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Darwin e darwinismo social

Darwin e darwinismo social

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Este artigo procura trazer as similitudes entre os estudos de Darwin sobre a procedência do homem e o chamado darwinismo social. Não se pretende, no entanto, propor que foi exatamente Charles Darwin e seus conceitos o primeiro instigador de uma perspectiva histórica nas disciplinas humanistas do século XIX. Já havia uma longa tradição de pensamento evolucionista na teoria social que precedeu a utilização desse ponto de vista na Biologia. Contudo, o seu grande sucesso deu crédito ao evolucionismo social e o estimulou. Busca-se, tão somente, realizar uma breve análise entre o evolucionismo orgânico e o seu desdobramento no evolucionismo social. O leitor poderá notar que o texto apresenta, de tal maneira, dois enfoques principais. Um baseado nos estudos de Darwin sobre a origem do homem e outro na teoria denominada darwinismo social.

Darwin constatou o que muitos pensadores de sua época julgavam ser difícil, ou até mesmo impossível, que a origem do homem podia ser, cientificamente, descoberta. A cultura da época apregoava que havia algumas questões que, apesar do poder de investigação da ciência, não poderiam ser facilmente resolvidas. A origem do homem seria um destes problemas sem resposta. Darwin, porém não corroborava com tal pensamento despropositado. Assim, escreveu A Origem do Homem com o anseio de demonstrar como se pode cientificamente se propor a descendência da humanidade.

A intenção deste autor, no seu estudo sobre a Origem do Homem, pode ser dividida em duas finalidades fundamentais. Primeira, objetiva verificar se o homem, como os demais seres vivos, descendeu de uma outra espécie, ou seja, de onde surgiu a espécie humana. Depois, procurará investigar sobre o seu desenvolvimento, sua transformação de uma espécie anterior até o nosso homem atual.

A primeira constatação seria que, se quisermos acreditar que o homem descendeu de uma outra espécie diferente da atual, deveríamos verificar, a priori, se ele é susceptível de mudanças e se estas são transmitidas para a prole. Observando a antiguidade humana verificamos que este não era determinado pela razão e sim pelo instinto. Suas atitudes teriam uma semelhança bastante intrigante com as dos animais, ou seja, dentro de um padrão de conformidade com o meio sem o uso do pensamento. A tendência, neste caso, seria um aumento incontrolável da quantidade, pois instituições reguladoras da sociedade, como, por exemplo, a monogamia, não existiriam. No entanto, esta possível realidade não se verificou porque surgiram alguns obstáculos que impediram a superpopulação. Não somente por ataques dos predadores, mas provavelmente pelas necessidades periódicas impostas, como, por exemplo, dentro de um grande inverno.

O homem, desejando ou não, sofre modificações no corpo e na mente e estas seguem os mesmos ditames impostos aos outros seres vivos. Dentro destas variações prevalecem as mais úteis e necessárias, pois os detentores destas habilidades sobrevivem melhor e por mais tempo e, conseqüentemente, tem maiores chances de reprodução. A característica que possibilitou que o homem se desenvolvesse tanto em relação aos outros seres seria a inteligência. O poder intelectual permitiu que a humanidade pudesse se defender de animais mais fortes, que distinguisse entre alimentos venenosos ou não, enfim, que pensasse sobre o que seria útil e melhor dentro do contexto vivido. Deve-se, todavia mencionar que dentro deste desenvolvimento o aspecto físico exerceu importante influência. Para se lançar uma lança são necessárias mãos e uma posição ereta. Para o uso da fala é fundamental uma estrutura vocal. O uso da inteligência só poderia surgir dentro de certas condições físicas, ou seja, somente com o aperfeiçoamento hereditário destas melhores faculdades é que o homem poderia chegar no status atual.

Um argumento usado por Darwin para justificar a origem do homem atual seria o princípio da divisão do trabalho fisiológico. Os macacos, em geral, necessitam das mãos em forma de gancho para que, desta forma, possam trepar com maior firmeza nas árvores. Os pés não necessitam ser muito chatos, pois estes não sustentam totalmente o corpo. Para os habitantes das florestas este era um aspecto mais útil. Mas pode ter acontecido que alguns seres, por algum motivo qualquer, não mais pudessem viver em árvores e fosse necessário se adaptar a esta estranha situação. Novamente os mais aptos cresceriam em número superando os mais incapazes. Aliás, foi somente quando o homem ficou em posição ereta que ele pode dominar o mundo. Sem a adaptação das mãos para seguirem a sua vontade, sendo mantidas como meio de locomoção, dificilmente o homem teria se desenvolvido tanto.

Com a liberdade das mãos devido à posição cada vez mais vertical, parece que surgiram, de maneira indireta, outras alterações. Um exemplo adequado desta nova situação seria os dentes que não necessitariam ser tão pontiagudos e tão fortes quanto antigamente. Os utensílios, as mãos e outros facilitariam o serviço dos dentes tornando supérfluos dentes daquela maneira.

A luta pela existência e a seleção natural foram os fatores determinantes para que o homem saísse da barbárie para o grau de evolução atual. Foi este processo que possibilitou o abandono de seu estado plenamente animal e, conseqüentemente, a transformação no ser racional que é. Mas resta uma pergunta intrigante. O homem surgiu de uma classe de macacos fraca, como o chimpanzé, ou de uma categoria mais forte e dominadora, como os gorilas?

Muito provavelmente surgiu de uma categoria comparativamente fraca, pouco veloz e desprotegida. Se fosse, no início, o contrário disso não seria necessário o desenvolvimento. Dentro dessas carências e na luta pela natureza, o homem precisou se adaptar a situações desfavoráveis e, com isso, superar as dificuldades. O avanço intelectual foi imprescindível na luta contra o mundo hostil. E quanto mais se evoluía intelectualmente menos eram necessários os poderes animalescos. Por isso, atualmente, se tirarmos a razão, ele se tornará um animal extremamente frágil sujeito aos caprichos e as contingências da natureza.

Verifica-se que se originou de alguma espécie inferior antes de se transformar no ser que nos apresenta modernamente. Inúmeras foram às transformações sofridas deste a origem até hoje. Ligeiras e diversificadas variações ocorreram para a construção da espécie humana como, também, em outros animais.

A evolução baseou-se em um processo lento e ininterrupto. O surgimento da raça deve-se a uma longa cadeia de antepassados onde cada ponto do desenvolvimento exerceu sua influência precisa. Cada elo foi importante na constituição. Esta conclusão, todavia não pode nos fazer concluir que com o surgimento de uma espécie mais capaz a outra seja automaticamente extinta. Algumas formas mais "atrasadas" podem perfeitamente existir desde que não estejam expostas a luta pela sobrevivência e a seleção natural. Aliás, são estas espécies que nos auxiliam nos estudos e na compreensão das espécies mais adiantadas.

A principal conclusão foi de que o homem descendeu de algum ser menos evoluído. Junto com os outros mamíferos, descendeu de um antepassado comum. Prevaleceram as leis de hereditariedade, luta pela vida e seleção natural. A luta pela sobrevivência e a seleção natural agiram sobre todos os seres em maior ou menor caso. Fator que, também, influencia e não pode ser omitido é o relativo aos efeitos hereditários do contínuo uso ou não-uso das partes. Nota-se que a necessidade de uma parte faz dela algo que tende a ser perene, contudo a não utilidade e a futilidade de algo provocam o seu desaparecimento.

É evidente que a idéia da evolução foi imaginada antes de Darwin, no entanto, este pensador teve a enorme capacidade de externá-la precisamente. Teve também o mérito de superar Lamarck e Malthus por conseguir traduzir tais pensadores dentro de uma unidade coerente.

Os seus ideais exerceram grande influência no pensamento europeu do século XIX. A escola positivista, conhecida pela sua filosofia científica, estava em manifestação. Predominava a atitude de somente valorar como legítima a filosofia quando aplicada aos fenômenos naturais, os quais se encontram presos às leis imutáveis. É a negação total de qualquer pesquisa de causas primeiras ou finais. A teoria de Darwin, desta forma, não repercutiu apenas no âmbito da biologia, mas também em outras áreas como, por exemplo, nos estudos da sociedade. Os primeiros cientistas positivistas, assim, combinando as perspectivas organicistas e evolucionistas, fundaram o conhecido darwinismo social. Cumpre lembrar que Darwin não era um darwinista social. Ele não abordou problemas de filosofia social e, possivelmente, inclinava-se a afirmar o contraste existente entre os processos da evolução biológica e social.

O darwinismo social, de maneira geral, pode ser definido na crença de que as sociedades mudariam e evoluiriam em um mesmo sentido e que tais transformações representavam a transposição de um nível menos elevado para um estágio superior. De maneira análoga ao desenvolvimento do homem, as sociedades, também, estariam sujeitas à lei da seleção natural. Dentro de um determinado contexto, prevaleceriam as sociedades mais aptas e capazes sendo as outras extintas, seja pela luta com as mais "desenvolvidas" seja pela dificuldade de superar obstáculos naturais. Assim, as sociedades mais hábeis foram prevalecendo em detrimento de outras que não conseguiam prosperar dentro de ambiente hostil. Sociedades menos evoluídas poderiam até sobreviver desde que não fossem submetidas à lei da seleção natural. Alguns evolucionistas chegaram a classificar as sociedades tradicionais da África, América e Oceania como verdadeiros fósseis vivos. Seriam modelos de estágios arcaicos fazendo parte do pretérito da humanidade.

Um dos primeiros pensadores a aplicar à sociedade política os princípios da seleção natural e da variabilidade natural foi Walter Bagehot. Bagehot destacou a luta essencial entre os grupos. As lutas não seriam somente de indivíduos, mas seriam conduzidas por grupos de homens. As tribos mais coesas e possuidoras de variabilidade prevaleceriam sobre as demais, representado a sobrevivência das mais aptas. A coesão seria a principal característica dos vitoriosos na luta dos grupos. E a variabilidade seria o fator que daria sentido a luta pela existência, pois resulta em um melhoramento da organização biológica ou social. Os melhores grupos seriam, de acordo com o pensador, aqueles que pudessem equilibrar a coesão, baseada nos costumes, com variação e a sua conseqüentemente tendência à transformação.

Outro representante do darwinismo social foi o judeu polonês Luidwig Gumplowicz. Para ele o grupo é mais importante que o indivíduo porque este é produto daquele. A evolução social e cultural teria como origem à luta entre os grupos sociais de maneira análoga à luta entre os indivíduos pela sobrevivência do mais apto. As lutas seriam provenientes das desigualdades poligenéticas que provocaram entre os grupos diferentes "tradições" e o "ódio" insuperável entre os grupos. Ao contrário da maioria dos evolucionistas, Gumplowicz não acreditava na idéia da evolução da humanidade como um todo, pois esta simplesmente não existia. A evolução unitária não era compatível com sua teoria poligenética. Cada grupo, assim, teria sua evolução de maneira esporádica e interrompida apresentando progressos e retrocessos próprios.

O darwinismo social, também, encontra-se presente nas obras do americano William Summer. Para Summer os homens estão condicionados pelas leis sociais como estão pelas leis da física. A lei essencial seria da evolução que provoca a controvérsia do homem contra o homem e do homem com a natureza gerando o progresso e a sobrevivência do mais hábil. A lei da incivilização é a existência do inapto. As dificuldades não devem ser censuradas mas, sim, combatidas. Esta é a lei social primeira.

Merecem, também citação como darwinistas Gustav Ratzenhofer e Albion Small. Estes e os já supracitados autores aceitavam que o determinante básico da transformação social era biológico. Acreditavam que a teoria da evolução biológica poderia ser transplantada para a Sociologia, substituindo os organismos por grupos. A sociedade seria um mundo de grupos sociais em conflito. Tiveram o mérito de estabelecer uma teoria do conflito social, identificaram grupos que geralmente se rivalizam e vislumbraram uma correlação entre conflito intergrupal e solidariedade intragrupal. Em maior ou menor grau todos foram influenciados por de Charles Darwin e procuraram levar para suas concepções os ensinamentos deste grande pensador.


Bibliografia:

DARWIN, Charles. A origem do homem e a seleção natural, traduzido por Attílio Cancian e Eduardo Nunes Fonseca. São Paulo, Hemus- Livraria Editora, 1974.

COSTA, Maria Cristina Castilho. Sociologia: Introdução à ciência da sociedade.São Paulo, Ed. Moderna, 1993.

TIMASHEFF, Nicolas S. Teoria Sociológica,traduzido por Antônio Bulhões. Rio de Janeiro, Zahar editores, 1971.

BOTTOMORE, Tom e NISBET, Robert. História da Análise Sociológica, traduzido por Waltensir Dutra. Rio de Janeiro, Zahar editores, 1980.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Alexandre Luiz Alves de. Darwin e darwinismo social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 172, 25 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4633. Acesso em: 29 mar. 2024.