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Compensação financeira pela exploração mineral: natureza jurídica, prescrição e suas nuances

Compensação financeira pela exploração mineral: natureza jurídica, prescrição e suas nuances

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A compensação financeira pela exploração de recursos minerais (art. 20, § 1º da Constituição), embora recorrente no meio minerário, é instituto ainda pouco conhecido e bastante controverso.

1 – INTRODUÇÃO.

A extração mineral é um dos setores básicos da economia do país, que contribui de forma decisiva para o bem estar e a melhoria da qualidade de vida das presentes e futuras gerações, sendo fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade equânime, desde que seja operada com responsabilidade social e ambiental, estando sempre presentes os preceitos do desenvolvimento sustentável.

Observada essa premissa, como se sabe, o Direito Minerário brasileiro fundamenta-se em ao menos dois vetores básicos, quais sejam, o de que as riquezas minerais existentes no subsolo são de propriedade da União Federal – conforme art. 20, inciso IX, combinado com o art. 176, §1º, ambos da Constituição Federal –, e o de que a prioridade do direito de pesquisa e exploração dos recursos minerais é garantida, como regra, àquele que primeiro apresentar o requerimento de pesquisa, como dispõe o art. 11, alínea “a”, do Decreto-lei nº 227/1967, combinado com o art. 16 do Decreto nº 62.934/1968.

Ocorre que os recursos minerais, enquanto dormitando no subsolo, não têm existência econômica real ou expressão jurídica prática, uma vez que nessa etapa a coletividade não tem proveito dos mesmos. Ocorre que a transformação do recurso mineral inerte em benefícios econômicos e sociais demanda uma atividade de risco, investimentos vultosos com longo prazo de maturação. Vê-se que além da rigidez locacional, que obriga o exercício da atividade extrativa onde a natureza colocou o depósito mineral, os riscos dessa atividade superam muito os riscos das demais atividades produtivas, razão pela qual há necessidade de normas especiais que regulamentem a atividade e tornem seguras as relações jurídicas e atrativos os investimentos.

Daí porque nem sempre é o proprietário do solo (superficiário) o titular do direito de pesquisa e lavra dos recursos minerais eventualmente existentes no subsolo. Diversamente, o superficiário pode ser compelido, judicialmente, a autorizar o uso de sua propriedade para que terceiros promovam a pesquisa e a lavra de jazidas minerais. Evidentemente, essa limitação ao direito de propriedade não é gratuita. O proprietário do solo ainda fará jus à participação nos resultados da lavra, em percentual da importância que será direcionada aos Estados, Distrito Federal, Municípios e órgãos da administração pública da União, a título de compensação financeira pela exploração de recursos minerais (CFEM).

A compensação financeira pela exploração de recursos minerais, prevista no artigo 20, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, embora recorrente no meio minerário, é instituto ainda pouco conhecido e bastante controverso quanto a suas nuances e natureza jurídica, com discussões envolvendo até mesmo seu prazo prescricional, sobre o que se procurará abordar no presente artigo.


2 – REGIME JURÍDICO E NUANCES.

A partir da sistemática instituída pela Novel Carta Política de 1988, restou extinto o antigo Imposto Único sobre Minerais (IUM), vigente no regime constitucional anterior, e surgindo, a partir de então, o encargo denominado de participação no resultado da exploração ou compensação financeira pela exploração mineral, devida pelo titular do direito minerário ou pelo primeiro adquirente do produto mineral – no regime de permissão de lavra – aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e aos órgãos da administração direta da União, tal como previsto constitucionalmente e regulamentado infraconstitucionalmente. Sendo assim, impende observar os dispositivos que regem a matéria em questão.

Disciplina a Carta Magna que:

"Artigo 20 - São bens da União:

[...]

IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

[...]

§ 1º - É assegurado, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da Administração Direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva ou compensação financeira por essa exploração."

Percebe-se, pois, que a norma constitucional em apreço estabelece uma prestação pecuniária devida aos entes federados pela exploração de recursos naturais, entre eles os minerais, em seus respectivos territórios. Pelo dispositivo, é possível fazer uma diferenciação imediata entre duas subespécies de prestações: a primeira, a que proporciona àquelas pessoas jurídicas de direito público uma participação no resultado da exploração representada pelas importâncias calculadas sobre o resultado da exploração do petróleo, xisto betuminoso, gás natural e outros minérios; e a segunda, que garante a tais entes uma compensação pela exploração que tem a natureza de indenização pela perda de recursos naturais situados em seus territórios ou de contraprestação pelas despesas que as empresas exploradoras de recursos naturais causam aos poderes públicos, que devem garantir a infra-estrutura de bens e serviços e a assistência às populações envolvidas em atividades econômicas de grande porte.

Ao comentar o artigo supra transcrito, assevera o ilustre professor Ives Gandra Martins:

“O artigo tem nítido objetivo desconcentrador. Pretende fortalecer a Federação na medida em que a exploração de um bem que o constituinte outorgou à União, embora situado em Estados e Municípios, inclusive no Distrito Federal, representa perda de patrimônio destes a favor da entidade maior do Estado Federativo. Por essa razão, de forma mais explícita, o constituinte houve por bem centralizar a propriedade do bem e descentralizar o resultado da sua exploração.” (Comentários à Constituição do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988 – São Paulo, Saraiva, 1992, p.96).

Por sua vez, o mestre Manuel Gonçalves Ferreira Filho, ao debruçar-se sobre o tema, comentou as duas figuras do instituto previsto no artigo 20, § 1º, do Texto Mor no seguinte sentido:

"‘Participação ou compensação’. O direito constitucional anterior não se preocupava com a questão. A norma distingue entre participação e compensação. Esta última pressupõe um ‘prejuízo’ decorrente da exploração. Já a participação constitui uma associação de benefícios. Compreende-se que o ente federativo que no seu território sofra a exploração, seja por ela compensado, ou, até, nela tenha participação. Menos aceitável é que faça jus a uma participação quando a exploração se der na plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, que não lhe integram o território. Quanto à compensação, esta seria admissível sob a condição do prejuízo." (Comentários à Constituição de 1988, São Paulo, Saraiva, 1990, v. 1, p. 154).

Também há incursão constitucional afeta à matéria quando o texto maior trata dos princípios gerais da atividade econômica, como se pode observar:

"Artigo 176. As jazidas em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

§ 1º - A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresas brasileira de capital nacional, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.

§ 2º - É assegurada a participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei".

Disso apercebe-se ser da União a dominialidade dos bens, ou mesmo a titularidade dos recursos minerais, inclusive os do subsolo, sendo que sua pesquisa e lavra somente podem ser efetuadas mediante autorização ou concessão, sendo a propriedade do produto da lavra conferida ao concessionário e assegurado ao proprietário do solo participação nos resultados, como visto. Outrossim, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e a órgãos da Administração Direta da União participam no resultado da exploração desses recursos no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou, então, percebem compensação financeira por essa exploração.

Não se pode descurar que o texto constitucional, em seu art. 20 § 1º, ao determinar que a obrigação ali instituída seja assegurada nos termos da lei, evidenciou a necessidade de disciplinar a norma por lei infraconstitucional, cuja competência legislativa, conforme dispõe o art. 22, inciso XII, da citada Carta Republicana, é conferida privativamente da União:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

[...]

XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;”

Em exercício dessa competência, a União trouxe à lume a Lei Federal nº 7.990/1989, a instituir a denominada compensação financeira, cujo texto foi alterado pela Lei n. 8.001/1990. No que se refere à exploração de recursos minerais, estabelece a Lei regulamentadora que:

"Artigo 1º - O aproveitamento de recursos hídricos, para fins de geração de energia elétrica e dos recursos minerais, por quaisquer dos regimes previstos em lei, ensejará a compensação financeira aos Estados, Distrito Federal e Municípios, a ser calculada, distribuída e aplicada na forma estabelecida nesta Lei.” 

“Artigo 6º - A compensação financeira pela exploração de recursos minerais, para fins de aproveitamento econômico, será de até 3% (três por cento) sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral, obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial.” 

"Artigo 8º - O pagamento das compensações financeiras previstas nesta Lei, inclusive o da indenização pela exploração de petróleo, do xisto betuminoso e do gás natural, será efetuado mensalmente, diretamente aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e aos órgãos da Administração Direta da União, até o último dia útil do segundo mês subseqüente ao do fato gerador, devidamente corrigido pela variação do Bônus do Tesouro Nacional - BTN ou outro parâmetro de correção monetária que venha a substituí-lo, vedada a aplicação dos recursos em pagamento de dívida e no quadro permanente de pessoal."

Doutro tanto, o artigo 2º da Lei n. 8.001/1990 prescreve:

"Artigo 2º. Para o cálculo da compensação financeira de que trata o artigo 6º da Lei n. 7.990, de 28 de dezembro de 1989, entende-se por faturamento líquido o total das receitas de vendas, excluídos os tributos incidentes sobre a comercialização do produto mineral, as despesas de transporte e as de seguros.”

Assim, resta claro que a CFEM é devida pela exploração de um bem pertencente à União Federal (recurso mineral) e não da utilização de serviço público. Nessa senda, pela exploração de recursos minerais, que são bens de propriedade da União Federal, verifica-se a obrigatoriedade do pagamento de uma compensação financeira, a ser dividida entre as entidades federadas, na medida preceituada pelo art. 20, § 1º, da Constituição Federal, e no instituído pela Lei nº 7.990/1989, art. 1º; cobrada na forma estabelecida na Lei nº 8.001/1990, como forma de participação dessas entidades no produto dessa exploração, observando-se tratar-se de uma contraprestação frente à utilização de bem passível de exaustão.


3 – NATUREZA JURÍDICA.

Discussões surgem quanto a natureza jurídica da contribuição financeira pela extração mineral, discutida no presente trabalho. A CFEM, Compensação Financeira pela Exploração de Produtos Minerais, como visto, consiste na prestação pecuniária que ganhou foro constitucional com a Constituição Federal de 1988, devida em razão da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais, paga pelos respectivos exploradores aos Estados, Distrito Federal e Municípios pela exploração do bem público que causa redução patrimonial ao ente federado e, indiretamente, por ser a atividade de mineração potencialmente poluidora e, consequentemente, causadora de prejuízos.

Tem-se que o sujeito ativo do correspondente débito será toda pessoa física ou jurídica que esteja habilitada a exercer atividade de mineração em decorrência da exploração ou extração de recursos minerais que consiste na retirada de substâncias minerais da jazida, mina, salina ou outro depósito mineral, para fins de aproveitamento econômico.

No entanto, apesar dos rejeitos poluentes que gera, tal atividade possui papel importante para o desenvolvimento municipal e regional e, por isso, o legislador constitucional permitiu sua realização, de forma a apaziguar os danos causados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios através de uma prestação pecuniária por tal exploração em seus respectivos territórios.

No entanto, dúvidas surgem se seria correto afirmar que a Compensação Financeira tem o objetivo de compensar efetivamente o Ente Federado pela perda dos recursos minerais em favor do explorador, pois nesse caso, a pecúnia devida pelo explorador equivaleria à totalidade dos recursos explorados, o que inviabilizaria a atividade econômica privada, sem obtemperar, ainda, sobre o destino da arrecadação pertence aos Estados e Municípios, enquanto que os bens à União. Logo, a interpretação mais correta é de que a Compensação vincula-se aos problemas que dela advirem e não a exploração em si.

De um relevante rol de anomalias causadas pela exploração, destacam-se os problemas ambientais, como a poluição, remoção da cobertura vegetal do solo, a inundação de extensas áreas, o comprometimento da paisagem, além dos fatores sociais e econômicos advindos com o crescimento da população e da demanda por serviços públicos. Isso sem mencionar que a concessão de lavra ou a implantação de represa, por vezes, inviabilizam o desenvolvimento de atividades produtivas na superfície, privando os Estados e Municípios das vantagens delas correntes.

Conquanto a CFEM aparentemente retrate o exercício da soberania do Estado para a arrecadação de receitas como custeio das despesas públicas, pelo fato de haver a exploração de recursos minerais advindos de bem da União sem qualquer outro pagamento pelo direito de extração ao país, ao estado e ao município, bem com os danos causados ao meio ambiente, justificando a cobrança da prestação pecuniária, apenas parcela parcamente representativa do montante arrecadado volta-se a destinação correlacionada a minorar os efeitos da correlata exploração econômica, levantando não poucas indagações e correntes sobre seus contornos jurídicos.

Veja-se que em decorrência da exploração de minérios, o minerador paga uma compensação financeira ou participação no resultado pela exploração, sendo que o art. 2º da Lei n. 8.001/90 estabelece a vinculação de pequena parte da receita auferida pela CFEM (2% é destinado ao IBAMA para proteção ambiental nas regiões mineradoras e mais 2% para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT aplica no setor de mineração, o que afasta de vez a possibilidade da CFEM ser considerada um imposto, pois é defesa vinculação da recita de impostos, salvo nos casos previstos no art. 167, IV, da Constituição).

Feitas essas considerações convém segregar as correntes doutrinárias que procuram explicar a natureza jurídica da CFEM. Uma primeira teoria seria a de que tal prestação teria natureza tributária. Preciso lembrar a advertência da mais abalizada doutrina, para a qual a definição legal de tributo, contida no art. 3º do Código Tributário Nacional, conquanto didática, não pode alargar, reduzir ou modificar o conceito de tributo, que é constitucional, conforme citação do sempre saudoso Geraldo Ataliba (in Hipótese de incidência tributária, 4. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1990, p. 29). Uma segunda corrente seria a de que a compensação financeira pela exploração de recursos minerais teria fundo contratual. Enfim, uma terceira corrente enquadra a Compensação Financeira por Exploração de Recursos Minerais no conceito das receitas originárias do Estado, vez que decorre do patrimônio da União, já que os recursos minerais lhe pertencem por expressa disposição constitucional, sendo, a contraprestação recebida, de índole indenizatória, ou mais precisamente, de preço público.

No entanto, ao se perquirir detidamente sobre as características atuais e até mesmo o histórico normativo das antigas exações sobre o setor mineral, verifica-se invencível inconsistência da natureza jurídica da CFEM como legítimo e constitucional tributo, incidente sobre a atividade de exploração dos recursos minerais. O art. 20, § 1º, da Constituição não criou uma figura tributária que se amolda harmonicamente com as características de imposto, taxa ou contribuição – seja ela social ou até mesmo de intervenção no domínio econômico.

Além disso, observa-se que a compensação financeira não decorre da relação de poder como acontece com os tributos, mas da relação de propriedade, isto é, ela envolve contraprestação de bens pertencentes à União. Não há entre a União, proprietária dos bens, e os concessionários de recursos hídricos ou minerais uma relação de poder a legitimar a imposição tributária.

Na verdade, a Compensação Financeira pela Exploração de Produtos Minerais caracteriza-se pelo uso privativo do bem público que deve ser remunerado através de uma receita originária, de natureza não tributária, resultante da exploração econômica do patrimônio público.

Não se nega que os recursos originados da CFEM deverão ser aplicados em projetos, que direta ou indiretamente revertam em prol da comunidade local, na forma de melhoria da infra-estrutura, da qualidade ambiental, da saúde e educação, portanto não poderão ser aplicados em pagamento de dívida ou no quadro permanente de pessoal da União, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios, o que a aproximaria da condição de contribuição.

Porém, não se pode olvidar dos traços inclusos no artigo 3º do Código Tributário Nacional, consequentes ao artigo 4º do mesma lei, no sentido de que:

“Art. 4º. A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:

I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei;

II - a destinação legal do produto da sua arrecadação.”

Destarte, parece equivocada a orientação tributária da CFEM.

Sob outro norte, não se pode concluir que a compensação financeira seja uma imposição contratual, pelo simples fato de que sua exigência independe de qualquer tratativa entre as partes interessadas para que seja devida. Ademais, veja-se que haverá pessoas jurídicas de direito público beneficiadas que são estranhas às partes envolvidas na própria concessão ou autorização para a exploração dos recursos.

Em verdade, o que se vê é uma imposição constitucional, cujo perfil é delineado por lei ordinária. Assim, havendo exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais, assegura-se aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e órgãos da Administração Direta da União, participação nos lucros ou compensação financeira por essa exploração.

Em verdade, a Compensação Financeira por Exploração de Recursos Minerais mais se enquadra no conceito das receitas originárias do Estado, vez que decorre do patrimônio da União, já que os recursos minerais lhe pertencem por expressa disposição constitucional. E por receitas originárias entende-se aquelas auferidas pelo Estado em decorrência da exploração do seu próprio patrimônio, tratando-se de receitas voluntárias e contratuais; que, ao revés das receitas derivadas ou tributárias, não são provenientes de bens pertencentes ao patrimônio dos particulares, pela arrecadação dos tributos em razão do jus imperii do Estado, que detém o poder de obrigar o patrimônio do particular ao impor coercitivamente aos cidadãos as receitas obrigatórias de direito público.

Como a receita decorrente da CFEM não tem origem no patrimônio particular, e sim no do próprio Poder Público, vez que os recursos minerais pertencem à União, prelecionada obrigação repele a natureza jurídica tributária, dado que assim somente identificável nas obrigações que têm origem no patrimônio de terceiros, os quais sofrem uma expropriação incontornável, por força da lei. Nessa verdade, consoante lição de Celso Ribeiro Bastos:

“Receitas patrimoniais são aquelas geradas pela exploração do patrimônio do Estado (ou mesmo pela sua disposição), feitas segundo regras de direito privado, consequentemente sem caráter tributário. Com efeito, os Poderes Públicos desfrutam de um patrimônio formado por terras, casas, empresas, direitos, que são passíveis de serem administrados à moda do que faria um particular, isto é, dando em locação, vendendo a produção de bens ou mesmo cedendo o imóvel ou direito.” (Curso de Direito Financeiro e Tributário, 4ª Ed., atual, São Paulo, Saraiva, 1995, p.38).

Seguindo a mesma orientação jurídica, disserta Ricardo Lobo Torres:

“Os ingressos patrimoniais são obtidos através da exploração dos bens dominiais do Estado, como seja, florestas, as ilhas, as estradas, os imóveis residenciais ou comerciais, etc. As suas principais formas são o preço público e as compensações financeiras.” (Curso de Direito Financeiro e Tributário, Rio de Janeiro, Renovar, 1997, p. 160).

De tudo quanto foi exposto, muitos entendem que a compensação financeira constitucionalmente prevista possui natureza indenizatória, porquanto, ainda que a propriedade dos recursos minerais, inclusive os do subsolo pertença à União (art. 20, IX), pressupõe a Lei Maior um prejuízo para aquela pessoa em cujo território se dê a respectiva exploração.

Disso dizer-se, com maior precisão, que a CFEM tem a natureza jurídica de preço público, porque se trata de receita originária do Estado, auferida em decorrência da exploração da exploração do seu patrimônio (receita patrimonial) revestida, ainda, de caráter facultativo, eis que não há, para sua percepção, o exercício do poder fiscal do Estado, mas a vontade do minerador de explorar o recurso mineral, que, para tanto, deve submeter-se ao regime jurídico de aproveitamento estabelecido pela legislação vigente.

Nas poucas vezes em que o Poder Judiciário foi levado à discussão do tema, restou afastado, pelo órgão fracionário do Supremo Tribunal Federal, a natureza tributária deste encargo, limitando-se, à época, a Alta Corte, a defini-lo como “obrigação legal de fonte constitucional”, quando do julgamento do RE 228.800/DF. Naquela oportunidade, reconheceu-se, ademais, a constitucionalidade da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais, instituída pela Lei n. 7.990/98, com fundamento no art. 20, § 1º, da Constituição da República, bem como a constitucionalidade da Lei n. 8.001/90, que definiu a base de cálculo e fixou a alíquota em função da natureza do mineral extraído. Nesse sentido:

“Bens da União: (recursos minerais e potenciais hídricos de energia elétrica): participação dos entes federados no produto ou compensação financeira por sua exploração (CF, art. 20, e § 1º): natureza jurídica: constitucionalidade da legislação de regência (L. 7.990/89, arts. 1º e 6º e L. 8.001/90). 1. O tratar-se de prestação pecuniária compulsória instituída por lei não faz necessariamente um tributo da participação nos resultados ou da compensação financeira previstas no art. 20, § 1º, CF, que configuram receita patrimonial. 2. A obrigação instituída na L. 7.990/89, sob o título de "compensação financeira pela exploração de recursos minerais" (CFEM) não corresponde ao modelo constitucional respectivo, que não comportaria, como tal, a sua incidência sobre o faturamento da empresa; não obstante, é constitucional, por amoldar-se à alternativa de "participação no produto da exploração" dos aludidos recursos minerais, igualmente prevista no art. 20, § 1º, da Constituição” (RE 228.800, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 16.11.2001).


4 – ROYALTIES E A CLASSIFICAÇÃO DAS RECEITAS.

A compensação financeira também recebe a insígnia de royalty, cuja etimologia tem origem anglo-saxônica e significa aquilo relativo ao rei ou realeza, compreendendo uma compensação, ou, do que se podia deduzir, uma contraprestação paga pelo terceiro ao “El-Rei” pelo uso ou exploração de bens sob seu domínio.

Verifica-se que, no âmbito das relações jurídicas de direito privado, o termo royalties também é designado para se referir a uma compensação devida ao detentor de riqueza econômica disponível ao uso por outrem.

Malgrado, no âmbito do direito público, afeto ao presente trabalho, o alcance do conceito royalties, cinge-se a valores devidos pelos agentes econômicos – concessionários – pela atividade exploratória e de aproveitamento de bens e recursos naturais públicos, nos termos da legislação regulamentadora.

Visualiza-se, pois, que o termo royalties tem sido, e ainda são, concebidos como compensação financeira ou como participação em resultado pela exploração mineral, referindo-se ao pagamento devido por terceiros, na condição de concessionários, à entidade pública beneficiária, em virtude do aproveitamento econômico de recursos naturais públicos, transparecendo a natureza de receita patrimonial do instituto.

Dessa maneira, a exemplo do que ensina o ilustre Kiyoshi Harada, nos termos do art. 11, § 4°, da Lei n° 4.320/1964, os royalties percebidos pelos órgãos da União originariamente pela utilização de seus bens minerais classificam-se na categoria de receitas correntes de natureza patrimonial. (A confusa divisão dos royalties do petróleo. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 27 jun. 2013. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?colunas&colunista=390_Kiyoshi_Harada&ver=1581>. Acesso em: 16 fev. 2015)

Doutro tanto, o ingresso de recursos financeiros transferidos aos cofres dos Estados e Municípios a título de compensação financeira, por exclusão, corresponde à categoria de receita corrente, classificando-se como “outras receitas correntes” (art. 11, § 4° da Lei n° 4.320/64).


5 – DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO.

Volvendo à constatação de que a CFEM detém natureza jurídica de uma receita patrimonial, configurando uma relação jurídica de caráter não-tributário, porém fundamentada em obrigação de Direito Administrativo, impõem averiguar o regime prescricional incidente sobre o instituto.

Ora, se a relação que deu origem ao crédito está baseada no Direito Público, não se aplica a prescrição consagrada no Código Civil; da mesma forma, pelo fato da CFEM não possuir natureza tributária, afasta-se a aplicação das regras prescricionais contidas no CTN.

Assim, o que se vê, ante a inexistência de regra própria e específica, era a necessidade de se aplicar o prazo quinquenal estabelecido no art. 1º do Decreto 20.910/1932, já que a Administração Pública, na cobrança de seus créditos, deve exigir a mesma restrição aplicada ao administrado no que se refere às dívidas passivas daquela. Nesse sentido o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

“DIREITO MINERÁRIO. COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PELA EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS. NATUREZA JURÍDICA. PRESCRIÇÃO. DEDUÇÃO DO ICMS. A cobrança de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) é prevista no art. 20, § 1º, da CRFB, constituindo-se em receita patrimonial da União. Não se trata, portanto, de preço público – contraprestação contratual por prestação de serviço público. Tratando-se de relação jurídica de caráter não-tributário com assento no Direito Administrativo, aplica-se-lhe, por simetria, o prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 1º do Decreto n.º 20.910/32.” Diante do exposto, e em função do precedente jurisprudencial, é possível concluir que, para a CFEM deve-se considerar o prazo prescricional de 05 (cinco) anos previsto no Decreto 20.910/32. (TRF 4ª Região. Apelação em Mandado de Segurança nº 2007.70.00.005618-0/PR. Relator: Des. Federal Edgard Antônio Lippman Júior. DJU 02/09/2008)

De ver, portanto, que o prazo prescricional a ser aplicado à pretensão de cobrança da CFEM é de 05 (cinco) anos, pelo menos até a entrada em vigor da Lei nº 9.636/1998.

Com a edição da Lei Federal nº 9.636/1998, que entrou em vigor em 18 de maio de 1998, o prazo prescricional foi fixado em cinco anos, nos termos do art. 47, tendo, posteriormente, a Lei Federal nº 9.821/1999, em vigor a partir de 24 de agosto de 1999, alterado o mencionado dispositivo legal, para dizer que a Fazenda teria o prazo de cinco anos para lançar e, a partir da constituição do crédito, mais cinco anos para cobrar. Em seguida, houve a edição da Lei Federal nº 10.852/2004, fixando o prazo para constituição do débito em dez anos, sendo mantido o mesmo prazo de cobrança.

Frise-se que, a teor da jurisprudência do STJ, os débitos anteriores à entrada em vigor da Lei Federal nº 9.821/1999 não se sujeitam ao prazo decadencial, mas somente ao prescricional. Portanto, os débitos relacionados às competências janeiro de 1991 a julho de 1999 não se sujeitariam a prazo de decadência, mas somente de prescrição.

Ademais, a dívida relativa ao período que vai de agosto de 1999 em diante já se sujeita ao prazo decadencial previsto no art. 47 da Lei nº 9.636/1998, com redação dada pela Lei nº 10.852/2004, aplicável à exação em debate por ser lei especial que derroga o Decreto 20910/32, norma geral. Ainda nesse sentido o seguinte arresto pertinente:

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. TRIBUTÁRIO. EXECUÇAO FISCAL. TERRENOS DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇAO. PRESCRIÇAO E DECADÊNCIA. 1. O art. 47 da Lei 9.636/98 instituiu a prescrição qüinqüenal para a cobrança da taxa de ocupação de terreno de marinha. A Lei 9.821/99, que passou a vigorar a partir do dia 24 de agosto de 1999, estabeleceu em cinco anos o prazo decadencial para constituição do crédito, mediante lançamento, mantendo-se o prazo prescricional qüinqüenal para a sua exigência. Com o advento da Lei 10.852/2004, publicada em 30 de março de 2004, houve nova alteração do art. 47 da Lei 9.636/98, para estender o prazo decadencial de cinco para dez anos, mantido o lapso prescricional de cinco anos, a ser contado do lançamento. 2. No período anterior à vigência da Lei 9.636/98, em razão da ausência de previsão normativa específica, deve-se aplicar o prazo de prescrição quinquenal previsto no art. 1º do Decreto 20.910/32. Orientação da Primeira Seção nos EREsp 961.064/CE, julgado na sessão de 10 de junho de 2009. 3. A relação de direito material que dá origem à taxa de ocupação de terrenos de marinha é regida pelo Direito Administrativo, tornando inaplicável a prescrição de que trata o Código Civil. 4. Assim, o prazo prescricional para a cobrança da taxa de ocupação de terrenos de marinha é de cinco anos, independentemente do período considerado. 5. Embargos de divergência não providos. (EREsp 961.064/CE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Rel. p/ Acórdão Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇAO, DJe 31/08/2009).


7 – CONCLUSÃO.

A Constituição Federal, em seu art. 20, § 1º, prescreveu uma prestação pecuniária devida aos entes federados pela exploração de recursos naturais, entre eles os minerais. Trata-se da compensação financeira pela exploração mineral (CFEM).

A União Federal detém a dominialidade dos bens, ou mesmo a titularidade sobre os recursos minerais, inclusive os do subsolo, sendo que sua pesquisa e lavra somente podem ser efetuadas mediante autorização ou concessão, sendo a propriedade do produto da lavra conferida ao concessionário e assegurado ao proprietário do solo participação nos resultados.

Os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e a órgãos da Administração Direta da União participam no resultado da exploração desses recursos no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou, então, percebem compensação financeira por essa exploração, que, nos termos do art. 22, inciso XII, da citada Carta Republicana, foi regulamentado pela Lei Federal nº 7.990/1989, alterado pela Lei n. 8.001/1990.

No que se refere à exploração de recursos minerais, estabelece a Lei regulamentadora que o aproveitamento de recursos hídricos, para fins de geração de energia elétrica e dos recursos minerais, por quaisquer dos regimes previstos em lei, ensejará a compensação financeira aos Estados, Distrito Federal e Municípios, a ser calculada, distribuída e aplicada na forma estabelecida pelos referidos diplomas legais.

Diante das controvérsias sobre o instituto compensatório, diversas correntes doutrinárias formaram-se com intuito de discutir sua natureza jurídica. Uma primeira teoria seria a de que tal prestação teria natureza tributária. Já uma segunda corrente seria a de que a compensação financeira pela exploração de recursos minerais teria fundo contratual. Enfim, uma terceira corrente enquadra a Compensação Financeira por Exploração de Recursos Minerais no conceito das receitas originárias do Estado, vez que decorre do patrimônio da União, já que os recursos minerais lhe pertencem por expressa disposição constitucional, sendo, a contraprestação recebida considerada como preço público.

Dentre as opções doutrinárias, melhor se nos apresenta o enquadramento da CFEM como detendo natureza jurídica de preço público, visto tratar-se de receita originária do Estado, auferida em decorrência da exploração da exploração do seu patrimônio (receita patrimonial) revestida, ainda, de caráter facultativo, eis que não há, para sua percepção, o exercício do poder fiscal do Estado, mas a vontade do minerador de explorar o recurso mineral, que, para tanto, deve submeter-se ao regime jurídico de aproveitamento estabelecido pela legislação vigente.

Vale ponderar, ademais, que a compensação financeira também recebe a insígnia de royalty que se cinge a valores devidos pelos agentes econômicos – concessionários – pela atividade exploratória e de aproveitamento de bens e recursos naturais públicos, nos termos da legislação regulamentadora. Tem-se que os royalties percebidos pelos órgãos da União originariamente pela utilização de seus bens minerais classificam-se na categoria de receitas correntes de natureza patrimonial; enquanto que o ingresso de recursos financeiros transferidos aos cofres dos Estados e Municípios a título de compensação financeira, por exclusão, corresponde à categoria de receita corrente, classificando-se como outras receitas correntes.

Mantida a lógica da natureza jurídica defendida para o instituto da CFEM, como a relação que deu origem ao crédito está baseada no Direito Público, não se aplica a prescrição consagrada no Código Civil; da mesma forma, pelo fato da CFEM não possuir natureza tributária, afasta-se a aplicação das regras prescricionais contidas no CTN, a resultar na verificação da inexistência de regra própria e específica, era a necessidade de se aplicar o prazo quinquenal estabelecido no art. 1º do Decreto 20.910/1932, ao menos até a edição da Lei Federal nº 9.636/1998, que entrou em vigor em 18 de maio de 1998, quando então o prazo prescricional foi fixado em cinco anos, nos termos do art. 47, tendo, posteriormente, a Lei Federal nº 9.821/1999, em vigor a partir de 24 de agosto de 1999, alterado o mencionado dispositivo legal, para dizer que a Fazenda teria o prazo de cinco anos para lançar e, a partir da constituição do crédito, mais cinco anos para cobrar. Em seguida, houve a edição da Lei Federal nº 10.852/2004, fixando o prazo para constituição do débito em dez anos, sendo mantido o mesmo prazo de cobrança.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACIEL, Alexandre Dias. Compensação financeira pela exploração mineral: natureza jurídica, prescrição e suas nuances. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5068, 17 maio 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46703. Acesso em: 28 mar. 2024.