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Maus-tratos a idosos: uma análise sistêmica sobre a violência, respaldo constitucional e o Estatuto do idoso

Maus-tratos a idosos: uma análise sistêmica sobre a violência, respaldo constitucional e o Estatuto do idoso

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A presente pesquisa tem como objetivo central analisar os diferentes tipos de maus-tratos cometidos contra pessoas idosas no Brasil. É necessário, portanto, que o Estado promova políticas públicas para uma melhor qualidade de vida dos idosos, conforme CF.

PALAVRAS-CHAVE: Dignidade da Pessoa Humana, Princípio da Igualdade, Tipologia, Constituição Federal, Envelhecimento Populacional.

  1. INTRODUÇÃO

Questões relacionadas a maus-tratos de pessoas idosas são de suma relevância para a sociedade em geral, o que as fazem serem discutidas sob diferentes óticas. A abordagem desta pesquisa é ampla no que tange a violência contra o idoso, onde o objetivo principal é entender as motivações que levam o agressor a cometer o ato e o que a legislação pertinente dispõe a respeito. É perceptível o crescimento acelerado do número de idosos no Brasil. A tecnologia evoluiu e trouxe consigo desenvolvimento nas áreas da saúde, e, boa saúde pressupõe envelhecimento populacional em larga escala. É inegável que com o aperfeiçoamento de meios que prolonguem a vida da pessoa, acarrete-se na sociedade problemas sociais. A sociedade brasileira não foi educada para conviver com um grande número de idosos e esse é um fator importante que quando não enfrentado como um problema social se torna elemento constitutivo da violência contra a pessoa idosa.

No que tange aos maus-tratos, os idosos compõem uma parcela da população que apresenta riscos em função de possuírem maior fragilidade e dependência, imposta pelas limitações física, cognitiva e social. São inerentes a esses maus-tratos questões culturais. Diferentemente da cultura oriental que preserva tradições de aconchego e proteção à pessoa idosa, a cultura do ocidente da qual o Brasil faz parte, é capitalista, na qual não se tem o intuito de preservar a pessoa para que quando idosa tenha condições de ter uma vida digna, procura, ao contrário, usufruir-se ao máximo de suas capacidades deixando-a esgotada. Atualmente, verifica-se que a violência contra a pessoa idosa ocorre de vários modos, em diferentes espaços, e, por diversas pessoas como será mais detalhado no decorrer da pesquisa.

  1. CONCEITO.

Violência, agressão ou maus-tratos são todos sinônimos, que definem a ação ou a omissão de indivíduos ou até mesmo pessoas jurídicas em detrimento de pessoas idosas. Um único ato ou a repetição deste, configurará maus-tratos quando a segurança da pessoa idosa for ameaçada ou violada. O conceito apresentado por Cybele Ribeiro Espíndola e Sérgio Luís Blay, em artigo escrito à Revista de Saúde Pública de São Paulo, “os maus-tratos na terceira idade podem ser definidos como ato único ou repetido, ou ainda, ausência de ação apropriada que cause danos, sofrimento ou angústia e que ocorram dentro de um relacionamento de confiança.”

  1. DOS FATORES DO ENVELHECIMENTO.

No que diz respeito à expectativa de vida no Brasil, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a vida média do brasileiro, que hoje é de 76,60 anos para homens e 69,00 para mulheres, chegará a média de 81,29 anos em 2050 (para homens e mulheres). Com isso, notadamente, verifica-se que essa média prevista se equivale a alguns níveis atuais mundiais como é o caso da Islândia (81,80), Hong Kong-China (82,20) e Japão (82,60). Este aumento na expectativa de vida do brasileiro está relacionado ao desenvolvimento tecnológico, o que proporciona avanços na área da medicina, o que resulta em melhores condições de vida. A cultura ocidental está voltada ao capitalismo, onde há exigência muito grande das pessoas em produzir. Ocorre um abandono à saúde do indivíduo o que vai acarretar problemas na sua velhice. Diferente da cultura oriental, que visa a proteção do idoso.

A natureza e dinâmica do processo de envelhecimento possui controvérsias apesar de ser um fenômeno certo e comum a todas as pessoas, contudo, é perceptível o acelerado aumento da expectativa de vida do brasileiro. Consequentemente, o aumento do número de idosos revela dois fatores importantes, que, aparentemente, são antagônicos: o primeiro, é o de aumentar a duração da vida da população e, de outro, o de trazer à tona os múltiplos problemas sociais, econômicos, médicos e culturais, que, rotineiramente, se acham interligados entra a massa composta pelos indivíduos da terceira idade. (GUIMARÃES e CUNHA, 2004).

Neste ponto deve haver a atuação do Estado em intervir nesses dois fatores. É necessária a promoção de programas com políticas públicas eficientes para esses idosos, que vise lhes assegurar melhores condições de vida. Por meio da atuação estatal é que os problemas gerados pelo crescimento acelerado da população idosa brasileira que o governo conseguirá, por exemplo suprir o déficit gerado na previdência social. Um dos problemas enfrentados pelo Brasil é a falta de recursos financeiros para a sobrevivência com dignidade do idoso. Do aumento considerável da faixa etária idosa, ocorre o surgimento de situações de negligência, maus-tratos e de abandono, fruto da intensa discriminação social que infelizmente existe em detrimento a esse grupo social. No tópico seguinte, para maior compreensão deste problema social, serão analisados os diferentes tipos de maus-tratos.

  1. DA TIPOLOGIA.

Como já salientado anteriormente, há uma diversidade quanto as formas de maus-tratos cometidas contra a pessoa idosa. A tipologia apresentada a seguir, foi formulada com base nos dados obtidos do artigo “Maus-tratos contra idosos: atualização dos estudos brasileiros”. Abaixo foram relacionadas os tipos mais frequentes:

  • Maus-tratos físicos: esse tipo de violência consiste no uso da força física para compelir os idosos a fazerem o indesejado a sua vontade. O intuito é  provocar-lhes dor, incapacidade, ou, em casos extremos a morte;
  • Maus-tratos psicológicos: são agressões verbais ou gestuais que têm como objetivo aterrorizar, humilhar, restringir sua liberdade de expressão ou isolar do convívio. Esse tipo de agressão é a mais sofrida pelos idosos, e como há dificuldade na comprovação da violência ela acaba por se perpetuar;
  • Abuso financeiro ou material: exploração imprópria ou uso não consentido de recursos financeiros patrimoniais. É cometido na sua maioria pelos cuidadores;
  • Abuso sexual: ato ou jogo sexual de caráter homo ou heterorrelacional visando a excitação, relação sexual ou práticas eróticas por meio de aliciamento, violência física ou ameaças; 
  • Negligência: consiste na recusa ou omissão de cuidados necessários, pelos familiares, cuidadores ou instituições. Geralmente está associada a outros abusos que geram lesões ou traumas físicos, emocionais e sociais, em particular, para aqueles em situação de múltipla dependência ou incapacidade;
  • Abandono: é ausência ou deserção dos responsáveis governamentais, institucionais ou familiares na prestação de atendimento para a prevenção da violência;
  • Autonegligência: esse tipo de violência é gerado pelo idoso que ameace a própria saúde ou segurança, pela recusa ou fracasso de prover a si próprio o cuidado adequado. São fatores de risco para a autonegligência morar sozinho, ser do sexo feminino, ser portador de demência ou de distúrbios psiquiátricos, ser alcoólatra, isolar-se socialmente e possuir baixo poder aquisitivo.  
  • Violação dos direitos humanos: privação de qualquer direito inalienável, como a liberdade, direito de fala e privacidade.
  • Abuso médico: cuidados médicos de forma negligente ou imprópria.
  • Segregação involuntária: relaciona-se ao espaço das instituições sociais que abrigam o idoso. Manifesta-se por qualquer forma de segregação em outro ambiente ou ala de um idoso residente, sem o consentimento de seu representante legal.

Dentre os tipos de violência apresentados, os abusos físicos, psicológicos, sexuais, financeiros e a negligências, geralmente não chegam aos serviços de saúde, pois permanecem neutralizadas nas relações familiares, ou ainda dos prestadores de cuidados aos idosos seja pela pessoa física, como um parente ou contratado diretamente pela família do idoso, seja pelas instituições prestadoras de serviços, contudo, a detecção de fatores de risco é uma iniciativa para prevenção, detecção precoce e alicerce de condutas apropriadas ao tratamento para com as pessoas idosas. Neste ponto é que o Estado deve intervir com políticas públicas que garantam a segurança do idoso.

  1. DO RESPALDO CONSTITUCIONAL.

A Constituição Federal, já no em seu I Título ressalva os princípios fundamentais, onde dispõe que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito tendo como fundamentos a “cidadania” e a “dignidade da pessoa humana” (Art. 1º, II e III da CF/88). Todos os tipos de violência contra o idoso, abordadas no tópico anterior ferem gravemente o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. É dever do Estado, conjuntamente com a família da pessoa idosa, prover-lhe uma vida digna. É necessário, pois, num primeiro momento compreender o que são os Princípios Constitucionais Fundamentais, “visam essencialmente a definir e caracterizar a coletividade política e o Estado e enumerar as principais opções político-constitucionais.” (CANOTILHO e MOREIRA Apud SILVA, p. 29, 2007). Ou seja, traçam as diretrizes gerais, das quais as demais normas constitucionais e a legislação esparsa não pode contrariar. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, é basilar na ordem jurídica brasileira. Ter o idoso uma vida digna, significa, antes de tudo, não ser violentado, depois, ter uma moradia e alimentação adequadas. Convívio social harmonioso. São fatores que garantem a dignidade da pessoa idosa.

O Art. 3º, IV, CF/88 inclui como sendo um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Grifo meu). Em outras palavras, o preceito normativo quer dizer que a construção da sociedade brasileira será livre de qualquer forma de discriminação. A inclusão de todos é essencial para o desenvolvimento da nação, e saber lidar com a massa da população idosa é algo, de fato, difícil uma vez que os brasileiros não foram educados para tal, por isso trata-se de um objetivo, pelo qual será efetivado por meio da promoção de políticas públicas.

Encontra-se normatizado no Art. 5º, Caput, CF/88 uma das disposições mais importantes consagradas pela Carta Magna, o Princípio da Igualdade, “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.” Obstante, é necessário salientar que tal igualdade se dá por igualdade formal e material. A exemplo disso, todos têm direito a saúde, contudo, o fato de a pessoa idosa ter menos imunidade que um jovem, é assegurado preferência ao idoso. Da mesma forma, verifica-se o atendimento em estabelecimentos comercias, onde o atendimento é preferencial ao idoso.

É sabido que é dever dos pais cuidarem de seus filhos, no que diz respeito a saúde, lazer, educação, segurança, etc., quando necessário com ampara do Estado. Com o intuito de garantir melhores condições de vida a população idosa, a Constituição Federal dispôs em seu Art. 229, uma diretriz que assegura ao idoso cuidados de sua família, “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.” Este preceito normativo tem por objetivo promover um convívio social agradável a pessoa idosa, uma vez que o seio familiar é a base desse convívio.

Conforme discorre o artigo Art. 230, CF/88 “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito a vida." É perceptível que a Constituição Federal assegurou diretrizes para que o indivíduo da sua velhice tenha uma vida digna, como forma de reconhecimento pela contribuição em sua vida ativa ao Estado. Cabe então a legislação infraconstitucional dispor sobre as políticas públicas de forma mais direta, sem que para isso viole as disposições constitucionais. O estatuto do Idoso por exemplo, é exemplo de lei infraconstitucional que versa sobre as diretrizes gerais que foram traçadas pela Constituição Federal.

  1. ESTATUTO DO IDOSO (Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003).

Em 1º de outubro do ano de 2003 foi sancionada a lei nº 10.741 que disciplina o Estatuto do Idoso. Com o intuito de efetivar as disposições gerais que a Constituição Federal de 88 abordou, o estatuto normatiza inúmeros direitos e garantias a pessoa idosa. Ao considerar a expectativa de vida do brasileiro, o legislador, já no Art. 1º, Caput, estabeleceu a idade pela qual o indivíduo é considerado idoso, “é instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.”

Nota-se, mais uma vez, a preocupação que o constituinte de 88 tinha, quando o legislador, novamente repudia quaisquer das formas de violência contra a pessoa idosa. Segundo o Art. 4º do estatuto, “nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.” A sociedade como um todo, com especial dever da família, deve prevenir a ameaça ou a violação aos direitos do idoso, de acordo com o que disciplina o Art. 4º, § 1º do Estatuto. “Todo cidadão tem o dever de comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação a esta Lei que tenha testemunhado ou de que tenha conhecimento.” (Art. 6º, Estatuto). Ou seja, quando testemunhado por qualquer indivíduo uma possível forma de maus-tratos, a mesma deve ser imediatamente informada.

O Estatuto do Idoso como um todo, versa sobre políticas públicas para uma melhor qualidade de vida da pessoa idosa. Aborda diretrizes sobre a saúde, alimentação, educação, lazer, cultura, esporte, trabalho, previdência e assistência social, habitação, fiscalização das entidades de atendimento ao idoso, o acesso à justiça, dos crimes praticados contra a pessoa idosa, dentre outras.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Portanto, o exposto na pesquisa revela o quão grave é a questão dos maus-tratos aos idosos no Brasil. Foi possível verificar que os tipos de violência praticados são dos mais variados. E, interessante é notar que, a violência física não é a mais praticada. O perfil da pessoa agressora de idoso também varia, um familiar, um amigo, o seu cuidador, um estranho na rua. Todos sujeitos que de uma forma ou outra maltratam o idoso. Foi possível verificar também que há respaldo da Constituição e que existem leis ordinárias que viabilizam uma melhor qualidade de vida ao idoso. Contudo, não basta que políticas públicas estejam apenas dispostas no papel, o Poder Público precisa efetivar essas disposições. O Estado precisa, de fato, e de direito, atuar. Não significa, que é dever privativo do Estado promover uma vida boa ao idoso. Deve ocorrer uma atuação conjunta da sociedade e do Estado. É necessário a liberação de mais recursos do poder executivo para que as diretrizes constantes da Constituição Federal e das disposições legais ordinárias sejam efetivadas.

  1. REFERÊNCIAS.

ESPÍNDOLA, Cybele Ribeiro; BLAY, Sérgio Luís. Prevalência de maus tratos na terceira idade: revisão sistemática. Revista de Saúde Pública, São Paulo, SP: v. 41 – n.2, 2007.

GUIMARÃES, Renato Maia; CUNHA, Ulisses Gabriel V. Sinais e sintomas em geriatria. 2. ed. São Paulo, SP: Atheneu, 2004.

www.scielo.org. Maus-tratos contra idosos: atualização dos estudos brasileiros. Disponível em: <http://www.scielo.org/cgi-bin/wxis.exe/applications/scielo-org/iah/?         IsisScript=iah/iah.xis&base=article%5Edart.org&nextAction=lnk&lang=p&indexSearch&exprSearch=BRASIL>. Acesso em 02 jan 2016.

Obra coletiva da Editora Saraiva. Vade Mecum. Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti (Orgs). 18. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014.

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4. ed. de acordo com a emenda constitucional 53. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.


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