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Do Estado liberal ao Estado regulador

Do Estado liberal ao Estado regulador

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Com a onda privatista, a iniciativa privada passou a realizar as atividades econômicas, mesmo aquelas relacionadas à prestação de serviços de interesse econômico geral. A prestação desses serviços deveria ser regulada, para o atingimento de fins sociais. A crise de 2008, todavia, conduziu a uma perspectiva ambígua sobre este modelo.

Resumo:  O estudo do Estado Regulador no decorrer da história ainda é um tema praticamente inexplorado na doutrina. A seguir, será feita esta análise, enfocando a regulação econômica no decorrer da história, tema importantíssimo para o alcance da ideia do Estado Regulador nos dias atuais.

SUMÁRIO:  Introdução.Capítulo I – Estado Liberal.Capítulo II – Estado Social.Capítulo III – Estado Providência.Capítulo IV – Estado Regulador.Conclusão.Bibliografia.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva traçar considerações gerais sobre o Estado no decorrer da história, do ponto de vista da regulação econômica. Por certo, a economia é uma preocupação do homem desde priscras eras, quiçá quando houve, ou até mesmo antes dela, a primeira divisão do trabalho, nas sociedades paleolíticas, em que os homens caçavam e as mulheres colhiam e cuidavam de animais. Contudo, por razões óbvias, nosso estudo começa bem mais adiante, analisando, no capítulo primeiro, as pré-condições do Estado Liberal, no fim da Idade Média, em um momento tormentoso da história da humanidade, o período feudal.

Ainda no capítulo primeiro, destacar-se-á que a regulamentação jurídica, em geral, na Idade Média, dava-se através de três centros principais: Rei, senhores feudais e Igreja, bem como que, no desenrolar do processo histórico, os reis foram acumulando poder, no período econômico denominado de mercantilista, em que o monarca definia monopólios internos na economia de cada cidade (corporações) e dirigia, para o exterior, as sociedades majestáticas (casas), através da exploração econômica das colônias e da fixação de feitorias em locais estratégicos. No prosseguimento do capítulo, analisar-se-á que, não obstante esse cenário continental europeu, na Grã-Bretanha, desenvolveu-se uma cultura jurídica de ruptura das instituições absolutistas, iniciando-se um período de criatividade e pujança empresarial, que fez, aos poucos, eclodir o Estado liberal, a seguir também definido em França, quanto ao arcabouço jurídicio, por um ato revolucionário. Ver-se-á que o Estado Liberal propugnou pela não intervenção estatal na economia.

 O Capítulo II trará a abordagem da evolução jurídica da fórmula estatal, no período em que a convulsão social levou às atuações trabalhistas organizadas, exigindo uma resposta do Estado, para um novo concerto estatal, em que o pacto social terminou por regular um fator fundamental da economia: o trabalho. A Alemanha parece simbolizar bem este novo modelo estatal, em que um mínimo de igualdade econômica foi assegurado a todo trabalhador.

Na sequência, no Capítulo III, enfocar-se-á o Estado Providência, em que a organização estatal predominantemente preocupou-se em prestar diretamente serviços de interesse econômico, em face da compreensão de ser direito dos cidadãos o desfrute de tais serviços. Para isso, a inciativa privada era insuficiente e o Estado passou a intervir diretamente na economia, prestando e regulando livremente serviços e fornecendo bens de interesse geral.

No último capítulo, abordar-se-á o Estado Regulador, que foi ganhando contornos, pouco a pouco, a partir da década de 1990 do século passado. Com a onda privatista, que varreu o Ocidente a partir de então, concluiu-se que o Estado deveria ser recolhido, de modo que a iniciativa privada passasse a realizar as atividades econômicas, mesmo aquelas relacionadas à prestação de serviços de interesse econômico geral. Contudo, a prestação desses serviços deveria ser regulada, para o atingimento de fins sociais, os quais devem nortear as atividades dos prestadores. A crise de 2008, todavia, conduziu a uma perspectiva ambígua sobre este modelo, se de regulação ou desregulação, o que ainda não se definiu, nem pela prática política, nem na opinião dos analistas.

Em suma, serão enfocados os modelos referidos, sem que se tenha alcançado resposta definitiva sobre o tema, mas apenas reflexões, as quais respresentam a base de estudo do autor, para análises futuras.


CAPÍTULO I – ESTADO LIBERAL

Na Antiguidade clássica, tanto em Atenas, como em Roma, em que pese os primeiros passos em direção à democracia sob o ponto de vista político, a economia era baseada em um sistema doméstico, em que o trabalho escravo era a tônica[1]. A propriedade dos meios de produção na Europa Ocidental era privada e a organização estatal voltava-se mais à segurança contra as invasões de outros povos e à expansão territorial. O comércio praticamente era inexistente e a feitura de bens duráveis cingia-se à atividade dos artesãos, que faziam e negociavam diretamente os poucos bens produzidos. Os homens livres que participavam da vida pública eram os pais de família, os quais dirigiam, nos lares, a economia doméstica[2]. Em casa, eram tiranos e ordenavam os serviços como queriam, com poder de decisão até mesmo sobre a vida dos trabalhadores - escravos. Na Ágora, no espaço público, eram cidadãos livres, compatilhando o espaço da palavra e da ação com os demais iguais (pais de família). No domínio privado, eram os donos de tudo. As decisões econômicas eram tomadas na casa, de forma monocrática[3].

Com a Idade Média, na Europa Ocidental, em que todos, praticamente, eram cristãos e frequentadores da mesma Igreja[4], adveio a extinção da escravidão[5], com a economia a se desenvolver dentro dos feudos. Os senhores feudais tinham poder sobre as propriedades (tenências) e os demais homens trabalhavam servilmente, adredes à terra. O uso da propriedade em geral era para o cultivo em favor do senhor da terra, pelos servos, com uma reserva de tempo na semana para que, parte da terra, fosse cultivada para a sobrevivência dos servos e de suas famílias. Não havia direito de mobilidade (ir e vir), sendo que os servos, embora não fossem considerados coisas, eram submetidos à situações degradantes, quanto ao trabalho e quanto às limitações familiares. O direito hereditário, exercido com  morte do senhor feudal, levava à transmissão da terra ao legitimado, que também recebia o direito sobre o trabalho dos servos que já laboravam no feudo. Não obstante pudessem ser donos de seus instrumentos de trabalho – a poder defendê-los até mesmo contra os senhores feudais -, os servos não tinham liberdade de negociar e o comércio praticamente inexistia. A regulamentação das atividades econômicas, agrárias, era realizada dentro de cada feudo pelo senhor feudal, mas tinha a conformação de atingir regiões amplas de terras, regradas pelo senhor, que dava proteção aos servos. Não havia, praticamente, espaço público[6], já que o poder na Idade Média era totalmente fragmentado, com centros de nomogênese jurídica que conviviam e se interceptavam. O exercício do poder jurídico-político era identificado com o do direito de propriedade (feudal) ou com o direito divino (canônico)[7].

No fim da Idade Média, centros urbanos começaram a surgir fora dos feudos. Os burgos surgem à margem dos castelos medievais – burgos novos ou burgos de fora[8]. Os locais, inicialmente, de vendas de objetos - ferramentas e utensílios para as casas - produzidos pelos próprios artesãos, aos poucos são incrementados para o comércio de produtos variados, inclusive os vindos de outros lugares. Depois, passam a gizar também em torno de serviços diversos, prestados pelas corporações de ofício – congregação de trabalhadores. Nelas, começam a se organizar agrupamentos com trabalhadores vindos dos campos - cada corporação organizava uma profissão em torno de um mestre -, que ensinava o ofício aos aprendizes, os quais eram vinculados por um rigoroso contrato de adesão e não recebiam salário, mas tinham direito a socorro em caso de doença[9]. Uma parte desses aprendizes, depois de anos de trabalho, vinha a se tornar companheiros, com direito a remuneração. As corporações pagavam certos impostos ao rei, recebendo dele alguns privilégios, em especial o de monopolizar determinada atividade e o de poder regulamentar, heteronomamente, cada profissão (uma corporação de ofício, uma profissão). Os burgos eram, então, o território da liberdade pessoal, tanto dos burgueses como dos servos da gleba, que neles residissem por mais de ano e dia, os quais adquiriam o direito de se desvincular da servidão aos senhores feudais[10].

Este período histórico, chamado de baixa Idade Média, do século XI a seguir, marca o início do processo de enfraquecimento dos feudos, com o aparecimento dos burgos e o fortalecimento dos reis, que passaram a receber impostos não provenientes dos feudos. Ao final dele, surgem os reis absolutos, que levaram à reconstrução da antiga unidade política perdida. Os monarcas absolutos reduziram os poderes do clero e da nobreza[11] e aumentaram as cargas tributárias.

Com o desenvolvimento da navegação, ao mesmo tempo em que se incrementou o comércio[12], as hansas nórdicas e seus correspondentes italianos trouxeram o monopólio do comércio com o Oriente e os preços dos produtos eram altíssimos na Europa[13]. Os descobrimentos e as explorações, necessários para a quebra do monopólio mencionado (de italianos e de povos do Norte europeu), expandiram o comércio externo e interno na Europa, com a participação de outros países europeus (Portugal, Espanha, Holanda, Inglaterra e França), a aumentar o fluxo de ouro e a acrescentar poder econômico aos reis, com a adoção do mercantilismo, no que se refere às relações econômicas externas (incipientes nessa altura), e a pautar condutas comerciais internas nos Estados envolvidos. Todavia, o cariz mercantilista é monopolista, sendo que os princípios mercantilistas estabeleceram a organização da economia em monopólios estatais para as trocas (as Casas)[14].  

Com a Revolução Francesa (1789), iniciou-se no mundo ocidental europeu, em especial na parte continental, um processo que levou ao fim da monarquia absolutista, que não permitia as liberdades civis, e iniciou-se um período de reconhecimento dos direitos humanos. A concepção individualista foi tão forte que  a Lei Le Chapelier, de 17-03-1791, deu um golpe de morte nas corporações, ao abolir o sistema anterior e suprimir todas as maitrisis et jurandes, e considerá-las atentatórias dos direitos do homem e do cidadão[15]. O individualismo, na concepção de então, e a liberdade, que lhe deveria dar efetividade, exigiriam um direito que não albergasse monopólios profissionais (e também comerciais), e não desse mais espaço ao poder de cada mestre regulamentar uma profissão. As pessoas deveveriam ter liberdade de organização, liberdade profissional, liberdade de escolha, em suma, liberdade. Esta concepção se efetivou, ainda que as corporações, tanto de burgueses, como profissionais, tenham significado algum desenvolvimento econômico, quando comparadas com o regime feudal.

Por outro lado, o sistema feudal, no que se refere à sua organizazão econômica, enfraquecido, mas ainda existente em todo interior da França[16], na sua essência, representava atraso e fossilização da economia. Também aqui, a burguesia se levantaria contra, exigindo a quebra da ordem jurídica reinante, que não permitia a liberdade de ir e  vir, tanto dos servos como dos burgueses. A liberdade de cormerciar exigia a mudança, o que vai afetar, grandemente, os modos de produção da época. A economia, baseada em um sistema feudal de produção, não comportava, sob o ponto de vista burguês, a dinâmica necessária para a produção e circulação de pessoas e de bens.

Mesmo as incipientes corporações de ofício também não, pois traziam, como mencionado, o monopólio profissional, a exigir que se negociasse somente com o mestre, o qual definia o preço e a prestação do serviço ou a feitura da obra, sem liberdade de escolha e de concorrência. Assim, necessário se fazia a liberdade de contratar e, como se disse, a liberdade profissional, sobretudo, de exercício profissíonal. Os aprendizes e companherios, portanto, deveriam poder exercer livremente sua profissão, a contratar os seus serviços com quem quisessem e do modo que entendessem adequado.

Os padrões da Revolução Francesa inadmitiram tanto o sistema econômico majoritário – o feudal, como o incipiente, o das corporações burguesas e profissionais. Quanto a este último, a circulação e a produção da riqueza, em face do comércio e do desenvolvimento urbano, não poderiam ficar impedidas por um modo de organização profissional monolítico, regulamentado pelos mestres, a trazer prejuízo para a dinâmica comercial.

O Direito proveniente da Revolução exigia que todos fossem considerados livres para ir e vir e exercer essa liberdade, em todas as suas nuances. A liberdade é a medida da igualdade entre os homens, que podem ir e vir, levando e trazendo mercadorias, e realizar trocas. Deste modo, da liberdade subjaz poder produzir, comprar e vender livremente. Ademais, todos têm liberdade de contratar.

O sistema econômico do feudalismo, originariamente, trazia a gênese jurídica distribuída em três centros de produção do Direito: o Rei, que estruturava o sistema de suserania e vassalagem, recebendo impostos; o Papa, que definia as regras canônicas, regrando, sobretudo, a área da família e a espiritual, recebendo indulgências; e os senhores feudais, que regulamentavam a economia diretamente e recebiam o trabalho e taxas (corveias) dos seus servos, sem lhes pagar nada, a não se lhes permitir o uso de parte da terra, para sua subsistência e da família, e lhe dar proteção. Com o passar do tempo, não obstante o sistema vigente no campo, passou a haver o desenvolvimento do comércio nos centros urbanos que surgiam com o aparecimento das corporações, as quais normatizavam o trabalho profissional nas cidades (de ofício) e tratavam das atividades industriais e comerciais. As corporações burguesas defendiam os interessses dos comerciantes.

Estes centros normativos são todos afetados com a Revolução Francesa. O Estado, agora, monopoliza a gênese do direito. Não existem mais os centros de gênese normativa da Idade Média, com a redução do poder das esferas da nobreza e do clero. Não há mais competência do senhor feudal de regulamentar na área de seus feudos. O Direito de família não é mais da competência do Papa. Não há mais, também, o poder do Rei do Estado absolutista da Idade Moderna, de legislar ao seu bel prazer e definir monopólios mercantilistas. O poder normativo, agora, é do Estado (Parlamento), definido na Constituição. Não há mais surpresa na regulamentação jurídica, que deve ser realizada pelo parlamento, após ampla discussão, pela maioria dos seus representantes. Há, agora, o monopólio da produção normativa pelo Estado.

Antes, na Idade Média, dentro de um mesmo território, o do feudo, existiam três centros de regulamentação jurídica, enfeixado, cada qual, na mão do rei, do Papa ou do senhor feudal. Mesmo no regime absolutista, os reis permitiram às corporações regrarem determinadas profissões[17]. Agora, com a Revolução Francesa, há apenas um centro de normatização jurídica, proveniente de um Estado que se preocupa em garantir a liberdade dos homens, antes inexistente, tanto para ir e vir, quanto para a aquisição e produção de bens, para a sua circulação e para o trabalho do homem.

Por outro lado, todos têm o direito de ter proporiedades e devem receber a garantia desse direito. Todos têm liberdade de contratar. A regulamentação da produção pelo sistema feudal e a regulamentação das profissões pelo sistema das corporações não contemplam estes valores, o do direito à propriedade privada individual, o da liberdade e o da igualdade formal (perante a lei). O Estado Liberal então surge para garantir estes valores, inspirado nas ideias de Rousseau, o qual apregoava que, através do contrato social, o homem “ganha a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui”[18].

A concepção dos defensores do liberalismo baseava-se na compreensão de que a liberdade e o individualismo deveriam ser respeitados pelo Estado (soberano). Era contra a uniformização de tudo no domínio privado e favorável ao cultivo da individualidade – “dentro dos limites e interesses dos outros” -, no intuito de enriquecer a vida humana e aumentar o vínculo de ligação entre os homens. Quanto mais desenvolve-se a individualidade, “...cada pessoa se torna mais valiosa para si mesma e, portanto, pode se tornar mais valiosa para os outros”[19].

   O direito de propriedade, também abstrato, não é apenas de poucos senhores, já que qualquer pessoa pode adquir propriedades. A liberade de ir e vir, levar e trazer, inclusive produzir mercadorias, também é de todos. Todos são iguais para contratar, comprar e vender, mesmo a sua força de trabalho ou a força de trabalho alheia.

Sobre as conquistas do Estado Liberal, Mill sintetiza os limites postos ao governante, fazendo menção ao estabelecimento dos mesmos, que se deram com o reconhecimento: (1) das liberdades como direito e do dever dos governantes de respeitá-las, sendo dado aos governandos o direito de se rebelar (rebelião) em caso de desrespeito; (2) de constrangimentos constitucionais aos governantes, para respeitar as liberdades, inclusive com possibilidade de revogação de mandatos (o esforço maior da sociedade era de “limitar o poder dos governantes” e fazê-los se identificar com o povo); (3) de respeito ao direito da minoria[20].

O Estado, portanto, deve garantir estes direitos. E eles foram proclamados e garantidos pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e na Constituição Francesa a seguir[21]. O Estado, portanto, deve garatinr, a liberdade de adquirir propriedades, de ir e vir, de produzir bens e de contratar. Esta deve ser a atividade do Estado. Organizar-se para permitir este exercício da liberdade pelos seus cidadãos. Mesmo contra o Estado, e especialmente contra ele, em razão das arbitrariedades do antigo regime, o cidadão deve ter esse direito salvaguardado. O sistema juriídico-político, então, foi definido, através da adoção do princípio da separação dos poderes, de modo a efetivar estas conquistas, afastando o Estado da vida privada, a se poder exigir do próprio Estado que se abstenha, por meio de fórmulas jurídicas seguras, desse domínio [22].

 Ademais, extinguiu-se o poder de alguém, até mesmo o Estado, regulamentar a vida privada. A religião, por seu lado, nessa concepção, não poderia ser regulamentada por ninguém no espaço público. Do mesmo modo, a propriedade privada e os meios de produção não poderiam ser regulamentados pelo rei ou pelos senhores feudais. Estas matérias são privadas e não poderiam ser definidas pelo rei ou por qualquer outro senhor. Cabe a cada indivíduo defini-la nas relações com outro(s) indivíduo(s) e esta definição se dá, sobretudo, através de um instrumento, o contrato.

Com o desenvolvimento dessas relações individuais, o Estado passou a baixar regras, que foram chamadas de Direito Privado, ou Direito Civil, que teve como grande exemplo o Código de Napoleão de 1804, mas todas elas para garantir a liberdade contratual e a igualdade formal, ou seja, a intervenção regulamentar se deu apenas para efetivar o princípio da liberdade, mantendo incólume o afastamento do Estado das relações privadas, que se davam, materialmente, de acordo com a vontade dos indivíduos delas participantes – livres, e, nesse sentido, iguais para contratar. O pacto social firmado, consubstanciado na Constituição, conduzia o Estado a se abster das relações privadas e a garantir a segurança dos cidadãos dentro do território estatal e a assegurar a defesa contra o ataque de outras nações – soberania.

O processo econômico foi: da casa para o feudo e do feudo para o indivíduo. O trabalho do homem e a economia sairam do ambiente doméstico, em que os homens viviam e trabalhavam, passaram para o ambiente do feudo e, em seguida, para o controle de cada indivíduo em suas relações. A regulamentação da economia e do trabalho na casa grega era feita pelo pai de família. No feudo – trabalho e economia, pelo senhor feudal. E no Estado Liberal? Por cada indivíduo, por se tratar de matéria do domínio privado. O público é tema de preocupação comum: segurança; o privado: interessa somente ao indivíduo. O Estado deveria se manter distante das relações privadas, da vida privada.

A visão efetivada juridicamente baseava-se, em grande medida, no ponto de vista teórico econômico de Adam Smith, o qual desenvolveu a concepção científica da economia. Nesse período, da economia clássica, pressupunha-se que o homem é motivado por um desejo único, o de aquisição. Smith introduziu, em sua obra, uma metáfora, a da mão invisível, segundo a qual, na economia, mesmo inexistindo um ente coordenador do interesse comum no mercado, o plexo dos relacionamentos econômicos resulta de uma certa ordenação. Há uma mão invisível a orientar, no sentido de realizar um fim que não é da intenção de qualquer indivíduo de per si[23]. Para Smitth, não é a benevolência[24] de qualquer homem, o qual negoceia no âmbito econômico, que traz benefícios para os outros indivíduos em sociedade, mas o empenho de cada um em promover o seu próprio interesse. Smith acreditava na iniciativa privada, de forma livre, sem intervenção governamental, de modo que a competição livre levaria à queda de preços dos produtos[25].

 Logo, logo, entendeu-se que a economia é assunto do domínio social, espaço em que se desenvolve o indivíduo. Sociedade e Estado são duas realidades distintas, sendo que o Estado cuida do público e, na sociedade, trata-se do privado. Cabe à sociedade, através do mercado, desenvolver-se livremente, sem qualquer regulamentação estatal. A vida econômica rege-se pelo mercado, em que os indivíduos transitam, negociando seus bens (propriedades). A sociedade, na qual está incluída a economia, não integra, portanto, o Estado, cabendo a este garantir o livre evolver social e, por conseguinte, o econômico. Com isso, também superou-se a visão mercantilista quanto ao comércio internacional, devendo haver livre fluxo de bens[26] entre as nações, sem o isolamento dos mercados por nação[27] (modelo inglês).

Assim, da família para o feudo e do feudo para o indivíduo? Não, do feudo para a sociedade, sendo que esta sociedade é distinta do Estado e composta da soma dos indivíduos ou de suas relações. É através dessa sociedade que se pretende, por uma “mão invisível”, alacançar-se o bem comum, sem qualquer intervenção do Estado.

Não resta dúvida que esta sociedade, a do Estado liberal, teve a economia tangida pelo mercado (a verdadeira mão invisível) que, a seu tempo, em razão da Revolução Industrial e de seus desdobramentos, com a divisão do trabalho humano e a mecanização na grande indústria, acarretou a uniformização do sistema econômico, com a sociedade radicalizada em classes sociais, que se antagonizaram em face das condições degradantes de trabalho e desumanas de vida do proletariado e de suas famílias.

Durante o período do liberalismo puro, a liberadade de contratar, de fato, efetivou injustiças sociais gritantes e levou à conclusão de que era preciso um mínimo de igualdade material, o que vai desaguar na fórmula seguinte de Estado.


CAPÍTULO II – ESTADO SOCIAL

Não resta dúvida que o modelo de Estado liberal posto diretamente por uma só Declaração (ou Constituição), do tipo francês, foi uma conquista dos paíeses europeus continentais, em especial da parte católica do continente, sobretudo França, Espanha[28], Portugal e Áustria. O Estado liberal formou-se no Reino Unido, Holanda e Prússia de um modo diferente. As fórmulas jurídico-políticas liberais foram se consubstanciando, pouco a pouco, no decorrer de um longo processo histórico nesses últimos países mencionados[29].

Ao que parece, a questão institucional resolvida um século antes levou a Grâ Bretanha ao desenvolvimento econômico. A liberade e a tolerância, conquistadas a duras penas, após movimentos civis de ruptura paulatina, vão redundar em grandes invenções, inovações e empreendimentos a partir do século XVIII. A mentalidade, influenciada pelo pensamento livre[30], conduziu a uma liberdade econômica e, por conseguinte, ao crescimento e ao desenvolvimeno econômicos. O pensamento imperante na Grã-Bretanha era o de que a capacidade de produzir representava a verdadeira riqueza da nação. As características do sistema anterior, baseado no mercantilismo nas relações de comércio exterior, no corporativismo na organização do comércio e da indústria internamente e de resquícios feudais no campo eram contrários ao pensamento liberal. A tese da expoliação como fator de riqueza, mercantilista, é superada pela da divisão do trabalho e pela da capacidade de produzir.

A venda de terras (propriedades rurais) -diferentemente do feudalismo, em que a terra, praticamente, não era negociável e dificilmente mudava de mão -, o estabelecimento das indústrias (putting-out system[31]) – fora do regime corporativo dos privilégios das concessões pelo rei -, o comércio exterior livre, sem os monopólios das antigas Casas, desencadearam, na Grã-Bretanha sobretudo, o início da disseminação de um modelo que redundou em uma corrida por avanços tecnológicos, os quais eram realizados dentro das empresas. A máquina a vapor, desenvolvida por Thomas Newcomen, e suas inovações permitiram a industrialização nas cidades – mesmo distante da força direta da natureza do meio rural, com a proliferação de um sistema urbano de industrialização.

O processo, intenssificado a partir de 1760 (Revolução Industrial), vai fazer da Grã-Bretanha, considerada uma nação doente dentro do continente europeu no século XVII[32], um dos locais de maior desenvolvimento. A expectativa de vida do inglês, que era de 36 anos em 1701, chega, ao final do século XIX, a 53 anos. Quando comparada com a França, a população inglesa cresceu muito mais do século XVIII até o final do século XIX. Em 1700, a Grã-Bretanha tinha sete milhões de habitantes e a França vinte e um milhões. Ao final do século XIX, a Grã-Bretanha tinha quarenta e dois milhões e a França trinta e oito milhões de habitantes. A população urbana inglesa, em meados do século XIX, praticamente se igualou à rural, sendo que, nessa altura, na França, a população urbana era de apenas 14%[33].

O capitalismo inglês desenvolveu-se com uma peculiaridade. Como nação da Revolução Industrial e maior país capitalista da época, com grande desenvolvimento industrial, as empresas britânicas acumulavam capitais, em razão da abertura do país, que chegou a possuir 32% da produção industrial mundial em 1870. Esse acúmulo de capital em mãos privadas levou a investimentos[34] vultosos do setor privado, em obras de construção de canais, rodovias e estradas de ferro na primeira metade do século XIX. O liberalismo inglês era privatista até mesmo nos investimentos para as obras públicas.

A mentalidade liberal da época era a de assumir riscos. A sociedade estagnada ou a sociedade das elites absolutistas estava superada. Nesse sentido, a liberadade de contratar e empreender, ao mesmo tempo, conduziu os burgueses à concorrerêmcia, ao invés de monopólios econômicos[35], e também levou o trabalhador, antigo servo, aprendiz ou companheiro, a uma certa instabilidade. Por seu lado, a liberdade concorrencial comercial, no plano do comércio internacional, derrotou o mercantilismo, sobretudo com os mercadores holandeses e ingleses.

Como se disse, a liberdade de comércio abalou nações que não se preocupavam com a produção própria de bens e a liberdade de contratar retirou dos que trabalhavam a estabilidade que tinham. O servo era adrede à terra e tinha uma vida estável com a produção do campo. O aprediz, admitido na corporação, seria, um dia, jornaleiro, passaria a receber salário e teria a sua vinculação garantida praticamente por toda vida.

As regulamentações do feudo – pelo senhor feudal –, das corporações – pelos mestres ou burgueses –, e do mercado externo pelo Estado mercantilista através das companhias (casas) foram superadas por um sistema totalmente desregulamentado. O sistema antigo era monopolista, em cada setor da economia, tanto no sentido da nomogênese jurídica, como no que se refere à exploração da atividade.

O estabelecimento da liberdade de contratar permitiu ao trabalhador, agora assalariado, dentro da visão individualista, vender com liberdade a sua força de trabalho. A liberade de contratar lilberal, regulamentada no Direito comum (consuetudinário ou civi), conduziu a um sistema de rotatividade da mão-de-obra, sem fixidez. A vinculação do trabalhador, em face da liberdade do empresariado, poderia ser rompida a qualquer tempo. O desemprego representava um desamparo inédito, inexistente no sistema anterior, uma vez que, agora, o trabalhador já não estava mais tão ligado ao meio de produção, como no período feudal, em que residia nele, ocupando-o e explorando-o diretamente, com uma quase certeza de que colheria os frutos de seu trabalho, através da atividade agrícola e de que permaneceria nele, geração após geração.

Agora, não mais. Além da liberdade de contratar ser bilateral, a mecanização crescente, fruto de um desenvolvimento tecnológico, levava à extinção de postos de trabalho, já nas primeiras décadas do século XIX na Inglaterra, o que aumentava a instabilidade no meio dos trabalhadores.

Como se disse acima, com a Revolução Industrial, todos passaram para um sistema de maiores riscos. As melhores condições de vida da cidade atraíam os trabalhadores que se avolumaram nas zonas urbanas mais densamente povoadas. Havia bastante oferta de emprego, ao contrário do que muitos pensam[36]. Contudo,o excessivo horário de trabalho conduziu a situações de extremo risco às pessoas. Com o factory system, o horário das fábricas têxteis aumentou de 12 (final do século XVIII) para 14 horas (início do século XIX); o nas minas, de 14 para 18 horas (1830). As condições de trabalho degradantes aumentavam os riscos, em razão da poluição do ambiente de trabalho, sem qualquer salubridade. Doenças profissionais e acidentes no trabalho se multiplicaram. No entanto, tinha-se em mente, no pensamento dominante, que se tratava de liberdade de iniciativa e de liberdade de permanecer ou não trabalhando (contratual). Contudo, o sistema parece ter conduzindo a fábrica à situação de uma verdadeira colônia penal, tendo em vista a disciplina fabril[37]. Os custos sociais foram considerados grandes, diante dessa realidade, em que crianças e mulheres também ingressaram no trabalho da indústria, submetidas às mesmas jornadas, o que acarretou mazelas infantis e femininas, em função das condições ambientais de trabalho periclitantes.

Não obstante a produção em massa e o aumento do consumo por todas as camadas da sociedade da época, inclusive a proletária, as reivindicações sociais aumentavam. Eram em quatro direções: (1) contra o desemprego gerado pela crescente mecanização[38]; (2) contra o excesso da jornada; (3) contra as situações degradantes de trabalho, sobretudo em face de doenças e dos acidentes do trabalho; (4) contra condições de trabalho das crianças e da mulher.

Não houve resposta do Estado, naquela altura, quanto ao desemprego gerado pela mecanização. A revolta dos luditas não teve o eco social pretendido. Concluiu-se que se tratava, com a crescente mecanização e extinção de postos de trabalho, de evolução natural da empresa, condizente com os valores liberais reinantes. Os tecelões, mais afetados com a mecanização, teriam que se adaptar, em face do desemprego em massa, a outros setores de trabalho. Quanto aos acidentados, as respostas dadas na época - v.g., o trabalhar sentado não é prejudicial para quem teve um membro inferior amputado - demonstram bem o espírito do liberalismo da primera parte do século XIX. Também aqui se propugnava por uma iniciativa própria da sociedade em resolver ou minimizar esses problemas e não por uma ação do Estado. As situações de desamparo e de desemprego deveriam levar a uma iniciativa social de proteção, sem custo para o Estado. O espírito da lei dos pobres (Old Poor Law), vigente no período entre 1520 e 1640, que dava aspecto social ao mercantilismo[39], deixou de ter maior sentido em face da visão liberal radical adotada.

No entanto, houve respostas do Estado ingles em duas frentes. A primeira referiu-se ao trabalho infantil, que foi proibido (Moral and Health Act), em 1804, quanto ao labor noturno e limitado a uma jornada máxima por dia de dez horas. A seguir, em 1819, foi proibido, nas indústrias algodoeiras, a qualquer criança com menos de 9 anos. Em 1834, o trabalho infantil foi limitado (Factory Act), nas indústrias têxteis, a oito horas por dia, para menores de 13 anos. Ademais, houve resposta de limitar a jornada máxima de trabalho em relação a todo o operariado. Em 1854, o descanso semanal, a partir do sábado à tarde e por todo o domingo, torna-se obrigatório para todos os trabalhadores. Mais à frente, a jornada máxima diária seria definida em 9 horas (1874).    

Apesar da aquisição das liberdades individuais, relacionadas a ir e vir e contratar, na França, em 1789, sabe-se que a Revolução Francesa foi uma revolução política que, sob o ponto de vista econômico, foi liberal. Todo o ideário revolucionário das leis sociais, coma a lei de beneficência nacional, a qual prometia trabalho para todos e medidas de proteção aos pobres, a previsão de assisstência médica gratuita, o apoio a famílias nunerosas e os pagamentos de pensões de velhice e de doença, foi sepultado juntamente com a queda de Robespierre e Saint Just[40].

As manifestações trabalhistas organizadas, na Inglaterra do século XVIII, foram por melhores condições de trabalho e de vida. Não se dirigiram contra a Revolução Industrial em si, apesar do movimento dos luditas. Havia um sistema eleitoral ainda censitário e a proibição de associações sindicais, tanto em Inglaterra, como em França, em que vigorava a Lei Le Chapelier.

 Com efeito, o direito de voto, quanto ao sufrágio universal masculino, somente foi conquistado em 1848, após a Revolução em Paris – antes o voto era reservado aos homens maiores de 30 anos, com rendimentos elevados. Esta Revolução, de 1848, foi pautada por temas sociais[41]. Todavia, a retoma da República em 1848 e depois a instalação do II Império Francês com Napoleão III não deram uma resposta efetiva aos temas sociais. No entanto, marcaram, de vez, a chegada dos trabalhadores ao Parlamento, por representates eleitos. Processo semelhante ocorreu na Inglaterra. Os trabalhadores passaram a ter representação parlamentar e suas reivindicações foram no sentido da edição de leis sociais. No movimento trabalhista, além da presença parlamentar, pelo sufrágio universal, outra conquista relevante se deu: as associações sindicais foram permitidas, na Inglaterra em 1871 e na França, com a revogogação da lei Le Chapelier, em 1884.

O Manifesto Comunista de Marx e Engels (1848), a Comuna de Paris (1871) e a Encíclica Rerum Novarum (1891) foram todos nessa direção, de ampliar, no seio da sociedade, as ideias de adoção de mecanismos normativos mais sociais. Movimentos trabalhistas radicais na Europa Ocidental e o receio de revolução levaram Bismarck, que já era primeiro-ministro na Prússia desde 1862, na Alemanha unificada em 1871, a incrementar o quadro jurídico de proteção operária.

O modelo, já na época prussiana e dos Estados independentes alemães, diferenciava-se um pouco dos dos demais países europeus. O trabalho infantil para menores de 12 anos já estava proibido desde 1853. Ademais, outros três aspectos diferenciadores se destacavam: uma razoável presença, para os padrões da época, de prestações de assistência social - aos desempregados, aos enfermos e aos trabalhadores idosos. Em verdade, na Prússia e nos Estados alemães independentes, não se tinha abandonado o aspecto assistencialista das corporações. Haviam, sim, abandonado a regulamentação corporativista e o monopólio das corporações profissionais e comerciais, mas o modelo assistencialista, de alguma maneira, ainda era adotado na sociedade. Este aspecto não foi abolido pelo Direito do Estado nacional, com a unificação alemã de 1871; antes, foi incrementado.

Em que pese um grande processo de industrialização, que levaria a Alemanha a assumir a condição de maior potência industrial europeia no final do século XIX, os alemães, sob a liderança de Bismarck, implementaram as primeiras reformas sociais da Europa, entre 1883 e 1889: seguro doença, seguro de acidente e seguro velhice obrigatórios, com o financiamento e gerência em comum dos empregados e empregadores. Apesar da repressão aos movimentos sociais, as reformas sociais introduziram a Alemanha em um outro patamar, não só do constante crescimento industrial, mas, sobretudo, no avanço quanto aos direitos sociais concedidos aos trabalhadores: 81% estão protegidos contra acidentes; 53% têm pensão de velhice; e 44% tem cobertura contra doenças. Através de impostos aduaneiros, o Estado passa a também financiar o regime de concessões sociais[42]. A escolaridade primária é obrigatória e financiada pelo Estado, o que também é praticado em França - 1833 - e Inglaterra - 1880. Na Alemanha, a educação diferencia-se dos outros Estados europeus pela existência dos institutos de tecnologia. Os laboratórios, financiados pelas empresas, trazem um espaço novo para o desenvolvimento da tecnologia, com inúmeras inovações.

Por seu desenvolvimento industrial um pouco posterior ao da Inglaterra, a indústria alemã desfruta de todo o conhecimento técnico já alcançado em solo inglês e o seu parque industrial é mais novo. A segunda Revolução Industrial, com o ciclo do ferro (comboios), desenvolve alguns setores da economia britânica, mas em outras áreas, as da primeira Revolução, estão com equipamentos obsoletos, com custos de produção acrescidos. Da mesma forma, quanto às infraestruturas inglesas, quando comparadas às alemãs – túneis, estaleiros etc. A Inglaterra começa a sentir crise de competitividade[43]. Enquanto isso, o Estado alemão é investidor, sendo responsável por um quarto dos investimentos na economia. A política de substituição de importações, o protecionismo, a cartelização das empresas, a cooperaão das indústrias com o Estado e o papel de bancos universais revelam um capitalismo organizado, diferente do laissez-faire inglês e francês[44].

Esse senso de coordenação, talvez pela demora na extinção das corporações[45], trouxe uma disciplina orgânica ao povo alemão, que levou a considerar, doutrinariamente, o trabalhador como membro desse grande sistema orgânico. Trazer o trabalhador para dentro dele implicou em fazer o trabalhador parte dele, como ator que busca o desenvolvimento do sistema, a evitar ruputuras polítias radicais[46].

O Estado social estava, então, bem delineado. Um quadro jurídico bem traçado conforma a classe trabalhadora. Assim, o trabalhador tem as regras do jogo definidas quanto ao seu papel, em um sistema que não garante o seu sucesso, como empregado, - do mesmo modo que o Estado liberal puro, só por si, não garantia o sucesso a qualquer empresário -, mas é garantido ao trabalhador um mínimo existêncial - ao que tem emprego e ao que está submetido ao desemprego ou ao ócio por idade ou invalidez -, custeado pelo empregador, pelo trabalhador e pelo Estado, concedendo-se um mínimo de igualdade social.

Em 1919, após o fim da 1ª Grande Guerra, com a criação da Organização Internacional do Trabalho, o modelo do Estado Social se dissemina pelo mundo ocidental e por partes do oriental. Contudo, a regulamentação veio, quanto ao trabalho, de forma institucional (leis), na Europa continental, ou através da regulamentação coletiva – trabalhadores e empregadores (EUA e Inglaterra). O fator trabalho se encontra regulamentado e se dá por regras estatais ou por normas editadas pelos atores sociais, através da negociação coletiva[47].

Convivem, com uma certa harmonia, o padrão do Estado liberal (de não perturbar a livre iniciativa) com o do Estado Social (regulamentação do trabalho – Direito do Trabalho). Continuam, em princípio, bem delimitados os campos do Estado e da sociedade, não obstante agora, o Estado, além da defesa externa, segurança interna e realização de obras públicas, também auxilie a sociedade em educação, saúde e previdência. Com efeito, com a ressalva das limitações de ordem pública de proteção ao trabalho, a economia é desregulada. 


CAPÍTULO III – ESTADO PROVIDÊNCIA

Nada obstante o quadro jurídico trabalhista representar uma mudança econômica, no pensamento liberal clássico - que praticava o truck system, a baixa de salários, o aumento da jornada e o trabalho infantil sem restrições[48] como algo natural à economia -, as chamadas conquistas trabalhistas foram tidas pelos capitalistas como custos necessários à produção, para que a classe trabalhadora aceitasse a economia de mercado.

Além do fator trabalho, o pensamento político dominante no período do Estado Liberal sempre teve o fator tributário (política tributária) como algo comum, praticado, em especial, para garantir a defesa externa e a segurança interna e, em razão do modelo francês, marcado por um certo dirigismo estatal, sobretudo no que se refere às obras públicas, fundamentais para a produção, o que já era algo comum em França desde o absolutismo. Com os passos históricos dados em direção ao Estado Social, a política tributária também passou a ser amplamente praticada para o atendimento das demandas sociais, com uma forte menção à diminuição de desigualdades.

Ademais, o século XIX e o início do XX assistiram ao arranque econômico dos Estados Unidos da América, que já era a maior potência econômica mundial desde 1900. A marca da economia america, em que pese o forte liberalismo interno e propugnado às nações, era o protecionismo econômico. A economia americana também era caracterizada pelos grandes conglomerados empresariais e pela grande empresa, que superara, em tamanho dos parques e em número de trabalhadores, as indústrias europeias. Com o forte desenvolvimento econômico experimentado, os Estados Unidos disseminaram sua política industrial. As ideias de Taylor de organização do trabalho e a prática de Ford estavam em voga e esse método seria adotado em muitos locais do mundo ocidental, onde houve industrialização, e imposto por lei, no modelo soviético, em empresas estatais.

Ao término da Primeira Guerra Mundial, assistiu-se, também, como já se disse, à edição de cartas (Constituições) e declarações de cunho social e à universalização do modelo do Estado Social, com a adoção institucional do quadro trabalhista em várias partes do mundo. Contudo, as nações vencedoras da guerra imprimiram um amplo leque de obrigações draconianas à Alemanha, que passou por graves problemas econômicos e sociais. Antes mesmo da Seguranda Grande Guerra, Keynes já havia alertado para isso, acentuando a injustiça das restrições e imposições econômicas ao povo germânico.

Com efeito, política tributária, política de obras públicas, política industrial, protecionismo e quadro jurídico trabalhista e social eram práticas comuns no ocidente desenvolvido naquela altura, que conviveram e se intenssificaram até o final da década de 1920. Contudo, a crise econômica alemã, que já contaminava toda a Europa e, sobretudo, o crash da bolsa americana lançaram a economia mundial em uma grande depressão. A década de 1930 é marcada pela quebra de muitas empresas e pelo desemprego em massa, nunca visto antes no capitalismo.

A crise social foi muito grande e se via a necessidade de desenvolvimento econômico para o alcance de metas sociais. Contudo, no ocidente, o pensamento econômico clássico continuava dominante e representava algo sagrado. Mesmo com tanta miséria, os liberais puros, maioria política da época, não admitiam maiores incurssões do Estado. A chamada lei de Say era um dogma: a oferta naturalmente cria a sua própria demanda. O pensamento de Ricardo sobre poupança também. Ocorre que, na análise de Keynes, a resposta natural da economia, se é que existia, para o desenvolvimento econômico, era muito lenta. E a situação de desemprego exigia o debruçar teórico sobre o assunto, para que a prática fosse, então, alterada. Keynes entendia que o capital é trazido à existência não pela propensão de poupar, mas como resposta à procura resultante do consumo real[49]. Por outro lado, para ele, o pleno emprego traz um aumento do rendimento da empresa em geral[50]. Poupar demais é contra o pleno emprego[51] e, portanto, contra o desenvolvimento. Há, assim, uma lei entre consumir e o pleno emprego[52]. A poupança exagerada estava impedindo o desenvolvimento, sendo necessária, talvez, a eutanásia do rentier, ou seja, do “opressivo poder cumulativo capitalista”[53].

  Do mesmo modo que as ideias de Smith foram fundamentais para o Esado Liberal e as de Marx[54], para o alcance do Estado Social, Keynes aparece como o idealizador de um novo modelo de Estado. As ideias de Smith penetraram no pensamento do industrial inglês (pensamento de produzir) e o ideário marxista, com sua crítica às condições de vida e de trabalho do proletariado, repercutiu na liderança trabalhadora e de toda a classe política na segunda metade do século XIX e primeiros vinte anos do século XX. Com Keynes, o mesmo aconteceu. Economista e professor de Cambridge, era um profundo conhecedor e, até uma certa altura, defensor do pensamento econômico clássico. Era alguém ouvido no meio do pensamento econômico dominante.

Segundo ele, para a superação dos entraves e o alcance do pleno emprego e do desenvolvimento econômico, não seria necessária qualquer revolução, mas, sim, estímilos e certos controlos sobre determinadas atividades confiadas essencialmente à iniciativa privada. Trata-se de uma influência orientadora sobre a propensão de consumir, através do sistema tributário, da taxa de juros e outros meios. Necessário se faz a socilização abrangente do investimento – único meio para assegurar o pleno emprego. Essa socialização do investimento não exclui outros tipos de compromisso e dispositivos para cooperação entre o Estado e a iniciativa privada e isso não é, nem justifica, o socialismo de Estado, não importando, para este, em assumir os meios de produção. O Estado deve adotar as medidas de socialização necessárias gradualmente, “sem afetar as tradições gerais da sociedade”[55]. Keynes acentua que “a economia clássica se mostra incapaz de resolver os problemas econômicos do mundo real”. Para ele, se os controles centrais da economia conseguirem estabelecer um volume de produção adequado, “a teroria clássica retomará os seus direitos”. Assim, em reazão de serem inaceitáveis os níveis de desemprego, o que demonstra que o modelo econômico é falho, o Estado deve intervir, o que exige “uma considerável extensão das funções tradicionais do governo”, mas ainda irá restar grande espaço para o exercício da iniciativa privada, uma vez que, para Keynes, o individualismo continua sendo vantajoso, especialmente pela eficiência, e por ser, a seu ver, a melhor salvaguarda da liberdade pessoal. O Estado homogêneo e totalitário não permite essa eficiência, sendo necessario que a variedade preserve as tradições que incorporem “escolhas mais seguras e bem sucedidas das gerações passadas” [56].

Keynes susteta que o seu pensamento é “o único meio exequível para evitar a destruição total das instituições econômicas atuais e como condição de um bem sucedido exercício da iniciativa individual”[57]. A presença de Keynes nos altos círculos de poder, com a adotação de seu ideário na Inglaterra, em face, sobretudo, de sua assessoria a Churchill, fez com que o seu pensamento fosse adotado no ocidente desenvolvido, especialmente na Europa ocidental. Assim, para haver desenvolvimento, o Estado deve intervir na economia. O problema do pensamento econômico anterior se relacionava com a ausência de combate eficiente ao desemprego, através da intervenção.

A causa da Primeira Grande Guerra, para Keynes, foi a luta pelo mercado externo, pois este era fundamental para o equilíbrio econômico de uma nação e seu desenvolvimento. Ao impor vendas externas, mantém-se o emprego interno. Olhava-se mais para isso e não para o desemprego crônico e persistente, por suas causas internas. A economia mundial, na altura em que Keynes escreveu a sua teoria geral, sofria de redução do mercado externo. Para Keynes, a ação estatal e o seu repertório poderia ser variado. O que importava era alavancar o emprego e alcançar o pleno emprego. Em situações de grande desemprego, Keynes defendia a realização de obras públicas, mesmo as de “duvidosa utilidade”, uma vez que o grande emprego de homens em obras públicas produzirá um efeito correspondente sobre o emprego agregado, inclusive a reduzir gastos com a assitência social. Depois, com o desenvolvimento e o atingimento do pleno emprego, recomeça-se o cilho, com a diminuição das obras públicas[58].

O pensamento Keynesiano impactou o mundo ocidental desenvolvido de um modo ainda maior, sob o ponto de vista das ações econômicas do Estado. Este passou a ser um Estado intervencionista, não apenas no sentido de ser um Estado que incentiva, que faz ajustes, mas um Estado Providência, um Estado Serviço Público, que é responsável pela prestação de atividades econômicas, que são tidas, em um conceito mais lato, como serviço público.

O Estado Interventor tem diversas obrigações e passou, institucionalmente, a partir das Constituições (alteradas ou editadas novamente), a ter responsabilidade por tarefas que se tornaram fundamentais, incumbências consideradas prioritárias no âmbito econômico. Tal quadro jurídico, em princípio, foi adotado até mesmo no Reino Unido, mas sobretudo na Europa Continental, em especial pelas contingências políticas que conduziram à proliferação de um fenômeno chamado em muitos locais como Estado Novo, que se espalhou, inclusive, pela América Latina. Em que pese o decréscimo democrático em alguns países ocidentais, o intervencionismo vem como doutrina e fórmula institucional de modelo de Estado, que agora tem a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida econômica, como previsto na Constituição da primeira República Portuguesa, em seu art. 31º.

Em França, o modelo se aperfeiçoa, com as definições de serviço público, administração pública direta e indireta, bem atualizadas às situações da época (necessária intervenção do Estado), em que o Estado europeu ocidental começa a prestar intenssivamente serviços públicos, através de empresas. E não só, o Estado ocidental passa a explorar diretamente atividades econômicas típicas, em setores tidos como estratratégicos ou essenciais, como exemplo, as atividades econômicas que foram consideradas como monopólio do Estado. Na América Latina, também por exemplo, passa a ser muito comum o monopólio do petróleo e da indústria de outros bens, como de aviões, no Brasil, que, por muito tempo, foi monopolizada pela estatal EMBRAER. São os serviços industriais e comerciais do Estado. Ao lado desse esquema jurídico representativo da interveção direta - no conceito econômico; indireta na terminologia administrativista: por terceira pessoa criada pelo Estado, não a Administração central -, por pessoas jurídicas pertencentes ao Estado, mesmo, em geral, com personalidade jurídica de direito privado, como as sociedades de economia mista e as empresas públicas, o Estado também adotava o sistema das concessões de serviço público, através do qual trespassava para interposta pessoa, em geral, da iniciativa privada, a prestação do serviço considerado público[59].

O Estado Providência terminou por se caracterizar como o Estado que procura atender às reinvidicações sociais, providenciando os bens e serviços, inclusive culturais, almejados pela sociedade, não produzidos ou não prestados suficientemente pela iniciativa privada[60], ao lado dos monopólios estatais de setores estratégicos. Há o congestionamento do Estado, que, no intuito de atender a tudo, procura ajustar-se às exigências sociais, criando fórmulas jurídicas, sobretudo pessoas jurídicas, para o atendimento dessas demandas.

Não obstante, a visão keynesiana foi fundamental, para quebrar uma barreira ideológica, o que era necessário para uma maior atuação estatal no domínio econômico, a permitir a reconstrução da Europa, em especial após a Segunda Grande Guerra. O intervencionismo estatal na economia passou a ser uma tônica na sociedade capitalista ocidental. O indivíduo passa a ter, em princípio, direito à determinadas prestações ou fornecimento de determinados bens e passa a ser dever do Estado, para o regular e equilibrado funcionamento das atividades essenciais a essas prestações, intervir na economia, auxiliando ou prestando diretamente determinados serviços e bens[61].

Ao Estado cabe, então, em princípio, intervir, livremente, na economia, estatizando, nacionalizando e criando atividades econômicas, bem como agindo para impulsinor a economia através de contratos de obras públicas, ou através de concessões a particulares de serviços que considera público. A supremacia do interesse público sobre o interesse privado é a tônica. O poder regulamentar é utilizado diretamente pela Administração Pública, através de seus órgãos centrais, como os ministérios ou por corporações, como se verá a seguir.          


CAPÍTULO IV – ESTADO REGULADOR

Para Keynes, com o desenvolvimento econômico, deixaria de haver a necessidade de “socializar a vida econômica”[62], nos limites que ele mencionou e acima sintetizados. Contudo, houve um movimento mais intensso do que por ele preconizado, embora os defensores dessa coorente se entitulem como adeptos do pensamento intervencionista keynesiano. É a vertente, sobretudo política, que encaminhou o pensamento intervencionista no sentido da estatização de parte ou grande parte dos meios de produção e de planificação ou semiplanificação da economia no mundo ocidental, mesmo nos países democráticos, como Holanda e França[63], sem limite temporal para acabar. O estatismo passaria a ser algo normal da economia. Esta corrente predominou por décadas no domínio político, mesmo quando a economia atingiu níveis satisfatórios de crescimento. Por outro lado, grande parte do mundo ocidental foi influenciado pelo modelo orgânico alemão, ou modelo corporativista de Estado – totalitário, que permaneceu vigente, em grande parte dele, mesmo depois da Segunda Grande Guerra Mundial[64].

Ao analisar a Constituição protuguesa de 1933 (art. 5º), sobre o sentido jurídico do Estado Corporativo, Marcelo Caetano ensina que, no seio do povo, existem comunidades e associações, a realizar “tarefas coletivas parcelares”, inclusive econômicas, sendo certo que cabe ao Estado “respeitar e sancionar o direito disciplinar brotado desses grupos primários”. O pluralismo jurídico seria, então, natural da sociedade, contudo, o Estado tem primazia sobre o direito corporativo, devendo regulá-lo, condicioná-lo e limitá-lo[65].

Ademais, foram criadas, em Portugal, corporações no domínio econômico (coordenação econômica), segundo o Decreto-Lei nº 26.757, de 8 de julho de 1936: “organismos destinados a coordenar e regular superiormente a vida econômica e social nas actividades diretamente ligadas aos produtos de importação e de exportação” (art. 1º), com “funções oficiais, funcionamento e administração autónomos e...personalidade jurídica”. Segundo Marcelo Caetano, “pessoas coletivas de direito público”. Outras foram criadas exercendo funções de autoridade e com poder regulamentar sobre: lavoura, indústria, comércio, transportes e turismo, crédito e seguros, pesca e conservas, imprensa e artes gráficas e espetáculos. Todavia, os regulamentos eram aprovados “mediante proposta formulada ao Governo ou com o assentimento deste” [66].

O modelo de estatização de parte dos meios de produção e de criação de corporações para regulamentação econômica controladas pelo Estado, comum no mundo europeu ocidental, expandiu-se até a década de 1970, em princípio como resposta, a adotar a proposta keynesiana, de intervenção no domínio econômico, para combater o desemprego e atender às necessidades sociais de consumo de determinados bens e serviços.

Contudo, a partir da crise do petóleo, em 1973, houve uma crítica generalizada à estatização na Europa Ocidental, iniciando-se um movimento de privatizações, sobretudo com Tatcher, na Grã-Bretanha, que chegou ao poder em 1979. A crítica também foi grande quanto ao welfare state, a pretender-se a diminuição das políticas sociais, com a alegação de que o défice público era insustentável. Assim, iniciou-se um programa de liberalização econômica (privatizações), com a reestruturação do setor minerio no Reino Unido e o regresso ao setor privado de empresas como: British Aerospace, Cable & Wireless, British Rail, British Telecom, British Airways e empresas estatais de gás, petróleo, alojamento e muitas outras[67]. 

Por outro lado, a crise econômica no Leste Europeu foi se agravando em toda a década de 1980, com a ruína do sistema econômico comunista na Europa, mediante o seguinte roteiro em síntese apertada: Gorbachov inicia as reformas na URSS em 1983; em 1989, a fronteira da Hungria é aberta para a Áustria; são realizadas as primeiras eleições livres e Lech Walesa chega ao poder na Polônia; cai o muro de Berlim; surgem os países democráticos do Leste da Europa; e a doutrina liberal é, de um modo geral, com o fim da Guerra Fria, considerada vitoriosa, concluindo-se por se fazer necessário o recolhimento do Estado.

Não obstante o processo de privatizações ter continuado gradativamente e até hoje prosseguir e ter se pensado, com Tatcher, inicialmente, no desmonte do welfare state, com a redução das políticas sociais, isto não se consumou[68]. Em grande parte, pelo fato de, mesmo com a grande redução da apropriação estatal dos meios de produção, o Estado ter continuado a intervir na economia através da regulação que se aperfeiçou e se intenssificou.

Em verdade, a regulação do modelo corporativista, com controle pelos órgãos da administração pública central do poder regulamentar, ou mesmo por Ministérios diretamente, sofreu uma retração nesse período, a partir da década de 1970, o que se intenssificou nos anos seguintes, sobretuto na década de 1990. Embora com um inicial titubeio em se deixar tudo sem qualquer regulação, concluiu-se que o Estado precisava intervir, mas o método corporativista, a estatização e a regulação por órgãos da administração pública central se revelaram falhos e inadequados.

A visão adotada foi a de que o mercado, em princípio, é livre e de que as políticas sociais devem permanecer e até ser incrementadas. São conquistas do Estado Liberal e do Estado Social, que representam um avanço da sociedade ocidental e significam um verdadeiro contratao social, necessário para a paz e estabilização das nações. Por outro lado, a intervenção econômica deve continuar, de modo a garantir o consumo, o que atende ao conceito do Estado Providência, quanto ao fornecimento de bens e serviços ao público a preços acessíveis, mas não através de empresas do Estado, porém por intermédio de uma regulamentação que permita a boa realização desse desiderato através dos privados. O Estado Providência, do pós-Guerra até o fim da Guerra Fria, permanece hoje, contudo, o seu alcance é através de uma ferramenta, a regulação. Não se descarta, no entanto, a figura da intervenção direta, por exploração do Estado de atividade econômica de interesse geral, contudo, esta deve ser excepcional, em princípio quando a iniciativa privada não puder ou não estiver a atender adequadamente a demanda, o que se afeiçoa ao modelo anglo-saxão.

Com efeito, a regulação da atividade econômica pelo Estado tem sido desenvolvida, de um modo mais visível, nos EUA, sempre no intuito de permitir mais livre concorrência, contrária ao sentido corporativista ou estatizante. Desde o Século XIX, os tribunais, ao interpretarem a Constituição, autorizaram o governo federal a regular o comérico entre os Estados, no intuito de favorecer a concorrência[69]. Em 1890, com o Sherman Act, previram-se duras coimas a qualquer membro de uma aliança formulada para restringir o comércio. Em 1914, com a criação, nos EUA, da Federal Trade Comission, a fim de fazer respeitar a concorrência e definir práticas de lealdade nas transações, tentou-se, através de autoridades locais, controlar os consórcios. O impulso ao movimento regulador deu-se, todavia, com o reforço do Hepburn Act, já sob a presidência de Roosevelt, um lutador incansável pela efetivação do princípio da livre concorrência. Em 1911, Roosevelt obteve vitória em ações judiciais, movidas desde 1903, através das quais, por decisão da Suprema Corte, dissolveu-se a Standard Oil (gigante petroleira americana) em 34 companhias independentes, cessando esse monopólio nos Estados Unidos. Nesse diapasão, durante a presidência de Woodrow Willson, foi aprovado o Clayton Antitrust Act, para impedir fusões e concentrações de preços.

Ao lado da regulação da concorrência, que principiara na parte final do século XIX, também se desenvolveu nos EUA a noção de public utilities[70]. Com o crescimento tecnológico, muitas atividades estavam vinculadas indispensavelmente ao crescimento industrial - abastecimento de água, gás e eletricidade – e, pela incapacidade da iniciativa privada em prestá-las, o Estado se responsabilizava por elas, o que também ocorria com os serviços postais, administrados pelo governo federal.

Ao mesmo tempo, ao se contemplar uma public utilitie já prestada pela iniciativa privada, viu-se a necessidade de regulá-la. O caso símbolo foi o da A&T. Formou-se o primeiro monopólio privado, em torno das telecomunicações, através da Bell Telephone Company, dirigida por Alexander Graham Bell, o inventor do telefone (1876), o qual detinha a patente. Em 1884, expirou a patente e foi estabelecida a concorrência no setor, com o ingresso de outras operadoras no mercado, o que fez a empresa de Bell passar por instabilidade. Com a nacionalização dos serviços de telefonia no Reino Unido em 1912, o mesmo aconteceu nos Estados Unidos, como parte dos esforços de guerra, de modo provisório. Contudo, após a guerra, por receio de trust, fixou-se o complexo de tarifas do serviço pelo Estado, o que dominou o modelo norte-americano de regulação das public utilities a partir de então, as quais foram subordinadas à administração pública, que resguardava o serviço universal. Em 1934, a regulação dos serviços telefônicos de longa distância saiu das mãos do Congresso americano e passou para a competência da Federal Comunications Comission[71]. 

Na altura da Grande Depressão, o setor público americano representava apenas 8% da economia do país. Não resta dúvida que Roosevelt criou empresa estatal (Tenessee Valley Authority – empresa pública de ordenação do território e  e de construção de infraestruturas) pontual, iniciou inúmeras grandes obras públicas no país e editou medidas sociais (Social Security Act, estabelecendo seguro para os assalariados), todavia, os pontos marcantes de seu New Deal foi, por um lado, desregulamentar a economia - suspensão da lei antitrust (NIRA – National Industrial Recovery Act[72]), sob a condição de que os salários subissem e medidas sociais fossem adotadas pelas empresas -, e regulamentá-la por outro – proibição das fusões e filiações entre bancos e sociedades de investimento, com a compartimentação das atividades bancárias, para evitar que o pânico da bolsa implicasse no colapso de todo o sistema bancário, e garantia de depósitos (Banking Act)[73]. Nessa toada, através do Agricultural Adjustment Act (1930), regulamentou o pagamento de incentivos a agricultores que aceitassem reduzir a superfície explorada ou diminuir a respectiva produção, para causar uma baixa da oferta.

Por óbvio, muitas ferramentas podem ser utilizadas pelo Estado, como feito por Roosevelt, que tornou a economia americana capaz de alavancar a reconstrução da Europa (Plano Marshall) e do Japão. Contudo, a ferramenta da regulação/desregulação vem a se revelar como a mais usada e eficiente - o modelo americano. Em regra, somente em situações excepcionais (incapacidade ou insuficiência da iniciativa privada; segurança nacional), de crise e de guerra se utiliza do modelo da prestação direta pelo Estado do serviço de natureza econômica. A fórmula norte-americana da regulação vai ganhar o mundo a partir da década de 1990 somente. Até então, na Europa continental, imperava o pensamento do Estado Serviço Público, como o mecanismo fundamental para alcançar o pleno emprego, melhorar a renda e desenvolver a economia: o próprio Estado presta o serviço econômico – serviços públicos econômicos, que açambarcavam os antigos serviços industriais e comerciais do Estado. O alargamento do significado de serviço público, com base na Escola Francesa de Direito Administrativo – service public à la française -, veio a nortear a prática da maioria dos Estados no mundo ocidental na era anterior à do Estado Regulador. Segundo Léon Duguit, o serviço público é a atividade indispensável, cujo cumprimento, pela sua natureza, há de ser “regulado, assegurado e controlado” pelos governantes, exigindo a intervenção do Estado. Dentre as atividades consideradas serviço público, estavam os serviços públicos concedidos[74], o que incluía os industriais e comerciais do Estado - econômicos.

Com a privatização, o Estado passou a regulamentar a economia, em dois sentidos: (1) regular a concorrência (regulação de base ou transversal)[75], que abrange todos os operadores econômicos, inclusive os serviços, anteriormente às privatizações, prestados diretamente pelo Estado; (2) e regular setores, sobretudo os que têm a responsabilidade pelos antigos serviços industriais e comerciais do Estado, agora, na linguagem comum europeia, os serviços de interesse econômico geral[76]. Não se considera mais, em princípio, que o Estado tem a titularidade (publicatio) desses serviços de interesse econômico geral que foram trespassados para o setor privado (despublicatio – despublicação material de atividade)[77]. E mesmo quando venha a desempenhá-los diretamente, em geral, deve suscitar a concorrência, a não ter, o Estado, privilégios em relação aos privados. Excepcionalmente, quando houver monopólio, a atividade deve ser ainda mais regulada, mesmo que o serviço de interesse econômico geral venha a ser prestado por órgão da administração pública central ou por entidade criada pelo Estado, para que seja bem prestado e, se possível, permitir sua abertura concorrencial futura.

Assim, a intervenção do Estado na economia, em geral, hoje, analisando a experiência europeia e americana, dá-se, sobretudo, através da realização de grandes obras de infraestrutura (que também são reguladas, sendo que muitas delas realizadas por privados, mediante contratos com a Administração ou Parcerias) e, principalmente, pela regulação da economia, através da qual o Estado edita e aplica normas que permitam o alcance do objetivo econômico estatal – a livre concorrência para a produção adequada de bens e serviços e a correta prestação de serviços de interesse econômico geral (public utilities), a saber: setores de água, transportes, energia, serviços postais, telefonia, dentre outros (internet, por exemplo).

A livre concorrência é regulada quanto a todo o mercado e em relação a cada setor, com as suas especificidades, exatamente para que não deixe de existir e para incrementá-la. E os setores dos serviços de interesse econômico geral são regulados com mais cuidado, ante a sua utilização universal e essencialidade coletiva, e em face da sua prestação em rede. Através de tarefas públicas, como as de supervisão e regulação de atividades[78], o Estado garante a realização dos serviços de interesse econômico geral e a concorrência. Para a efetividade da regulação, há a necessidade de instrumentos jurídicos eficazes de controle (inclusive quanto ao acesso ao mercado para prestar os serviços), acompanhamento e fiscalização dos regulados, bem como de punição dos infratores das medidas de regulação[79].

Para isso, foi desenvolvido o mecanismo das agências reguladoras independentes, que realizam atuações administrativas públicas de regulação e supervisão, contudo, distinguem-se dos demais órgãos da administração pública, por sua independência em relação ao governo. Funcionam de forma colegiada e, em geral, com um quadro de profissionais de alta competência e preparação técnica (aptidão, experiência profissional e formação adequada) na atividade do setor regulado. Em Portugal, a lei nº 67/2013 (Lei-Quadro das Entidades Reguladoras) definiu, como princípio, em seu art. 3º, 1, que as entidades reguladoras são pessoas coletivas de direito público, com natureza de entidade administrativa independente, em matéria de regulação[80] da atividade econômica e de promoção e defesa da concorrência.

Pedro Gonçalves traz à baila as chamadas obrigações de serviço público, que são “as constrições a que um serviço de interesse económico geral ou serviço universal deve obedecer”[81]. Estas obrigações estão sintetizadas por Marcelo Fontana, como sendo as seguintes: serviço universal (disponibilidade, não discriminação e amplo acesso, embora sem se permitir o consumo excessivo); continuidade do serviço; segurança no aprovisionamento (medidas que o assegurem); fornecimento de informações ao regulador; separação contábil relativa às atividades financiáveis (para o cumprimento de obrigação de serviço público); proteção ambiental; garantir acesso à infraestruturas (os operadores que as detêm); adoção de padrões técnicos; obrigações relativas ao preço (acessível ao utente, recompensador do prestador e possibilitador de investimentos) e à qualidade dos serviços (eficiência, segurança e mutabilidade)[82]. Além dessas, acrescenta-se a obrigação de respeitar às normas regulamentares de segurança, saúde e higiene no trabalho, que podem ser classificadas como normas de proteção ao ambiente – meio ambiente de trabalho. Ademais, devem os operadores econômicos observar as obrigações relativas às normas de proteção ao consumidor. A esse respeito, Vieira de Andrade alerta da necessidade de “defesa das pessoas contra entidades poderosas que possam provocar-lhes lesões e, em última análise, afectar o livre desenvolvimento de sua personalidade”[83]. Nesse sentido, a lei nº 67/2013 define que a entidade reguladora regulará a atividade econômica e também a proteção de direitos e interesses dos consumidores – art. 3º, 1. Ao regular a atividade econômica, tem como uma de suas finalidades a proteção de direitos e interesses dos consumidores, matéria essa também objeto de sua regulação.

  A par de todas essas obrigações que são atribuídas aos operadores econômicos, as agências reguladoras devem, além de ser independentes do governo – fundametal para a sua legitimação -, estar calcadas em um aspecto basilar que lhes acrescenta mais legitimação democrática, manter um relacionamento institucional com Governo, consumidores e operadores econômicos, o que não hostiliza a sua independência. Em verdade, propugna-se uma “visão consensual da atitidade regulatória”, sobretudo na obtenção das regras impostas ao setor da economia regulado, através da adoção de instrumental até certo ponto contratual, como, por exemplo, “o ato administrativo de aceitação de compromissos”[84].

A crise financeira de 2008 – crise dos subprimes (créditos hipotecários ou empréstimos imobiliários de alto risco – subprime mortage), com uma recessão subsequente em várias localidades do mundo, mais sensível na Europa e nos EUA – tem trazido à tona a discussão sobre suas causas, inclusive aquelas que gizam em torno do poder regulador da economia – excesso de regulação ou falta de regulação. Seria a crise do Estado Regulador[85]. Há  quem propugne haver a crise do Estado ocidental – sua democracia e seu capitalismo[86]. Contudo, ao que parece, a capacidade regulatória (ex post), mesmo deficiente, fez com que a crise não chegasse a ter o poder devastador a ponto de causar uma grande depressão, como a de 1929.

Nesse sentido, o Estado regulador parece ser a fórmula para a garantia dos aspectos proeminentes nos três modelos de Estado estudados do primeiro capítulo até o terceiro deste trabalho. É o Estado que assegura: (1) a propriedade privada, baseando-se na livre iniciativa particular e tem nessa o principal fator econônico; (3) os direitos sociais: trabalho, saúde, educação, previdência e assistência social; (3) as prestações dos serviços econômicos necessários para todos os indivíduos, de maneira universal, e, também, para os próprios operadores econômicos. 

O Estado regulador não é a antítese do Estado liberal. Ao contrário. Ele veio aprimorar o liberalismo, em especial ao definir-lhe balizas, pois os interesses de um indivíduo não devem invadir a esfera dos de outro; os interesses individuais não devem malferir o interesse público – a vontade geral; e o Estado não deve desrespeitar a esfera individual. As balizas desses interesses são definidas no Estado de Direito, que também engendra o modo de resolução dos conflitos, de maneira segura, bem articulando a função jurisdicional, de forma independente e adequada ao matiz conflitual. Em verdade, a regulação vem para garantir o direito do outro também concorrer no mercado. Ao mesmo tempo, garante o interesse público, que se consubstancia na concretização de interesses gerais, sociais e coletivos. A tributação e o quadro legal trabalhista, por sua vez, vêm no intuito de atender aos reclamos sociais por trabalho, educação, saúde, previdência e assistência social. Estas definições encontram-se presentes no Estado Regulador, que tem como objetivo, também, a concretização dos direitos sociais.

Em verdade, a regulação tem um amplo espectro de alcance social, que transcende à regulação meramente econômica. As regulações sociais são uma nuance significativa da regulação moderna e mostra que Estado Regulador e Estado Social andam juntos. Assim, obrigar um prestador de um serviço econômico de interesse geral ao fornecimento do serviço a todos os potenciais utentes; a disponibilizar equipamentos especiais para acesso ao serviço de interesse econômico por pessoas deficientes; adequados aos idosos; com transparência quanto à qualidade e aos preços; a regras de proteção a setores vulneráveis – baixa renda[87]; a regras de higiene, segurança e medicina no trabalho; a regras de proteção e de segurança dos consumidores, significa o Estado Regulador como Estado Regulador Social[88].

O Estado Regulador também anda junto com o Estado Providência. Os fins dos dois modelos são os mesmos: o consumo de bens necessários, imprescindíveis. Ao providenciar, o Estado, os serviços de interesse econômico geral, os meios são diferentes nesses modelos: os do Estado Providência, através da prestação direta do serviço pelo Estado, em regra; no Estado Regulador, a prestação do serviço alcançada pela regulação econômica. O cidadão do Estado Regulador também tem direito à prestação desses serviços e, em condições excepcionais, de recebê-lo mesmo sem o pagamento, quanto a certos serviços, em determinadas situações excepcionais, ou mediante o pagamento parcial do preço pelo serviço prestado, também em razão de requisitos extraordinários. Ademais, as condições de eficiência, qualidade, disponibilidade, acessibilidade e preço são muito melhores em um sistema mais dinâmico e eficaz, quanto ao controle (mais controlável) e prestação. Nos tempos do Estado Serviço Público (Prestador), a mutabilidade deixava a desejar. As acomodações (estática) conduziam a uma prestação inadequada. O Estado regulador, por isso, pretende alcançar a universalidade dos utentes e a uma boa prestação dos serviços, tendo em vista a solidariedade social. É o alcance da fraternidade, através do financiamento de todos os que podem pagar, seja pela quitação de tarifias ou do subsídio público, para que todos, quem quer que sejam e de onde estejam, tenham acesso a esses serviços, considerados de interesse geral.

Assim, os aspetos (1) livre iniciativa, (2) direitos sociais e (3) direito à prestações de bens e serviços de interesse econômico geral continuam presentes no Estado Regulador e o caracterizam. O Estado Regulador, pontanto, congrega e dinamiza os principais elementos finalísticos de cada um dos modelos anteriores – Estado Liberal; Estado Social e Estado Providência.

 Contudo, em face da crise de 2008, as críticas ao Estado Regulador, em função das suas suscetibilidades, são grandes. Há um risco de contágio muito grande da economia global, em crises que se sucedem imprevisivelmente.

 Para Keynes, como acima mencionado, uma causa da Primeira Grande Guerra foi econômica – guerra por mercados externos, sendo certo que a Primeira Guerra foi, em última instância, a causadora da Segunda, em razão, principalmente, do grande rancor alemão pelos pesados encargos a que se submetera em face do término da Primeira. Nesse ponto, mesmo sem conhecer o pensamento de Keynes, Roosevelt[89] fez uma mea culpa, ao dizer que o protecionismo causou problemas para o mundo. Assim, hoje, há uma tendência global para a abertura da economia e para a adoção da economia de mercado, o que traz riscos. Joseph Stigliz diz que “a rápida liberalização dos mercados de capitais sem ser acompanhada da respectiva regulamentação pode ser perigosa”[90], a propugnar por um certo padrão de governança global.

Ao mostrar que nem a mão invisível do mercado, nem a mão pública foram suficientes para resolver os problemas econômico-sociais, Suzana Tavares preleciona que há a necessidade de adoção de sistema econômico dinâmico, capaz de gerar progresso social e calcado no dinamismo das liberdades econômicas, a atuar disciplinado “pela regulação pública setorial e num quadro compromissório” de economia global[91]. Para isso, faz-se necessário um esquema de multinível normativo, semelhante ao já vigente na União Europeia, no sentido de uma smart regulation[92], que considere os serviços de interesse econômico geral como instrumentos de promoção da coesão social, no espaço de integração econômica, como um regime com pretensões de constituir uma cidadania social, com derrogações ao sistema de concorrência pura e de distanciamento do Estado[93].

A expansão do Estado regulador para a arena global, através de uma regulação plástica (adaptável a cada parte do território terrestre, pelas suas condições de desenvolvimento) e com fórmulas flexíveis de regulação (contratos, parcerias) por organismos internacionais (públicos ou privados – com funções administrativas de regulação), com o estabelecimento do livre mercado e regulação social, dando-se créditos às nações que abrirem mercados e cumprirem metas sociais – proteção do meio ambiente; extinção do trabalho infantil, trabalho escravo contemporâneo (degradante), do duping social etc., pode redundar, salutarmente, na aplicação de fundos internacionais para a garantia de efetivação de serviços de interesse econômico geral em países subdesenvolvidos, a trazer benefícios sociais e econômicos substanciais a toda humanidade.

Desse modo, a good regulation[94] certamente ultrapassará fronteiras nacionais e não significará uma light regulation[95], mas, por óbvio, deve considerar liberdade de iniciativa, livre concorrência e direito do trabalho; propriedade privada e responsabilidade social; utilização de recursos naturais e preservação do meio ambiente; acúmulo de riqueza e distribuição da renda; suprimento das necessidades dos habitantes da terra, respeito aos direitos humanos, pluralismo e olhar voltado às gerações futuras; regulação, adaptação e desregulação, quando necessária.

Certamente, o Estado liberal garantiu direitos humanos individuais, a permitir o exercício das liberdades individuais e políticas. O Estado Social, por sua vez, reconheceu que o homem tem direito ao trabalho, à educação, à saúde, à previdência e à assistência social. O Estado providência, por sua banda, multiplicou os direitos do cidadão, obrigando o Estado às prestações universais coletivas (água, eletricidade, comunicação) e difusas (ações de proteção ao meio ambiente). O Estado Regulador, por fim, contempla todos os plexos normativos anteriores e procura dinamizá-los de modo a ultrapassar as etapas históricas de consolidação dos direitos anteriores, de manerira a respeitar, também, a pluralidade social e humana.

O Estado Regulador atua na pluralidade. A pluralidade jurídica é a sua tônica, consubstanciada nos núcleos variados de edição de normas jurídicas, sem totalitarismos jurídicos. Ao mesmo tempo em que estas fontes têm vários centros de produção e se dirigem a vários setores, estes (centros) não vêm apenas de dentro de pessoas jurídicas estatais, mas advêm também da sociedade, através de organismos sociais que normatizam, inclusive, setores da vida econômica. Ademais, centros de normatização conduzem à edição de normas jurídicas protetivas de segmentos sociais plurais, com reflexo na atuação do Estado. Deste modo, regras jurídicas são aplicáveis às minorias ou grupos sociais, de maneira que estatutos jurídicos plurais surgem na proteção do ser humano, na sua pluralidade, para solucionar problemas econômicos, v.g. Nesse sentido, o Estado Regulador revela-se como Estado Regulador Garantidor da existência dos serviços de interesse econômico geral, com acesso aos cidadãos, em condições de universalidade[96].


CONCLUSÃO

Mediante a análise do Estado, sob o enfoque do grau de regulação econômica, desde a assunção do Estado Constitucional, conclui-se na existência histórica de quatro modelos estatais. O primeiro, o Estado Liberal, representou o Estado da limitação dos poderes públicos, no sentido de impedir a intromissão estatal na vida privada, propugnando a não intervenção pública na economia. O Estado social, por sua vez, preservou, como princípio, a não intervenção econômica em geral, todavia, regulamentou o fator trabalho, passando a ser pacífico, a partir de então, o intervencionismo estatal na definição do estatuto básico do trabalho, o que representou um contributo importante para a paz social, com a integração da classe trabalhadora, e para o alcance do padrão necessário de legitimação do Estado. O Estado Providência, que se concretizou em seguida, trouxe maior padrão civilizatório para o mundo ocidental, exigindo do Estado uma intervenção pessoal e direta na economia, titularizando serviços econômicos, para que bens e serviços essenciais aos cidadãos fossem fornecidos e prestados, passando o Estado a realizar atividades econômicas, diante da conclusão da insuficência da iniciativa privada na sua consecução. Na Sequência do fim da Guerra Fria, enfraqueceu-se a tendência estatizante, com uma onda privatista, compreendendo-se ser mais benéfico, nessa toada histórica, que os privados desenvolvessem as atividades econômicas, mesmo para a prestação de serviços de interesse econômico geral.

Em cada etapa estatal mencionada, foram sendo conquistados direitos pela cidadania: (1) liberdades individuais; (2) direitos trabalhistas; (3) direito à prestações de interesse econômico geral; (4) e direitos de pluralidade. Estes últimos decorrentes de uma época em que as diferenças são levadas em conta e o tratamento normativo passa a ser adequado às situações de vida exigidas pela sociedade, de acordo com a sua composição plural.

A pluralidade perpassa a teoria das fontes do direito, seja quanto às espécies normativas (variedade de instrumentos para veicular as normas), seja quanto aos centros de normatização jurídica (multiplicidade de órgãos que normatizam; muitos fora do legislativo), alcançando realidades díspares quanto a indivíduos, a grupos e a pessoas coletivas, com transversalidades normativas até mesmo dentro de segmentos iguais (entre empresas, podem existir estatutos normativos distintos). Do mesmo modo, a pluralidade afeta a jurisdição, com a multiplicação de órgãos para a análise de causas de naturezas distintas, em instâncias nacionais, comunitários e internacionais; estatais e privadas.

Nesse sentido, parece ser uma característica dos tempos hodiernos essa pluralidade, sendo também uma caraterística do Estado Regulador. Flexibilidade e plástica normativa são fundamentais para regrar ou desregrar, de maneira que sejam adequadas as situações de vida às finalidades sociais, em especial sob o ponto de vista econômico.

Deste modo, o Estado Regulador é regulador e desregulador, se necessário, para o avanço econômico e melhoria das condições sociais. É social, pois sempre serve ao desenvolvimento social, estabelecendo, através da regulação, o cumprimento de obrigaçõe sociais. É intervencionista direto, se preciso, para que a economia volte a entrar nos eixos, quando necessite de algum choque de intervenção, através de alguma fórmula estatizante, para tratar setores econômicos que imponham, por um período, esse tipo de medida. É promotor da liberdade de iniciativa, mas se utiliza de medidas de ajuste, de orientação e de disciplina do mercado. É garantidor do correto funcionamento do mercado e dos fins econômicos e sociais previstos pelo Estado, efetivando a adequada prestação dos serviços de interesse econômico geral.

A crise de 2008 revelou que o Estado Regulador nacional é insuficiente, necessitando-se do engenho humano para a ultrapassagem de barreiras nacionais, transnacionais, comunitárias e alcançar o status de governança global, de regulação universal, sob o ponto de vista econômico, para que haja um controle internacional ex ante de determinados operadores econômicos, em especial dos financeiros.

Por óbvio, esse Estado regulador universal garantirá, aperfeiçoara e estenderá as conquistas estatais dos países desenvolvidos sob o ponto de vista jurídico, de modo a garantir os direitos econômicos e sociais a toda a humanidade. Tais padrões, já presentes em várias partes do mundo, necessitam de universalização, para dignificar o homem, onde quer que ele esteja e seja ele quem for. Shakespeare, assim, terá razão:

“O, wonder!

How many goodly creatures are there here!

How beauteous mankind is! O brave new world,

That has such people in´t” [Miranda,  in The Tempest]


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Notas

[1] ARISTÓTELES. A política. 2 ed. Brasília: UNB, 1988, p. 17. Sobre a organização social grega, Aristóteles assevera: “Agora que conhecemos claramente as partes componentes de uma cidade, temos de falar primeiro do chefe de família, pois toda cidade se compõe de famílias. [..] Os elementos primários mais simples de uma família são o senhor e o escaravo, o marido e a mulher, o pai e os filhos. [...] Os bens são um dos elementos constituintes da família e a arte de enriquecer é parte da função do chefe de família (sem o mínimo necessário à existência não é possível sequer viver, e muito menos viver bem)”. In: op. cit., p. 17. A respeito do escravo, Aristóteles diz: “Estas considerações evidenciam a natureza do escravo e sua função; um ser humano pertencente por natureza não a si mesmo, mas a outra pessoa, é por natureza um escravo”. In: op. cit., p. 18. Há registro de que ¾ da população de Atenas era composta de escravos. In: BRASSEUL, Jacques. História económica do mundo: das origens aos subprimes. 2 ed. Lisboa: Texto e grafia, 2010, p. 51.

[2] ARENDT, Hannah. A condição humana. 11 ed. São Paulo: Forense Universitária, 2010, p. 38.

[3] Op. cit., p. 35.

[4] Op. cit., pp. 40-1.

[5] Registre-se que a escravatura, praticamente, acabou tanto no mundo cristão como no mundo muçulmano na Idade Média. Havia uma regra, mesmo no mundo islâmico, de não escravização de cristãos e judeus, um chamado “pacto de proteção”, designado dhimma, que era um estatuto jurídico aplicado pelas lei islâmica a judeus e cristãos, o qual impedia a escravidão de judeus e cristãos em geral. Na Idade Média, a escravidão continuava, nos seus primórdios, quanto à populações eslavas ou a povos nórdicos não cristianizados (anglos, saxões, escandinavos), os quais eram encaminhados pelos francos para Lion e Veneza, com o desenvolvimento de um tráfico para o mundo árabe. O mesmo acontecia com negros e asiáticos. As palavras esclave (em francês), slave (em inglês), esclavo (em espanhol), saqlab (árabe) correspondem ao significado de escravo (em português) e advêm de eslavo, em cada uma dessas línguas, designando um dos povos mais escravizados no início da Idade Média. In: BRASSEUL, Jacques. História económica do mundo: das origens aos subprimes. 2 ed. Lisboa: Texto e grafia, 2010, p. 81.

[6] ARENDT, Hannah. A condição humana. 11 ed. São Paulo: Forense Universitária, 2010, p. 41.

[7] Max Weber menciona a dificuldade de transpor os núcleos de poder da Idade Média, por quem não fosse do clero ou senhor feudal. In: WEBER, Max. Economia e sociedade. São Paulo: UNB, 2009, vol. 2, p. 446.

[8] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanaos. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 40.

[9] VIANA, Segadas et alii. Instituições de Direito do Trabalho. 16 ed. São Paulo: LTr, 1996, vol. I, pp. 30-1.

[10] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanaos. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 45.

[11] Op. cit., p. 44.

[12] BRASSEUL, Jacques. História económica do mundo: das origens aos subprimes. 2 ed. Lisboa: Texto e grafia, 2010, p 70.

[13] Op. cit., p. 89.

[14] Op. cit., p. 96.

[15] VIANA, Segadas et alii. Instituições de Direito do Trabalho. 16 ed. São Paulo: LTr, 1996, vol. I, p. 32.

[16] Em verdade, o feudalismo continuou presente na economia europeia, como fórmula predominante, em países como a Rússia, que permaneceu semifeudal até o século XIX. In: BRASSEUL, Jacques. Op. cit., p 78. A respeito do mencionado no texto, Bloch afirma que a Revolução Francesa tinha como uma de suas principais pretensões a de destruir a feudalidade. In: BLOCH, Marc. A Sociedade Feudal. Lisboa: Edições 70, 2009, p. 515.

[17] Os direitos das corporações, em especial o privilégio de regulamentar, eram comprados do Estado na França. In: BRASSEUL, Jacques. Op. cit., p 112.

[18] ROSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social. 3 ed. Mira-Sintra: Europa-América, s.d., p. 28. Segundo Russeau, na referência mencionada, esta propriedade sai das mãos do rei e vai para as mãos dos súditos.

[19] MILL, Stuart. Sobre a liberade. São Paulo: Hedra, 2010, p. 126.

[20] MILL, Stuart. Op. cit., pp. 38-40.

[21] A esse respeito, os artigos primeiro e segundo da Declaração dos direitos do homem e do cidadão: “Artigo Primeiro. Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum. Artigo Segundo. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Tais direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”. In: COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 154.

[22] MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Lisboa: Edições 70, 2011, p. 306; e LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998, pp. 514-5.

[23] Em certo sentido, assim também pensava Rousseau: “os compromissos que nos ligam ao corpo social são obrigatórios porque são mútuos, e a sua natureza é tal que, cumprindo-os, trabalhamos sempre no nosso próprio interesse, enquanto prosseguimos o interesse dos outros”. In: ROSSEAU, Jean-Jaques. Op. cit.  pp. 37-8.

[24] SMITH, Adam. A Riqueza das nações. 3 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, vol. I, p. 95.

[25] Smith diz: “...não pretende, normalmente, promover o bem público, nem sabe até que ponto o está a fazer. Ao preferir apoiar a indústria interna em vez da externa, só está a pensar na sua própria segurança; e, ao dirigir essa indústria de modo que a sua produção adquira o máximo valor, só está a pensar no seu próprio ganho, e, neste como em muitos outros casos, está a ser guiado por uma mão invisível a atingir um fim que não fazia parte das suas intenções. Nem nunca será muito mau para a sociedade que ele não fizesse parte das suas intenções. Ao tentar satisfazer o seu próprio interesse, promove, frequentemente, de uma maneira mais eficaz, o interesse da sociedade, do que quando realmente o pretende fazer. Nunca vi nada de bom, feito por aqueles que se dedicam ao comércio pelo bem público”. In: SMITH, Adam. Op.cit. pp. 757-8.

[26] Há muito reivindicado pela Holanda, desde o direito de livre navegação e liberade de trocas. Hugo Grócio formulou o pensamento de que o alto mar era território internacional e da liberdade de trocas. A proibição, portanto, da livre navegação era ilegítima, contra o Direito. Grócio diz: “He who prevents another from buying or selling, or who puts his private interests before the public and common interests, or who in any way hinders another in the use of something which is his by common right, is bound to make restitution of all the loss by the arbitration of a good man”. In: GRÓCIO, Hugo. Mare Liberum. Boston: Brill, 2009, p. 153.

[27] As trocas mundiais permaneceram compartimentadas na Europa até o fim do século XVIII. Os mercados estavam isolados. O comércio internacional livre, por muito tempo, permaneceu restrito às feiras, que não tinham ligação entre si. In: BRASSEUL, Jacques. Op. cit., p 83.

[28] A exceção nessa parte do mundo foi Antuérpia (antiga feitoria portuguesa), que, embora parte do Reino Espanhol, foi deixada fora do modelo mercantilista, imperando a liberdade, com a extinção das corporações, a operar-se o câmbio livre. Foi, em Antuérpia, criada a primeira Bolsa de Valores do mundo ocidental, em 1531. Em Antuerpia, Jean Bodin formulou a teoria da origem da inflação, em 1561. In: BRASSEUL, Jacques. Op. cit., pp. 96 e 100.

[29] Na Inglaterra, o servilismo foi extinto em 1381, em razão da poll tax, que marcou o fim do feudalismo inglês. Com a insurreição dos servos (movimento dos labourers) contra os senhores, houve a concessão real do fim do servilismo. Em 1534 (Ato de Supremacia), a Coroa passou a ter primazia sobre a Igreja. As Revoluções do século XVII, seja a do período da Commonwealth (disseminação de direitos individuais, dentre eles, o habeas corpus e o princípio da presunção de inocência; extinção da distribuição estatal de privilégios e monopólios a produtores e mercadores), seja a Gloriosa (declaração de direitos – bill of ighs; criação do Parlamento, com a exclusão dos poderes do rei de criar leis e impostos – fim do absolutismo na Grã Bretanha), redundaram numa evolução institucional propulsora do desenvolvimento econômico um século antes da França. Na Inglaterra, o sistema de patentes já existia desde 1624, o que só ocorreria na França em 1767. Na Holanda, já no século XVII, o laissez-faire é praticado internamente: a indústria e o comércio não estão inibidos pelo corporativismo, abolido na França apenas no final do século XVIII. Da mesma forma, os portos holandeses são abertos e as mercadorias importadas e exportadas pouco taxadas, com câmbio livre, desde o século XVII. As províncias unidas (Holanda) são uma república (a burguesia já tinha grande representatividade nos Estados Gerais na Holanda desde o século XVII). A população urbana atinge 50%, enquanto na França, no século XVII, a população urbana era de apenas 10%. In: BRASSEUL, Jacques. Op. cit., pp. 105-106, 115 e 159.

[30] Para o mundo europeu católico, comerciar foi ruim por muito tempo. Significava, na Idade Média, desnobilização ou desenobrecimento. Juros eram proibidos pelo Clero. Assim, os bancos ficaram como atividade dos judeus por muito tempo e, ainda no século XVIII, também dos protestantes em França, uma vez que o calvinismo não tinha qualquer restrição à prática dos juros. O gosto pelo esforço, pelo risco, crença no progresso, pragmatismo e mentalidade indutiva marcaram o empreendedorismo inglês, muito influenciado pela ética do protestantismo, a gerar um clima favorável às trocas. In: BRASSEUL, Jacques. Op. cit., pp 88,145, 158 e 171.

[31]BRASSEUL, Jacques. Op. cit., p. 141.

[32] BRASSEUL, Jacques. Op. cit., p. 85.

[33] BRASSEUL, Jacques. Op. cit., pp. 99 e 129.

[34] BRASSEUL, Jacques. Op. cit., p. 133.

[35] Como exemplo, a revogação das Corn Laws, em 1846, com a quebra do monopólio do comércio e importação do trigo, uma exigência dos industriais ingleses, para que, através da abertura do mercado inglês às importações, o preço do trigo baixasse. Os altos preços do trigo levavam a altos salários e também a restrições de competitividade nas exportações de produtos manufaturados. In: BRASSEUL, Jacques. Op. cit., p. 133.

[36] BRASSEUL, Jacques. Op. cit., p. 156. Sobre a lei das dez horas e meia, de 1848, Marx comentou que, na economia inglesa, salários tinham aumentado e o desemprego diminuído consideravelmente. In: MARX, Karl. Salário, preço e lucro. In: MARX ENGELS – Obras escolhidas em três tomos. Lisboa: Edições Avante, 1985, Tomo II, p. 30.

[37] ARENDT, Hannah. A condição humana. 11 ed. São Paulo: Forense Universitária, 2010, p. 55.

[38] Operários britânicos, denominados luddities, destruíram máquinas têxteis, na segunda década do século XIX. Os trabalhadores tinham a convicção de que as máquinas contribuíam para o aumento do desemprego.

[39] Estabelecia direito à assistência social em caso de doença, desemprego, velhice ou viuvez, financiado por imposto local sobre os rendimentos de propriedade, com fundos geridos pelas paróquias, com a abertura de oficinas (workhouses) para os desempregados.

[40] BRASSEUL, Jacques. Op. cit., p. 176.

[41] Não obstante o Direito ao Trabalho ter sido proclamado por Louis Branc e aplicado com as oficinas nacionais em França, lançadas para reduzir o desemprego maciço, em face da crise de 1846-1847, a garantia, por decreto, do direito do operário à existência para o trabalho não logrou êxito, uma vez que o afluxo foi demasiado, não tendo sido possível empregar todos os candidatos, gerando um sistema assistencial logo cancelamento pelo poder monáquico francês, a provocar insurreição, reprimida pelo governo francês com inúmeras deportações para a Argélia, que culminou na Revolução de 1848 em Paris. In: BRASSEUL, Jacques. Op. cit., p. 276.

[42] BRASSEUL, Jacques. Op. cit., pp. 276-7.

[43] BRASSEUL, Jacques. Op. cit., pp. 191-2

[44] BRASSEUL, Jacques. Op. cit., p. 207.

[45] A servidão foi extinta na Alemanha em 1807, a quando da ocupação francesa, e as corporações tiveram privilégios reduzidos em 1845, mas somente foram oficialmente abolidas em 1868, com a proclamação da liberdade empresarial em toda a Alemanha.

[46] Em verdade, apesar da referência à Alemanha no texto acima, que trouxe um quadro jurídico estatal maior de proteção ao trabalho, a evolução jurídica do Estado Social foi sensível em toda a Europa Ocidental. Na Inglaterra, o quadro jurídico trabalhista também foi conquistado, de modo que Engels, em seu “Prefácio à edição inglesa de 1892 de a condição da classa operária em Inglaterra”, livro originariamente lançado na Alemanha em 1845, fez menção a esta evolução, destacando: o fim do truck-system; a edição da lei das 10 horas de trabalho por dia; e a mudança do patronato quanto às reivindicações operárias, buscando-se, em geral, o entendimento e não mais o confronto direto. Engels também aponta fissuras no movimento operário quanto às correntes de pensamento socialistas, com o aparecimento da vertente que dissemina, entre os operários, “um socialismo que plana muito acima dos seus interesses de classe e lutas de classe e que tende a reconciliar numa humanidade superior os interesses de ambas as classes contendoras”. In ENGELS, Friederich. Prefácio à edição inglesa de 1892 de a condição da classa operária em Inglaterra. In: MARX ENGELS – Obras escolhidas em três tomos. Lisboa: Edições Avante, 1985, Tomo III, pp. 495-6. Em verdade, Engels não descreve, no seu livro sobre a situação da classe operária em 1840, que não houve evolução econômico-social com o capitalismo, mas apenas que a insegurança, em razão do desemprego - a mais desumana situação que se possa imaginar, em face da fome -, agora era pior que a do trabalhador na época da predominância do trabalho campesino. In: ENGELS, Friederich. A situação da classe trabalhadora em Inglaterra. Lisboa, Avante, 1975, p. 159. Do mesmo modo, Marx acentuava a necessidade de evolução rumo à jornada de oito horas. In: Op. cit., p. 81. Também, fazia menção à necessidade de melhoras da condição de vida, uma vez que a maior centralização dos meios de produção levou a um amontoamento correspondente de trabalhadores no mesmo espaço, em miseráveis habitações; havia, também, uma qualidade ruim da alimentação do trabalhador e desnutrição de segmentos laborais. In: MARX, Karl. O capital. Livro 1. O processo de produção capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: s/d, vol. II, p. 765.

[47]Alan Tourane preconiza que este momento foi marcante: em que a classe trabalhadora aceitou a institucionalização do conflito entre trabalhadores e empregadores, o que representou, sob o ponto de vista do trabalho, não ser ele, a partir de então, mais a causa de ruptura institucional. A partir daí vai haver uma certa fraqueza do movimento sindical e uma atuação mais em defesa dos estatutos do setor público. In: TOURANE, Alan. Como sair do liberalismo. Lisboa: Terramar, 1999, p. 30. 

[48] Karl Marx defendia o trabalho infantil e juvenil, de ambos os sexos, com restrições, a partir dos 9 anos. Para ele, dos 9 aos 12 anos de idade, deveria ser permitido na aprendizagem, em jornada de duas horas; entre 13 e 15, jornada de quatro horas; e de 16 a 17 anos – jornada de oito horas, com intervalo para alimentação e proibição do trabalho noturno e em ambiente nocivo à saúde. In: MARX, Karl. Instruções para os delegados do conselho geral provisório. As diferentes questões. In: MARX ENGELS – Obras escolhidas em três tomos. Lisboa: Edições Avante, 1985, Tomo II, pp. 82-4.

[49] KEYNES, John Maynard. The general theory of employment, interest and money. London: Macmillan, 1936, p. 368.

[50] KEYNES, John Maynard. Op. cit., p. 82.

[51] KEYNES, John Maynard. Op. cit., p. 367.

[52] KEYNES, John Maynard. Op. cit., p. 373.

[53] KEYNES, John Maynard. Op. cit., pp. 375-6. Nas palavras de Keynes: “Now, though this state of affairs would be quite compatible with some measure of individualism, yet it would mean the eutanasia of rentier, and consequently, the eutanasia of the cumulative oppressive power of the capitalism...”.

[54] Marx propugnava que os trabalhadores, mesmo no “Estado burguês”, lutassem por mudanças pontuais, no sentido de fazer a sociedade evoluir. O pensamento marxista influenciou mesmo os líderes dos trabalhadores de pensamento mais moderado. Em verdade, impactou todo o movimento sindical. Assim, na liderança da classe trabalhadora ocidental, repercutiu o pensamento marxista. E também sobre a classe dominante, que temia por suas profecias, caso determiandas concessões não fossem realizadas. O Manifesto Comunista se dirigiu a toda a classe trabalhadora, independentemente de nacionalidade. Assim, o Manifesto Comunista traz um elemento fundamental: o da universalização necessária dos direitos sociais. In: MARX, Karl e ENGELS, Friederich. Manifesto do Partido Comunista. Lisboa: Avante, 1975, p. 75.

[55] KEYNES, John Maynard. Op. cit., p. 377.

[56] KEYNES, John Maynard. Op. cit., pp. 377-381.

[57] KEYNES, John Maynard. Op. cit., pp. 381-3.

[58] KEYNES, John Maynard. Op. cit., pp. 127-8.

[59] Ao lado desse esquema jurídico representativo da interveção direta, por pessoas jurídicas pertencentes ao Estado, mesmo com personalidade jurídica de direito privado, como as sociedades de economia mista e as empresas públicas, o Estado também já adotava o sistema das concessões ou delegações de serviço público a privados - que passou, no Estado Providência, a ser menos utilizado -, através do qual trespassava para interposta pessoa da iniciativa privada a prestação do serviço público. Na verdade, desde o fenômeno do mercantilismo português e francês, as concessões passaram a ser comuns, através das companhias majestáticas, com a atribuição, inclusive, de atividades econômicas típicas, a partir do século XIV. Ver: MARCOS, Rui Manuel de Figueiredo. As companhias pombalinas: contributo para a história das sociedades por ações em Portugal. Coimbra: Almeidina, 1997, p. 95. Em verdade, as concessões de serviço público para prestação pela iniciativa privada é algo que se constata desde a antiguidade clássica, na Grécia. Em Roma, também houve a delegação da cobrança de impostos para os publicanos. O mesmo se deu, a partir do século XV, nas capitanias hereditárias, em que eram concedidos amplos poderes públicos aos capitães-donatários. Já no século XIX, em Portugal, para a construção e serviços ferroviários, também ocorreram concessões, com a atribuição de poderes públicos a particulares. Na empresarialização da Administração Pública, com a prestação de serviços privados pelo Estado (através das empresas), estas também receberam poderes públicos de autoridade. In: GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos: o exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas com funções administrativas. Coimbra: Almedina, 2008, pp. 34-46. A propósito do mencionado no texto, a definição de serviços comerciais e industriais do Estado no mundo ocidental democratizado foi formulada em França e consolidada desde 1921, quando o Tribunal de Conflitos decidiu o caso da Balsa de Eloka, ocorrido na, à época, colônia da Costa do Marfim. In: CRETELLA JÚNIOR, José. Administração indireta brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 316. Note-se que, na Europa Ocidental democrática, desde o século XIX, sentiu-se o gradual movimento de intervenção do Estado (dentro do liberalismo), embora essa não representasse ainda uma fissura no modelo anterior. Como exemplo, Antoine Longo, analisando, no final do século XIX o Direito Italiano e fazendo um estudo comparativo com o modelo francês, escreveu: “pendant que les écoles scientifiques disputaient sùr l´utilité de l´ingérence de l´État, celle-ci, d´un mouvement graduel, mais continu et sûr, s´élargissait et se fortifiait chez tous les peuples civilisés”. In: LONGO, Antoine. La distintion entre le Droit Administratif et la Science de l´administration en Italie. In: Revue du Droit Public et de la Science Politique em France et a L´étranger. Paris, Chevalier- Marescq, 1894, Tome premier, p. 433.

[60] Marcelo Caetano preceitua a diferença do modelo adotado na Europa Ocidental: “...nos países onde existe liberdade de iniciativa privada (a que podemos chamar países liberais por oposição aos países socialistas onde o único empresário é a coletividade), a tendência das empresas públicas é para utilizarem, quanto possível, as formas e os processos das empresas privadas, segundo o Direito privado”. In: CAETANO, Marcelo. Manual de Direito Administrativo. 10 ed. Coimbra: Almedina, 2010, vol. I, p. 378.

[61] OTERO, Paulo. Manual de Direito Administrativo. Coimbra: Almedina, 2013, vol. I, p. 280. Otero menciona que, em Portugal, desde a Constituição de 1911, este dever do Estado e o direito do cidadão às prestações de determinados serviços e bens já estavam previstos.

[62] KEYNES, John. Op. cit., p. 377.

[63] A esse respetio, mesmo a Grã-Bretanha nacionalizou o setor mineiro em 1945, além de passar a ter um amplo setor da economia estatizado, incluindo desde empresa aérea até no setor de petróleo, telefonia e gás.

[64] Jacques Brasseul aponta que muitos países da Europa tiveran regimes “...fascistas entre as duas guerras: Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, Grécia, Espanha, Portugal e Áustria”. In: BRASSEUL, Jacques. Op. cit., p. 308. Em verdade, este modelo expalhou-se também pela América Latina, a atingir Brasil e Argentina, por exemplo.

[65] CAETANO, Marcelo. Op. cit., p. 383.

[66] CAETANO, Marcelo. Op. cit., p. 387.

[67] BRASSEUL, Jacques. Op. cit.,  p. 391.

[68] Jacques Brasseul afirma que a despesa pública (em % do PIB) aumentou da década de 70 a 2007, a saber: (a) Grã-Bretanha, de 41,5 para 44%; (b) França, de 38,8 para 52,3%; (c) Alemanha – de 42 para 43,7% e (d) EUA, de 31,1 para 36,7%, embora tenha deixado de aumentar na década de 2000. Prosseguiu, pelo visto, a receita de Keynes. In: Op. cit., p. 392.

[69] STIGLITZ, Joseph. Globalização – a grande desilusão. 3 ed. Lisboa: Terramar, 2004, p. 58.

[70]ROSENBLOOM, David H. e KRAVCHUK, Robert S. Public Aministration – understanding management, politics, and law in the public sector. 5 ed. Boston: McGraw Hill, 2002, p. 247.

[71] HENRY, Claude e MATHEU, Michael. New regulations for public services in competition. In: Regulation of network utilities – the european experience. Oxford: Oxford University Press, 2001, pp. 3-5.

[72] O NIRA terminou por ser considerado inconstitucional pela Suprema Corte dos EUA, por malferir a liberdade de iniciativa.

[73] Esta medida, naquela altura, impediu o fechamento de alguns bancos, com o refluxo de poupança, e durou até 1999, quando foi revogada, pela evolução da internet, o que levou à concentração das atividades em magabandos. Em 2008, voltou-se a discutir a matéria, em face da nova crise.

[74] DUGUIT, Léon. Manuel de Droit Constitutionnel. 4 ed. Paris: E. de Boccard Éditeur, 1923, p. 73.

[75] A respeito, GONÇAVES, Pedro. Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado Contratante. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 80.

[76] A terminologia se tornou um lugar-comum, não só porque a expressão vem da tradição anglo-saxônica (public utilities), como pelo seu uso nos documentos normativos comunitários. A expressão é muito citada nos livros verdes e branco e nos manuais de boas práticas da União Europeia, como nos textos do CEEP (European Centre of Enterprises with Public Paticipation and Enterprises of General Economic Interest) e do CIRIEC (International Centre of Research and Information on the Public Cooperative Economy). A propósito, o art. 14º do TFUE prescreve: “Atendendo à posição que os serviços de interesse económico geral ocupam no conjunto dos valores comuns da União e ao papel que desempenham na promoção da coesão social e territorial, a União e os seus Estados-Membros, dentro do limite das respetivas competências e no âmbito de aplicação dos Tratados, zelarão por que esses serviços funcionem com base em princípios e em condições, nomeadamente económicas e financeiras, que lhes permitam cumprir suas missões”. No art. 36º da Carta Europeia de direitos humanos está escrito: “A União reconhece e respeita o acesso a serviços de interesse económico geral, tal como previsto nas legislções e práticas nacionais, de acordo com o Tratado que instui a Comunidade Europeia, a fim de promover a coesão social e territorial da União”.

[77] GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos: o exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas com funções administrativas. Coimbra: Almedina, 2008, p. 154. Gonçaves ensina que, “no setor das atividades públicas, pertencentes à Administração, os particulares poderão intervir, se a lei conferir à administração o poder de delegar ou de conceder o respectivo exercício. Nesta hipótese, apesar da publicatio, o exercício da atividade pode ser atribuído a entidades particulares (concessionários)”. In: GONÇAVES, Pedro. Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado Contratante. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 145.

[78] GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos: o exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas com funções administrativas. Coimbra: Almedina, 2008, p. 321.

[79] GONÇALVES, Pedro. Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado Contratante. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, pp. 84-5.

[80] O ato regulamentar da agência independente tem a mesma natureza do regulamento emitido pela Administração Pública tradicional. Ana Raquel ensina: “A caracterização do regulamento como norma (acto normativo) – dirigida a um número indeterminado ou indeterminável de situações...”. In: MONIZ, Ana Raquel. Estudos sobre os regulamentos administrativos. Coimbra: Almedina, 2013, p. 43.

[81] GONÇALVES, Pedro e MARTINS, Licínio Lopes. Os serviços públicos económicos e a concessão no Estado Regulador. In: Estudos de Regulação Pública I. (Org. Vital Moreira). Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 205. A propósito do desenvolvimento desse tema, ver: SOUSA, Marcelo Fontana de. Os direitos fundamentais no Estado Regulador: aspectos das obrigações de serviço público. Salvador: Academia Juris, 2010.

[82] SOUSA, Marcelo Fontana de. Os direitos fundamentais no Estado Regulador: aspectos das obrigações de serviço público. Salvador: Academia Juris, 2010, pp 133-170.

[83] ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 395.

[84] GONÇALVES, Pedro. Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado Contratante. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 15.

[85] Gonçalves assegura que os motivos da crise, “geralmente associados às falhas de regulação, não parece, em rigor, radicar no Estado Regulador, mas sobretudo numa ideologia ultraliberal que propagou as virtudes da desregulação, da liberdade do mercado e do abrandamento normativo e prático dos poderes regulatórios. Em rigor, a falha não terá sido da regulação, mas da desregulação, e, sobretudo, da ideologia que a comandou. In: Op. cit., p. 31.

[86] Não obstante, Posner discute a crise de 2008 e suas consequências dentro da crise da democracia capitalista, a ponto de questionar a eficiência do modelo econômico americano, com muita ação no combate à crise, mas que não foi satisfatório para impedi-la: “but when there are huge challenges but no emergency, our political system tends to be ineffectual”. In: POSNER, Richard. The crisis of capitalist democracy. Cambridge: Harvard University Press, 2010, p. 387. Posner propôs a reforma da regulação do setor financeiro, de modo a impigir-lhe uma melhora e para que deixasse de existir uma miríade de agências no setor financeiro. In: POSNER, Richard. A Failure of capitalism. Cambridge, Mass; London: Harvard University Press, 2009, p. 329.

[87] SOUSA, Marcelo Fontana de. Os direitos fundamentais no Estado Regulador: aspectos das obrigações de serviço público. Salvador: Academia Juris, 2010, p. 139.

[88] Note-se que, mesmo nos Estados Unidos, onde se diz que não houve welfare state, sabe-se que a regulação permitiu o Estado Social, seja pela atuação coletiva, com a edição da regulação coletiva trabalhista (normas coletivas), proveniente dos sindicatos de empregados e patronais, seja por intermédio de concessões empresariais, que editaram verdadeiros regulamentos de empresas, os quais se multiplicaram pela sociedade americana. O welfare capitalism gerou, a partir dos anos de 1950, um alargamento da relação de emprego na empresa, superando a mera troca de trabalho por salário, com o fornecimento pelo empregador de prestações: seguro saúde, pensões, formação, educação, alojamento, guarda dos filhos e participação no capital e nos benefícios deste. Os fundos de pensão, lançados por Charles Wilson (General Motors), em 1950, teve grande sucesso, com a multiplicação desse mecanismo, de modo que, no mesmo ano, foram criados cerca de 8000 planos. O princípio consistiu no financiamento das pensões por investimentos maciços e diversificados, a motivar os trabalhadores pelos benefícios empresariais e para o crescimento econômico em geral, com segurança a longo prazo. In: BRASSEUL, Jacques. Op. cit., pp. 390-1.  

[89] KRUGAN, Paul. Prefácio ao Livro Teoria Geral do emprego, do juro e da moeda. In: KEYNES, John. Teoria do emprego, do juro e da moeda. Lisboa: Relógio D´Água Editores, 2010, pp. 13-30.

[90] STIGLITZ, Joseph.  Op. cit., p. 309.

[91] TAVARES, Suzana. Direitos fundamentais na arena global. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011, p. 108.

[92] Comissão (EU), Normativa inteligente na União Europeia, COM Comissão (EU), Smart Regulation in COM (2010) 543 final, 8 de outubro de 2010: http: //ec.europa.eu/governance/better_regulation/documents/com_2010_0543_en.pdf (acesso em 9 de abril de 2014).

[93] TAVARES, Suzana. Op. cit.,  p. 127.

[94] DELLIS, George. Can you teach an old public law system new tricks? The greek experience on good regulation: From Parody to tragedy without (yet) a Deus ex Machida. In: AUBY, Jean-Bernard and PERROUD, Thomas (Editors). Regulatory impact assessment. Seville: Global Law Press and Instituto Nacional de Administración Pública, 2013, p. 181.

[95] Vital Moreira critica a utilização do modelo da Nova Zelândia (light regulation) na União Europeia. In: MOREIRA, Vital. As entidades de regulação sectorial. In: MARQUES, Maria Manuel Leitão e MOREIRA, Vital. A mão visível: mercado e regulação. Coimbra: Almedina, 2003, p. 182.

[96] GONÇALVES, Pedro. Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado Contratante. Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 64.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR, Raimundo Itamar Lemos Fernandes. Do Estado liberal ao Estado regulador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4592, 27 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46140. Acesso em: 29 mar. 2024.