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O caráter fiscal e extrafiscal da CIDE sobre as atividades na indústria de petróleo

O caráter fiscal e extrafiscal da CIDE sobre as atividades na indústria de petróleo

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A preocupação do governo brasileiro com a balança de pagamentos levou a tomar certos cuidados contra a evasão de divisas. A criação da CIDE, embora muitas vezes encarada como meramente arrecadatória, demonstra seu caráter antielisivo.

Introdução

             Amado por uns e odiado por outros, o tributo vem ao longo dos tempos sobrevivendo às diversas mudanças que estão submetidas à sociedade. Entretanto, ressalta-se que os argumentos que justificam sua existência e manutenibilidade permanecem de certa forma incompreendida por aqueles que compulsoriamente são levados a recolhê-lo ao Erário Público.

            As diversas cobranças da sociedade requerem ação imediata e demandam recursos para a elaboração de projetos no âmbito social, educacional, de saúde, cultural e em outras áreas básicas. Entrementes, o gestor responsável por esta implementação necessita de recursos e os consegue através da cobrança de tributos. Pelo fato retromencionado, muitas questões pouco técnicas passam pela cabeça do contribuinte tais como: Será que terei de pagá-lo ? Poderia deixar de pagá-lo sem ser penalizado ? Será realmente empregado para o objetivo que foi criado ?

            A idéia do renomado jurista Jhering retrata que o direito deve estar adequado às necessidades do povo, às necessidades da época, ao grau de civilização, em suas próprias palavras :"Le droit n´exprime pas la verité absolue; sa verité n´est que relative, et se mesure d´apres son but(...) Le droit non n´edicte pas partout les mêmes dispositions, il les adopte à l´etat du peuple, à son degré de civilisation, aux besoins de l´époque.(...) Um droit universel pour tous les peuples, pour tous les temps, répond à la panacée universelle pour toutes les maladies" (1).

            E é por não ficar transparente e evidente o emprego do tributo que o contribuinte é levado a burlar o Fisco pelos mais diferentes modos, seja pela sonegação, pela simulação, pelo conluio, fraude ou elisão fiscal. Não faltam meios nem profissionais para proporcionarem formas de promover rombos no Erário Público. Hodiernamente, em âmbito nacional, a Evasão Fiscal se avoluma como um Gigante e que cresce ininterruptamente. É mostrado que o setor de alimentação figura como um dos que menos paga impostos no Brasil, de acordo com a pesquisa da Receita Federal feita com 214.000 empresas de todos os ramos de atividade. Em 1994, o Senado em relatório de uma CPI da Evasão Fiscal, mostra que no setor de alimentos 98% do IPI devido não eram recolhidos pelas empresas. Em seguida vinham setores como o químico(59%), têxtil(54%) e metalúrgico(51%) (2).

            A face perversa deste cenário alinhavado de forma superficial, contudo, espelha a realidade atual brasileira, e demonstra a malandragem universalizada que configura o fato de que "são poucos os que pagam e os que pagam muito". Um levantamento da Receita Federal em 1994, endossa a assertiva anterior e demonstra que as 30.000 maiores empresas nacionais são responsáveis por 85,20% de toda a arrecadação do Governo Federal.


O problema da Estabilidade Fiscal e a gênese de Tributos

            O Relatório do Programa de Estabilidade Fiscal do Ministério da Fazenda (3) mostra que para as contas públicas brasileiras apresentaram uma rápida deterioração ao longo dos anos 90. Os principais aspectos para essa situação podem ser identificadas com o fim da inflação, que mascarava de forma perversa os resultados das finanças públicas, e o crescente desequilíbrio das contas da previdência pública e privada.

            Os desequilíbrios estruturais do regime fiscal brasileiro, agravados pela Constituição de 1988, permaneceram camuflados durante anos pela inflação alta. De um lado, como as receitas sempre estiveram mais bem indexadas que as despesas, a inflação elevava as receitas nominais e corroia parcela significativa das despesas em termos reais, gerando falsos resultados de equilíbrio fiscal.

            O desequilíbrio nas contas previdenciárias tem sido o principal fator de agravamento dos resultados fiscais do setor público. Vale a pena ressaltar que o desequilíbrio do sistema público de previdência é cerca de cinco vezes maior que o do INSS, que congrega os trabalhadores da iniciativa privada. O sistema público gasta cerca de R$ 40 bilhões por ano para pagar benefícios a cerca de 3 milhões de servidores inativos, enquanto o INSS despende cerca de R$ 50 bilhões no pagamento de benefícios a aproximadamente 18 milhões de trabalhadores. Mantidas as atuais tendências, os gastos com aposentadorias e pensões acabarão por inviabilizar as administrações públicas, pela compressão dos salários dos servidores da ativa e esgotamento da disponibilidade de recursos para execução das demais políticas públicas.

            O esforço do ajuste está concentrado na redução das despesas nos dois focos principais do desequilíbrio fiscal: os gastos do Governo Federal e o déficit da Previdência. No entanto, dada a magnitude do superávit fiscal necessário, não é possível prescindir do aumento de receitas.

            Como já observado, num contexto legal que impõe restrições a corte ainda mais acentuado de despesas, a magnitude do superávit primário necessário para desencadear movimento sustentado de estabilização da relação dívida/PIB, com redução das taxas de juros e aceleração do crescimento, torna necessária a elevação tópica de receitas. E como pode ser materializada tal operação ? Como seria feita esta elevação de receita ? Ah, qualquer um saberia a resposta. É notório que seria por aumento de alíquotas dos tributos existentes ou então pela gênese de novos tributos. Sabe-se que nossos compatriotas do Fisco, que assessoram os legisladores, são os mais criativos do mundo no domínio do tributário, daí então os nossos 61 tributos.

            Ademais, este fato se consubstanciou com a prorrogação da CPMF com elevação da alíquota para 0,38% em 1999 e manutenção do tributo com alíquota de 0,30% em 2000 e 2001, elevação da alíquota da Cofins: com o aumento de um ponto percentual na sua alíquota, entre outras.

            Portanto, teríamos solução diante de uma inequívoca insolvência fiscal ? Creio que ou bem o Brasil corrige definitivamente o desequilíbrio de suas contas e avança no caminho da estabilidade e do desenvolvimento sustentado, ou permite ver-se lançado ao azar da conjuntura, com o grave comprometimento de suas perspectivas futuras de crescimento, geração de empregos e redução das desigualdades. Infelizmente neste cenário imediato, a única solução é a gênese de Tributos, promovendo a exploração de áreas em processo de regulação e que possuem potencial para assimilar novos tributos, que podem ser destinados às áreas estratégicas para geração de empregos e que promovam desenvolvimento econômico-social.

            Neste contexto é que trataremos mais a frente das contribuições, em especial a que trata de intervenção do domínio econômico.


O que é uma Contribuição?

            Uma Contribuição é definida por Ricardo Lobo Torres (4), como "um tributo devido pela realização de serviço ou obra pública indivisível em favor de determinado grupo social, de que decorra benefício especial para o cidadão que dele participa. Na contribuição, por conseguinte, se apresentam dois elementos, em permanente interação: a atividade estatal praticada no interesse de determinado grupo e a vantagem individual auferida."

            Ademais, ainda continua definindo "que a contribuição é um tertium genus de tributo, que se situa a meio passo entre o imposto e a taxa. Aproxima-se do imposto porque os respectivos fatos geradores aperfeiçoam-se tão logo ocorra a situação descrita em lei, independentemente de qualquer manifestação de vontade do contribuinte; mas dele se estrema porque o imposto não é contraprestacional nem se subordina ao princípio do custo/benefício, mas ao da capacidade contributiva. Assemelha-se à taxa porque ambas são remuneratórias de serviço público, refletem uma divisibilidade da vantagem do contribuinte e se subordinam aos princípios do custo/benefício; dela se afasta, todavia, porque a taxa remunera a prestação de serviço público específico e divisível, enquanto a contribuição corresponde à atividade indivísivel da Administração. A contribuição é sempre especial, por ser forma contributiva que não se confunde com o imposto nem com a taxa;..."

            Esta é a definição de conteúdo mais aprofundado que foi encontrada na doutrina atual brasileira e como mostrado acima faz um "link" perfeito entre os impostos e as taxas, passando pela definição precisa e concisa de contribuição em seu sentido lato.


O que é a CIDE?

            As Contribuições de Intervenção de Domínio Econômico, como no direito pátrio, tiveram respaldo constitucional no direito alemão conforme Artigo 74 item 11 da Grundgesetz, colocando fora da competência do Abgabenordnung (AO 1977). A doutrina alemã apelida estas contribuições de tributos especiais(Sonderabgaben) diferenciando-as portanto das demais contribuições(Beiträge), que possuem natureza tributária. Ademais, a competência é exclusiva da União para instituição de contribuições econômicas. O texto constitucional original se encontra abaixo discriminado:

            "Artikel 74

            (1) Die konkurrierende Gesetzgebung erstreckt sich auf folgende Gebiete:

            1. das bürgerliche Recht, das Strafrecht und den Strafvollzug, die Gerichtsverfassung, das gerichtliche Verfahren, die Rechtsanwaltschaft, das Notariat und die Rechtsberatung;

            2. das Personenstandswesen;

            3. das Vereins- und Versammlungsrecht;

            4. das Aufenthalts- und Niederlassungsrecht der Ausländer;

            4a. das Waffen- und das Sprengstoffrecht;

            5. [aufgehoben];

            6. die Angelegenheiten der Flüchtlinge und Vertriebenen;

            7. die öffentliche Fürsorge;

            8. [aufgehoben];

            9. die Kriegsschäden und die Wiedergutmachung;

            10. die Versorgung der Kriegsbeschädigten und Kriegshinterbliebenen und die Fürsorge für die ehemaligen Kriegsgefangenen;

            10a. die Kriegsgräber und Gräber anderer Opfer des Krieges und Opfer von Gewaltherrschaft;

            11. das Recht der Wirtschaft (Bergbau, Industrie, Energiewirtschaft, Handwerk, Gewerbe, Handel, Bank- und Börsenwesen, privatrechtliches Versicherungswesen); (5)

            11a. die Erzeugung und Nutzung der Kernenergie zu friedlichen Zwecken, die Errichtung und den Betrieb von Anlagen, die diesen Zwecken dienen, den Schutz gegen Gefahren, die bei Freiwerden von Kernenergie oder durch ionisierende Strahlen entstehen, und die Beseitigung radioaktiver Stoffe;

            12. das Arbeitsrecht einschließlich der Betriebsverfassung, des Arbeitsschutzes und der Arbeitsvermittlung sowie die Sozialversicherung einschließlich der Arbeitslosenversicherung;

            13. die Regelung der Ausbildungsbeihilfen und die Förderung der wissenschaftlichen Forschung;

            14. das Recht der Enteignung, soweit sie auf den Sachgebieten der Artikel 73 und 74 in Betracht kommt;

            15. die Überführung von Grund und Boden, von Naturschätzen und Produktionsmitteln in Gemeineigentum oder in andere Formen der Gemeinwirtschaft;

            16. die Verhütung des Mißbrauchs wirtschaftlicher Machtstellung;

            17. die Förderung der land- und forstwirtschaftlichen Erzeugung, die Sicherung der Ernährung, die Ein- und Ausfuhr land- und forstwirtschaftlicher Erzeugnisse, die Hochsee- und Küstenfischerei und den Küstenschutz;

            18. den Grundstücksverkehr, das Bodenrecht (ohne das Recht der Erschließungsbeiträge) und das landwirtschaftliche Pachtwesen, das Wohnungswesen, das Siedlungs- und Heimstättenwesen;

            19. die Maßnahmen gegen gemeingefährliche und übertragbare Krankheiten bei Menschen und Tieren, die Zulassung zu ärztlichen und anderen Heilberufen und zum Heilgewerbe, den Verkehr mit Arzneien, Heil- und Betäubungsmitteln und Giften;

            19a. die wirtschaftliche Sicherung der Krankenhäuser und die Regelung der Krankenhauspflegesätze;

            20. den Schutz beim Verkehr mit Lebens- und Genußmitteln, Bedarfsgegenständen, Futtermitteln und land- und forstwirtschaftlichem Saat- und Pflanzgut, den Schutz der Pflanzen gegen Krankheiten und Schädlinge sowie den Tierschutz;

            21. die Hochsee- und Küstenschiffahrt sowie die Seezeichen, die Binnenschiffahrt, den Wetterdienst, die Seewasserstraßen und die dem allgemeinen Verkehr dienenden Binnenwasserstraßen;

            22. den Straßenverkehr, das Kraftfahrwesen, den Bau und die Unterhaltung von Landstraßen für den Fernverkehr sowie die Erhebung und Verteilung von Gebühren für die Benutzung öffentlicher Straßen mit Fahrzeugen;

            23. die Schienenbahnen, die nicht Eisenbahnen des Bundes sind, mit Ausnahme der Bergbahnen;

            24. die Abfallbeseitigung, die Luftreinhaltung und die Lärmbekämpfung;

            25. die Staatshaftung;

            26. die künstliche Befruchtung beim Menschen, die Untersuchung und die künstliche Veränderung von Erbinformationen sowie Regelungen zur Transplantation von Organen und Geweben.

            (2) Gesetze nach Absatz 1 Nr. 25 bedürfen der Zustimmung des Bundesrates."

            No caso das contribuições especiais no direito pátrio, o insigne mestre Hugo de Brito Machado (6) destaca que a finalidade da intervenção no domínio econômico caracteriza essa espécie de contribuição social como tributo cuja finalidade predominante seja a arrecadação de recursos financeiros jamais será uma contribuição social de intervenção no domínio econômico.

            Ricardo Lobo Torres assevera que do ponto de vista do direito constitucional, as contribuições econômicas se caracterizam melhor como ingressos extrafiscais ou parafiscais.. Ademais, ainda alega que "A contribuição econômica carece dos requisitos da fiscalidade porquanto nada tem a ver com a defesa dos direitos fundamentais, é cobrada com base no princípio da solidariedade do grupo e não se destina à obtenção de receita para as necessidades públicas gerais."

            Anteriormente à Constituição de 1988, Aliomar Baleeiro (7), visando espancar dúvidas sobre os elementos característicos das contribuições especiais ou parafiscais, citava brilhantemente, in verbis : "A parafiscalidade, alvo de muitos debates no Brasil, tem quatro elementos característicos: a) delegação do poder fiscal do Estado a um órgão oficial ou semi-oficial autônomo; b) vinculação especial ou "afetação" dessas receitas aos fins específicos cometidos ao órgão oficial ou semi-oficial investido daquela delegação; c) em alguns países a exclusão dessas receitas delegadas no orçamento geral (seriam então "paraorçamentárias", para-budgetaires segundo Laferrière); d) conseqüentemente, subtração de tais receitas à fiscalização do Tribunal de Contas ou órgão de controle da execução orçamentária."

            Entretanto, com a Constituição de 1988 a discussão em torno do caráter tributário das contribuições parafiscais ou extrafiscais foram definitivamente afastadas. Ademais, conforme dispõem os artigos 149 e 195 de nossa magna Carta, o Supremo Tribunal Federal reiteradamente decidiu sobre este caráter tributário. No caso das contribuições de intervenção de domínio econômico, de acordo com prescrito com o art.149 da Constituição Federal de 1988,pode-se dizer que não sofreram nenhuma exceção no que pertine aos princípios comuns dos demais tributo, submetendo-se portanto rigidamente ao princípio da legalidade, ao da irretroatividade das leis tributárias e ao da anterioridade. (8)

            Ruy Barbosa Nogueira (9) prega que a origem do nomen juris "parafiscalidade" foi primeiramente empregado no direito financeiro francês em 1946, através do inventário Schuman. O objetivo de sua criação era de designar certos tributos que algumas vezes eram impostos ou taxas ou em outros casos um misto dessas duas categorias e atribuído o poder fiscal a entidade de caráter autônomo, investidas de competência para o desempenho de alguns fins públicos.


E o que é perante a doutrina nacional um tributo extrafiscal ?

            Há muito que vem se discutindo os institutos da fiscalidade, extrafiscalidade e da parafiscalidade como critério finalístico dos tributos. Entretanto, até o presente momento não se chegou a nenhum denominador comum no que pertine aos seus respectivas definições e valores finalísticos que o legislador desejou imprimir na lei tributária. Ademais, poucas são as referências doutrinárias no direito positivo que tratam o tema substancialmente. Portanto, diante de tal abordagem passarei a tratar as escassas abordagens de poucos doutrinadores que ousaram tratar do assunto., que muitas vezes vem tratando os institutos comparativamente.

            Ora, a ilustre doutrinadora Misabel Derzi em nota de atualização do livro de Aliomar Baleeiro, preleciona que o tributo é extrafiscal quando não almeja prioritariamente prover o Estado dos meios financeiros adequados a seu custeio, mas antes visa a ordenar a propriedade de acordo com a sua função social ou a intervirem dados conjunturais (injetando ou absorvendo a moeda em circulação) ou estruturais da economia.

            Um tributo é fiscal quando a sua cobrança visa tão somente a arrecadação de recursos financeiros para os cofres públicos, com o objetivo de sustentar os encargos que são próprios do órgão da Administração. Para Hugo Brito Machado (10), o tributo é fiscal "quando seu principal objetivo é a arrecadação de recursos financeiros para o Estado.

            O tributo parafiscal, ou simplesmente a parafiscalidade, para o juiz federal Reis Friede (11), ocorre quando a arrecadação tributária se desenvolve com o fim de obter recursos para sustentar encargos que não são específicos da administração direta do Estado, mas que decorrem de atividades que interessam ao governo sejam desenvolvidas. Diz-se que tais imposições revestem-se de característica parafiscal, porque se destinam à sustentação de encargo paralelos aos da administração centralizada.

            Ruy Barbosa Nogueira (12) conceitua exações parafiscais como contribuições cobradas ‘por autarquias, órgãos paraestatais de controle da economia, profissionais ou sociais, para custear seu financiamento autônomo".

            Roque Antônio Carraza prolata a opinio juris que as contribuições parafiscais não se constituem numa uma nova modalidade de tributos, podendo, pois, revestir-se da natureza de imposto ou taxa em virtude de serem simplesmente cobradas por terceiros.

            Rubens Gomes de Souza (13), citado por Fábio Fanucchi, entende a parafiscalidade como " a forma mais moderna de exercício do poder tributário com finalidades extrafiscais."

            Ademais, a extrafiscalidade caracteriza-se pelo exercício da cobrança para atender a outros interesses que não os de mera arrecadação de recursos financeiros. O interesse geralmente manifestado com a extrafiscalidade é o de correção de situações sociais ou econômicas anômalas.

            Diz ainda Hugo de Brito Machado que "o tributo é extrafiscal quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, para buscar um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros". Endossa ainda esta posição o doutrinador Paulo de Barros Carvalho (14) afirmando que "a forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórias, dá-se o nome de extrafiscalidade".

            Por fim, minha opinio juris é que as contribuições extrafiscais deverão atender as necessidades na condução da economia ou correção de situações sociais indesejadas ou mesmo possibilidade de fomento a certas atividades ou ramo de atividades de acordo com o preceituado na Constituição. Já as contribuições parafiscais são aquelas que se destinam exclusivamente ao custeio de atividades paralelas à administração pública direta.


CIDE – Remessas ao exterior e a sua Extrafiscalidade

            A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico(CIDE) tem amparo constitucional no artigo 149, que preceitua que a União possui competência exclusiva para instituir tal contribuição. Ademais, no parágrafo 2o. do mesmo artigo alude-se que a CIDE incidirá sobre as importações de produtos empregados como matéria-prima(petróleo) e de produzidos na indústria petrolífera. Por outro lado, não ocorrerá a incidência sobre as receitas decorrentes de exportação.

            No tratamento fiscal no ramo de atividade das indústrias de petróleo vislumbro duas alternativas de aplicação da dita contribuição, sendo que uma faz referência a sua incidência sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, derivados do gás natural e álcool combustível e na outra faz-se referência às pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência prestados por residentes ou domiciliados no exterior.

            Com relação aos objetivos de sua criação muito ainda se questiona, pois já tivemos claras evidências de casos anteriores mal administrados ou realizados com má-fé pública tal como para a CPMF, na qual o objetivo precípuo de sua criação foi a destinação dos recursos à saúde. Outro grande exemplo que se pode referenciar é o AFRMM(Adicional de Frete para a Renovação da Marinha Mercante). Este último tinha o objetivo principal de desenvolver a indústria naval no entanto, todos os estaleiros situados no Rio de Janeiro, que são os maiores do Brasil, e que empregavam cerca de 30.000 trabalhadores estão fechados e sucateados. Como descrevia Monteiro Lobato (15) em suas falas relativas à área do petróleo: "Não é ultra-vergonhoso e degradante isto ?"

            Ora, em dois momentos distintos e em doses homeopáticas a CIDE foi instituída, com uma baixa importância para a maioria dos contribuintes, entretanto para a indústria petrolífera afetou inúmeras rotinas de trabalho substancialmente. O primeiro dispositivo legal foi a lei n°10.168 de 29 de dezembro de 2000, que instituía a CIDE e destinava os recursos de seu recolhimento a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o apoio à Inovação, e que foi regulamentado pelo decreto n° 3.949 de 3 de outubro de 2001. Essa regulamentação dada pelo referido dispositivo legal, em seu artigo 2o. dispõe as atividades que compõem o programa retrocitado, a saber:

            "Art. 2o Para efeito do disposto neste Decreto, o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação compreenderá as seguintes atividades:

            I - projetos de pesquisa científica e tecnológica;

            II - desenvolvimento tecnológico experimental;

            III - desenvolvimento de tecnologia industrial básica;

            IV - implantação de infra-estrutura para atividades de pesquisa e inovação;

            V - capacitação de recursos humanos para a pesquisa e inovação;

            VI - difusão do conhecimento científico e tecnológico;

            VII - educação para a inovação;

            VIII - capacitação em gestão tecnológica e em propriedade intelectual;

            IX - ações de estímulo a novas iniciativas;

            X - ações de estímulo ao desenvolvimento de empresas de base tecnológica;

            XI - promoção da inovação tecnológica nas micro e pequenas empresas;

            XII - apoio ao surgimento e consolidação de incubadoras e parques tecnológicos;

            XIII - apoio à organização e consolidação de aglomerados produtivos locais;

            XIV - processos de inovação, agregação de valor e aumento da competitividade do setor empresarial."

            Entrementes, como se sabe até o presente momento não vimos qualquer ação efetiva com fins de apoiar à inovação científica e tecnológica. Nada se tornou factível. Outrosssim, o decreto retrocitado em seu art. 8º elencou os tipos contratuais que se sujeitam à CIDE, a saber:

            "Art. 8o.-...

            I - fornecimento de tecnologia;

            II - prestação de assistência técnica:

            A)serviços de assistência técnica;

            B)serviços técnicos especializados;

            III - cessão e licença de uso de marcas;

            IV - cessão e licença de exploração de patentes."

            A despeito da relação de contratos constante do art. 8º do Decreto nº 3.949/01, não se pode deixar de atentar para o fato de que, nos termos do art. 2º da Lei nº 10.168/00, a CIDE só incidirá nos contratos em que haja efetiva transferência de tecnologia, comprovada esta mediante a sua respectiva averbação no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, o que nem sempre se dá em todo e qualquer contrato de prestação de serviço técnico especializado, e posterior registro no Banco Central do Brasil - BACEN. É na verdade uma rotina nova e que contribui ainda mais para dificultar a operacionalidade eficiente de um contrato complexo, envolvendo grandes montantes de recursos ou ainda consórcios de empresas nacionais e/ou estrangeiras.

            Voltando-se para a gênese do tributo, a lei n°10.168/00 originalmente fazia referência à hipótese de incidência, em seu artigo 2o. §§ 1o e2o. mostrado abaixo:

            "Art 2º Para fins de atendimento ao Programa de que trata o artigo anterior, fica instituída contribuição de intervenção no domínio econômico, devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior.

            § 1º Consideram-se, para fins desta Lei, contratos de transferência de tecnologia os relativos à exploração de patentes ou de uso de marcas e os de fornecimento de tecnologia e prestação de assistência técnica.

            § 2º A contribuição incidirá sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês, a residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente das obrigações indicadas no caput deste artigo.

            § 3º A alíquota da contribuição será de dez por cento.

            § 4º O pagamento da contribuição será efetuado até o último dia útil da quinzena subsequente ao mês de ocorrência do fato gerador. "

            Entretanto, através de um novo dispositivo legal, a lei n°10.332/01 por intermédio de seu artigo 6o., e que alterou o artigo 2o. § 2o.da lei n°10.168/00, propôs-se a inclusão como hipótese de incidência nos casos de royalties remetidos ao exterior bem como nos contratos de prestação de serviços técnicos e de assitência administrativa com remessa ao exterior.

            E como este conjunto de normas jurídicas afetariam o andamento dos trabalhos em atividades ligadas especialmente na área de petróleo ? Resposta de fácil solução. Ora, exclusivamente neste caso da CIDE houve um impacto enorme em todos os contratos(Turnkey, Lump-Sum, EPC,etc) em andamento e a licitar. Os empreendimentos com somas vultuosas, como o reparo de uma plataforma de petróleo ou a construção de um terminal ou ainda, a instalação de uma nova unidade com tecnologia de ponta em uma refinaria requerem muitas vezes o fornecimento de tecnologia estrangeira de empresa domiciliada no exterior, ou a prestação de serviços de assitência técnica ou ainda, de serviços técnicos especializados domiciliados ambos no exterior. E este fato impacta administrativamente não somente ao contratos já em andamento como aqueles nas fases licitatória e de fiscalização dos mesmos, pois a cada prestação de serviço nestas situações retrocitadas uma averbação do INPI e também do registro no BACEN deverão ser realizados, gerando portanto uma dilatação dos prazos pré-estabelecidos contratualmente. Os profissionais que labutam na área contratual sabem da dificuldade de fechar contratos deste porte e quais seriam as conseqüências de um entrave burocrático dificultando a consecução dos trabalhos com as contratadas e conseqüentemente retardando seus pagamentos ao longo do tempo.

            Ademais, a complexidade na realização de um contrato, qualquer que seja a sua modalidade, com mais um tributo e seus aspectos dificultadores de transferência de tecnologia, por via de triagem de um ou mais órgãos não preparados para efetuar tais julgamentos de cunho altamente especializado, acarretam duas conseqüências graves: a primeira leva a uma maior dificuldade de gerenciamento do contrato, seja no tempo de realização que deve contemplar a "burocracia" de averbação ou no aumento de mais um tributo para encorpar as planilhas de serviços e a segunda, pode levar ao elaborador de contratos que não avalia naquele momento as sanções legais possíveis ou as subestima, a mudar o escopo ou objeto do contrato fazendo com que haja a fuga da configuração do fato gerador e da hipótese de incidência da CIDE, desaparecendo aparentemente para este assim a situação fática.

            Ao perfazer uma análise, sob este enfoque contratual envolvendo a CIDE, o que se aparenta para o contribuinte desavisado é que houve uma redução de alíquota do imposto de renda na fonte incidente sobre as importâncias pagas e remetidas ao exterior (de 25% para o valor de 15%). Entretanto, nota-se para o Erário Público não houve perda de arrecadação pois definiu a CIDE com alíquota de 10% como mostrado no artigo 2o. §4o. da lei n°10.168/00.

            A preocupação do governo brasileiro com a balança de pagamentos levou a tomar certos cuidados pois a evasão de divisas estava em um nível bastante elevado e a criação da CIDE, embora muitas vezes encarada como meramente arrecadatória, ao meu ver demonstra seu caráter antielisivo. É este aspecto que gostaria de ressaltar que neste caso o Fisco evitará a remessa ao exterior sem uma avaliação prévia de um órgão público sob o pretexto de haver ou não uma prestação de serviço equivalente em nível nacional. Neste contexto é que encaro a CIDE-remessa ao exterior como tendo um caráter extrafiscal, ou melhor, sua extrafiscalidade. Refiro-me ao caráter antielisivo e não meramente fiscal-arrecadatório.


CIDE – Combustíveis e a sua Fiscalidade

            Hodiernamente, a fiscalidade em seu sentido lato está sendo debatida profundamente no âmbito europeu pois a associação da economia de mercado com o liberalismo está acarretando um desequilíbrio social enorme entre as diversas classes dos países da Comunidade Européia. Este fato está consubstanciado em diversos artigos escritos e disponíveis na internet. Diz um artigo no Le Grand Guignol – La Fiscalité Perverse a respeito da perversidade deste desnível social e da penalização da população mais pobre pela exploração de trabalho escravo, em função da abertura das fronteiras e do livre troca de mercadorias dos países europeus, conforme mostrado abaixo :

            " L´economie de marché associée au libéralisme est une stratégie scélérate. A l´´intérieur des nations elle permet et encourage la confiscation de la richesse par des privilégiés, et pénalise l´´ensemble de la population active qui ne recueille que des miettes. Par l´´ouverture des frontières et le libre échange des produits, elle encourage la pratique de la surenchère, d´´une part par le maintient dans la misère des populations démunies, exploitées comme des esclaves, d´´autre part par l´´appauvrissement des populations plus avantagées, comme la nôtre, par l´´élimination systématique des sources de production estimées non rentables. La conséquence directe est que les riches sont de plus en plus riches, et que les exclus du système pour des raisons économiques sont de plus en plus nombreux. La solidarité prônée par le pouvoir politique, ne concerne pas les riches."

            E em outro trecho destaca a importância da revisão do princípio da Economia com conseqüente mudança das regras de repartição de riqueza alegando que a incidência na tributação não deverá ocorrer sobre os salários dos trabalhadores, pois não há trabalho para todos. Ademais, prega a tributação sobre as grandes riquezas sem nenhum escrúpulo. O trecho que trata do assunto acima está destacado a seguir:

            "Cette situation devient intolérable. Le principe de l´´Economie de marché doit être revu. Les règles de répartition des richesses ne doivent plus être systématiquement tributaires du salaire du travail, puisqu´´il n´´y a plus assez de travail pour tous, et qu´´il y en aura de moins en moins. Et cela était l´´objectif recherché au départ, produire plus, afin de consommer plus, tout en travaillant moins. Malheureusement, la maladie de la rentabilisation ne s´´applique plus seulement à la production de la richesse mais aussi à l´´ensemble des services. En fait, ceux qui confisquent cette richesse n´´ont aucun scrupule, et ils veulent tout, et tout de suite. L´´être humain devient un instrument au même titre qu´´une machine, devant être exploité au maximum, et rejeté ensuite.

            Num outro artigo "La Fiscalité, um outil contre la Pauvreté", emanado de uma Conferência IHECS em Bruxelas, em 27.03.99, foi organizado pela iniciativa de diversas associações belgas com fins de discutir sobre a organização da fiscalidade e a situação de pobreza. Teve a participação de diversas personalidades do cenário político belga bem como doutrinadores do ramo jurídico belga. Como resposta às demandas da sociedade no pertine à fiscalidade, como ferramenta de justiça social, concluiu-se permitir transparência de operações bancárias, melhorar o funcionamento do Ministério das Finanças e por fim harmonizar a fiscalidade européia, conforme o documento seguinte:

            "1. Rendre les flux financiers transparents

            En levant le secret bancaire, en instaurant un cadastre des fortunes, en supprimant les titres au porteur, en instaurant un impôt sur les fortunes, en taxant les centres de coordination, en favorisant la circulation des informations fiscales au niveau international.

            2. Améliorer le fonctionnement du Ministère des Finances

            Par l´´engagement de 3500 agents (manquant actuellement au cadre), par l´´amélioration des équipements (informatique, télécomm.), par la révision de la compétence territoriale des agents, par l´´introduction d´´un huissier de justice par bureau de recouvrement, par l´´octroi de la qualité d´´officier de police judiciaire aux agents de l´´ISI, en prévoyant la contrainte par corps lorsque plusieurs dizaines de millions sont dus.

            3. Harmoniser la fiscalité européenne, et taxer les transactions financières (taxe Tobin sur les mouvements spéculatifs)."

            A preocupação com a fiscalidade e em especial, a excessiva, é atualmente abordada como tópico obrigatório em qualquer fórum e o seu atrelamento com a justiça social e a capacidade contributiva são fatores determinantes de sucesso para atingir um estado de bem-estar social para qualquer povo. É neste contexto que se está tratando na Europa este tema.

            No Brasil, o tratar de certas contribuições com fulcro no interesse de justiça social é de extrema discutibilidade. O segundo caso de intervenção do domínio econômico e posterior ao da CIDE-remessas ao exterior, destaca-se a CIDE-combustíveis, uma tributação estratégica na área de comercialização e importação de petróleo e derivados respeitando o preceito constitucional do artigo 149 §1o. inciso II que destaca:

            "Art. 149 - Compete exclusivamente a União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas areas, observado o disposto nos artigos 146, III, e 150, I e III, e sem prejuizo do previsto no art. 195, parágrafo 6º, relativamente as contribuições a que alude o dispositivo.

            (...)

            Parágrafo 2º - As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o "caput" deste artigo:

            (...)

            II - poderão incidir sobre a importação de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível;"

            A lei n°10.336 de 19.12.2001 que institui a CIDE-combustíveis reafirma o preceituado no artigo constitucional retrocitado a respeito da incidência do tributo, respeitado o artigo 177 da Constituição. Ademais, a destinação da arrecadação da CIDE prescrita no artigo 1o. §1o. do referido dispositivo legal diz:

            "Art. 1 o Fica instituída a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (CIDE), a que se refere os arts. 149 e 177 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001.

            § 1 o O produto da arrecadação da Cide será destinada, na forma da lei orçamentária, ao:

            I - pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, de gás natural e seus derivados e de derivados de petróleo;

            II - financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; e

            III - financiamento de programas de infra-estrutura de transportes."

            Passemos a analisar contrapondo a hipótese de incidência da CIDE-combustíveis com sua destinação. Ora, no que pertine a sua destinação,o artigo 1o.inciso II deste dispositivo legal retrocitado trata de projetos de meio ambiente, e até o presente momento não se demonstrou transparência a respeito dos projetos ambientais relacionados com a indústria de petróleo. Não seria uma redundância? Sabe-se que, apesar dos vazamentos ocorridos em diversas ocasiões, as empresas de petróleo são as que possuem os maiores quadros de pessoal, maior infraestrutura em termos de materiais e equipamentos e uma articulação conjunta com as instituições governamentais de forma eficaz. Como isso seria factível, se para o empreendimento ser realizado ou já em funcionamento a legislação de meio ambiente nos três níveis - federal, estadual e municipal, faz exigências com relação às medidas preventivas e/ou corretivas contra o impacto ambiental ? Repito não seria uma dupla tributação cobrar duas vezes pela mesma coisa ? Ou seria apenas um pretexto para manutenir a arrecadação aos níveis que são necessários para a justificativa de um Estado gastador e que vende a imagem de um Estado saneado ?

            Com relação aos incisos I e III do mesmo dispositivo legal, é extremamente curioso. Como se pode propor uma norma jurídica com uma hipótese de incidência definida para ser cobrada de empresas, que militam na área de petróleo, e com uma destinação da arrecadação para umas poucas privilegiadas, que também atuam na mesma área, se beneficiando com subsídios ? Não é estranha tal situação ? Outrossim, acrescentaria que a área de transporte não necessita de tal subsídio e existem outras áreas que deveriam estar abrangidas por este benefício, e que possuem alto interesse social. Diriam os idiotas da objetividade, que as estradas devem ser reparadas, no entanto, não é este o contexto, pois se fala em subsídios a preços. Esta redação transparece uma atuação forte dos "lobby-makers" ou vulgarmente, dos lobbistas da área de transporte ou usineiros do álcool, que não desejam reduzir seus lucros nas operações de transporte para regiões mais remotas.

            Pelas experiências mostradas do exterior, um subsídio deveria moralmente ser outorgado pelo governo, caso houvesse a necessidade de desenvolvimento de uma área que se deseja tornar competitiva diante da concorrência predatória de outro país produtor deste mesmo bem. É o caso da agro-pecuária francesa que sofre concorrência alemã e em outro caso dos benefícios dados pelo governo americano aos seus estados agrícolas do sul. Este tributo me faz lembrar do caso de um presidente brasileiro(também usineiro) que em seu governo, sob o mesmo pretexto criou tributo compulsório, relacionando-o aos programas de infraestrutura de transportes, e realizou mais estradas em seu estado de origem que em todo território nacional. Não é ultra-vergonhoso isto ?

            O parágrafo 2o. da lei n°10.336/01 para aumentar ainda mais a discussão propõe a avaliação efetiva da utilização dos recursos da CIDE para este ano e somente para o ano de 2003 serão definidos critérios e diretrizes para uso da arrecadação.Pasmem! Como se cria um tributo e somente a posteriori se define qual serão os critérios de distribuição da arrecadação ?

            Bem, diante de tal cenário normativo dantesco e extremamente entrópico,o ponto focal constata-se como apenas arrecadatório. Isto está demonstrado pela Secretaria de Receita Federal(SRF) na divulgação de seu relatório (16) de desempenho da arrecadação anual demonstrando um crescimento nominal de 12,68% e real de 0,82% referente ao mesmo período do ano passado. Como carro-chefe, o tributo que mais contribuiu foi a CIDE-combustíveis no valor de 643,9 milhões sem contrapartida do ano anterior.O IRRF teve valor de (-16,58%), o IOF teve (-15,13%), o CPMF de (-18,09), o II de (-23,76%), o IPI importação de (-8,89%), IPI outros de (-6,46%). Por outro lado, crescemos na arrecadação do IRPJ de (+17,40%), CSLL de (+56,53%), COFINS de (+5,74%) e PIS/PASEP (+7,90%).

            Ora, o argumento da fiscalidade da CIDE-combustíveis é claro e evidente. O interesse do Estado é meramente arrecadatório diferentemente do foco tratado pela CIDE-remessa ao exterior.


Conclusão

            Hodiernamente o contribuinte está demandando em postura diferente do Fisco, bem como de outros órgãos da Administração Pública. No passado, aquela postura feudal e despótica muitas vezes não-esclarecida, que era do "eu cobro e você paga", está completamente ultrapassada. O contribuinte nos dias de hoje deseja saber onde e como está sendo aplicado o tributo que recolhe ao erário. No entanto, sem ser utópico, creio que ainda estamos em estado muito provinciano, para não dizer atrasados, seja do ponto de vista de termos órgãos bem estruturados com pessoal qualificado e em número adequado às suas atividades cotidianas ou ainda pela qualidade de normas jurídicas antielisivas propostas bem fundamentadas em conceitos amplamente discutidos e consensados.

            Daí então, decorrem todas as formas possíveis de burlar o fisco seja de maneira lícita ou ilícita. Ademais, o foco principal da Administração em termos de arrecadação se fulcra excessivamente nas pessoas jurídicas onerando-as demasiadamente ou muitas vezes inviabilizando sua existência e dificultando a entrada de capitais para novos investimentos ou então nas pessoas físicas em atividade laboral pois qualquer medida nas alíquotas ou base de cálculo tem efetividade imediata.

            O objetivo almejado para adoção de cláusulas gerais antielisivas usando a regra de intenção negocial, a meu ver, está sendo mais amplamente empregado devido a globalização contudo, como todas as distorções ocorridas no Brasil, as medidas adotadas pelo fisco pátrio são realizadas homeopaticamente e de forma não sistêmica.

            Por fim, a adoção de cláusulas gerais antielisivas usando a interpretação econômica, devem obrigatoriamente vislumbrar seu objetivo precípuo, não exclusivamente arrecadatório levando em conta os princípios da igualdade ou solidariedade social. Com isto, evitar-se-á impor ônus excessivo aos contribuintes.

            Conclui-se que os esforços emanados pelo legislador são em vão, se não aplicados sistemicamente, isto é, não permitindo que se legisle por bateladas ou por motivos eleitoreiros, por lobbies, ou ainda, se de forma bem intencionada, também não deixe lacunas nas leis tributárias. Apesar de dispormos em vários instrumentos legais requisitos que coíbam atividades que lesem o Erário Público e, ainda assim, esses eventos indesejáveis continuam ocorrendo. A necessidade de possuirmos normas jurídicas bem elaboradas, isto é, criteriosas e de acordo com a ocorrência dos casos concretos, fundadas em princípios constitucionais tributários e nos valores precípuos para a sociedade, é imperiosa. Insere-se neste contexto ambas as normas da CIDE. É claro e evidente como única preocupação do legislador/fisco a criação de uma norma que viesse a promover uma maior arrecadação(caráter fiscal) e outra que refreasse as remessas ao exterior, aliviando as pressões da balança comercial negativa por meses e meses(caráter antielisivo).

            O que não se deve admitir é a distorção de uma norma jurídica que cria benesses a um grupo aristocrático, não levando em conta em nenhum momento a capacidade contributiva das pessoas jurídicas nem tampouco o bem-estar social do povo. E a melhor forma de se manifestar é destacar publicamente as entrelinhas de um conjunto de normas que a um não-contribuinte passam por desapercebido. Entretanto, não desejo com este humilde trabalho esgotar todos os pontos discutíveis e nem quero ser o dono da verdade pois, como pregava o Professor Doutor Mario H.Simonsen : "Não existem verdades absolutas. As verdades são absolutas até o momento que outras verdades surgem e derrubam aquelas tidas como verdades."


NOTAS

            01. JHERING, Rudolf von. L´Évolution du Droit(Zweck im Recht), Traduit sur la 3a. Édition Allemande par O. de Meulenaere, Librairie A. Maresq, Paris, MCMI, ps. 289-290.

            02. in Revista Exame, Sonego logo Existo, ano 1996.

            03. Ministério da Fazenda. Relatório do Programa de Estabilidade Fiscal do Ministério da Fazenda, 28 de outubro de 1998.

            04. TORRES,Ricardo Lobo.Curso de Direito Financeiro e Tributário, RENOVAR, 2000, 7a. edição.

            05. Tradução: "11. A lei referente à matérias econômicas(mineração, industria, fornecimento de energia, comércio, instituições bancárias, câmbio, área securitária); 11a. a produção e uso da energia nuclear para emprego pacífico, a construção e operação de instalações servindo estes objetivos, proteção contra perigos oriundos da liberação da energia nuclear ou de raios ionizantes e a remoção de material radioativo."

            06. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, Malheiros, 1997, 12a.edição.

            07. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, RT, 2001, 11a. edição

            08. DERZI, Misabel Abreu Machado. Nota em Direito Tributário Brasileiro, Forense, 11a.edição, 2000

            09. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário, Ed. Saraiva, 14a. ed., 1995, pg.177.

            10. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, Malheiros, 1997.

            11. REIS,Friede. Direito Tributário.2a.edição.1999.

            12. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário, Saraiva, 10a.edição, p182.

            13. SOUZA, Rubens Gomes. Curso de Direito tributário Brasileiro. Ed. Resenha Tributária, 4a. ed., p.59.

            14. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito Tributário.

            15. LOBATO, Monteiro. O Escândalo de Ferro e do Petróleo, 1934.

            16. Relatório de Desempenho da arrecadação de agosto de 2002 em relação a agosto de 2001 -Secretaria de Receita Federal, 2002.


BIBLIOGRAFIA

            JHERING, Rudolf von. L´Évolution du Droit(Zweck im Recht), Traduit sur la 3a. Édition Allemande par O. de Meulenaere, Librairie A. Maresq, Paris, MCMI, ps. 289-290.

            Revista Exame, Sonego logo Existo, ano 1996.

            ENCARTA ENCICLOPAEDIA. Microsoft Corporation, 1993-1995.

            HOLLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio Eletrônico. Ed. Nova Fronteira, Novembro1997.

            SOUZA, Rubens Gomes. Parecers 3. Imposto de Renda. Ed.Póstuam, São Paulo: Resenha Tributária, 1976.

            TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário

            XAVIER, Alberto.Direito Tributário Internacional do Brasil. São Paulo: ed.Resenha Tributária, 1977.

            TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Ed. Renovar, 7a. edição, 2000, Rio de Janeiro.

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            FALCÃO, Amilcar. Fato Gerador da Obrigação Tributária

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            ULHÔA CANTO, Gilberto de. Elisão e evasão fiscal, Caderno de Pesquisas Tributárias n°13. Elisão e evasão fiscal. São Paulo: Resenha Tributária, 1988.

            NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 5a. edição, Ed. Saraiva, Rio de Janeiro, 1980, p.205.


Autor

  • Fernando Maida

    Fernando Maida

    advogado no Rio de Janeiro, planejamento tributário da Petrobras Distribuidora

    é mestrando em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes e pós-graduado lato sensu em Direito Tributário pela Estácio de Sá e em Direito do Petróleo pela Cândido Mendes.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIDA, Fernando. O caráter fiscal e extrafiscal da CIDE sobre as atividades na indústria de petróleo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 181, 3 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4627. Acesso em: 26 abr. 2024.