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Benefício assistencial e o critério de miserabilidade versus o princípio da dignidade da pessoa humana

Benefício assistencial e o critério de miserabilidade versus o princípio da dignidade da pessoa humana

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A necessidade de flexibilização do critério de miserabilidade para fins de consessão do benefício assistencial de prestação continuada é condição para evitar o cometimento de injustiças e atender ao objetivo do assistencialismo social.

SUMÁRIO: RESUMO. 1 INTRODUÇÃO. 2 SEGURIDADE SOCIAL. 2.1 Saúde. 2.2 Previdência Social. 2.3 Assistência Social. 3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 4 BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS. 4.1 Espécies de Benefícios Assistenciais. 4.1.1 Benefícios Permanentes. 4.1.2 Benefícios Eventuais. 5 BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. 5.1 Conceito e Requisitos. 5.1.2 Incapacidade. 5.1.3 Miserabilidade. 6 APLICABILIDADE DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE. 7 CONCLUSÃO. 8. REFERÊNCIAS.

RESUMO: A assistência social está prevista na Constituição Federal, a qual dispõe em seu art. 203, V, a garantia da concessão de beneficio assistencial à pessoa idosa ou deficiente que não tenha condições de prover o próprio sustento, como forma de atender ao princípio da dignidade da pessoa humana, garantindo meios de sobrevivência digna a essas pessoas. Esse benefício vem regulamentado pela Lei 8.742/93, que dispõe acerca do direito fundamental à assistência social, além de elencar alguns requisitos que devem ser preenchidos para a concessão do benefício assistencial. Não obstante, um dos requisitos para concessão do benefício está o critério da miserabilidade, o qual fixa um valor uniforme e excessivamente baixo para determinar quem será considerado hipossuficiente para fins de recebimento do beneficio de prestação continuada. Assim, tendo em vista, principalmente o requisito da miserabilidade, exigido para concessão do benefício assistencial, objetiva o presente trabalho não só a análise do critério em questão, mas também, a demonstração de que tal requisito fere o princípio da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Benefício. Princípio constitucional. Assistência Social. Miserabilidade.


1 INTRODUÇÃO

A idealização do direito à Benefícios Assistenciais é uma conquista recente na história do Brasil. Por vários anos a questão social esteve ausente das formulações políticas do país. O grande passo foi dado a partir da Constituição Federal de 1988, que conferiu a oportunidade de uma política pública voltada à assistência social, a qual tem como um dos fundamentos a dignidade da pessoa humana.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 203, V, traz a garantia da concessão de um beneficio assistencial à pessoa idosa ou deficiente que não tenha condições de prover o próprio sustento.

Esse benefício vem regulamentado pela Lei 8.742/93, comumente conhecida como LOAS – Lei Orgânica da Previdência Social, que dispõe acerca do benefício de prestação continuada, e regulamenta o direito fundamental à assistência social, assegurando condições de uma sobrevivência digna àqueles que, embora não tenham vertido contribuições previdenciárias ou tenham perdido a qualidade de segurado, não se encontram em condições de prover o próprio sustento, seja pela idade, seja em razão de alguma deficiência.

Contudo, existem requisitos que devem ser preenchidos para que o benefício assistencial seja concedido, e dentre esses requisitos está o critério da miserabilidade, que traz um valor uniforme para determinar quem será considerado hipossuficiente para fins do benefício de prestação continuada.

Desse modo, pretende-se com o presente trabalho, analisar o critério de miserabilidade estabelecido para a concessão do benefício assistencial frente ao princípio da dignidade da pessoa humana, abordando o objetivo da Assistência Social, a fim de demonstrar que, não obstante a Carta Magna esteja regida, principalmente, pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que a fixação de um valor baixo para verificar a miserabilidade do postulante, é ferir sem sombra de dúvida esse princípio.

Demonstrar-se-á, também, que o Estado não deve se afastar da sua função primordial, qual seja, promover o bem-estar de qualquer pessoa que dele necessite, conferindo a ampla assistência ao cidadão que encontra-se sem condições de auto sustento.


2 SEGURIDADE SOCIAL

A Seguridade Social consiste em um conjunto de políticas públicas, que tem como fundamento a proteção da sociedade como um todo, vez que é amparada por três vertentes que buscam atingir sua finalidade.

O caput do artigo 194 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) define a seguridade social como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar o direito à saúde, à previdência e à assistência social.”

Ao definir seguridade social, a Constituição Federal enumera três programas sociais de maior relevância: a) Saúde; b) Previdência Social; c) Assistência Social.

Importante salientar que essas três vertentes da seguridade social estão entrelaçadas umas às outras, vez que havendo investimento na saúde pública, menos pessoas tendem a ficar doentes, ou ao menos o tempo de cura é reduzido, e como consequência, menos pessoas necessitarão de benefícios previdenciários.

Da mesma forma acontece quando há investimento na previdência social, pois, quanto maior o número de pessoas incluídas no sistema previdenciário, maior será o número das contribuições, ao passo que ao envelhecer mais pessoas terão direito à aposentadoria, não necessitando assim, da assistência social.

A respeito veja-se o ensinamento dos ilustres doutrinadores Leitão e Meirinho (2008, p. 437): “a finalidade precípua das prestações de seguridade social é a libertação do Estado de necessidade social que acomete o ser humano em uma sociedade de massa e assolada pelas mazelas representadas principalmente pelo conflito capital-trabalho.”

Diante disso, a proteção social deve buscar a universalidade de seu atendimento, cabendo por fim ao Estado garantir um mínimo de subsistência ao cidadão, que é dimensionado de acordo com a sua capacidade econômica, dentro do possível, porém sem perder o foco da ordem social.

2.1 Saúde

Como já mencionado, a seguridade social está amparada por três vertentes, e uma delas vem a ser a saúde.

O acesso à saúde é fornecido para qualquer pessoa, independente de sua classe social e/ou condição financeira, sendo concedida inclusive para estrangeiros. Esse serviço público independe de pagamento ou qualquer contribuição.

O direito à saúde está expresso no artigo 196 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), o qual dispõe: “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, e ao acesso universal e igualitário ás ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

A saúde é administrada e garantida pelo SUS – Sistema Único de Saúde, que é vinculado ao Ministério da Saúde, financiado com recursos da seguridade social, cabendo ao poder público dispor sobre sua regulamentação, fiscalização e execução, podendo ser feita diretamente ou por serviços terceirizados.

Não se pode olvidar que, a principal finalidade da seguridade social é justamente o atendimento e a manutenção dos bens mais relevantes do ser humano, bens estes que devem ser protegidos pela sociedade, para que ela mesma se mantenha em estado de justiça e paz social.

Dessa forma, para que a finalidade da seguridade social seja atingida com êxito, faz-se necessário a utilização de maneira eficaz da saúde, vez que esta está ligada diretamente com o direito à vida, a dignidade humana e ao bem- estar social, que são considerados valores supremos da sociedade brasileira.

2.2 Previdência Social

A Constituição Federal/88 é clara ao estabelecer que a previdência social deve ser organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, sem deixar de preservar o equilíbrio financeiro e atuarial.

Observa-se que a previdência social é amparada por dois princípios, quais sejam a compulsoriedade e a contributividade. O princípio da compulsoriedade, segundo Kertzman (2012), é o que obriga a filiação a regime de previdência social aos trabalhadores que exercem atividade remunerada.

 Já o princípio da contributividade, estabelece a necessidade de uma contribuição ao sistema previdenciário, enquadrando-se na qualidade de segurado, para que caso haja algum imprevisto com o indivíduo, ele ou sua família não fiquem desamparados.

Outro princípio básico que está inserido de forma implícita pela Carta Magna no sistema da seguridade social, é o princípio da solidariedade, pois ao recolher contribuições à previdência social, não significa em tese que o segurado usufruirá de seus benefícios. Contudo, os recursos destinados à previdência serão encaminhados a quem realmente deles necessitar.

2.3 Assistência Social

É consabido que nem sempre houve uma preocupação efetiva por parte do Estado para com a sociedade carente. Não havia, anteriormente, qualquer forma de prestação estatal, pois ao Estado não era atribuído o dever de amparar os necessitados.

A primeira institucionalização de assistência social no mundo é atribuída à lei inglesa de 1601, comumente conhecida como Poor Relief Act, a Lei dos Pobres. Após essa iniciativa, alguns frutos foram sendo colhidos pelo mundo. Na França, por exemplo, a Revolução de 1789, inseriu uma nova relação entre indivíduo e o Estado, que contribuiu para a estrutura atual da assistência social.

No Brasil, a primeira alusão ao assistencialismo foi na Constituição Federal de 1934, que tratou do tema em tópico próprio.

A incorporação das normas básicas da assistência em Título próprio contribuiu e muito para a era de um novo constitucionalismo. Contudo, a assistência social estabelecida pela Magna Carta naquela época, era uma assistência voltada apenas à maternidade, à infância e à adolescência, de modo que não atingia a sociedade prejudicada como um todo.

O grande passo foi dado, a partir da Constituição de 1988, que conferiu a oportunidade de uma política pública voltada à assistência social, a qual tem como um dos fundamentos a dignidade da pessoa humana.

É possível definir a assistência social como:

“[...] as medidas públicas (dever estatal) ou privadas a serem prestadas a quem delas necessitar, para o atendimento das necessidades humanas essenciais, de índole não contributiva direta, normalmente funcionando como um complemento ao regime de previdência social, quando este não puder ser aplicado ou se mostrar insuficiente para a consecução da dignidade humana.” (AMADO, 2014, p. 50).

De acordo com o artigo 203, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), “a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social.”

Nota-se, que a assistência social possui características importantes, como a gratuidade, a necessidade, e o objetivo de suprir as necessidades básicas das pessoas.

Diferente da previdência social, a assistência tem caráter não contributivo, ou seja, não existe a necessidade de o individuo possuir qualidade de segurado, ter destinado qualquer contribuição financeira para o sistema previdenciário para ser beneficiado.

De outro vértice, outra característica do assistencialismo é a necessidade do indivíduo para receber a assistência social. Este é um fator muito importante, pois existem vários critérios que podem definir até que ponto o ser humano necessita ou não ser beneficiado, para manter condições de uma sobrevivência digna.

O caráter de necessidade direciona o assistencialismo aos mais pobres, de forma que estes estejam vinculados ao mínimo existencial, fundado no princípio da dignidade da pessoa humana, pois as prestações assistenciais são destinadas as pessoas que não tem condições de prover o próprio sustento, independentemente de contribuição para a previdência.

Sobre as prestações assistenciais, importante salientar que “as prestações assistenciais são destinadas a garantir às pessoas, sem meios de sustento, condições básicas de vida digna e cidadania, cumprindo também o objetivo constitucional de erradicação da pobreza e da redução de desigualdades sociais e regionais.” (SOUZA NETO; SARMENTO, 2010, p. 1.132).

Nesse sentido, o princípio da universalidade, que consiste em atender a todos de maneira universal, não deve ser aplicado de forma integral ao assistencialismo, uma vez que essa assistência não é plena, pois as prestações são direcionadas apenas aos mais pobres.

Deveras, importante ressaltar que o objetivo das prestações, em tese, não é destinado a garantir o bem-estar social de forma direta, mas sim, dar condições básicas de sobrevivência aqueles que se encontram em situação de miséria.

A Lei 8.742 de 1993 (BRASIL, 1993), em seu artigo 1º, dispõe expressamente acerca das características supra mencionadas:

“A assistência social, direito de todo o cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê mínimos sociais, realizadas através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.”

Em regra, apenas as pessoas não atendidas pelo sistema da previdência social, e que não são amparadas por suas famílias, é que terão direito ao assistencialismo, justamente porque não gozam de uma prestação paga pela previdência social, por não terem qualidade de segurado, ficando dessa maneira a mercê da proteção estatal.


3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A palavra princípio vem do latim principium e pode ter vários significados, podendo dar a ideia de começo, origem, ponto de partida, ou, ainda, a ideia de verdade, que serve de fundamento, de base para algo.

Salutar se faz pontuar, que a Constituição da República ocupa o patamar hierárquico mais elevado do ordenamento jurídico brasileiro, e que toda legislação do país deve ser interpretada e aplicada de acordo com os preceitos constitucionais estabelecidos.

A Constituição Federal de 1988 teve sua elaboração fundada em alguns princípios, que serviram para a criação de um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o bem-estar social, bem como os direitos individuais e coletivos da sociedade.

Para Sarlet (1988, p. 62), dignidade da pessoa humana é:

“[...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”

Celso Antônio Bandeira de Mello (1991, p. 299) considera os princípios como um importante fundamento na elaboração de uma Constituição, e traz a seguinte definição:

“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.” 

No mesmo sentido, Luiz Antônio Rizzatto Nunes (2002, p. 37) assevera que os princípios constitucionais:

“[...] são o ponto mais importante do sistema normativo. Eles são verdadeiras vigas “mestras, alicerces sobre os quais se constrói o sistema jurídico. Os princípios constitucionais dão estrutura e coesão ao edifício jurídico. Os princípios exercem função importantíssima dentro do ordenamento jurídico-positivo, uma vez que orientam, condicionam e iluminam a interpretação das normas jurídicas em geral. Os princípios, por sua qualidade normativa especial, dão coesão ao sistema jurídico, exercendo excepcionalmente fator aglutinante.”

Diante disso, fica evidente que os princípios constitucionais possuem uma importante função, pois é por meio deles que é estabelecida a estrutura de todo o sistema normativo, direcionando o caminho pelo qual o ordenamento jurídico deve seguir, e fazendo com que o Estado funcione de maneira harmônica, limitando o que deve ou não ser feito pelo poder estatal.

Os valores que inspiraram a elaboração da Carta Magna consolidaram o assistencialismo como uma forma de garantir que os princípios básicos que fundamentam o estado social, fossem atingidos.

O artigo 1º da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) dispõe os princípios mais relevantes na construção do Estado, quais sejam, “a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.”

Todos esses valores estabelecidos em lei são essenciais para a incorporação do cidadão na construção de um Estado Social, tornando-o assim, sujeito de direitos e deveres, e garantindo de forma real sua participação política nas decisões estatais.

A partir dessa premissa, verifica-se que os princípios são de extrema importância para a criação de uma sociedade livre e justa, pois é através desses valores que os direitos sociais serão conhecidos e respeitados.

No entanto, embora cada princípio estabelecido pela Carta Magna tenha seu valor e especificidade, é o princípio da dignidade da pessoa humana o grande vetor dos direitos fundamentais.

José Afonso da Silva (1998, p. 92) explica o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento que se propaga por toda a Constituição:

“Se é fundamento é porque constitui num valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional.”

Corroborando com este entendimento, Oscar Vilhena Vieira (2006, p. 63) aduz que o princípio da dignidade da pessoa humana está relacionado:

“[...] a um grande conjunto de condições ligadas à existência humana, a começar pela própria vida, passando pela integridade física e psíquica, integridade moral, liberdade, condições materiais de bem estar etc. Nesse sentido, a realização da dignidade humana está vinculada à realização de outros direitos fundamentais – estes, sim expressamente consagrados pela Constituição de 1988.”

Sabe-se que o valor da dignidade da pessoa humana, bem como o valor dos direitos e garantias fundamentais, constitui-se em exigências de justiça e valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo sistema jurídico brasileiro.    

Dessa forma, Luiz Antônio Rizzatto Nunes (2002, p. 51) alerta que: “[...] não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas”, de modo que nenhuma interpretação pode acontecer sem a observação desse princípio. 

Não obstante, tem- se que o objetivo do princípio da dignidade da pessoa humana é de que todos tenham uma vida digna, e que ninguém seja submetido a padrões inadmissíveis, tendo que privar-se de condições necessárias para a manutenção básica de sobrevivência.

Neste ínterim, é necessário que todo ordenamento jurídico e social de um Estado, tenha como base os princípios constitucionais, principalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, pois são estabelecidos pela Carta Magna, de modo que todos os atos que forem contrários à Constituição serão considerados atos viciados e passíveis de modificação.


4 BENEFÍCIOS ASSISTENCIAIS

O Estado contemporâneo possui entre suas funções, a proteção dos indivíduos em relação a fatos que venham lhe causar dificuldades ou até mesmo impossibilidade de manter sua subsistência e de sua família.

Diante disso, criaram-se políticas públicas voltadas a atender essas pessoas, que devido a determinadas circunstâncias não conseguem manter sua subsistência por conta própria, ou através da atividade laborativa.

Os benefícios assistenciais, criados pelo Estado, como um meio de proteção social aos desafortunados, integram políticas de assistência social, configurando-se como direito do cidadão e dever estatal.

Esses benefícios são prestados por meio da inclusão dos beneficiários e de suas famílias em serviços socioassistenciais, ampliando a proteção social e promovendo a superação das situações de vulnerabilidade e risco social a que essas pessoas são colocadas.

Os Benefícios Assistenciais se dividem em duas modalidades, que são direcionadas a públicos específicos, sendo eles, o BPC – benefício de prestação continuada, que também pode ser classificado como benefício permanente, e os Benefícios Eventuais.

4.1 Espécies de Benefícios Assistenciais

4.1.1 Benefícios Permanentes

O benefício classificado como permanente está previsto na Constituição Federal, especificamente no artigo 203, V e, vem regulamentado pela Lei 8.742/93, comumente conhecida como LOAS – Lei Orgânica da Previdência Social.

É considerado um benefício assistencial de prestação continuada, de trato sucessivo, pago mensalmente a quem deles necessitar, conforme requisitos que são exigidos pela lei.

Importante salientar que, o BPC é administrado pelo Fundo Nacional da Previdência Social, e é repassado ao Instituo Nacional do Seguro Social – INSS, que concede e mantém o assistencialismo, através do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Frise-se que o benefício assistencial de prestação continuada possui caráter pessoal, extinguindo-se com a morte do beneficiário, de modo que não se transfere a outrem a sua prestação, como acontece com outros benefícios previdenciários, como a pensão por morte.


4.1.2 Benefícios Eventuais

De outro vértice, na mesma classe dos benefícios assistenciais, estão os benefícios eventuais, que caracterizam-se, por seu caráter suplementar e provisório, prestados aos cidadãos e às famílias em virtude, por exemplo, do nascimento, da morte, situação de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública.

Essa espécie de benefício vem elencada no artigo 22, da Lei Orgânica da Assistência Social (BRASIL, 1993), e prevê a seguinte redação: “entendem-se por benefícios eventuais as provisões suplementares e provisórias que integram organicamente as garantias do Suas e são prestadas aos cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública.”

Tem-se como exemplo de benefícios eventuais, o auxílio- natalidade, auxílio-funeral, que serão concedidos àquelas pessoas que não provem condições financeiras de arcar com estas situações. Percebe-se que para que haja a concessão dessa modalidade de assistencialismo, é necessário que a situação que atinge o indivíduo seja temporária, e que o sujeito não tenha condições de lidar com tal acontecimento momentâneo.

Frise-se, que a concessão e o valor dos benefícios eventuais serão regulamentados pelos Conselhos de Assistência Social dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante critérios e prazos definidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social.


5 BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA

5.1 Conceito e Requisitos

Prima facie, vale lembrar que, os benefícios assistenciais não devem ser confundidos com os benefícios previdenciários, uma vez que estes são devidos àquelas pessoas que contribuem, enquanto aqueles são concedidos baseados na necessidade de sobrevivência do indivíduo, afinal, o que aconteceria com as pessoas que não contribuem, durante suas vidas, quando não tiverem mais condições de sustentabilidade?

A partir dessa premissa, fica clara a importância dos direitos sociais para a garantia de um mínimo existencial, por meio de ações destinadas a garantir a dignidade humana.

Deveras, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, trazendo em seu texto constitucional, a garantia de um salário mínimo para as pessoas idosas ou deficientes, sem condições próprias de se manter, criou-se a necessidade de regulamentação desse direito, estabelecendo critérios para a concessão desse benefício.

Como observado, o Benefício de Prestação Continuada, popularmente conhecido como BPC, foi estabelecido pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), em seu artigo 203, V, conforme segue:

“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

[...]

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”

O constituinte originário determinou que o valor dessa prestação pecuniária fosse equivalente a um salário mínimo, e remeteu à legislação ordinária a tarefa de dispor sobre as condições necessárias para a concessão assistencial.

Dessa forma, a Lei 8.742 de 1993 – Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, veio regulamentar o disposto na Carta Magna acerca do benefício assistencial.

A referida Lei é um dos pilares da Assistência Social, que objetiva assegurar condições de uma sobrevivência digna àqueles que, embora não tenham vertido contribuições previdenciárias ou tenham perdido a qualidade de segurado, não se encontram em condições de se autosustentarem.

O benefício assistencial de prestação continuada consiste no pagamento de um salário mínimo para aquelas pessoas que preenchem os requisitos que são estipulados pela Lei.

Esses requisitos vêm elencados no artigo 20 (BRASIL, 1993) da citada lei que estabelece que o benefício de um salário mínimo é garantido a todos os idosos e deficientes que não sejam capazes de prover seu próprio sustento.

Dessa forma, dispõe o artigo 20 da Lei 8.742 de 1993 (BRASIL, 1993): “art. 20.  O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.”

Leitão e Meirinho (2008, p. 445) aduzem que o citado diploma legal estabelece pressupostos subjetivos e objetivos para a concessão do benefício assistencial, e os classificam da seguinte forma: “os critérios subjetivos atuais são: a) ser pessoa idosa com idade de 65 anos ou mais; ou b) ser pessoa portadora de deficiência. O critério objetivo é a hipossuficiência comprovada pela ausência de meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida pela família.”

Frise-se que para a configuração dos pressupostos supracitados, faz-se imprescindível a comprovação dos critérios estabelecidos, com a elaboração de exames periciais, um de natureza médica e outra de natureza socioeconômica, além da importante análise feita seja no âmbito administrativo ou judicial, do caso concreto.

Diante de tais considerações, passa-se a abordar cada um dos pressupostos necessários para a concessão do benefício de prestação continuada, trazendo importantes considerações a respeito de cada um deles.

5.1.1 Idade

A Carta Magna (BRASIL, 1988), ao estabelecer em seu artigo 203, V a garantia do beneficio assistencial a pessoa idosa, passou a considerar o idoso membro fragilizado da sociedade, elegendo-o como destinatário de especial proteção do Estado no âmbito do assistencialismo, quando este não possuir meios de prover a própria subsistência.

A regulamentação do requisito da idade para a concessão do benefício de prestação continuada, foi promovido pelos artigos 20 e seguintes da LOAS, bem como pelo artigo 34, da Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso.

Salutar se faz pontuar que, o quesito idade para considerar a pessoa como idosa já foi objeto de algumas alterações, que reduziram significativamente a idade mínima para qualificação do idoso.

Oportuno se faz observar que, o texto original do artigo 20 da Lei 8.742/93 considerava o direito para a concessão do benefício o idoso com mais de 70 anos. Entretanto, em 1998 foi editada a Lei 9.720 que reduziu essa idade para 67 anos.

Contudo, as mudanças não pararam por ai. Com a vigência do Estatuto do Idoso – Lei 10. 741/2003, a idade mínima passou de 67 anos para 65 anos, para à percepção do benefício assistencial.

Destaca-se que embora o Estatuto do idoso tenha fixada a idade de 60 anos como paradigma para a qualificação da pessoa idosa com relação a outros direitos, o legislador optou estabelecer, em tópico próprio que para a concessão do BPC, far-se-á necessário atingir os 65 anos.

É o que dispõe o artigo 34 da Lei 10. 741/2003 (BRASIL, 2003): “art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas.”

Desse modo, o objetivo do Estatuto do Idoso é conferir o benefício em questão para os idosos com mais de 65 anos, pois se trata de norma especial em relação à idade de 60 anos, considerada apenas como uma qualificante de pessoa idosa.

Assim, corroborando com este entendimento, salientam os Ilustres doutrinadores Leitão e Meirinho (2008, p. 446) que “a condição de pessoa idosa não apresenta maiores dificuldades, pois os textos legais são claros em fixar idade mínima para a concessão do beneficio assistencial de prestação continuada.”.

Registre-se que a idade limite é aplicada tanto para o homem como para a mulher, não havendo qualquer diferença etária, como ocorre no benefício previdenciário de aposentadoria, em razão das peculiaridades que envolvem o benefício em comento.

5.1.2 Incapacidade

Assim como o requisito da idade, o conceito de incapacidade passou por diversas alterações ao longo anos. Embora existam controvérsias, a incapacidade para a vida independente não pode ser somente aquela que impede a realização das atividades laborais do individuo.

Deveras, sabe-se quão grande são as dificuldades enfrentadas pelos deficientes atualmente, contudo, embora ainda exista a necessidade de tamanha evolução da sociedade brasileira nesse aspecto, as coisas melhoraram a partir do tratado internacional assinado sobre “Os Direitos da Pessoa com deficiência”.

O Congresso Nacional ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, por meio de Decreto Legislativo n.º 186, de 9 de Julho de 2008, nos termos do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, possuindo tal convenção força de Emenda Constitucional.

Dessa forma, os direitos das pessoas com deficiência estabelecidos na Convenção Internacional devem ser aplicados e respeitados, como qualquer outro direito ou garantia que estão expressos na Carta Magna, pois a própria Constituição prevê a proibição de exclusão dos direitos decorrentes de outros regimes ou princípios, ou ainda dos tratados internacionais, por ela adotados.

Nesse sentido, dispõe o § 2º do artigo 5º da CF (BRASIL, 1988), a seguinte redação: “§2º. os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

Cabe salientar que, os principais princípios da Convenção Internacional adotados pelo Brasil, visam à dignidade da pessoa humana, e têm o propósito de promover e assegurar o exercício dos direitos humanos para todas as pessoas com deficiência.

O art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, traz em sua redação as mesmas palavras do artigo 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que destaca o seguinte:

“Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” (BRASIL, 1993).

Denota-se a partir da redação do dispositivo supra, que não mais se considera para a constatação da deficiência apenas a incapacidade para o trabalho, mas sim, qualquer situação que incapacite o sujeito de sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade com as demais pessoas.

Além da incapacidade, para concessão do benefício, há necessidade de que essa produza impedimentos de longo prazo.

A própria lei traz em seu texto que é considerado longo prazo, “[...] aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos” (BRASIL, 1998), logo, para efeitos de concessão do BPC, este será indeferido toda vez que os impedimentos forem classificados como de curto ou médio prazo.

De outro vértice, muito se discute a respeito da necessidade da incapacidade ser considerada total e permanente, pois existem posicionamentos que defendem que não existe necessidade de serem preenchidos ambos os requisitos.

A Turma Nacional de Uniformização editou a Súmula 48 (BRASIL, 2013), com a finalidade de uniformizar o entendimento a este respeito: “A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada.”

Contudo, embora exista súmula a esse respeito, os tribunais vêm tomando diferentes decisões sobre esse assunto. O Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2013), por exemplo, traz a necessidade da configuração da incapacidade permanente e definitiva para a concessão do benefício assistencial:

“[...] 2. No presente caso, o Tribunal a quo considerou a renda per capita pressuposto absoluto para a concessão do benefício assistencial, por isso o acórdão foi reformado, acrescentando-se que a ora agravada está incapacitada para o trabalho de acordo com laudo médico que atestou ter osteomielite crônica, configurando incapacidade permanente e definitiva, bem como o estudo social ter comprovado o estado de miserabilidade em que vive. (Argr no AREsp 379.927/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 15/10/2013).”

De outro giro, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (BRASIL, 2014), possui posicionamentos distintos, veja-se:

“[...] 1. O benefício assistencial é devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, situação de incapacidade laborativa total e permanente em razão de graves problemas de saúde configurada nos autos. (TRF4, AC 0014905-46.2014.404.9999, Quinta Turma, Relatora Taís Schilling Ferraz, D.E. 25/11/2014).”

“[...] Para fins de concessão do benefício assistencial, não há exigência legal de que a incapacidade laboral seja definitiva, bastando que se trate de impedimento de longo prazo (no mínimo por dois anos), que obstrua a participação plena e efetiva da pessoa na sociedade. (TRF4, AG 00000953-87.2015.404.0000, Quinta Turma, Relator Rogerio Favreto, D.E. 28/05/2015). (BRASIL, 2015).”

Frise-se que para a concessão do BPC à pessoa com deficiência, deverá o requerente sujeitar-se à avaliação social e médica, a qual considerará tanto fatores ambientais, sociais e pessoais que a pessoa vive, quanto a sua limitação nas atividades diárias e na participação social.

Vale ressaltar que quando se tratar de crianças e adolescentes menores de 16 anos, a deficiência deverá ser avaliada a partir do seu impacto nas atividades em que crianças da mesma idade realizam como brincar e estudar, por exemplo, tendo em vista que não se deve avaliar a capacidade laboral do menor, devido à vedação constitucional ao trabalho de menor de 16 anos.

5.1.3 Miserabilidade

Como já demonstrado, para que o benefício de prestação continuada seja concedido, imprescindível se faz o preenchimento dos requisitos exigidos pela Lei. Além dos requisitos da idade e da incapacidade, o dispositivo legal prevê uma terceira exigência para o beneficiário, qual seja o critério de miserabilidade.

O critério da miserabilidade encontra expressa previsão no artigo 20, § 3º da LOAS (BRASIL, 1993), que considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita não ultrapasse a ¼ do salário mínimo.

A priori, salutar se faz pontuar quem faz parte do conceito de grupo familiar que dispõe o supracitado dispositivo legal.

Utilizando critérios de interpretação mais comezinhos, o núcleo familiar utilizado para a aferição das condições de hipossuficiência, deve ser integrado pelo requerente do benefício, seu cônjuge ou companheiro, os pais e na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e ainda os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

Cabe ressaltar que a assistência social é uma forma subsidiária de atendimento às pessoas necessitadas, cabendo ao Estado insurgir-se somente quando o requerente e seus familiares não possuírem condições de prover o próprio sustento.

De outro giro, vale trazer a baila a forte polêmica jurisprudencial acerca da possibilidade da flexibilização do critério de miserabilidade trazido pela Lei 8.742/93.

Em decisão proferida na ADI 1.232, o Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 1998) havia pacificado o entendimento de constitucionalidade do critério estabelecido pela lei, com base em diversos julgados, sob a fundamentação de que seria inadmissível conceder o benefício assistencial quando a renda per capta do grupo familiar ultrapassar ¼ do salário mínimo.

Contudo, em 2013 novamente esse critério veio a ser rediscutido nos Recursos Extraordinários n.º 567.985 (BRASIL, 2013) e 580.963 (BRASIL, 2013), e o STF julgou pela inconstitucionalidade material incidental do § 3º, do artigo 20 da Lei 8.742/93, utilizando os seguintes fundamentos:

“[...] 3. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos e deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o bolsa família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de acesso a alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia e renda mínima associados a ações educativas. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrentes de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronuncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 567.985, Relator: Min. Marco Aurélio, Relator do acórdão: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 18.04.2013, acórdão eletrônico DJe-194, divulgado em 02.10.2013, publicado em 02.10.2013). (BRASIL, 2013).”

Frise-se que a inconstitucionalidade no Recurso Extraordinário 580.963 (BRASIL, 2013), foi declarada parcial, pois garantia a isenção da contagem de renda auferida somente por idoso maior de 65 anos, para o cálculo da renda familiar per capta, conforme consta no acórdão:

“[...] 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o beneficio assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capta a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. (RE 580.963, Relator: Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 18.04.2013, processo eletrônico repercussão geral – Mérito DJe- 225, divulgado em 13.11.2013, publicado em 14.11.2013).”

Como visto, essa inconstitucionalidade foi julgada sob fortes fundamentos de que o critério trazido pela Lei encontra-se defasado, pois ao longo dos anos, ocorreram significativas mudanças fáticas, tanto no âmbito político e econômico quanto no âmbito social, o que significa que as dificuldades e necessidades enfrentadas pela sociedade passaram a ser de maneira diferente.

No mesmo sentido, partindo para o lado jurídico, após a publicação da LOAS, outras leis tratando de benefícios assistenciais foram criadas, e utilizando de critérios mais flexíveis para tal concessão.

Dessa forma, e com base nesses fundamentos, o STF entendeu que existem outros critérios para a fixação desse requisito de miserabilidade, afinal, não se faz mais possível utilizar apenas do parâmetro da lei para aferir a hipossuficiência do requerente.

De outro vértice, não se pode olvidar que, seria impossível estabelecer um critério uniforme para todo o país em razão de suas peculiaridades regionais, ferindo assim o princípio da igualdade material, que consiste em tratar os iguais como iguais e os desiguais como desiguais.

Por outro lado, além do princípio da igualdade material, não restam dúvidas da violação do princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que ao estabelecer um critério extremamente baixo para a concessão do benefício assistencial é ferir sem sombra de dúvidas esse princípio, pois a Constituição menciona necessidade e não miséria, de modo que o ser humano não precisa se encontrar em um estado miserável, sem condições alguma de sobrevivência para que lhe seja concedido o amparo assistencial.


6 APLICABILIDADE DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE

Atualmente, após a inconstitucionalidade do § 3 º, do artigo 20 da Lei 8.742/93, vários estão sendo os entendimentos aplicados pelo ordenamento jurídico a esse respeito.

Como as decisões do STF nos Recursos Extraordinários 567.985 e 580.963 não possuem efeitos vinculantes, vez que não foram tomadas em controle de constitucionalidade, e devido à vinculação da administração pública ao princípio da legalidade, o INSS continua a adotar na via administrativa o critério de renda per capta familiar inferior a ¼ do salário mínimo.

De outro vértice, o atual posicionamento da Advocacia Geral Da União se faz diferente, pois vem instruído pela Instrução Normativa n.º 2, de 2014 (BRASIL, 2014), que traz consigo a seguinte redação:

“Art. 1º Fica autorizada a desistência e a não interposição de recursos das decisões judiciais que, conferindo interpretação extensiva ao parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003, determinem a concessão do benefício previsto no art. 20 da Lei nº 8.742/93, nos seguintes casos:                                                                                   

I) quando requerido por idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, não for considerado na aferição da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93:

a) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por outro idoso com 65 anos ou mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar;

b) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por pessoa com deficiência, que faça parte do mesmo núcleo familiar;

c) o benefício previdenciário consistente em aposentadoria ou pensão por morte instituída por idoso, no valor de um salário mínimo, recebido por outro idoso com 65 anos ou mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar;

II) quando requerido por pessoa com deficiência, não for considerado na aferição da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 o benefício assistencial:

a) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por idoso com 65 anos ou mais, que faça parte do mesmo núcleo familiar;

b) o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por pessoa com deficiência, que faça parte do mesmo núcleo familiar.”

Vale ressaltar que esse parâmetro estabelecido pela Instrução Normativa supracitada, deve ser observado a partir da análise do processo concessório, bem como quando da defesa do INSS em juízo pela Procuradoria Federal.

Em contrapartida, além desses dois posicionamentos os magistrados vêm adotando também outros critérios para serem analisados no momento da concessão ou não o benefício assistencial.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por exemplo, possui entendimento jurisprudencial em que afasta o critério de ¼ e adota o de ½ do salário mínimo:

“[...] 2. O art. 20 a Lei 8.742/93 restou tácita e parcialmente revogado pelo advento das Leis n.º 9.533/97, 10.219/01, 10.689/03 e 10.836/04, as quais trataram respectivamente da adoção de programas de renda mínima por municípios, da criação do “Bolsa Escola”, da criação do Programa nacional de Acesso a Alimentação – da criação do “Bolsa Família” todas estipulando como renda mínima para fins de auxílio social o valor de meio salário mínimo per capita. 3. O próprio STF vem mitigando a exigência de preenchimento do requisito objetivo da miserabilidade, conforme decisões monocráticas proferidas por diversos ministros. 4. Recurso provido, para o fim de restabelecer a sentença de primeiro grau de jurisdição. (JEF – TRF1, processo: 200638007434615 UF: MG. Órgão Julgador: Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência da 1 ª Região, data da decisão: 31.08.2013, pedido de Uniformização Regional de Jurisprudência). (BRASIL, 2013).”

Importante salientar que, além do critério de ½ do salário mínimo, o que tem prevalecido nas decisões judiciais em primeira instância, é a análise de cada caso concreto, realizando-se estudos socioeconômicos, que tem como escopo demostrar as condições financeiras e sociais em que o requerente e sua família se encontram, bem como fazer com que o julgador tenha melhor visão da situação vivenciada pelo indivíduo. Assim, poderá aplicar com mais precisão o critério da miserabilidade, de modo a impedir que os indivíduos requerentes do benefício em questão sejam prejudicados e tenham que viver abaixo da dignidade da pessoa humana, a fim de não permitir o cometimento de injustiças, proporcionando sobrevivência digna.


7 CONCLUSÃO

Como visto, a existência de políticas públicas assistenciais são de fundamental importância para uma sociedade organizada, de forma que cabe ao Estado o dever de desenvolver mecanismos que venham atender as necessidades da população.

No presente trabalho, foi analisada a existência e a aplicabilidade de normas legais que amparam as necessidades sociais de pessoas idosas e deficientes que não detêm condições de prover o próprio sustento, nem tê-lo provido por sua família.

Contudo, o acesso a essas garantias trazidas pelo ordenamento jurídico se torna, muitas vezes, inviáveis devido à burocracia e a dificuldade que o cidadão possui em fazer valer seus direitos nos moldes estabelecidos por lei, o que acaba por impedi-lo de ter acesso ao direito em questão.

A LOAS, trouxe em sua regulamentação, direitos que jamais haviam sido regulamentados de forma tão específica, protegendo aos cidadãos incapacitados de prover o seu autossustento, de modo que proteger o idoso, e o deficiente, talvez tenha sido, o primeiro mecanismo real de garantia digna de vida a estes cidadãos fragilizados social e economicamente.

Embora tal garantia tenha sido conquistada, vale ressaltar quão dificultoso é para que se consiga o benefício assistencial de prestação continuada, afinal, este apresenta tanta rigidez em seus requisitos, que por vezes ao invés de incluir o cidadão que realmente precisa do assistencialismo, acabada por exclui-lo.

Dessa forma, ao fixar um critério excessivamente baixo para verificar a miserabilidade do postulante, e colocá-lo em situação de extrema miséria para que faça jus ao benefício assistencial, quando na verdade não é isso que a Constituição Federal determina, pois está fala em necessidade e não em miserabilidade, estar-se-á violando o principal preceito da Carta Magna, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

A necessidade de flexibilização do critério de miserabilidade estabelecido pela lei é condição sine qua non para evitar o cometimento de injustiças e atender ao objetivo do assistencialismo social, incluindo os cidadãos que encontram-se desprovidos de condições de autos sustento, seja pela idade, seja pela deficiência, observando-se, ainda, que o critério da miserabilidade encontra-se totalmente em desconformidade com os princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, ferindo frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHINAGLIA, Elirani de Sousa; ANTONIO, Bruna Izabelly Martin. Benefício assistencial e o critério de miserabilidade versus o princípio da dignidade da pessoa humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4626, 1 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46886. Acesso em: 1 maio 2024.