talvez por isso, citações da década de 80 sirvam mais como indicativo de leitura do que coincidam com o pensamento atual do autor.

[xix] “Esta tensão entre "disposição natural" e "decisão de autoridade" não era particularmente sentida na teoria jurídica e política do Antigo Regime, pois era consensual que os "imperantes" não inventavam o direito, mas o iam colher a uma fonte natural. "Governar" (iurisdictionem habere) era "fazer justiça" (iustitam dare), sendo, por isso, a lei mais do que um acto de vontade, um acto de razão”. (HESPANHA, 2004, p.68)

[xx] “Nesta multiplicidade de estados, sob os quais os indivíduos se apresentam e dos quais decorrem os seus direitos e obrigações, introduziram os juristas alguma ordem, tipificando alguns que, pelo seu carácter mais genérico, podiam ser geralmente assumidos pelos indivíduos. Alguns estavam ligados à própria natureza, enquanto esta capacitava ou incapacitava os indivíduos para assumirem certos papéis nas relações sociais e, assim, condicionava as situações sociais, políticas e jurídicas em que estes se podiam colocar. E o que se passa com o sexo (homens, mulheres), a idade (infantes, impúberes, menores, maiores), a perfeição psíquica (insanidade mental, prodigalidade) ou física (mudez, surdez)”. (HESPANHA, 2006, p.50)

[xxi] “Abaixo do plano do reino, proliferavam as ordens jurídicas particulares, todas elas protegidas pela regra da preferência do particular sobre o geral. Por exemplo, as normas que protegiam os estatutos (ou direitos das comunas, cidades, municípios), considerando-os, nos termos da lei "omnes populi", como ius civile ("dicitur ius civile quod unaqueque civitas sibi constituit", [diz-se direito civil o que cada cidade institui para si], Odofredo, século XII), ou seja, com dignidade igual à do direito de Roma. Ou as que protegiam o costume (nomeadamente, o costume local), cujo valor é equiparado ao da lei ("também aquilo que é provado por longo costume e que se observa por muitos anos, como se constituísse um acordo tácito dos cidadãos, se deve observar tanto como aquilo que está escrito", D.,1,3,34; v. também os frags. 33 a 36 do mesmo título). Ou, finalmente, o regime de protecção dos privilégios, que impedia a sua revogação por lei geral sem expressa referência; ou mesmo a sua irrevogabilidade pura e simples, sempre que se tratasse de privilégios concedidos contratualmente ou em remuneração de serviços ("privilegia remuneratoria"). Ou seja, em todos estes casos, ainda que as normas particulares não pudessem valer contra o direito comum do reino enquanto manifestação de um poder político, podiam derrogá-lo enquanto manifestação de um direito especial, válido no âmbito da jurisdição dos corpos de que provinham. E, nessa medida, eram intocáveis. Pois decorrendo estes corpos da natureza, a sua capacidade de autogoverno e de edição de direito era natural e impunha-se, assim, ao próprio poder político mais eminente.”. (HESPANHA, 2005c, p.5)

[xxii] “Iurisdictio, no pensamento medieval, é um conceito que não se limita a colher a já complexa problemática da potestas iuris dicendi, mas se expande para além e mais alto, tornando-se um dos pilares da publicistica medieval "iurisdictionem habere" passou a significar o conjunto de poderes que o ordenamento jurídico exerce na plenitude de sua vida, e já surge no alvorecer da escola de Bolonha, nos fragmentos bem conhecidos de Martin e Búlgaro, e, mais tarde, na disputa entre Azzone e Lotário de Cremona, iurisdictio resume o trabalho do pensamento que moveu os glosadores para erradicar o conceito de Estado do terreno feudal dominium. (...) Agora, aqui estamos diante de um exemplo típico de uma característica técnica da metodologia dos glosadores e comentadores, que é de aproximar-se de alguns conceitos básicos, tais como os denominadores comuns, complexos inteiros de problemas teóricos aparentemente díspares e distantes”. (CALASSO, 1953, p.425). No original: “Iurisdictio, nel pensiero medievale, è un concetto che non si limita a cogliere la già complessa problemática della potestas iuris dicendi, ma si dilata ben oltre e più alto, diventando uno dei cardini della pubblicistica medievale: «iurisdictionem habere» giunse a significare il complesso dei poteri che l'ordinamento giuridico esercita nella pienezza della sua vita; e già sugli albori della scuola di Bologna, nei frammenti ben noti di Martino e di Búlgaro, e, piu tardi, nella controversia fra Azzone e Lotario da Cremona, iurisdictio riassume il travaglio di pensiero che moveva i glossatori a sradicare il concetto di Stato dal terreno feudale del dominium. (...) Ora, qui ci troviamo di fronte al tipico esempio di una caratteristica tecnica della metodologia dei glossatori e dei commentatori, che consiste nel convogliare attorno ad alcuni concetti elementari, come a dei comuni denominatori, interi complessi di problemi teorici apparentemente disparati e lontani”.

[xxiii] Tal perspectiva foi destacada, por exemplo, em: “O. Brunner que, em sucessivas intervenções, salienta as continuidades entre os sistemas políticos medieval e moderno e a persistência, nos níveis "inferiores" do sistema político — nomeadamente no mundo "camponês" —, de resistentes estruturas de vinculação política tradicionais marcadas pelo "patriarcalismo" e pelo "senhorialismo" e relativamente pouco tocadas pelas novidades da teoria política e pelos desígnios de poder dos monarcas modernos”. (HESPANHA, 1994, p.28)

[xxiv] “No Antigo Regime, prevalecia uma matriz cultural tradicionalista, segundo a qual "o que era antigo era bom". Neste contexto, o direito justo era identificado com o direito estabelecido e longamente praticado - como o eram os costumes estabelecidos ("prescritos"), a opinião comumente aceite pelos especialistas (opinio communis doctorum, opinião comum dos doutores), as práticas judiciais rotinadas (styli curiae, "estilos do tribunal"), o direito recebido (usu receptum, asu firmatum), os direitos adquiridos ("iura radicata", enraizados), o conteúdo habitual dos contratos (natura contractus).” (HESPANHA, 2005a, p.23)

[xxv] No original: “(...) la situazione del diritto realmente praticato negli ordinamenti giuridici europei durante il tardo regime del diritto comune (Ancien Régime) era soprattutto riflessa nel suo svolgimento giurisprudenziale, forense e consulente.” (CAVANNA, 1982, p.227)

[xxvi] O que é o império? Uma definição comum diz: «É um poder legítimo introduzido pelo direito público, consistituído por aquele que absorve a mais infima jurisdição» mas é de notar - detecta Cino - que os conceitos de iurisd. maxima, média, e mais baixos conceitos são controversos e elásticos, e não se pode, portanto, servir utilmente para definir o império. Cino também julga igualmente inexata outra definição corrente: "O imperium é o poder legítimo introduzido pelo direito público, constituído por aqueles, aos quais compete o direito de julgar”:  tal definição é derivada de uma frase do fragmento citado de Ulpiano (...) Cino de Pistoia por sua vez define: “Imperium é o poder legítimo, introduzido pelo direito do público, pela necessidade de se estabelecer a administração da justiça e da equidade, constituído por aqueles, que dependem do poder e autoridade do juiz”. (CALASSO, 1953, p.433-4). No original: “Che cosa è l´imperium? Una definizione diffusa diceva: «est legitima potestas de iure publico introducta, consistens in iis, quae sunt infimae iurisdictionis»: ma c'è da osservare — rileva Cino — che i concetti di iurisd. maxima, media, ínfima sono concetti controversi ed elastici, e non possono quindi serviré utilmente a definiré l´imperium. Egualmente inesatta giudica Cino una altra definizione corrente: «imperium est legitima potestas de iure publico introducta, consistens in iis, quae iure magistratus competunt»: la quale definizione è ricavata da una frase del citato frammento di Ulpiano (...) Cino da Pistoia invece definisce: “imperium est legitima potestas, de iure publico introducta, cum necessitate iuris dicendi et aequitatis statuendae, consistens in iis, quae ex potestate iudicis et authoritate dependent”.

[xxvii] “O merum imperium ainda aparece subdividido em seis graus. O imperium maximum (mero império máximo) inclui os poderes supremos do príncipe (regalia maiora), como fazer leis, reunir cortes, confiscar bens, criar notários, etc. O imperium maius (mero império maior) abarca, nomeadamente, o poder punitivo (habere gladii potestatem ad animadvertendum facinorosos homines, "ter o poder de gládio para castigar os facínoras", D.,2,1,3) relativo às penas capitais (morte ou decepamento de membro, perda da liberdade, perda da cidadania). O imperium magnum (mero império grande) inclui a deportação. O imperium parvum (mero império pequeno), o desterro e a perda da qualidade de vizinho. Os dois últimos graus (imperium minus e minimum), a faculdade de aplicar actos de coerção menores (módica coertio), como multas e repreensões”. (HESPANHA, 2005a, p.219)

[xxviii] “Iurisdictio é a posição de poder de um sujeito ou de um ente, enquanto dotada de iurisdictio, uma cidade pode organizar-se juridicamente, dotar-se de um ius proprium, fazer justiça. Certamente o poder supremo, a iurisdictio plenissima, é do imperador. A iurisdictio, entretanto, não é uma totalidade exclusiva, mas é uma cadeia composta de muitos anéis. Se apenas o imperador possui a plenitude de poder, isto não impede que entes hierarquicamente inferiores disponham de uma sua iurisdictio, de uma esfera de autonomia que coincide com as efetivas capacidades auto-ordenantes do ente singular.” (COSTA, 2010, p.129).

[xxix] Essa característica foi percebida pelos clássicos da historiografia brasileira, apesar de fundametarem em pontos diferentes. “A legislação portuguesa, no período colonial do Brasil, conforme já acentuado, demarcava imperfeitamente as atribuições dos diversos funcionários, se a preocupação – desusada na época – de separar as funções por sua natureza. Daí a acumulação de poderes administrativos, judiciais e de polícia nas mãos das mesmas autoridades, dispostas em ordem hierárquica, nem sempre rigorosa. A confusão entre funções judiciárias e policiais perdurará ainda por muito tempo”. (LEAL, 1974, p. 181).

[xxx] “O problema da complexidade da repartição das competências não era, evidentemente, novo. Nem era de agora a constatação de que daqui resultavam muitas das demoras da justiça. No entanto, a estratégia de redução de todas as jurisdições especiais a uma jurisdição ordinária nunca se impôs. Desde logo porque, como vimos, esta distinção jurisdição comum e jurisdição especial nem era particularmente visível no plano das taxinomias da jurisdição. Depois, porque as demoras das lides eram sobretudo relacionadas com a falta de diligência dos juízes ou com os expedientes dilatórios dos advogados. Se algo se pedia, era que os critérios de repartição das competências forenses – nomeadamente, das competências relativas do foro secular e eclesiástico – fossem clarificados, por lei ou concordata. Eventualmente, encarava-se a extinção de um ou outro privilégio. Mas, globalmente, a estrutura jurisdicional orientada para os privilégios não era posta em causa. E, assim, nos finais do Antigo Regime, eram inúmeros os privilégios de foro: eclesiásticos (com distinções internas), militares, estudantes e professores, cavaleiros das ordens militares (e, ainda aqui, com distinções), moedeiros, desembargadores, rendeiros fiscais, moradores das terras dos donatários, pescadores, estrangeiros, órfãos, viúvas e mulheres honestas, juízes e deputados da Bula da Cruzada, do Santo Ofício, da alfândega, das secretarias de Estado, da Junta do Comércio e de mais uma série de repartições ou tribunais aos privilégios do foro acresciam os privilégios em razão da causa: eclesiásticos, de almotaçaria, fiscais, comerciais, de falência, de contrabando, de capelas e resíduos, da corte, da cidade de Lisboa, de inúmeras instituições, etc.”. (HESPANHA, 1993, p.403-4).

[xxxi] “Dessa forma, o indivíduo ou o grupo que, em troca de serviços prestados (mormente na conquista e colonização do ultramar), requeria uma mercê, um privilégio ou um cargo ao rei, reafirmava a obediência devida, alertando para a legitimidade da troca de favores e, portanto, para a obrigatoriedade de sua retribuição. Ao retribuir os feitos de seus súditos ultramarinos, o monarca reconhecia o simples colono como vassalo, reforçando o sentimento de pertença e estreitando os laços de sujeição em relação ao reino e à monarquia, reafirmando o pacto político sobre o qual se forjava a soberania portuguesa nos quatro cantos do mundo. Dito de outra forma, a economia política de privilégios relacionava, em termos políticos, o discurso da conquista e a lógica graciosa inscrita na economia de favores instaurada a partir da comunicação pelo dom”. (BICALHO, 2001, p.219).

[xxxii] “A economia política de privilégios relaciona, em termos políticos, o discurso da conquista e a lógica clientelar inscrita na economia de favores instaurada a partir da comunicação pelo dom. Tanto o ideário da conquista, quanto à norma de prestação de serviços apareciam, no quadro do Império, como mecanismos de afirmação do vínculo político entre vassalos ultramarinos e soberano português. A economia política de privilégios deve ser pensada enquanto cadeias de negociação e redes pessoais e institucionais de poder que, interligadas, viabilizavam o acesso a cargos e a um estatuto político — como o ser cidadão -, hierarquizando tanto os homens quanto os serviços em espirais de poder que garantiam coesão e governabilidade ao Império.” (BICALHO; FRAGOSO; GOUVÊA, 2000, p.79)

[xxxiii] Assim aponta Hespanha:“(...) eu não digo que o "Estado" (valha a simplificação) colonial não exista. Sim, existe, nas colónias e no reino, como eu tenho defendido que ele era. E manifestava-se também nisso de que, muito disciplinadamente, todos tripudiavam e faziam tropelias "em nome d'el-rei", guiados pelo amor que tinham à coroa e ao seu rei. E a própria coroa, em estado de necessidade e em transe de perder até a face, frequentemente cobria os desmandos, ou com o silêncio de presumida ignorância, ou com o manto do perdão ou mesmo com o alarde de uma mercê por tais serviços. Pode, realmente, dizer-se que o modo de governar do "Estado moderno" era este, o de se deixar invocar; e que exigir-lhe um poder mais efectivo não passa de uma retroprojecção da imagem que mais tarde se formou do Estado, nomeadamente desse Estado distante, exigente e dominador, que é o "Estado com colónias" (ou o "Estado nas colónias").”. (HESPANHA, 2007, p.64).

[xxxiv] “(...) decorrendo antes daquilo que a teoria política mais moderna (oitocentista) do Estado e da colonização colocou como conteúdo corrente das palavras "Estado" e "colonização". Em suma, para mim uns trópicos sem Leviathan não me aborrece mais do que um Leviathan sem trópicos; não sei, porém, se não perturbará um tanto a imagem tradicional de um "Império colonial"... como Deus mandava.”. (HESPANHA, 2007, p.65)

[xxxv] Vale lembrar aqui o capítulo 2 do livro “A verdade e as formas jurídicas” de Michel Foucaul, no qual o autor relembra os limites de conceitos econômicos para compreender as relações de poder, como no caso das cidades-estado de Atenas e Esparta, que mesmo compartilhando de certa similitude econômica detinham regimes políticos diversos devido ao que ele denomina de “episteme” diferentes.

[xxxvi] Planos no ultramar apareceram apenas no período pombalino: “(...) isto chega tarde a Portugal e aos seus domínios; se não me engano (...), é mesmo só com Pombal e com os ministros ilustrados de D. Maria que planos particulares e gerais de uma organização política do Ultramar ganham forma, primeiro em relatórios, consultas e directórios, depois em projectos concretos de reformas territoriais, económicas, urbanísticas e de governo, que visam vários pontos e situações do império, desde Macau ao Brasil, passando por Angola”. (HESPANHA, 2007, p.63).

[xxxvii] Nesse sentido, “(...) todo o tesouro de imagens e de conceitos que permitiu justificar e sustentar ideologicamente a escravidão tem uma indubitável origem européia. A escravidão é uma figura do direito romano, por este detidamente regulada, regulação que foi a única matriz jurídica disponível, naturalmente reelaborada por juristas europeus, quase todos ibéricos, dos quais destaco o luso-espanhol Luís de Molina, cuja doutrina relativa aos escravos já foi objecto de um artigo meu . Antes disso, a escravatura fora objecto de reflexões antropológicas e filosóficas de Aristóteles, que a filosofia, a ética e a política europeias incorporaram e as leis copiaram. Por cima disto, o sistema corporativo construíra toda uma moldura de autonomia jurídica e governativa da "casa", da qual os escravos faziam parte, juntamente com outros membros da família. Para a sociedade corporativa, os escravos eram um elemento da casa, da família, e não, a bem dizer, um elemento da polis, da respublica, do Estado, o qual Jean Bodin define como "uma respublica de famílias". Ou seja, do ponto de vista da mundividência corporativa, o escravo, ou mesmo uma multidão de escravos, não constituía um elemento dissonante da comunidade,que obrigasse a reconfigurar o seu desenho, a sua teoria, o seu direito. E, de facto, não conheço nem tratados de ética, nem códigos, nem leis substanciais, que lidem com o problema da escravidão massiva no Brasil. Aparentemente, o que viera da Europa, chegava.”. (HESPANHA, 2007, p.65).

[xxxviii] Ver nesse sentido: QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Escravidão negra em Debate. In: FREITAS, Marcos Cezar. Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2003. (pág. 103-17)

[xxxix] Observe-se que o Antigo Regime é uma readaptação dos moldes feudais as novas realidades, inclusive de cunho econômico, existente na transição entre idade média e modernidade (pós-revolução). Ressalto ainda que longe de negar o fundamento Marxista de preeminência ontológica do econômico sobre as formas ideológicas, parece ser possível uma leitura um pouco mais complexa do fenômeno. Se as adaptações do Antigo Regime seriam suficientes para destacá-lo do modelo feudal e carcaterizá-lo como máscara feudal de um sistema capitalista parece um bom e exaustivo projeto de pesquisa.

[xl] Além disso a autora, chega a afirmar na entrevista dada no final de 2012 diversas idéias apresentadas: “(...) “Nessa releitura, o Império Português aparece como pouco homogêneo e com centros políticos relativamente autônomos. É preciso questionar a ideia de uma ideologia imperial unitária” (...) “Os administradores portugueses que vieram, por exemplo, a certas partes do que seria o Brasil fogem ao estereótipo do ‘tiranete’ que buscava arrancar os espólios dos brasileiros. Claro que houve inescrupulosos. Mas, no geral, sabia-se que não se podia pesar a mão na relação com a colônia. A exploração muitas vezes vinha revestida da forma da intolerância, seguida da flexibilidade na aplicação das leis” (...) “Assim, dizer, como reclamava Tiradentes, que os administradores portugueses vinham para espoliar e arrancar nosso sangue, não explica muita coisa e nos enreda no discurso equivocado da dominação. Em verdade, a administração só pode funcionar porque as elites locais participavam dele” “A Coroa sabia que não podia impor controle levando a lei ao pé da letra. Até 1822, os ‘brasileiros’ se viam como portugueses, e não como dominados”, (...) Ainda vale a definição de Tocqueville do Antigo Regime: “Uma regra rígida e uma prática flácida” (...) “Pelos princípios do Antigo Regime se proibia aos portadores de ‘sangue infecto’ exercer cargos administrativos. Seria, então, impossível governar as regiões coloniais se a maior parte da elite nativa era formada por mestiços: regiões como São Paulo e Minas, por exemplo, eram praticamente habitadas por mamelucos e mulatos. Promovia-se, então, um mulato a capitão-mor e ele deixava de ser mulato e podia ascender” (...) ” (HAAG, 2012)


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANELLI, Sandro Luís Tomás Ballande; FURMANN, Ivan. Um sentido jurídico para o antigo regime (ancien régime). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4587, 22 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45821. Acesso em: 26 abr. 2024.