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Trabalho escravo no Brasil

Trabalho escravo no Brasil

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O objetivo do presente trabalho de conclusão de curso foi realizar um estudo bibliográfico sobre o tema, envolvendo uma analise sobre as formas históricas de escravidão abordando ainda quem são esses trabalhadores escravizados, sua definição.





RESUMO
O objetivo do presente trabalho de conclusão de curso foi realizar um estudo bibliográfico sobre o tema, envolvendo uma analise sobre as formas históricas de escravidão abordando ainda quem são esses trabalhadores escravizados, sua definição, o sistema de proteção desses trabalhadores instituídos pela Constituição da República de 1988 e os diplomas internacionais, tecendo alguns comentários nos aspectos mais relevantes. O presente estudo demonstra-se totalmente viável visto a quantidade de informações sobre o tema, disponibilizadas em artigos, meio eletrônico, livros e constantes debates. Observando a relevância do tema, esse trabalho se justifica nesta pequena contribuição, para sanar as duvidas ou curiosidade sobre esse assunto que é tão importante hoje em dia, para quem tiver interesse sobre o tema.
Palavras chave: Trabalho escravo – Direito – Trabalhador – Proteção.
1. INTRODUÇÃO
O trabalho proposto realizará uma análise sobre as inúmeras formas de trabalho escravo já registradas na História, como por exemplo: Egito Antigo, Mesopotâmia, Grécia Antiga, Império Macedônico, Império Romano, Idade Média, Mauritânia na África, Escravidão por dívidas, Escravidão Sexual, Escravidão Indígena, Escravidão Psicológica, Tráficos de pessoas. Nas palavras de (FILIPE CORREA, ATLAS DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL) o termo escravidão não permanece apenas quando se estuda História ou a Antiguidade. Em um mundo globalizado presenciamos não só grandes avanços, mas também grandes retrocessos. É a contradição do mundo moderno. De um lado os novos empreendedores e, do outro, os excluídos, de certa forma marginalizados pela miséria social.
Nessa esteira, renasce o trabalho escravo, agora com um novo perfil emblemático. Hodiernamente, este já não mais se restringe a lugares e regiões distantes: nas grandes cidades do sudeste do Brasil podem ser encontrados trabalhadores em situação desumana, em trabalho “análogo” à escravidão.

Quando olhamos para o mundo globalizado vemos grandes avanços e grandes retrocessos. É a contradição do mundo moderno. De um lado os novos empreendedores, do outro os excluídos, os que têm fome, marginalizados pela miséria moral e social.
Nas grandes cidades da região Sudeste pode ser encontrado como uma consequência da miséria e discriminação dos novos tempos, protegido pelo descaso dos atores econômicos e sociais que não levam em consideração os direitos humanos e trabalhistas.
Porque o trabalho escravo ainda persiste na sociedade moderna? Quais são as medidas de combate ao trabalho escravo aplicado pela justiça brasileira? Que requisitos podem ser citados para um trabalho ser considerado análogo ao escravo? Qual é a relação entre a dignidade da pessoa humana e as condições de trabalho as quais o trabalhador está exposto?
Os dados e as histórias destacados dos processos dão relevo ao cotidiano do trabalho e às representações sobre o labor de indivíduos em situação degradante. Aos estudos sobre o mundo dos trabalhadores jovens e adultos, homens ou mulheres, sindicalizados ou não, da cidade ou do campo deve-se adentrar um capítulo especial sobre a presença dos trabalhadores em situação de trabalho escravo.
Nesse trabalho levantaremos a hipótese que o mundo avançou bastante no que diz respeito a criação de leis de proteção ao trabalhador e ações para a erradicação de todos os meios de trabalho escravo. São incontáveis os jovens e adultos que trabalham em condições sub-humanas, tendo sua infância roubada, pois, trabalhar é o seu meio de sobreviver no mundo capitalista.
É óbvio que o trabalho escravo não será erradicado em um futuro próximo. Apesar dos longos anos em que vem sendo combatido, esse é um problema que está na estrutura da sociedade brasileira, portanto, deverá ser trabalhado lentamente com a união da sociedade, do Governo e pais, para que seja erradicado.
O objetivo do presente trabalho de conclusão de curso é analisar o trabalho escravo que não fere somente os direitos básicos do individuo enquanto cidadão, mas, fere também a sua dignidade enquanto ser humano. Portanto, este trabalho tem por objetivo analisar algumas questões acerca do trabalho escravo, além da relação do trabalho com a dignidade da pessoa.
O presente trabalho se justifica na necessidade de pesquisar a importância do da extinção do trabalho escravo moderno, por meio de punições e fiscalizações trabalhistas mais severas e efetivas. A relevância do assunto deve atingir os profissionais que se interessem pelo assunto, assim como acadêmicos, se mostrando um assunto que deve ser discutido e debatido de modo conceitual visando a sua totalidade.

2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Considerações iniciais
O trabalho é ligado diretamente ao homem, e seu conceito se confunde com a própria historia da sociedade. Diferente dos animais irracionais, que possuem apenas os extintos primários de sobrevivência se adaptando ao meio ambiente que estão inseridos, o homem atua sobre ele ativamente, dentro do seu universo. A história tem mostrado os mais diversos tipos de luta. A luta do homem, contra o próprio homem, a luta do homem contra o meio hostil em que sobrevive (se adaptando ao capitalismo), e as dificuldades do homem em vencer na sociedade moderna.
Porém, observa-se que a primeira forma que a sociedade adotou logo que o homem se separou do mundo “primitivo”, foi quando passou a adotar as primeiras formas de trabalho rudimentares, qualidade que o diferenciou de todos os outros seres vivos. A alimentação nessa época era constituída principalmente da caça, da pesca e da colheita de frutas silvestres, posteriormente iniciando a agricultura na base do trabalho com instrumentos como a “picareta”.
Segundo Russomano (2002, p.131) a importância econômica, social e ética do trabalho não passou despercebida dos legisladores antigos. No Código de Manu há normas sobre a empresa, na forma rudimentar com que ela se havia constituído. Os historiadores mais credenciados da Antiguidade aludem às organizações de classes dos hindus, dos árias, dos egípcios. Toda a preocupação parecia reduzir-se à organização social das classes, entre estas as dos trabalhadores, para conservá-los no círculo do seu destino.
O conceito jurídico de trabalho supõe que este se apresente como objeto de uma prestação devida ou realizada por um sujeito em favor de outro. Tal ocorre quando: 1. Uma atividade humana é desenvolvida, pela própria pessoa física; 2. Essa atividade se destina à criação de um bem materialmente avaliável; 3. Surja de relação por meio da qual um sujeito presta, ou se obriga a prestar, a própria força de trabalho em favor de outro sujeito, em troca de uma retribuição (MARANHÃO, CARVALHO apud CORRADO, 1953, p.133)
Na visão de Friedman e Naville (1973, p. 20) “o trabalho é o emprego que faz o homem das suas forças físicas e morais para a produção de riquezas e serviços (...). A atividade de trabalho se distingue essencialmente pela finalidade, pela utilidade e pelo valor dos produtos que cria”. Ainda segundo os autores “trabalho é o conjunto das ações que o homem, com a ajuda do cérebro, das mãos, de instrumentos ou maquinas, exerce sobre a matéria que por sua vez, reage sobre o homem, modificando-o”.

O trabalho, em Marx e Engels, é algo que dá valor aos bens. Na sociedade política socialista, o trabalho e o trabalhador constituem a principal peça. Na sociedade capitalista é cada vez maior a valorização do trabalho, apregoando-se o associacionismo, isto é, uma integração efetiva em forma de associação do trabalhador e do capitalista e o pluralismo mediante o reconhecimento de três espécies de trabalhadores: os braçais, os intelectuais e os trabalhadores de capitais. Verifica-se, pois, que do sentido negativo da antiguidade clássica passou-se a uma concepção de trabalho como valor (PINHO, NASCIMENTO, 2000, p.139)
Para Furquim (2001, p.223) “trabalho em sentido geral é todo esforço físico ou intelectual com o objetivo de realizar alguma coisa”. Merece destaque também, a definição de Césarino Júnior (1970, p.234) que conceitua o “trabalho como a aplicação da atividade humana à produção de bens e serviços em proveito de outrem, que o remunera”.
2.2 Dignidade humana
Até chegarmos à atual noção de dignidade humana, um longo caminho foi percorrido através dos tempos, com contribuições filosóficas desde a Antiguidade clássica, passando pelos Estóicos, depois por Cícero e difusão da cultura grega em Roma, pela Escolástica medieval de São Tomás de Aquino e, na Idade Moderna, pelas ideias de Pico de Mirandolla, Francisco de Vitória e Samuel Püfendorf, firmando-se com o Idealismo de Kant.
Conforme ensinamento de Canotilho (2000, p. 381):
Direitos humanos de segunda dimensão, ou seja, os direitos sociais, econômicos e culturais, surgiram a partir das reivindicações operárias do Século XIX, decorrência da crise social produzida pela conjugação da prevalência das idéias do liberalismo radical, com as mudanças no sistema de produção proporcionadas pela Revolução Industrial. Caracterizam-se como direito de o particular obter, por meio do Estado, prestações de saúde, educação e segurança social.
No mesmo sentido, porém, posicionando-se na atualidade e à nossa Nação, cabe a citação de Ingo Sarlet (apud. OLIVEIRA & SALETI, 2009,p.237): “A dignidade da pessoa humana é fundamento do Estado Democrático de Direito instituído no Brasil em 1988 (art. 1º, III, da Constituição), partindo daí o sistema de reconhecimento, de proteção e de efetivação dos direitos humanos, ao que se obriga o Estado por todos os seus Poderes”.
O princípio de justiça social encontra-se inserido na Carta Magna, com o objetivo de se garantir uma vida digna a todos os homens, com a satisfação das necessidades vitais básicas, indicadas pelo próprio texto da Constituição, conforme seu art. 7º, IV: "moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social".

Reinaldo Filho (2008, p. 287) discorre sobre a noção de dignidade humana a ser preservada ao devedor:
Desde o direito romano se notam os primeiros sinais da preocupação do legislador com a preservação do mínimo suficiente para a subsistência do devedor. Nos primórdios da execução forçada, o devedor respondia com o próprio corpo (com a possibilidade inclusive de sua morte); depois, passou-se ao sistema da escravização temporária até evoluir para a execução patrimonial. Da violenta execução pessoal, a satisfação do crédito passou a ser perseguida por meio da execução sobre o patrimônio do devedor. A própria execução patrimonial também sofreu uma evolução, pois se no seu nascedouro admitia a expropriação da totalidade do patrimônio do devedor, posteriormente começou a admitir restrições em relação ao valor da dívida e a determinados bens.
2.4 O trabalho no Brasil
No inicio do século passado, notou-se uma intensificação na participação de movimentos trabalhistas. Isso se deve principalmente a chegada de cada vez mais estrangeiros vindo de outros continentes, houve um aumento considerável de trabalhadores alemães, italianos e japoneses que vieram trabalhar nas lavouras brasileiras, principalmente no estado de São Paulo, e no Sul do Brasil. Esses imigrantes tiveram grande impacto nas relações de trabalho brasileiras, devido ao seu grau mais elevado de instrução, diferenças de cultura, e política.
Getúlio Vargas identificou as causas da inquietação da classe operária e legislou a favor do trabalhador brasileiro criando decretos e leis que davam vantagens como: concessão de férias, instituição da Carteira Profissional, regulamento de horário de trabalho no comércio e na indústria, instituição de comissões mistas de conciliação, estabelecimento das condições de trabalho de menores na indústria, etc. Para tanto, foi criado o Ministério do Trabalho, instalando-se oficialmente, a presença do Estado nas relações entre patrão e empregado (AQUINO, 1979, p.165).
A partir de 1930, as empresas sofreram o impacto da legislação trabalhista e as consequências da política getulista. Com as novas exigências, as empresas precisavam acautelar-se, porque já não podiam enfrentar os problemas de pessoal com improvisação, tornando-se necessário estruturarem-se internamente para responder aos desafios governamentais.
Juscelino Kubitschek aproveitou a infraestrutura montada por Getúlio Vargas e planejou o parque industrial brasileiro trazendo do exterior grupos econômicos, os quais abriram as portas da nação para o capital estrangeiro e aos grupos internacionais, que se instalaram no País trazendo maior complexidade tecnológica e organizacional. Precisamente, a partir de 1956, época de Juscelino, a situação trabalhista tornou-se mais complexa. A partir daí, o Brasil deu um salto desenvolvimentista (AQUINO, 1979, p.238)

As relações funcionais tornaram-se mais complexas e o grau de escolaridade e a aspiração dos trabalhadores aumentaram. Cresce a ênfase nas relações humanas, que de acordo com Davis (apud FLIPPO, 1980, p.223) “ é a integração de pessoas numa situação de trabalho motivando-as a trabalhar juntas, produtivamente, cooperativamente, com satisfações econômicas, psicológicas e sociais”. Assim, os problemas já não podiam mais ser resolvidos na Seção de Pessoal. Havia necessidade de estruturarem outras unidades de recursos humanos, com qualidade e tecnicamente capazes de enfrentar a nova realidade.
E, com a denominação de Recursos Industriais (RI) o Brasil adaptou o Industrial Relations, vindo dos Estados Unidos. A fase de 1963/1964 foi muito marcante na vida do trabalhador brasileiro e para a administração de recursos humanos, pois foi o palco de intensos movimentos populistas. Em 1964, quando aconteceu a Revolução Industrial planejada e deflagrada sob a doutrina de segurança e do desenvolvimento, os trabalhadores foram envolvidos e manipulados por falsos líderes.
O ano de 1973 é marcado por um ar de otimismo e confiança com o Governo General Médice, produto dos projetos de impacto, que estimulavam as empresas a investir, gerando novos problemas nas relações de trabalho. É onde começa a crise do petróleo, com muitas lições e consequências.
Aquino (1979, p.188) diz que em 1978 o Brasil enfrentava um período marcado por greves em vários estados industrializadas como São Paulo, onde eclodia uma média de seis paralisações por dia, e com possibilidades de eventos semelhantes nos próximos anos, principalmente por causa da abertura política. Esta abertura desencadeou o aumento de reivindicações da classe trabalhadora, iniciando movimentos de metalúrgicos pela reposição salarial. Contudo, as verdadeiras razões desses movimentos foram: falta de condições de trabalho, desejo de participação política, maior autonomia sindical, e a situação adversa dos grandes centros industriais. Além dos metalúrgicos, várias outras categorias profissionais fizeram greve, como médicos, professores, etc.
A atual situação trabalhista não é explicada apenas em função de forças históricas sequenciadas e nem é somente de responsabilidade da empresa e do governo. O Brasil cresceu muito nos últimos anos. O processo de industrialização e urbanização foi muito intenso. O sistema de ensino ampliou-se, os meios de comunicação estão cada vez mais modernos e sofisticados, as classes trabalhadoras estão mais organizadas, as empresas estão atuando sob um novo enfoque político econômico e social, o mercado está mais competitivo etc. Esses e outros fatores influenciam a conduta do trabalhador brasileiro, principalmente os nascidos a partir de 1950, início da industrialização.
Passado mais de trinta anos existe toda uma nova organização da classe operária com lideranças fortes e carismáticas dentro de um contexto político e econômico mais aberto,embora, com um grande distanciamento do custo de vida e do salário, cuja elevação é limitada pela política governamental da nova moeda (o real).
Lucena (1999, p.145) sinaliza que a realidade brasileira, como um todo, continua marcado por uma profunda diversificação de estágios de desenvolvimento, convivendo simultaneamente com processos desde os mais arcaicos até os mais avançados’' A perplexidade do brasileiro, face à instabilidade, às incertezas, à vulnerabilidade das instituições, aprofunda os conflitos entre o arcaico e o novo.
2.3 Relação de trabalho e relação de emprego
A relação de trabalho constitui gênero do qual a relação de emprego é uma das suas muitas espécies. A relação de trabalho se configura quando numa relação jurídica travada entre dois sujeitos, um destes despende a sua força laboral em proveito do outro, o qual o retribuirá com uma contraprestação.
Baseado neste raciocínio, Delgado (2011, p. 275) concluiu que a relação de trabalho acomodaria todas as formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual, englobando, portanto, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.).
Faz-se necessário ainda esclarecer que a expressão contrato de trabalho deve ser tomada como gênero, em que pese muitos se referirem a contrato de trabalho como sendo contrato de emprego. Vale ressaltar que para Amauri Mascaro Nascimento (2010, p. 538), no período contemporâneo, não é mais cabível deixar de definir o exato sentido dos termos. Para fundamentar tal entendimento este autor faz menção á dispositivos do Código Civil:
Outro fundamento do contrato de trabalho como gênero é o Código Civil, art. 594, ao dispor que “toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição.”, e o art. 593, segundo o qual “a prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo”, [...] Ora, se toda espécie de serviço ou trabalho lícito pode ser contratada mediante retribuição, não é mais possível uma remuneração taxativa ou monista dos contratos que tenham esse objeto. O que não deve ser seguido, por estar superada pelos fatos é a terminologia arraigada em nosso vocabulário e que identifica contrato de trabalho com contrato de emprego, pois, se assim era possível em 1943, no período contemporâneo não é mais, tendo em vista a nova divisão do trabalho, que leva a novas formas de contrato de trabalho.
Outro fundamento para o uso dos aludidos termos de forma distinta está na alteração do art. 114 da Constituição Federal, implementada por meio da Emenda Constitucional 45 de 2004, a qual ampliou a competência da Justiça do Trabalho. Esta Justiça Especializada, quando foi criada, tinha a competência de dirimir conflitos existentes entre empregado e empregador, mas, como bem observa José Cairo Jr. (2010, p. 129) “Percebendo que a realidade social foi bastante alterada, desde o início do século XX até os dias atuais, o legislador constituinte derivado ampliou a competência da Justiça do Trabalho para dirimir conflitos decorrentes de qualquer relação de trabalho”.
Baseado neste raciocínio, Amauri Mascaro Nascimento (2010, p. 539) conclui que “o correto seria dizer, ao contrário da CLT, contratos de trabalho no plural, e não no singular, diante da variedade de tipos contratuais regidos no período atual pela legislação trabalhista”.
Em contrapartida, Delgado (2011, p. 277) acredita que a hegemonia fático-jurídica da relação empregatícia “torna meramente acadêmica e formalista a insistência em se recusar validade teórica às expressões tradicionais (relação de trabalho e contrato de trabalho) para designar a relação e instituto de caráter específico (relação de emprego e contrato de emprego)”.
Prosseguindo com a diferenciação dos referidos termos, ressalte-se que a relação de emprego é apenas uma das espécies da relação de trabalho e possui como diferenciador das demais relações de trabalho lato sensu, os requisitos descritos nos artigos 2° e 3³ da CLT, quais sejam, onerosidade, pessoa física/pessoalidade, subordinação e não eventualidade.
Em que pese ser apenas uma espécie da relação de trabalho, Maurício Godinho Delgado (2011, p. 276) evidencia a relevância, prevalecente nos últimos duzentos anos, da relação de emprego ante as demais modalidades de pactuação de prestação de trabalho:
Passados duzentos anos do início de sua dominância no contexto sócio econômico do mundo ocidental, pode-se afirmar que a relação empregatícia tornou-se a mais importante relação de trabalho existente no período, quer sob a ótica econômico-social, quer sob a ótica jurídica. No primeiro plano, por generalizar-se ao conjunto do mercado de trabalho, demarcando uma tendência expansionista voltada a submeter às suas regras a vasta maioria de fórmulas de utilização da força de trabalho na economia contemporânea. No segundo plano, por ter dado origem a um universo orgânico e sistematizado de regras, princípios e institutos jurídicos próprios e específicos, também com larga tendência de expansionismo – O Direito do Trabalho.
Importante ressaltar que este mesmo autor (2011, p. 310) enumera relações de trabalho que apresentam todos os elementos caracterizadores da relação de emprego, mas que com ela não se confundem. Dentre elas temos a relação de trabalho dos servidores administrativos das entidades estatais de direito público, onde haveria uma excludente legal absoluta que inviabilizaria o contrato empregatício. Têm-se ainda o contrato de estágio (caso o estágio seja remunerado), onde haveria uma presunção legal favorável ao estágio que o impediria de enquadrar-se no tipo legal da CLT, em virtude dos objetivos educacionais do contrato. Por último, este autor cita a relação de trabalho que envolve trabalhadores prestadores de serviço de cooperativas de mão de obra, neste caso o art. 442 da CLT inviabiliza o vínculo empregatício.
Os quatro elementos fático-jurídicos que caracterizam a relação de emprego devem apresentar-se de forma simultânea, uma vez que a ausência de qualquer deles descaracteriza a relação empregatícia.
2.4 DIREITO DO TRABALHO
2.4.1 No mundo
O Direito do Trabalho não surgiu por acaso e muito menos de um ato único; pelo contrário, sua origem dependeu de todo um contexto histórico de exploração do trabalho e da figura humana, o que tornaram imprescindíveis a sua existência e necessidade.
A figura do trabalhador surgiu com a escravidão, em que os escravos eram considerados como “coisa”, sem nenhuma proteção, e trabalhavam apenas para enriquecer os senhores feudais, ou seja, não havia nenhuma limitação na utilização das suas forças, e os trabalhadores não podiam se equiparar a um sujeito de direito, não tinham nenhum direito trabalhista.
Ainda na sociedade pré-industrial, surge a figura das corporações de ofício. Neste período, ainda não havia normas jurídicas para regulamentar o trabalho. Nas corporações, havia a presença de três membros, que eram os mestres, os companheiros e os aprendizes. Os mestres, após aprovados em conformidade com os regulamentos da corporação, chegavam a ser os proprietários das oficinas, que, por sua vez, pagavam salários aos trabalhadores livres. Já os aprendizes eram menores de idade que aprendiam um oficio, ensinados pelos mestres. Ressalte-se que essas corporações eram bastante rigorosas, destinando-se apenas aos seus próprios interesses, sendo irrelevantes à proteção dos trabalhadores.
Existia ainda, neste período, a figura da locação, que se subdividia em dois tipos: a locação de serviço e a locação de obra ou empreitada. A locação de serviço, conhecida também como locatio operarum, ocorria quando havia um contrato entre duas pessoas, através do qual uma pessoa prestava serviços à outra, mediante remuneração por tempo determinado. Já a locação de obra ou empreitada destinava-se à realização de uma obra, mediante contrato e remuneração.

Mudanças na economia e na sociedade tiveram inicio no século XVIII, com a Revolução Industrial, especialmente através do invento da máquina a vapor, que, com seu aperfeiçoamento, acelerou o processo industrial. Houve uma mudança radical no sistema de produção, devido à utilização da referida máquina, substituindo a força humana, a animal e a hidráulica, havendo um contingente maior de pessoas que passaram a trabalhar no ritmo determinado pela própria máquina. Desta forma, houve uma substituição do trabalho escravo, servil e corporativo pelo trabalho assalariado.
A Revolução Industrial apresentou à sociedade contemporânea a figura do assalariado, vez que o sistema feudal e o corporativismo não mais atendiam às necessidades do mundo industrial.
Conforme Sussekind (2004, p. 54) o novo sistema econômico fundava-se teoricamente “nos princípios do liberalismo, de modo que todos os homens eram iguais perante a lei”. O que não acontecia na realidade, pois existia uma gritante desigualdade.
Maranhão (1993, p. 15) nos ensina o que significou esse liberalismo: “Mas essa liberdade, no plano do Direito, veio significar, no plano social, para uma classe inteira de indivíduos, coação econômica e desigualdade”.
As primeiras constituições que tratavam de direitos trabalhistas surgiram no México em 1917 e na Alemanha em 1919. A Constituição do México foi a primeira no mundo que regulamentou, no seu art. 123, a jornada diária de 8 horas e a noturna de 7 horas, a proibição de trabalho de menores de 12 anos, a limitação de jornada do menor de 16 anos a 6 horas, direito de sindicalização, proteção contra acidentes no trabalho, proteção à maternidade, descanso semanal, direito ao salário mínimo, igualdade salarial, conciliação e arbitragem dos conflitos, greve, indenização de dispensa e seguros sociais (NASCIMENTO, 2004, p. 48). Portanto, vislumbra-se que os primeiros direitos trabalhistas surgiram com a Constituição do México, que assegurava ao trabalhador melhores condições de trabalho, buscando protegê-lo de jornadas estafantes e, consequentemente, buscando-se maiores rendimentos de trabalho.
A Constituição da Alemanha de 1919 regulamentou a participação dos trabalhadores nas empresas, a liberdade de coalizão dos operários para defesa e melhoria das suas condições de trabalho, a criação de um direito unitário trabalhista, o direito a um sistema de seguros sociais, o direito de negociação dos trabalhadores com os empregadores na fixação dos salários e demais condições de trabalho e a representação dos trabalhadores na empresa.
A Carta Del Lavoro da Itália surgiu em 1927, tendo sido a base dos sistemas políticos corporativistas, tanto na Itália, como na Espanha, em Portugal e no Brasil, com forte influência do Estado na ordem econômica, o controle coletivo do trabalho e a concessão dos direitos trabalhadores por lei. Se houve a forte presença do Estado na promoção legal da tutela dos assalariados, isso, em contrapartida, prejudicou o desenvolvimento sindical, devido ao dirigismo exercido sobre os sindicatos.
Nas palavras de Nascimento (2004, p. 49), existem, na história do Direito do Trabalho, os primeiros destinatários das leis trabalhistas, in verbis:
As primeiras leis trabalhistas na Europa foram motivadas pela a necessidade de coibir os abusos perpetrados contra o proletariado e, mais diretamente a exploração do trabalho dos menores e das mulheres. A falta de leis permitiu a utilização do trabalho de menores de 8, 7 e até 6 anos de idade nas fabricas e jornadas de trabalho excessivas para as mulheres. Desse modo, surgiram leis sobre idade mínima para trabalho na indústria e duração diária do trabalho. Leis de previdência e assistência social também foram elaboradas, iniciando a área do direito social hoje denominada seguridade ou segurança social, abrangendo previdência e assistência social.
Dessa forma, as primeiras leis trabalhistas visavam à proteção do hipossuficiente que eram os menores e as mulheres, e da necessidade de evitar abusos contra o proletariado, buscando um trabalho mais digno e humano.
2.4.2 No Brasil
As transformações ocorridas mundialmente, em especial na Europa, e a crescente criação de leis que visavam proteger o trabalhador, repercutiram de forma positiva no Brasil, que ingressou na Organização Internacional do Trabalho, em 1919, criada pelo Tratado de Versalhes com o objetivo de proteger e normatizar as relações de trabalho. Tomemos por base a divisão apontada por Nascimento (2004, p.54), que enumera, como fatores influentes, as influências externas – decorrentes das transformações ocorridas na Europa e da crescente elaboração legislativa de proteção ao trabalhador em diversos países, bem como do ingresso no Brasil na Organização Internacional do Trabalho, visto que todos esses acontecimentos visavam regulamentar normas trabalhistas – e influências internas – advindas do movimento operário, que contou com a participação de imigrantes de inspirações anarquistas, assim como do surto industrial com acréscimo de fabricas e operários e, por fim, da política trabalhista de Getúlio Vargas a partir de 1930.
A partir de 1930, passaram a serem criadas diversas leis que regiam as relações de trabalho tanto individual como coletivo. Entretanto, desde 1934, todas as constituições brasileiras passaram a regulamentar o direito do trabalho, destacando-se, neste mesmo período, o pluralismo sindical, no artigo 120, parágrafo único, daquela Carta Magna, onde estava expresso que “a lei assegurará a pluralidade sindical, e a completa autonomia dos sindicatos”. Deste modo, previam-se a pluralidade e as autonomias sindicais, demonstrando completa ruptura com o modelo de organização proposto pelo Decreto de 1931.
Já na Constituição Federal de 1937, mas precisamente no artigo 139, estava posto que a greve era um meio incompatível com os interesses da produção pátria. Contudo, essa constituição era de teor corporativista, pois criou o sindicato único, podendo o Estado intervir nas suas atividades.
A Constituição seguinte, de 1946, em seu art. 157, assegurou aos trabalhadores o repouso semanal remunerado, a participação nos lucros e a estabilidade, bem como o direito de greve, no artigo 158. Vale mencionar, também, a Carta Maior de 1967, que elencou em seu artigo 158 os direitos trabalhistas tais como: salário mínimo; salário-família; proibição de diferença salarial decorrente de sexo, cor e estado civil; adicional noturno; integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na gestão, nos casos e condições que forem estabelecidos; jornada do trabalho não excedente há oito horas; repouso semanal remunerado e nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local; férias anuais remuneradas; higiene e segurança do trabalho, entre outros.
Finalmente, temos os direitos trabalhistas enumerados na Constituição Federal de 1988, nos artigos 7º a 11, bem como na Consolidação das Leis do Trabalho, instrumentos que, atualmente, são empregados como embasamento para mover uma reclamação trabalhista, visando, tão somente, assegurar os direitos trabalhistas que ao longo dos anos foram conquistados.
Devem ser destacadas as primeiras leis ordinárias, conforme leciona Nascimento (2004, p. 55).
Surgiram, em fins de 1800 e começo de 1900, como leis esparsas que tratam de temas como trabalho de menores (1891), organização de sindicatos rurais (1903) e urbanos (1907), férias (1925), Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (1930), relações de trabalho de cada profissão (decretos a partir de 1930), trabalho das mulheres (1932), novo estrutura sindical (1931), convenções coletivas de trabalho (1932), Justiça do Trabalho (1939) e salário mínimo (1936).
A Consolidação das Leis Trabalhistas surgiu no dia 01 de maio de 1943, agrupavam idéias corporativas e submetendo-se as organizações sindicais ao controle estatal. Ressalte-se que esta lei se aplica a todos e qualquer tipo de empregado.
As normas que regulamentam o direito do trabalho no Brasil serviram como um remédio judicial e como embasamento numa reclamação trabalhista, onde constam elencados em seus diversos artigos os direitos do trabalhador, que por longos anos, vem tentando conquistar o seu espaço no âmbito jurídico.

3 AÇÕES PARA A ERRADICAÇÃO DE TODOS OS MEIOS DE TRABALHO ESCRAVO
A necessidade de facilitar o seu trabalho sempre esteve presente no universo do homem, incentivando-o a criar instrumentos e aperfeiçoar seu modo de trabalhar, porém, ao mudar o sistema rudimentar de trabalho, sem pensar nas consequências que isso traria deu lugar à propriedade privada, tanto no meio de produzir quando nos meios de trabalho: os escravos.
Nas palavras de Michel (2000, p. 236), a palavra trabalho derivou do termo latino tripalium, “que designava um instrumento de tortura (na sociedade greco-romana, de cunho escravagista, a minoria rica e intelectualizada não trabalhava e vivia apenas para o desenvolvimento pessoal, então trabalhar era uma “tortura”). A ociosidade daquela civilização era associada a concepção de cidadão livre, de homem completo, como aquele que ocupava o tempo consigo mesmo e com suas atividades físicas, artísticas a intelectuais. Somente o escravo que não era considerado como ser humano (era apenas uma coisa) trabalhava.
Ressalta Susseking et. al (1984, p.193) que o homem sempre trabalhou; primeiro para a obtenção de seus alimentos, já que não tinha outras necessidades, em face do primitivismo de sua vida. Depois, quando começou a sentir o imperativo de se defender dos animais ferozes e de outros homens, iniciou-se então na fabricação de armas e instrumentos de defesa. Nos combates que travava contra seus semelhantes, pertencente a outras tribos e grupos, terminada a disputa, acabava de matar os adversários que tinham ficado feridos, ou para devorá-los ou para se libertar dos incômodos que ainda podiam provocar. Assim, compenetrou-se de que em vez de liquidar os prisioneiros, era mais útil escravizá-los para gozar de seu trabalho.
Nas palavras de Figueira (2004, p.237) percebe-se que quando se fala em trabalho escravo é comum muitos pensarem em um trabalho especificamente de negros, muito utilizado em nossa colonização, mas esse tipo de relação deve ser afastada porque na atualidade há exploração de várias etnias, raças, sexos.
O autor (op. cit) afirma “ainda que esse tipo de exploração seja antiga e vem sendo camuflada de acordo com o tipo de elementos que compõe a relação de trabalho efetuado. Um bom exemplo disso foi constatado em muitos países do mundo, logo após a Segunda Guerra Mundial, principalmente na aferição das transformações sócia econômicas ocorrida na época, caracterizada pela mudança no mercado de trabalho e nas relações comerciais”.
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Gilissen (2001, p.132) registra “que a apropriação do solo leva a desigualdades sociais e econômicas e estas desigualdades econômicas levam a diferenças mais ou menos consideráveis de produção de um clã para outro, duma família para outra”. Segue-se o aparecimento de ricos e pobres e, por consequências, de classes sociais. E, estas classes vão diferenciar fortemente à medida que os ricos se tornam mais ricos e os pobres mais pobres; porque muito frequentemente o pobre, obrigado a procurar meios de sobrevivência, deverá pedir emprestado ao rico e por os seus bens e a sua pessoa em penhor, o que terá consequências graves no caso de não execução do contrato. Assim, aparecem classes sociais cada vez mais distintas e uma hierarquização da sociedade, hierarquização que vai se complicando à medida que aparecem novas classes entre a dos livres e a dos não livres. Chegam-se assim a uma sociedade fortemente estruturada, geralmente do tipo feudal, piramidal, tendo à sua cabeça um chefe, abaixo do chefe os vassalos, depois os vassalos dos vassalos e assim seguidamente, finalmente os servos e os escravos.
Alves (2004, p.232) também destaca que “na idade antiga, com o advento da escravidão, passou a ser corriqueiro e ate mesmo normal o homem, desprovido de riqueza, ser considerado ou ser colocado em condições de escravidão, consequentemente retirada a sua cidadania”. Afirma ainda, que as guerras, expansão de povos dominadores e a necessidade de conquistas faziam com que o trabalho fosse identificado como algo penoso, árduo. A mão de obra, se não escrava, pessimamente remunerada, mesmo porque se a própria definição de trabalho advém da concepção de tortura e equipamento de tortura, o que representava bem essa ideia de castigo ou pena. Os homens que detinham o poder e dominavam outros homens tinham como pensamento que o trabalho era coisa a ser realizada pelos escravos.
Relata Sussekind et. al (1984, p.223) que àquele tempo, “a escravidão era considerada coisa justa e necessária, tendo Aristóteles, complementando a informação anterior, afirmado que, para conseguir cultura, era necessário ser rico e ocioso e que isso não seria possível sem a escravidão. A existência da escravidão nos tempos medievais era marcada pelo grande número de prisioneiros, especialmente entre os bárbaros e infiéis, efetuada pelos senhores feudais, que mandava vendê-los como escravos nos mercados de onde seguiriam para o Oriente Próximo. Sob vários pretextos e títulos, a escravidão dos povos mais fracos prosseguiu por vários séculos; em 1452 o Papa Nicolau autorizava o rei de Portugal a combater e reduzir à escravidão todos os muçulmanos, e em 1488 o rei Fernando, o Católico, oferecia dez escravos ao Papa Inocêncio VIII, que os distribuía entre cardeais. Mesmo com a queda da Constantinopla em 1453, a escravidão continuou e tomou incremento com o descobrimento da América. Os espanhóis escravizavam os indígenas das terras descobertas e os portugueses não só aqueles, como também faziam incursões na costa africana, conquistando escravos para trazer para as terras do Novo Continente.
No Brasil os portugueses, desde o descobrimento, introduziram o regime da escravidão: primeiro dos indígenas. Mota (1997, p.342) afirma que “nas colônias instaurou-se um modelo de produção diferente”. Os primeiros colonos já dependiam dos índios para sobreviver. Eram eles que conheciam as plantas comestíveis, que sabiam pescar e preparar alimentos e todo colono que aqui chegava tratava de obter nativos que o servissem. A Coroa portuguesa oficializou a situação autorizando a escravidão indígena em 1534. Em 1549, chegou ao Brasil o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, cuja missão era tornar rentável a Colônia, deslocando o foco das atividades econômicas para a extração da madeira (pau-brasil) e o cultivo da cana para a produção de açúcar. No entanto, no momento do cultivo, era difícil contar com a mão de obra indígena. De acordo com a cultura deles, plantar e colher eram atividades femininas. Além disso, a agricultura não era atividade desenvolvida entre os indígenas, que não se adaptavam a ela com facilidade.
Bosi (1992, p.194) ressalta que:
Durante o regime ditatorial no Brasil, houve grandes indícios de trabalho escravo, denunciados pela Comissão Pastoral da Terra, entretanto, isso se perdeu no vazio porque o governo instituído na época não aceitava críticas, baseava-se, apenas, no seu intuito que era o crescimento da nação de qualquer jeito e de qualquer forma sem respeitar limites e muito menos os seres humanos envolvidos em tal situação degradante. A ocupação do norte e do centro-oeste, incentivado por recursos federais, agravou ainda mais tal situação porque não havia fiscalização e a intenção primordial dos militares era o desenvolvimento econômico sem planejamento, sem respeito aos princípios básicos da dignidade da pessoa humana, ocasionando o latifúndio, as grilagens das terras, enfim, as desigualdades sociais.
Após muita pressão interna e externa, o nosso país reconheceu em 1995 que havia e ainda há trabalho escravo em nosso imenso território, a partir desse momento, começou a ser tratado esse fato como um mal não erradicado pela famosa Lei Áurea (apud. FURTADO, 1977, p. 134), então, iniciou-se um trabalho de aperfeiçoamento das nossas instituições em prol dos trabalhadores encontrados sobre essa forma de exploração, buscando, desde já, uma melhor visualização desse problema através de uma conceituação que procurasse melhor se adequar ao fato social em análise.
O autor (op. cit) ressalta ainda que desde então surgiram várias expressões para descrever tal exploração: escravidão nova, atual, contemporânea, moderna, branca, escravidão amazônica, boliviana, trabalho forçado, trabalho análogo ao de escravo, servidão.
É necessário informar que o desrespeito às leis trabalhistas não é suficiente para a caracterização da utilização de mão de obra escrava, pode ser apontada apenas como uma
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irregular relação de trabalho que deve ser fiscalizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Cabe ressaltar os conceitos das expressões usadas para as várias explorações, segundo Beninca (2006, p.340):
a) Escravidão amazônica é um termo utilizado para caracterizar a exploração de trabalhadores na região da floresta e de fronteira, homens são contratados para a derrubada e desmatamento da mata, preparo do pasto e contrabando de madeiras protegidas;
b) Escravidão boliviana é um termo usado para a exploração de trabalhadores de origem boliviana que vêm ao Brasil para trabalharem em grandes centros, áreas metropolitanas em tecelagens, submetendo-se a jornadas exaustivas de cerca de 16 horas diárias de trabalho, recebendo cinquenta centavos por peças produzidas, é também chamada de senzala boliviana.
Sabe-se ainda hoje da permanência de trabalho escravo, ou análogo ao da escravidão, principalmente, mas não somente, em regiões afastadas dos grandes centros urbanos. A convenção 105 da OIT e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais tratam do assunto, estabelecendo medidas de combate ao trabalho forçado e em condições subumanas, evidenciando a dolorosa realidade da manutenção da exploração do homem pelo homem.
O Brasil, como é sabido, foi um dos últimos países a abolir dogmaticamente a escravidão. A nenhum ser humano deveria ser dado desconhecer que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em seu art. 4º, proclama solenemente: “Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos”.
No mesmo sentido vai a Declaração Americana dos Direitos Humanos, cujo art. 6º prescreve: “Ninguém pode ser submetido à escravidão ou à servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as formas. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório”.
Dessa maneira, o combate a todas as formas de trabalho em condições de escravidão constitui dever do Estado e de toda a sociedade. Principalmente do Ministério Público e da Magistratura, como instituições estatais, esperam-se providências enérgicas que possibilitem o amplo acesso à Justiça dos trabalhadores em condições de escravidão, uma vez que a situação de indigência social desses trabalhadores, ocasionada pelo analfabetismo, fadiga física e psíquica, o fundado temor em virtude da tríplice coação que recebem acima referidas, dentre outros, revelam que eles não têm condições materiais ou morais de demandarem individualmente em face do tomador de seus serviços.

Segundo Hildebrando Accioly (1980 apud MARTINS, 2002, p. 37), “o direito internacional público ou direito dos agentes é o conjunto de princípios ou regras destinados a reger os direitos e deveres internacionais, tanto dos Estados ou outros organismos análogos, quanto dos indivíduos”.
Ainda segundo Martins (2002, p. 38), “o direito público internacional, objetiva a organização jurídica de solidariedade entre as nações, com vistas ao interesse público e à conservação da ordem social que deve existir na comunidade internacional”.
Arnaldo Süssekind (1991, p. 1235 apud MARTINS, 2002, p. 38) “ensina que três são os objetivos do direito internacional do trabalho:”
a) universalizar os princípios da Justiça Social e, na medida do possível, uniformizar as correspondentes normas jurídicas; b) estudar as questões conexas das quais depende a consecução dos referidos ideais; c) incrementar a cooperação internacional para a melhoria das condições de vida do trabalhador.
Consequentemente, três são os objetos do direito internacional do trabalho, segundo os autores supracitados:
a) as relações, não só dos Estados entre si, mas, igualmente, entre eles e os organismos internacionais competentes na matéria; b) a atividade normativa tendente a incorporar direitos e obrigações aos sistemas jurídicos nacionais; c) programas de assistência técnica destinados a harmonizar o desenvolvimento econômico com o progresso social.
Portanto, para Süssekind (2000, p. 1460 apud NASCIMENTO, 2003, p. 35), os fundamentos do direito internacional do trabalho estão diretamente relacionados com o estabelecimento de normas criadas por um Organismo Internacional, visando à harmonização do regramento jurídico dos Estados soberanos na promoção da paz e da justiça social no mundo do trabalho.
Segundo Antônio Ferreira Cesarino Júnior (1970, p. 72 et. al apud MARTINS 2002, p. 39), “os progressos da legislação social de alguns Estados, pela repercussão de aumento sobre o custo dos produtos, punha os mais adiantados em condições de difícil concorrência com os menos adiantados, de modo que, nas competições econômicas internacionais, tais progressos poderiam redundar em prejuízo econômico dos que os tinham realizado.”
Conforme cita Amauri Mascaro Nascimento (2010, p. 31), “um dos pioneiros da proteção dos trabalhadores como uma questão internacional foi o industrial socialista Robert Owen, que, no início do século XIX, reduziu a jornada de trabalho, melhorou as condições de vida de seus trabalhadores e lhes propiciou condições de lazer e educação para seus filhos. ’’
Nas palavras de Nascimento (2000, p. 81), Robert Owen foi o primeiro a defender amplas reformas sociais e a aplicar essas ideias inovadoras na sua fábrica de tecidos. No ano 19 de 1818 administrou um manifesto em prol da classe trabalhadora aos soberanos das potências aliadas, sugerindo uma reconstrução completa da sociedade por meio da cooperação mundial.
A ideia de uma legislação internacional do trabalho também era defendida por Daniel Le Grand, segundo ressalta Nascimento (2001, p. 92) que foi precursor da missão da Organização Internacional do Trabalho. Le Grand foi um industrial francês que, entre 1840 e 1853, se dirigiu várias vezes a estadistas e funcionários públicos alemães, britânicos, franceses e suíços, com vista a um acordo internacional sobre legislação internacional do trabalho.
CONCLUSÃO
Os dados e as histórias destacados dos processos dão relevo ao cotidiano do trabalho e às representações sobre o labor de indivíduos em situação degradante. Aos estudos sobre o mundo dos trabalhadores jovens e adultos, homens ou mulheres, sindicalizados ou não, da cidade ou do campo deve-se adentrar um capítulo especial sobre a presença dos trabalhadores em situação de trabalho escravo.
Após a conclusão do presente trabalho, pode-se concluir que o mundo avançou bastante no que diz respeito a criação de leis de proteção ao trabalhador e ações para a erradicação de todos os meios de trabalho escravo. São incontáveis os jovens e adultos que trabalham em condições sub-humanas, tendo sua infância roubada, pois, trabalhar é o seu meio de sobreviver no mundo capitalista.
É óbvio que o trabalho escravo não será erradicado em um futuro próximo. Apesar dos longos anos em que vem sendo combatido, esse é um problema que está na estrutura da sociedade brasileira, portanto, deverá ser trabalhado lentamente com a união da sociedade, do Governo e pais, para que seja erradicado.
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