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Ordenador de despesa: responsabilidade subjetiva e temática

Ordenador de despesa: responsabilidade subjetiva e temática

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É comum haver decisões condenatórias de ordenadores de despesas por irregularidades em licitações, sem a verificação da natureza orçamentária ou financeira dessas, matérias de trato do ordenador.

Da responsabilidade temática por atos de natureza financeira e orçamentária

O procedimento de licitação é uma cadeia sequencial de atos, de naturezas distintas, que confluem para o pagamento da despesa, após o recebimento do objeto e a fase de liquidação. Mas, nem todos esses atos prévios são de responsabilidade do ordenador, não obstante tenha de primar pela legalidade da despesa.

As suas atribuições possuem conteúdo orçamentário e financeiro extraído da Lei nº 4.320/1964, do Decreto-Lei nº 200/67 e do Decreto nº 93.876/1986. Este último no caso de ordenadores federais.

Nem todos os atos precedentes ao pagamento da despesa podem ser imputados ao ordenador, em regra, a exemplo de situações de superfaturamento.

O ordenador deve se ater às questões orçamentárias e financeiras que permeiam a fase interna e externa das licitações e a fase de execução contratual. Vejamos, em cada fase, os atos atribuíveis ao ordenador de despesas:

Fase interna da licitação

(planejamento até a publicação do edital)

Fase externa da licitação

(publicação do edital até a homologação e adjudicação)

Fase de execução contratual

Verificar a compatibilidade da despesa com o PPA, LDO e LOA;

Ordenar o empenho da despesa, em momento prévio ou contemporâneo à  contratação;[1]

Deverá verificar a conformidade formal dos documentos da liquidação da despesa, com vistas a ordenar seu pagamento.

Após a estimativa interna do órgão ou entidade, verificar se há previsão de recursos orçamentários.

Todos esses atos acima referidos, no caso de irregularidades, ensejam a responsabilização do ordenador de despesas, mediante procedimento prévio de verificação de culpa ou dolo, porque atrelados às suas atribuições específicas de ordenar despesa.


Da responsabilidade por atos do processo licitatório

Os atos ocorridos na fase de planejamento da licitação, na fase externa e durante a execução contratual, se não atrelados a questões orçamentárias e financeiras, atribuíveis ao ordenador, não podem automaticamente causar sua responsabilização.

Note-se que o fato de envolver recursos financeiros nem sempre caracteriza ato do ordenador. Caso típico: a estimativa de preços do objeto a ser licitado. Esse ato é do setor que vai elaborar o projeto básico e o termo de referência. É preço, mas não é ato de ordenar despesas. Para o ordenador, o valor total do gasto é que deve ser aferido frente à disponibilidade PPA, LDO e LOA.

Os atos oriundos das duas primeiras fases da licitação, além de possuírem responsáveis específicos e facilmente identificáveis, são revisados e anuídos no momento da homologação, realizada por autoridade competente, conforme inc. VI, do art. 43, da Lei nº 8.666/1993.[2]

Com efeito, releva-se sem sentido e antijurídico o ordenador de despesas ser responsabilizado por ato já considerado legal por uma autoridade que lhe seja superior, em momento pretérito. Isso representaria uma evidente subversão da cadeia hierárquica. Obviamente excluídas dessa assertiva as situações de erro crasso, perceptíveis ao ordenador, ou correlacionadas ao ato de ordenar o pagamento.

Nesse sentido, outra situação que poderá ocasionar a responsabilidade do ordenador de despesas é na etapa de liquidação da despesa. Nesse momento, o gestor do contrato ou outro agente público, tem de verificar a origem do crédito, sua quantificação, sua legalidade e, mais importante, sua comprovação documental para, então, enviar ao ordenador de despesa para que determine o pagamento.

Se houver conformidade formal entre a despesa e sua efetiva comprovação, o ato de ordenar seu pagamento não ensejará responsabilização. No entanto, ausente a formalidade da liquidação, poderá o ordenador ser responsabilizado.

Exemplo: a Lei nº 4.320/64 exige que a liquidação tenha por base os comprovantes da entrega do bem ou da efetiva prestação dos serviços. Nesse caso, não poderá o ordenador, embora a liquidação seja ato de incumbência de outros agentes, ordenar o pagamento se ausentes provas de realização de obra, a exemplo do pagamento de uma obra asfáltica desacompanhada de um boletim de medição.

Isso não significa dizer que o ordenador deverá realizar inspeção in loco, mas deverá primar pela formalidade da liquidação, antes de ordenar o pagamento.

Em conclusão, o ordenador pode ser responsabilizado, subjetiva e tematicamente, por atos de natureza orçamentária e financeira, mas também poderá ser responsabilizado por atos prévios relacionados ao ordenamento da despesa, desprovidos de conformidade formal e por ele examinados.


Notas

[1] Acórdão nº 1970/2010 do Plenário do Tribunal de Contas da União.

[2] Não foram consideradas as situações em que a mesma pessoa é ordenador de despesas e autoridade superior porque cada responsabilidade estará atrelada à cada atribuição exercida.


Autor

  • Jaques Reolon

    Economista, consultor e advogado especialista em Direito Administrativo. Vice-Presidente da Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados. Ocupou diversos cargos no poder público, dentre os quais se destacam assessor de conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, assessor-chefe e secretário executivo do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal. Autor de diversos artigos no campo de licitações e contratos.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REOLON, Jaques. Ordenador de despesa: responsabilidade subjetiva e temática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4619, 23 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46446. Acesso em: 29 mar. 2024.