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Normas constitucionais inconstitucionais oriundas do poder constituinte originário

Normas constitucionais inconstitucionais oriundas do poder constituinte originário

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SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Supremacia da norma constitucioinal – 3. Antinomias jurídicas e critérios para sua ultrapassagem – 4. Antinomias no âmbito da Constituição – 5. A norma constitucional inconstitucional na visão de Otto Bachof – 6. A norma constitucional inconstitucional na ótica do Supremo Tribunal Federal - 7. Considerações Finais – 8. Bibliografia.

RESUMO: As normas constitucionais são dotadas de supremacia em relação aos demais comandos normativos. A partir desta hegemonia, pressupõe-se que todas as emanações legislativas devem estar em consonância com os ditames supralegais, de modo que se harmonize o subsistema normativo. Pugnando pela tese da existência de antinomias entre os mandamentos constitucionais, o presente estudo acata a tese de uma hierarquização destas normas, aliada à constatação de um direito supralegal, pré-existente à própria Carta Política, que possui a prerrogativa de limitar a atividade do Poder constituinte Originário. Destarte, nos casos em que uma regra constitucional vá de encontro a um dos conceitos supramencionados, estar-se-ia diante de uma antinomia interna, que deve ser transposta através da atuação do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição no ordenamento jurídico pátrio.

PALAVRAS-CHAVE: Supremacia – Antinomias – Limitações ao Poder Constituinte -Controle de Constitucionalidade.


1. Introdução

A Constituição é o documento normativo mais importante de uma Nação, pois se trata da expressão maior da vontade soberana do povo, além de organizar a forma e o campo de atuação do Estado. Seus preceitos possuem, inclusive, supremacia em relação às demais regras existentes no ordenamento jurídico. Tal predomínio ocorre em decorrência do sistema de respeito vertical no subsistema normativo, ou pirâmide hierárquica das leis.

Destarte, a análise acerca da possibilidade de antinomia entre normas constitucionais oriundas do Poder Constituinte Originário é questão de indubitável relevância, mormente no sentido de se harmonizar os mandamentos da Carta Política e as demais emanações legiferantes. Ademais, a aceitação de que tais choques são plausíveis traria diversas conseqüências práticas, tendo em vista que todo o sistema haveria de se adaptar, em face do conflito.

O primeiro capítulo desta monografia inicia-se com uma explanação sobre a norma constitucional de forma geral, abordando especificamente a sua supremacia em relação aos demais comandos normativos existentes no ordenamento. A rigidez nos processos de alteração de preceitos constitucionais, bem como o controle de constitucionalidade, são institutos que garantem tal hegemonia.

No segundo capítulo desta pesquisa, permitiu-se tratar do tema referente às antinomias jurídicas, bem como dos critérios para sua ultrapassagem, acatados pela doutrina e pela jurisprudência pátrias.

As antinomias seguem sendo analisadas no terceiro capítulo, restringindo-se, contudo, ao âmbito constitucional. O cerne desta questão é exatamente a possibilidade de existência de tais choques normativos e, em aceitando-se tal hipótese, quais são as regras para que estes sejam suplantados. Outro aspecto importante é a existência de uma hierarquia interna entre os mandamentos constitucionais.

O pensamento do alemão OTTO BACHOF, precursor da tese de normas constitucionais inconstitucionais, é objeto do quarto capítulo deste estudo. Tendo como fundamento as idéias do supracitado autor, procura-se esteio na doutrina para questionar se é possível o controle de constitucionalidade das normas originárias.

O último capítulo, por seu turno, aborda a temática da competência para julgar as antinomias no âmbito do texto supralegal, mormente nos casos em que tal choque normativo se verifica em sede de Poder Constituinte Originário. Conclui-se que o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, seria o órgão competente para pôr termo às antinomias ocorridas no texto supralegal.


2 SUPREMACIA DA NORMA CONSTITUCIONAL

A Constituição é a base de todo o ordenamento jurídico brasileiro, visto que adota-se, no Brasil, o sistema piramidal das normas jurídicas, difundido pelo jurista HANS KELSEN, baluarte do positivismo no século passado.

Tal afirmação implica a aceitação da existência de uma verdadeira supremacia da norma constitucional sobre as demais emanações legislativas. Daí infere-se que todas as normas integrantes do ordenamento jurídico devem guardar consonância com as regras preconizadas pela Carta Magna. Tais definições levam à conclusão de que existe de um sistema escalonado das normas jurídicas, no qual o vértice é representado pela Constituição.

A Lei Maior representa, portanto, verdadeiro fundamento de validade das demais normas, que só possuem eficácia e aplicabilidade se respeitarem os limites impostos pela Constituição. Inaceitável seria, para o Estado Constitucional, a vigência de regramentos que se contrapusessem aos ditames supralegais.

Lecionando sobre o sistema de respeito vertical no subsistema normativo, recorre-se às palavras abalizadas do supracitado autor:

A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental – pressuposta. [1]

Em seu livro Teoria da Inconstitucionalidade das Leis, o Professor MARCELO NEVES corrobora com o acima transcrito:

Na qualidade de subsistema nomoempírico prescritivo integrante do ordenamento jurídico estatal, a Constituição tem supremacia hierárquica sobre os demais subsistemas que compõem o ordenamento, funcionando como fundamento de pertinência e critério de validade dos subsistemas infraconstitucionais. Pode-se defini-la, conforme a terminologia tradicional, como o complexo normativo superior de determinado sistema jurídico estatal, sendo, portanto, o último fundamento e critério positivo vigente de pertinência e validade das demais normas integrantes deste sistema. [2]

A supremacia da norma constitucional constitui-se, portanto, em característica fundamental para a compreensão do sistema jurídico. Esta maior pujança justifica-se pelo fato de que a Constituição de um país representa a conjunção de idéias e vontades da nação, em outras palavras, de seu povo, que é o verdadeiro titular do Poder Constituinte, exercido por meio de seus representantes, consoante se pode inferir do parágrafo único do art. 1º, da Lei Maior vigente na República Federativa do Brasil.

É a Constituição, desta forma, a expressa emanação da vontade de uma nação. Nela consubstanciam-se os princípios e regras fundamentais que irão reger os atos de todos os indivíduos, garantindo-lhes direitos e imputando-lhes sanções decorrentes do não cumprimento de seus mandamentos.

A professora MARIA HELENA DINIZ trata com propriedade o assunto em foco:

Por que seria suprema a norma constitucional? Sê-lo-á no sentido teórico, ou seja, por ser ela norma-origem, por não existir outra acima dela. Inegável é a sua supremacia em relação às demais normas da ordenação jurídica, desde que reconhecida pelo destinatário (Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário), que cumprirá, ou não, as suas disposições e, também, no sentido sócio-político, pelo povo, titular do poder constituinte, exercendo, ou não, o direito à desobediência civil ou de resistência, visto que a Constituição deve manifestar a emergência das forças políticas ou sociais dentro da sociedade, sendo, portanto, politicamente, decorrente de uma decisão política fundamental, identificando-se com o conteúdo político-social, considerado como ideal. [3]

O Texto Magno, pois, traz em seu bojo todos os parâmetros de organização social e política, dando contornos ao que se convencionou chamar de "Estado", que, em uma visão simplista, nada mais é do que o defensor das liberdades e garantias individuais e coletivas. Para exercer tal mister, o Estado necessita ter seus poderes limitados, repartidos e exercidos, seja pelo povo, ou por intermédio de seus representantes, desde que sejam sempre prevalentes os ditames constitucionalmente estabelecidos.

Desta forma restaria infrutífera qualquer possibilidade de existência de Estado de direito sem a presença de uma lex fundamentallis, conforme defende J. J. GOMES CANOTILHO:

O Estado de direito é um Estado constitucional. Pressupõe a existência de uma Constituição que sirva – valendo e vigorando – de ordem jurídico-normativa fundamental vinculativa de todos os poderes públicos. A Constituição confere à ordem estadual e aos actos dos poderes públicos medida e forma. Precisamente por isso, a lei constitucional não é apenas – como sugeria a teoria tradicional do Estado de direito – uma simples lei incluída no sistema ou no complexo normativo-estadual. Trata-se de uma verdadeira ordenação normativa fundamental dotada de supremaciasupremacia da Constituição – e é nesta supremacia normativa da lei constitucional que o <primado do direito> do Estado de direito encontra uma primeira e decisiva expressão. [4]

A supremacia das normas constitucionais é, destarte, condição sine qua non para a efetiva subsistência do Estado democrático de direito, doravante denominado Estado constitucional.

Como conseqüências da supremacia da Constituição, decorrem, segundo CANOTILHO, quatro importantes elementos constitutivos do princípio do Estado de direito, a saber: "(a) vinculação do legislador à Constituição; (b) vinculação de todos os actos do Estado à Constituição; (c) o princípio da reserva da Constituição; e (d) força normativa da Constituição." [5]

A vinculação do legislador à Constituição prevê que as leis só podem ser elaboradas pelo órgão competente para tal, da forma pré-estabelecida e seguindo o procedimento obrigatório. Todos estes requisitos estão presentes na Constituição, que é a norma das normas. A vinculação de todos os atos do Estado à Constituição exige que o proceder dos poderes públicos devem estar de acordo, intrínseca e formalmente, com os preceitos constitucionais. O princípio da reserva da Constituição, por seu turno, garante que determinadas questões, atinentes à organização política, por exemplo, devem ser adstritas à regulamentação por parte da Carta Magna, não sendo passíveis, assim, de alterações advindas de leis ordinárias. Por fim, como último corolário da supremacia constitucional, segundo o catedrático português, temos a força normativa da Constituição, segundo a qual, havendo normatização feita pela Lei Fundamental, não poderá esta ser postergada, por outra lei, invocando-se para tal, superiores interesses da nação, ou ainda fundamentos políticos.

A supremacia da norma constitucional justifica-se, ainda, pelo fato de que a Norma Cume possui aspectos procedimentais e metodológicos específicos, de forma a dificultar a sua alteração e embasar toda a produção legiferante no ordenamento pátrio. Existem, do mesmo modo, limitações à possibilidade de alteração dos mandamentos constitucionais, limites estes que devem ser respeitados pelo Poder Constituinte Derivado, também chamado de Poder Constituinte Reformador, ao serem criadas as emendas constitucionais.

Acerca das emendas constitucionais, transcreve-se o pensamento de WALBER DE MOURA AGRA:

As emendas são supressões, adições ou modificações que alteram o texto da Lei Maior. Elas são realizadas pelo Poder Reformador, que, no caso brasileiro, ficou sob a incumbência do Congresso Nacional. Sua função é adequar a Constituição às mudanças que ocorrem na sociedade. O Poder Reformador foi criado pelo Poder Constituinte e possui as seguintes características: é subordinado, derivado e limitado. [6]

Uma questão que merece relevo, na presente monografia, é a que trata da definição de tais limitações, doutrinariamente divididas em: materiais, temporais e circunstanciais.

Limitações materiais, também denominadas de cláusulas pétreas, são aqueles tópicos da Constituição que não podem ser modificados pelo Poder Constituinte Derivado, sob nenhum aspecto. Garante-se, desta maneira, um arcabouço mínimo de normas inalteráveis, de modo a propiciar estabilidade e segurança jurídica às relações inerentes ao Estado e às garantias dos indivíduos. Na Constituição vigente, são cláusulas pétreas: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes; e os direitos e garantias individuais (art. 60, §4º, I a IV, CF/88).

Limitações temporais, por seu turno, são determinados interregnos nos quais é defeso ao Poder Derivado empreender qualquer tipo de alteração constitucional. Tal limitação encontra, em nosso ordenamento, apenas um exemplo, quando a Carta de 1824, em seu art. 174, previu que durante o período de quatro anos nenhuma modificação seria feita no Texto Maior. A Carta Política de 1988, entretanto, não adotou tal critério de limitação em seu texto.

O art. 60, §1º, da Constituição de 1988, traz as hipóteses de limitação circunstancial, que são as seguintes: ocorrência de intervenção federal nos estados; vigência de estado de defesa ou estado de sítio. Tais limitações têm o mesmo motivo fundante, tendo em vista que o Estado, em qualquer das três situações acima esposadas, não se encontraria em sua perfeita normalidade, de forma que as alterações do Texto Maior poderiam trazer conseqüências danosas para toda a sociedade. Todas estas limitações impostas ao Poder de Reforma têm como objetivo salvaguardar as normas constitucionais, evitando que sejam modificadas matérias de fundamental importância para o Estado.

Nesta linha de tirocínio, vejamos os escritos do professor JOSÉ AFONSO DA SILVA:

É, pois, do consenso geral da doutrina que as ‘regras constitucionais são dotadas de uma superioridade evidente com respeito às demais normas jurídicas da coletividade estatal’. Superioridade que é corolário da rigidez da constituição, conceituada como imutabilidade relativa ou estabilidade das regras constitucionais. [7]

Ademais, existe ainda outra questão fundamental que reforça a supremacia da norma constitucional sobre as demais: a possibilidade de controle de constitucionalidade. É através deste controle que se verifica a adequação de uma lei ao disposto pelos mandamentos constitucionais, de forma que lhe sejam conferidas eficácia e aplicabilidade, ou lhe sejam negadas tais condições de validade.

MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO define o controle de constitucionalidade como condição necessária à afirmação da supremacia constitucional:

A sanção desta condição de constitucionalidade é indispensável à garantia da supremacia da Constituição. Se o ato inconstitucional prevalece, a Constituição não é lei suprema. Está à mercê de mudanças que esses atos contrários a ela adotem. O ‘controle’ de constitucionalidade é, destarte, condição da supremacia da constituição. [8]

Confirmando a tese acima esposada, RONALDO POLETTI assevera:

Decorrente desse princípio da supremacia, há o instituto do controle da constitucionalidade. Por isso, os Estados-membros organizam-se, observados os princípios da Constituição Federal, sendo-lhes reservadas as competências por ela não proibidas (art. 25, caput e §1º) e sujeitos a intervenção federal se aqueles princípios não forem assegurados (art. 34, VII, c.c. art. 36, III). [9]

Para controlar a constitucionalidade das leis e atos normativos, há de existir um órgão, constitucionalmente previsto, que desenvolva tal papel. Trata-se se um órgão superior, que possua a incumbência de dar a "palavra final" quando houver conflito envolvendo norma constitucional.

No Brasil, o órgão que possui esta atribuição exclusiva de ser o "guardião" da Constituição, é denominado de Supremo Tribunal Federal – STF. É o STF que realiza o controle e a proteção dos preceitos estabelecidos pela Carta Magna, coibindo a inconstitucionalidade das leis e atos normativos, ou ainda ordenando que sejam colmatadas as lacunas, quando se tratar de omissão do legislador competente.

Sobre a matéria, vejamos os ensinamentos do Prof. ROGÉRIO MAGNUS VARELA GONÇALVES, em seu livro intitulado Automatização: aspectos controversos:

Na República Federativa do Brasil esse órgão de cúpula, responsável que é pela proteção e guarda dos ditames constitucionais, é o Supremo Tribunal Federal. A magnitude do aludido órgão judicante está visceralmente ligada à devolução da correção ou perfeição do sistema jurídico, visto que o mesmo pode e deve coibir as antinomias e colmatar as lacunas, quando se verificar uma inconstitucionalidade por omissão, através – neste derradeiro caso – de expedição de ofício para que o Congresso Nacional regulamente a matéria. [10]

A importância do Supremo Tribunal Federal e suas funções precípuas serão objeto de melhor análise da presente pesquisa, quando da incursão acerca da possibilidade de normas constitucionais inconstitucionais oriundas do Poder Constituinte Originário e a sua suposta argüição, presente no capítulo 6.

Destarte, compreender a supremacia das normas constitucionais faz-se extremamente necessário para que se avance no estudo sobre a possibilidade de existência de normas constitucionais inconstitucionais e, sobretudo, nas conseqüências que tal fato traria para todo o ordenamento jurídico pátrio.


2 ANTINOMIAS JURÍDICAS E CRITÉRIOS PARA SUA ULTRAPASSAGEM

Questão imprescindível ao presente estudo é a referente às antinomias jurídicas, mormente no que tange à sua ultrapassagem pelo intérprete da lei.

Antes de um aprofundamento da questão, cumpre esclarecer o sentido do termo antinomia:

A antinomia, seja ela real ou aparente, representa o conflito entre duas normas, entre dois princípios, entre uma norma e um princípio geral de direito em sua aplicação pratica a um caso particular. [11]

Em um ordenamento jurídico não podem coexistir normas que se contrariem frontalmente, tendo em vista que isto tornaria impossível a aplicação justa e equânime do Direito. Logo, se existe uma norma que proíbe determinada conduta e, no mesmo sistema jurídico-normativo, há uma outra regra que permite tal comportamento, qual das duas deverá ser aplicada, no caso concreto, de modo que não haja injustiça? É exatamente este o papel dos critérios para transposição das antinomias, ou seja, tornar possível a resolução de um conflito normativo.

Ocorre que não é rara a existência de tais antinomias, ocasionadas pela má técnica do legislador, ou ainda por interesses socioeconômicos que se sobrepõem à coerência e à justiça na elaboração das leis. Para que seja mantida a harmonia do sistema normativo, faz-se mister que tais conflitos sejam solucionados, consoante preconiza a jurista paulistana MARIA HELENA DINIZ:

As antinomias jurídicas aparecem como elementos do sistema jurídico, cuja construção requer a solução de conflitos normativos, pois todo sistema deve e pode alcançar uma coerência interna. Por isso a moderna epistemologia procura racionalizar a atividade científico-jurídica, que deve buscar a coerência lógica, condição necessária do pensamento jurídico. Assim a compatibilidade entre as normas num sistema resulta de um processo interpretativo do jurista. Deve haver uma relação lógica e coerente entre os enunciados normativos conectados pelo cientista do direito. [12]

Antinomia, portanto, seja real ou aparente, vem a ser o choque entre dois comandos normativos, entre princípios, ou ainda entre estes e aqueles. A antinomia aparente ocorre quando é possível solucionar-se o conflito pela aplicação de um dos critérios normativos, a saber: o da hierarquia (lex superior derogat legi inferiori); o cronológico (lex posterior derogat legi priori); e o da especialidade (lex specialis derogat legi generali).

A vertente da hierarquia tem como fundamento o sistema piramidal, que estabelece estratos aos quais se encaixam as normas, ficando a Constituição no cume da pirâmide. Deste modo, caso exista conflito entre uma norma constante de uma lei ordinária e uma norma constitucional, por exemplo, esta prevalecerá sobre aquela, que perderá a sua eficácia, segundo o princípio da hierarquia, que é baseado na superioridade de uma fonte de produção jurídica sobre a outra.

O critério cronológico, por sua vez, prevê que leis do mesmo escalonamento têm como diferencial a data em que passam a viger. Logo, se há duas normas colidentes, ínsitas em leis ordinárias distintas, possui aplicabilidade aquela que tiver passado a vigorar mais recentemente.

A regra da especialidade, ou especificidade, por fim, pode ser levada a efeito quando duas normas conflitantes de um mesmo escalonamento apresentam caracteres distintos. Enquanto uma possui um cunho genérico, tratando uma determinada questão apenas em seus contornos mais amplos, a outra norma traz um maior detalhamento, abordando especificamente a matéria enfocada, devendo esta ser aplicada em detrimento daquela, quando estivermos diante dos citados casos nesta derradeira emanação legiferante.

São estes, portanto, os três critérios utilizados para que se ultrapasse o conflito normativo denominado de antinomia aparente. Possuem, as supracitadas regras, ampla aplicação no cotidiano do julgador.

Há, entretanto, situações em que o choque se dá entre os próprios critérios supramencionados, ou seja, uma hipótese em que a um conflito normativo sejam aplicáveis dois critérios de ultrapassagem, sendo que dependendo do preceito escolhido, esta ou aquela norma prevaleceria. É o que se convencionou chamar de antinomia de antinomias, ou antinomia de segundo grau. Na ocorrência desta hipótese, devem ser aplicados os metacritérios consagrados pela doutrina.

Assim, havendo conflito entre o critério hierárquico e o cronológico, a metarregra lex posterior inferiori non derogat priori superiori seria a cabível para a solução do problema, sendo a hierarquia, desta forma, o critério mais forte, tornando apenas aparente a antinomia. No entanto, caso haja um choque entre os critérios hierárquico e de especialidade, não será possível a adoção de um metacritério genérico, tendo em vista que isto viria a impossibilitar a boa aplicação do direito. O julgador, optando pela aplicação de uma das normas em choque, baseando-se em apenas um dos critérios retromencionados, poderia incorrer em erro, haja visto que a solução adotada desrespeitaria, extreme de dúvidas, pelo menos uma das regras conflitantes, ou seja, ou ao adotar uma norma inferior em detrimento de uma superior, ou uma genérica em desfavor de uma específica.

Estar-se-ia, no caso acima esposado, diante de uma lacuna de conflito, ou antinomia real, face à ausência de critérios, ou mesmo metacritérios, para a sua resolução. Pode causar estranheza a afirmação de que há lacuna no ordenamento, em uma situação na qual há mais de um comando normativo aplicável à espécie. É de bom alvitre ressaltar, entretanto, que as lacunas, consoante entendimento do Prof. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, podem ser decorrentes da falta de regras a serem empregadas no caso concreto, ou ainda do excesso destas:

Do mesmo modo, se há contradição entre soluções legais dadas a determinado caso podemos ter uma lacuna de estatuição, dentro de uma das saídas possíveis da figura da interpretação ab-rogante, mas verificamos imediatamente que há uma lacuna. [13]

Antinomia real, à vista disso, ocorre quando o intérprete da lei se depara com uma situação em que não há uma fórmula pré-estabelecida para se solucionar um determinado conflito entre normas. Neste diapasão, é de bom tom transcrever a diferenciação feita por TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR:

A distinção entre antinomias reais e aparentes, fundada na existência ou não de critérios normativos positivos para a sua solução pode e deve, pois, ser substituída por outra em que antinomia real é definida como aquela em que a terceira condição é preenchida, ou seja, a posição do sujeito é insustentável porque não há critérios para a sua solução ou porque entre os critérios existentes há conflito, sendo aparente em caso contrário. [14]

Neste caso, deverão ser adotados os critérios de preenchimento de lacunas, insculpidos na Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 4º, ou seja: por intermédio da analogia, dos costumes, dos princípios gerais do direito e da eqüidade.

A analogia vem a ser a aplicação de uma interpretação extensiva àquela regra que o legislador previu originariamente, de forma a colmatar uma lacuna existente. Assim, aplica-se uma norma que, em tese, não se destinava ao caso específico, mas que pode ser aplicada, sem que com isso se esteja prejudicando o direito de alguma das partes envolvidas no conflito. O supracitado instituto, por conseguinte, é um dos meios mais eficientes para que sejam preenchidas as lacunas existentes no ordenamento jurídico.

Nas palavras do professor MIGUEL REALE:

A analogia atende ao princípio de que o Direito é um sistema de fins. Pelo processo analógico, estendemos a um caso não previsto aquilo que o legislador previu para outro semelhante, em igualdade de razões. Se o sistema do Direito é um todo que obedece a certas finalidades fundamentais, é de se pressupor que, havendo identidade de razão jurídica, haja identidade de disposição nos casos análogos, segundo um antigo e sempre novo ensinamento: ubi eadem ratio, ibi eadem juris dispositio (onde há a mesma razão deve haver a mesma disposição de direito). [15]

O costume, de outra forma, pode ser objetivo (prática social reiterada, ou o uso), ou subjetivo (convicção da obrigatoriedade). O uso só vai interessar ao ordenamento jurídico quando vier acompanhado de relevância social. Não é qualquer prática social reiterada que vai influenciar o elaborador normativo e se transmudar em lei. Desta maneira, o costume constitui-se na mais antiga e tradicional fonte do direito, assumindo papel relevante na busca da adequação das leis à realidade social.

Sobre a importância dos costumes, os ensinamentos do catedrático angolano JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO merecem transcrição:

Na realidade, a parte do costume na vida jurídica é muito maior do que aparenta. O Direito vive na própria vida da sociedade que ordena. Só tendo como pano de fundo a ordem social podemos entender o Direito. Sem se dar por isso, o Direito cria-se, interpreta-se e aplica-se de harmonia com a própria vida social. Por isso, os costumes estão sempre atuantes. [16]

Já os princípios gerais do direito são verdadeiros pressupostos das normas existentes em um ordenamento jurídico. Tratam-se, assim, de postulados que condicionam e norteiam a ordem jurídica, tanto na sua aplicação, quanto na criação de novas leis. Consubstanciam-se em fundamento de validade para as demais emanações legislativas, não podendo, sob nenhum argumento, ter sua incidência afastada pelo legislador.

Apesar de não constarem, em sua maioria, de textos legais, os princípios são verdadeiros modelos doutrinários fundamentais, possuindo vasta relevância como elementos basilares e condicionadores do ordenamento jurídico. Acerca da temática dos princípios, cumpre trazer à baila os escritos de MIGUEL REALE:

Restringindo-nos ao aspecto lógico da questão, podemos dizer que os princípios são "verdades fundantes" de um sistema de conhecimento, como tais, admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis. [17]

Ainda em sede de princípios, transcreve-se os escólios de MIGUEL DE SERPA LOPES:

Indubitavelmente a idéia dos princípios gerais do Direito, consagrada por quase todos os códigos, se impõe, como expediente necessário a suprir as omissões da lei. Esse poder do juiz de buscar a norma reguladora da espécie omitida pelo Direito positivo não pode ser desmedido, ao seu talante, ao sabor de suas concepções íntimas. Tem que se embeber nos valores que informam o Direito, como os princípios jurídicos, os princípios do Direito natural, os princípios tradicionais, os princípios políticos e a eqüidade. [18]

Com relação aos casos em que as lacunas do direito são preenchidas mediante a aplicação de normas de eqüidade, ou seja, os comandos da regra genérica são amenizados, flexibilizados, amoldando-se à necessidade e à peculiaridade de cada caso concreto preleciona MIGUEL REALE: "Há casos em que é necessário abrandar o texto, operando-se tal abrandamento através da eqüidade, que é, portanto, a justiça amoldada à especificidade de uma situação real." [19]

Pode ocorrer, ainda, que as regras de preenchimento de lacunas acima descritas não sejam cabíveis a um determinado caso concreto, hipótese em que a solução poderá vir através da edição de uma terceira norma, cujo fim seja dar solução de continuidade ao conflito, através da revogação de uma das normas conflitantes. Nesta eventualidade, o ditame revogado é afastado do ordenamento jurídico, não produzindo, daí em diante, quaisquer efeitos, ressalvando-se, apenas, as situações jurídicas constituídas sob a sua égide.

Em qualquer das hipóteses acima descritas, o objetivo do intérprete, ou aplicador da lei, deve ser sempre norteado pela busca do fim colimado pelo Direito, que é promover a justiça e regular as relações sociais, através da aplicação da norma que melhor se adapte ao caso concreto, afastando as antinomias, sejam elas de cunho aparente, ou, principalmente, de caráter real.

Assim, a importância dos critérios para ultrapassagem das antinomias é cristalina, tendo em vista que não é aceitável a existência de normas conflitantes em um mesmo sistema jurídico, sob pena de tornar-se inviável a aplicação da lei. Além disto, tais critérios crescem em relevância por se tratarem, as antinomias, de fenômeno bastante verificado no ordenamento jurídico tupiniquim, mormente devido ao fato de que são muitas as leis aprovadas, dificultando a tarefa dos legisladores e dos julgadores, na busca da coerência do sistema.

Destarte, a abordagem sobre as antinomias guarda estreita relação com a presente monografia, tendo em vista a abordagem que será feita, no capítulo seguinte, acerca da existência de tais choques normativos em âmbito constitucional, tendo como conseqüência a possibilidade da declaração de inconstitucionalidade de normas constitucionais oriundas do Poder Constituinte Originário.


3 ANTINOMIAS NO ÂMBITO CONSTITUCIONAL

A Constituição pode trazer, em seu bojo, normas que sejam conflitantes entre si? Este questionamento tem sido tema de calorosos debates no mundo jurídico. Há os que defendem o princípio da unidade da Constituição [20], segundo o qual as normas constitucionais podem, e devem, ser interpretadas em conjunto, de modo que sejam evitados os conflitos com as demais normas pertencentes à Carta Política. Em posição frontalmente contrária a esta encontra-se a corrente que advoga a tese da hierarquização dos preceitos supralegais, [21] o que possibilitaria, neste caso, a existência de choques normativos internos e, via de conseqüência, a necessidade de critérios para sua ultrapassagem.

Cumpre registrar que a maioria da doutrina se inclina para a não aceitação desta hierarquia entre os preceitos constitucionais. Permissa venia, o presente estudo não vai se perfilar a tal corrente, optando por uma outra esteira de tirocínio.

O presente ensaio monográfico pretende acostar-se àqueles que se posicionam pela hierarquia das normas constitucionais, como forma de demonstrar a possibilidade da existência de antinomias no âmbito da Lei Maior. Faz-se mister, entretanto, antes do debruçamento na questão da hierarquia, uma breve digressão acerca do princípio da unidade da Constituição, como forma de posicionar a matéria no contexto doutrinário.

O princípio da unidade hierárquico-normativa da Constituição tem como fundamento a tese de que a Lex Fundamentalis vem a ser a expressão de um consenso fundamental quanto a determinados princípios e normas. Infere-se, a partir deste postulado, que uma regra constitucional não pode ser considerada em si mesma, de forma isolada das demais. Deve, por conseguinte, a norma constitucional, ser interpretada conjuntamente com os demais preceitos constantes da Lex Mater, o que impossibilita, de acordo com os que defendem o supramencionado princípio, repise-se, a verificação de antinomias internas no âmbito constitucional.

Nesta esteira de pensamento, LUÍS ROBERTO BARROSO assevera:

É precisamente por existir pluralidade de concepções que se torna imprescindível a unidade na interpretação. Afinal, a Constituição não é um conjunto de normas justapostas, mas um sistema normativo fundado em determinadas idéias que configuram um núcleo irredutível, condicionante da inteligência de qualquer de suas partes. O princípio da unidade é uma especificação da interpretação sistemática, e impõe ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições entre normas. [22]

Sobre a temática em disceptação, ANDRÉ RAMOS TAVARES pontifica:

Considera-se a Constituição como um sistema e, nessa medida, um conjunto coeso de normas. (...) Assim, não se pode tomar uma norma como suficiente em si mesma. Não obstante todas as normas sejam dotadas da mesma natureza e do mesmo grau hierárquico, algumas, em virtude de sua generalidade e abstratividade intensas, acabam por servir como vetores, princípios que guiam a compreensão e a aplicação das demais normas, devendo-se buscar sua compatibilização. [23]

É de bom alvitre citar outros constitucionalistas que se posicionam em conformidade com esta tese, como J. J. GOMES CANOTILHO, UADI LAMMÊGO BULOS, e MANOEL MESSIAS PEIXINHO, que assim define o princípio da unidade da Constituição: "Significa que o intérprete deve considerar a Constituição em sua totalidade, procurando harmonizar os lugares de conflitos entre as suas diversas normas." [24]

Do outro lado, à frente dos que sustentam a possibilidade de hierarquização das normas constitucionais, pode-se mencionar o professor alemão OTTO BACHOF, precursor da defesa da possibilidade de existência de normas constitucionais inconstitucionais. Suas idéias serão pormenorizadas no próximo capítulo, destinado a tal fim.

Corroborando com esta linha de tirocínio, podem ser mencionados, ainda, FERNANDO GARRIDO FALLA, EDUARDO GARCIA DE ENTERRIA, NÉLSON SAMPAIO e JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, que explanando sobre a relação entre os princípios e as normas supralegais, admite que:

Há uma hierarquia no inter-relacionamento desses princípios com outras normas da Constituição Federal e, sobretudo, com outros princípios constitucionais (sintaxe jurídico-constitucional) que põe a lume a maior importância dos seus princípios fundamentais no confronto com outros princípios. [25]

A tese da existência de uma hierarquia dos preceitos constitucionais encontra ressonância, de igual modo, nos escritos do pernambucano IVO DANTAS, a seguir transcritos:

Em nosso modo de entender, a partir da consagração, pelo texto constitucional, de Princípios Fundamentais e de Princípios Gerais voltados para determinado setor, parece-nos possível estabelecer entre ambos uma nova hierarquia. Nesta, os primeiros ocupam o ápice da pirâmide e os segundos uma posição intermediária entre os Princípios Fundamentais e as normas a que chamaríamos de setoriais. [26]

Assim, considerar a posição de destaque que merecem os Princípios Fundamentais, em detrimento dos Princípios Gerais e das normas setoriais, pode ser o ponto de partida para que se considere a viabilidade de uma classificação hierárquica das regras constitucionais.

Com lastro nesta definição, admite-se a existência de princípios hierarquicamente superiores, no corpo da Carta Política brasileira. Logo, não há como se olvidar a possibilidade de hierarquização dos preceitos constitucionais, inclusive abrangendo, em tal conceito, o escalonamento dos comandos normativos supralegais.

Para se chegar a esta conclusão, parte-se, ainda, do conceito de Constituição formal e material, já consagrado e aceito pela doutrina. Constituição material é aquela composta por matérias estritamente relacionadas com a organização do poder, a distribuição da competência, o exercício da autoridade, a forma de governo e os direitos da pessoa humana, coletivamente ou de forma individualizada. Em outras palavras, consubstancia-se em determinados comandos que se dirigem à composição e ao funcionamento da ordem política e que, por conseguinte, não poderiam ser deixados de lado pelo legislador constituinte.

No aspecto, é de bom alvitre transcrever-se os ensinamentos de MARIA HELENA DINIZ:

Infere-se daí que a Constituição, em sentido material, consiste no complexo de normas constitucionais pela sua matéria, isto é, por normas básicas indicativas de como devem ser elaboradas todas as normas gerais. A Constituição, no sentido formal, abrange normas constitucionais que, pela sua forma, embora disciplinem certas condutas de modo imediato, submetem-se a um processo específico de produção ou alteração disciplinado por outra norma constitucional. [27]

Destarte, as normas de cunho materialmente constitucional, assim definidas pela doutrina, constituem o verdadeiro cerne da Carta Magna, tendo em vista que possuem o condão de vincular o Poder Constituinte, no sentido de inseri-las no texto supralegal, seja qual for o momento político de aprovação da Lei Maior.

Já a Constituição formal, por seu turno, vem a ser o texto em si, como um todo, desde o preâmbulo, até o derradeiro comando normativo da Carta Política. Desta forma, há a inclusão, no rol constitucional, de preceitos normativos que não justificam, pelo seu conteúdo, a sua inclusão na Lex Fundamentalis.

No dizer de PAULO BONAVIDES:

As Constituições não raro inserem matéria de aparência constitucional. Assim se designa exclusivamente por haver sido introduzida na Constituição, enxertada no seu corpo normativo, e não porque se refira aos elementos básicos ou institucionais da organização política. Entra essa matéria pois a gozar da garantia e do valor superior que lhe confere o texto constitucional. [28]

No plano da doutrina constitucional européia, o constitucionalista português J. J. GOMES CANOTILHO, seguindo o pensamento do professor ROBERT ALEXY, assim define os aspectos formais e materiais dos direitos fundamentais:

Fundamentalidade formal, geralmente associada à constitucionalização, assinala quatro dimensões relevantes: (1) as normas consagradoras de direitos fundamentais, enquanto normas fundamentais, são normas colocadas no grau superior da ordem jurídica; (2) como normas constitucionais encontram-se submetidas aos procedimentos agravados de revisão; (3) como normas incorporadoras de direitos fundamentais passam, muitas vezes, a constituir limites materiais da própria revisão (cfr. CRP, art. 288º/ d) e e); (4) como normas dotadas de vinculatividade imediata dos poderes públicos constituem parâmetros materiais de escolhas, decisões, acções de controlo, dos órgãos legislativos, administrativos e jurisdicionais (cfr. afloramento desta idéia no art. 18º/1 da CRP). (...) A idéia de fundamentalidade material insinua que o conteúdo dos direitos fundamentais é decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado e da sociedade. Prima facie, a fundamentalidade material poderá parecer desnecessária perante a constitucionalização e a fundamentalidade formal a ela associada. Mas não é assim. Por um lado, a fundamentalização pode não estar associada à Constituição escrita e à idéia de fundamentalidade formal como o demonstra a tradição inglesa das Common-Law Liberties. Por outro lado, só a idéia de fundamentalidade material pode fornecer suporte para: (1) a abertura da constituição a outros direitos, também fundamentais, mas não constitucionalizados, isto é, direitos material mas não formalmente fundamentais (cfr. CRP, art. 16º/ 1.º); (2) a aplicação a estes direitos só materialmente constitucionais de alguns aspectos do regime jurídico inerente à fundamentalidade formal; (3) a abertura a novos direitos fundamentais (Jorge Miranda). Daí o falar-se, nos sentidos (1) e (3), em cláusula aberta ou em princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais. Preferimos chamar-lhe "norma com fattispecie aberta" (Baldassare) que, juntamente com uma compreensão aberta do âmbito normativo das normas concretamente consagradoras de direitos fundamentais, possibilitará uma concretização e desenvolvimento plural de todo o sistema constitucional. [29]

Diante de tais conceituações, pode-se afirmar que as normas de cunho material (normas materialmente constitucionais) devem ser admitidas como superiores, em uma escala hierárquica, quando correlacionadas às demais normas inseridas no texto supralegal, mormente àquelas que o são apenas com o intuito de ganhar força normativa, ou ainda possuir maior rigidez nas suas alterações (normas formalmente constitucionais).

No entender do presente estudo, a partir desta diferenciação é possível afastar-se a aplicação do princípio da unidade hierárquico-normativa da Constituição, partindo-se para uma interpretação circunstanciada das normas constitucionais, não de forma a isolá-las do contexto supralegal, mas dando a cada uma delas a importância que lhe é devida.

Atestando as alegações acima, pode-se citar o exemplo da chamadas cláusulas pétreas. Tais comandos normativos são, inclusive, considerados preceitos superconstitucionais, no sentido de que há a consagração, na própria Carta Magna, da impossibilidade de emanação legislativa no sentido de se alterar as regras elencadas no art. 60, §4º, I a IV, da Constituição Federal de 1988.

Assim, se existem normas constitucionais como as cláusulas pétreas, que possuem um caráter de imutabilidade, advindo da expressa proibição contida no texto supralegal, há que se admitir a sua maior relevância em relação àquelas cujo teor pode ser alterado ou, de igual maneira, suprimido, através de emenda constitucional. As cláusulas pétreas encontram-se, desta forma, em posição hierárquica superior aos demais preceitos constitucionais.

Com referência às cláusulas pétreas, cumpre trazer à baila os escritos de ZENO VELOSO:

O poder constituinte originário pré-exclui alguns temas ou matérias do pofer reformador. A Constituição, portanto, tem um núcleo imodificável, intangível, simbolizado nas chamadas cláusulas pétreas (...) Estes assuntos são considerados da maior importância, de gravidade máxima, protegidos por uma superlegalidade, não podendo estar submetidos aos riscos e perigos de serem abolidos, alterados ou minimizados por revisões ou emendas constitucionais. Daí, serem resguardados com uma cláusula de eternidade (Ewigkeitsgarantien). [30]

Corroborando com os escólios acima transcritos, a Professora LAÍS VIEIRA CARDOSO testifica:

Na nossa Carta Magna estão, portanto, os princípios e garantias fundamentais dos cidadãos, cláusulas pétreas das quais emanam as demais regras, de modo a formar-se um sistema organizado no qual as regras superiores norteiam as dela derivadas dando-lhes o fundamento de existência, tudo na forma de uma pirâmide hierárquica onde as normas inferiores devem ser compatíveis com as superiores em uma harmonia axiológica. O poder das emendas limita-se primordialmente ao respeito às garantias conquistadas pelos cidadãos, resultado de árduas lutas. Não se trata de obrigar uma geração a acatar os anseios das gerações anteriores ou de perpetuar o desenvolvimento da humanidade, e, sim, deve ser visto como uma manifestação da cidadania garantindo respeito aos direitos individuais e coletivos, resultado do reconhecimento das reais necessidades da sociedade e da vontade popular, externada por seus representantes e garantidora dos princípios da segurança jurídica e da certeza do direito. [31]

Ainda acerca das normas intangíveis, faz-se mister destacar o pensamento de ANDRÉ RAMOS TAVARES:

No ordenamento constitucional brasileiro certos princípios e regras receberam tratamento mais "privilegiado", denotando a extrema importância deste conjunto. É o caso dos "princípios sensíveis", que geram a medida excepcional da intervenção federal ou estadual. (...) De outra parte, existem as chamadas cláusulas constitucionais pétreas. Inserem-se na mesma noção de normas de alta relevância, porque, nesse caso, foram dotadas de uma garantia também especial: a imutabilidade. [32]

Com esteio nas afirmações anteriormente expostas, esta brochura entende que há embasamento para se estabeleça uma hierarquia entre os ditames constitucionais, de forma que se reconheça, inclusive, a competência do Supremo Tribunal Federal para exercer o controle de constitucionalidade das regras consideradas inferiores, em respeito às de maior importância. Nos capítulos que se seguem, será abordada a importância dos estudos de OTTO BACHOF para estas conclusões, além da posição do STF em relação à matéria.


4 A NORMA CONSTITUCIONAL INCONSTITUCIONAL NA VISÃO DE OTTO BACHOF

O professor OTTO BACHOF causou grande polêmica no mundo jurídico ao defender a possibilidade da existência de normas constitucionais inconstitucionais, durante uma aula inaugural, proferida na Universidade de Heidelberg, no início dos anos 50, aula esta que foi transformada em livro, sob o título: Normas Constitucionais Inconstitucionais? (Verfassungswidrige Verfassungsnormen?). Àquela época o pensamento do professor alemão foi muito contestado, mormente pelo fato de que seus escólios encontravam esparsos respaldos jurisprudenciais, especialmente em uma decisão do Verfassungsgerichshof da Baviera, ou Tribunal Constitucional da Baviera, na Alemanha.

Ao longo das décadas que se seguiram, as idéias de BACHOF serviram de base para diversos trabalhos acadêmicos, alguns defendendo o seu pensamento, muitos discordando frontalmente deles. Apesar de toda esta produção literária, a possibilidade de existência de normas constitucionais inconstitucionais continua sendo um tema atual, precipuamente pelo fato de que não há consenso na doutrina sobre tal questão.

Em sua explanação, o jurista alemão analisa a possibilidade da existência de normas constitucionais inconstitucionais em uma mesma unidade política, ou seja, normas conflitantes dentro de uma mesma Constituição. Enfoca, ainda, a questão da competência dos Tribunais Constitucionais, no julgamento das ações que tenham como fundamento a argüição de inconstitucionalidade acima esposada.

Com base em duas decisões, uma do Tribunal Constitucional de Württemberg-Baden e no supramencionado decisum do Tribunal da Baviera, BACHOF entende que estaria sendo iniciado um processo de alargamento do conceito de Constituição, pela inclusão de um direito suprapositivo. A decisão do Verfassungsgerichshof da Baviera, entretanto, é considerada mais vanguardista, haja visto que pôs de lado a definição puramente formal da Lei Maior, incluindo o direito suprapositivo como padrão de controle, sustentando, ainda, que não se pode afastar a hipótese de antinomia no âmbito constitucional, pois existem princípios constitucionais que representam a expressão de um direito anterior ao texto da Carta Política, fundamental, e que, se for infringido por uma outra norma, esta pode ser declarada nula. [33]

Há, pois, um embasamento da pré-concepção constitucional, verdadeira limitação ao Poder Constituinte Originário, mormente no que tange aos direitos fundamentais, que não podem ser deixados de lado, quando da aprovação da Lei Mãe. A referida limitação é reforçada pelos seguintes dizeres:

A nosso ver, há limitações à atividade do constituinte originário. Nesse ponto, há de se admitir que o Poder Constituinte Originário sofre os influxos dos grupos de pressão, sindicatos, associações, organizações não-governamentais, da opinião pública, em derradeira análise. De certa forma, os valores éticos e ideais, a exemplo da justiça e da igualdade, os princípios gerais do direito, enfim, também são limitadores de sua atuação. Isso sem falar na defesa mundial dos direitos humanos e na pujança os tratados internacionais, num mundo globalizado. (...) Sinteticamente, o Poder Constituinte Originário, em ser anterior à positividade constitucional é uma faculdade incondicionada, mas que, por estar vinculado a uma finalidade jurídica, tem limites. Isso sem falar no limite do espaço geográfico, circunspecto à manifestação do poder soberano. Em conclusão, ainda que seja dificultoso objetivar limitações ao Poder Constituinte Originário sob o aspecto formal, materialmente temos que aceitar a derrocada da tese positivista, em especial em sociedades democráticas e na vigência do constitucionalismo. Afinal, a sociedade democrática hodierna é, por essência, consensual. E há inevitável consenso na limitação material do Poder Constituinte Originário quando o enfoque é, por exemplo, a defesa e proteção dos direitos humanos. [34]

Na doutrina portuguesa, o professor JORGE MIRANDA também advoga a tese das limitações ao Poder Constituinte Originário:

Daqui não decorre, porém, que o poder constituinte equivalha a poder soberano absoluto e que signifique capacidade de emprestar à Constituição todo e qualquer conteúdo, sem atender a quaisquer princípios, valores e condições. Não é um poder soberano absoluto – tal como o povo não dispõe de um poder absoluto sobre a Constituição – e isso tanto à luz de uma visão jusnaturalista ou na perspectiva da localização histórica concreta em que se tem de pronunciar o órgão nele investido – aqui trata ele da legitimidade, conforme José Eduardo Faria. O poder constituinte está sujeito a limites. [35]

Na mesma esteira de pensar, o professor MARCO AURÉLIO ALVES ADÃO assim se posiciona:

Defende-se, outrossim, a necessidade de respeito a certos valores naturais absolutos, como a liberdade, a dignidade humana e a justiça, que estariam acima do constituinte. O constituinte não cria o texto do nada. Encontra ordem pré-positiva. Conjunto de princípios fundamentais aos quais se encontra amarrado. [36]

Por fim, corroborando com a tese acima explicitada, preleciona PAULO THADEU GOMES DA SILVA:

Assentada por nós a necessidade de fundamentar a legitimação da ordem jurídica num sistema ou complexo de valores, o qual será o marco axiológico de que derivará o motivo da obrigatoriedade daquela ordem – concepção transcendental do direito natural, e também que, conforme agora escrito, a regra tem por finalidade realizar valores, o exercício do pco terá de, ao fazer uma constituição, cumprir, com responsabilidade eleitoral, os valores ínsitos ao consenso, positivando os direitos humanos no respectivo texto: esta é a sua finalidade, que, por isso mesmo, é jurídica. [37]

Destarte, infere-se que há a possibilidade de antinomia entre as normas constitucionais originárias, seja em decorrência das limitações materiais ao Poder Constituinte Originário, ou devido ao conflito entre preceitos que possuam hierarquia diferida, no corpo de uma mesma Carta Magna. Ambas as situações são albergadas pelo presente estudo.

Sintetizando a questão, tem-se, portanto, que ao admitir-se a possibilidade de existência de normas constitucionais inconstitucionais oriundas do Poder Constituinte Originário, são três as hipóteses plausíveis, a saber: a) choque entre normas constitucionais de hierarquia diferente, ou seja, uma norma materialmente constitucional, portanto superior, em conflito com uma norma apenas formalmente constitucional, podendo ser classificada como inferior; b) antinomia entre uma norma constitucional que tenha positivado direito supralegal e uma norma inferior, como no caso de uma norma constitucional que infrinja os direitos e garantias individuais ínsitos em outra norma, mais "forte"; e c) contrapor-se, uma norma constitucional, a um princípio de direito supralegal não inserido no corpo da Constituição, por exemplo, o conflito entre uma norma constitucional e os valores fundamentais da justiça, ou o direito natural, enfim, com o direito material constitucional não-escrito. [38]

Em primeiro lugar, portanto, tem-se que as normas oriundas do Poder Constituinte Originário podem ser declaradas inconstitucionais se houver conflito entre preceitos de hierarquia diferente. Uma norma formalmente constitucional, que vá de encontro ao estabelecido por uma norma de cunho materialmente constitucional, por conseguinte, deverá ser declarada sem efeito pelo Tribunal responsável pelo controle de constitucionalidade.

Tomando-se como fundamento a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, à guisa de exemplificação, imagine-se a inserção, quando da aprovação do texto supralegal pelo Poder Constituinte Originário, de uma norma que abolisse o voto secreto, quando da realização de eleições para as Câmaras Municipais. Neste caso, estar-se-ia diante de uma antinomia entre tal comando normativo e a cláusula pétrea que garante a imutabilidade do art. 60, §4º, II, pelo que deveria ser expurgada da Carta Magna a hipotética norma.

Em segundo lugar, advoga-se a tese de que pode ser declarada a inconstitucionalidade de uma regra constitucional inserida originariamente na Carta Magna, caso esta entre em choque com outro preceito, que contenha em sua essência garantias individuais, como as relativas aos direitos humanos, por exemplo.

Seria o caso, explicitando a hipótese acima, de um comando normativo que permitisse a prática da tortura dentro das delegacias de polícia, quando da realização do interrogatório de acusados pelo crime de estupro. Far-se-ia necessário que tal norma fosse declarada sem efeito, em decorrência de sua antinomia para com o art. 5º, III, da Carta Política brasileira.

Por fim, também poderia ser declarada inconstitucional uma norma constitucional originária que afrontasse um preceito supralegal, não inserido no corpo da Constituição. Pode-se citar, como exemplo de tal preceito supralegal, o direito à vida, pois se trata de um princípio que, indubitavelmente, é aceito pela imensa maioria da sociedade contemporânea, em todo o mundo.

Como exemplo poder-se-ia conceber a hipótese de aprovação, em sede de Poder Constituinte Originário, de uma regra determinando que todas as crianças nascidas com graves distúrbios mentais seriam sacrificadas, em nome da pureza da raça humana. Tal exemplificação pode parecer absurda, mas possuem plausibilidade se cotejados com os ideais nazistas, que defendiam a não miscigenação da raça ariana.

São estas, em suma, as hipóteses nas quais se defende a necessidade de controle da constitucionalidade das normas constitucionais emanadas do Poder Constituinte Originário, conforme preleciona o professor OTTO BACHOF e os que pugnam pelas suas idéias.

Se há antinomias no texto constitucional originário, e ressalte-se que não se deve afastar de plano esta possibilidade, tais conflitos devem ser expurgados do ordenamento constitucional. E a competência para exercer tal mister é, extreme de dúvidas, do Poder Judiciário, responsável pelo controle de constitucionalidade das emanações legislativas, mormente no caso do Brasil.

Na presente investigação, entretanto, ousa-se ir mais além do que a tese de BACHOF, por entender-se que pode, de fato, existir uma hierarquia interna, no âmbito de uma Constituição. Assim, defende-se também a possibilidade de controle, pelo Poder Judiciário, mormente, no caso pátrio, pelo STF, da constitucionalidade das normas que habitam a Carta Política, tema que será analisado no próximo capítulo.


5 A NORMA CONSTITUCIONAL INCONSTITUCIONAL E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF

A última questão relevante em sede de normas constitucionais inconstitucionais oriundas do Poder Constituinte Originário é a que versa sobre a competência para exercer a função de julgar tais antinomias. No presente estudo, entende-se que o Supremo Tribunal Federal possui essa prerrogativa, tendo em vista o seu papel precípuo de guardião da Constituição, em nosso ordenamento jurídico.

Contudo, este não é o pensamento majoritário. Frise-se que o próprio STF já se posicionou em relação à temática aqui debatida, mormente no julgamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade - ADIN nº 815-3, proposta pelo estado do Rio Grande do Sul, cujo teor da ementa transcreve-se:

Ação Direta de inconstitucionalidade

Esta Corte, ao apresentar a ADIN 815, dela não conheceu por entender que não tem jurisdição constitucional para julgar a alegação de inconstitucionalidade de expressões dos parágrafos 1º e 2º do artigo 45 da Carta Magna Federal em face de outros preceitos dela (que são também os alegados como ofendidos na presente ação), sendo todos resultante do Poder Constituinte Originário.

Persistindo, portanto, a eficácia desses parágrafos 1º e 2º da Constituição Federal, e se limitado os dispositivos ora impugnados (artigo 2º, caput e parágrafo único, e artigo 3º da Lei Complementar nº 78, de 30 de dezembro de 1993) a reproduzir exatamente os seus critérios numéricos, são estes constitucionais. [39]

Apesar de pugnar pela inexistência de normas constitucionais originariamente inconstitucionais, o relator da aludida ação, Ministro MOREIRA ALVES, admite, em seu voto, a hipótese de declaração de inconstitucionalidade de Emenda Constitucional, portanto das normas aprovadas pelo Poder Constituinte Derivado. Neste último aspecto, relativo ao controle das emendas, concorda-se com o entendimento do Ministro MOREIRA ALVES.

As razões são claras, já que o presente ensaio monográfico aceita a possibilidade de existência de antinomia no âmbito do Poder Constituinte Originário, mais fortemente ainda, o faz em relação ao Constituinte Derivado. Conforme já se acentuou no capítulo, além das limitações materiais, no nosso ordenamento impostas pelas cláusulas pétreas, há ainda as limitações circunstancias e temporais, também já referidas anteriormente. Em havendo, portanto, aprovação de uma norma, pelo Poder Reformador, que se contraponha às normas pré-existentes na Constituição Federal, claro está que o STF deverá exercer o seu mister de guardião da ordem constitucional, declarando-a inconstitucional.

A possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de emenda já é amplamente aceita pela doutrina. Neste sentido, permite-se trazer à baila os ensinamentos de LENIO LUIZ STRECK:

A toda evidência, todo processo de reforma constitucional está sujeito a reexame através do controle de constitucionalidade. Com efeito, se os dispositivos constitucionais, produtos do processo constituinte originário, estão imunes a esse controle, não havendo, por isso, normas constitucionais inconstitucionais, os demais dispositivos incluídos no texto da Constituição, a partir de um processo de reforma (process oconstituint derivado), podem padecer do vício de inconstitucionalidade. Aliás, não há novidade nesse aspecto, tendo o Supremo Tribunal Federal até mesmo declarado inconstitucional uma emenda constitucional por violação a princípios implícitos da Lei Maior. [40]

Corroborando com o dito, as palavras de MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO:

Do exposto resulta que o Poder Constituinte instituído somente pode atuar estritamente de acordo com a Constituição que o estabelece. Sua obra, portanto, está sujeita, para ser válida, à condição de constitucionalidade. Assim, a violação de norma constitucional relativa a esse Poder importa na inconstitucionalidade do ato que editar. Em conseqüência, tal ato será nulo e írrito como o deve declarar o órgão para tanto competente. [41]

No mesmo sentido, ou seja, acatando a plausibilidade do controle de constitucionalidade das emanações advindas do Poder Reformador, o Ministro CELSO DE MELLO, do STF, relator da ADIN nº 466, assim se posicionou, em seu voto:

Emendas à Constituição - que não são normas constitucionais originárias - podem, assim, incidir, elas próprias, no vício da inconstitucionalidade, configurado pela inobservância de limitações jurídicas superiormente estabelecidas no texto constitucional por deliberação do órgão exercente das funções constituintes primárias ou originárias. [42]

Ainda neste aspecto, merece transcrição, da mesma forma, trecho de decisão do STF, quando do julgamento da ADIN 1.946-DF, citada pelos professores SYLVIO MOTA e WILLIAM DOUGLAS:

Continuando o julgamento da ação direta acima mencionada, o Tribunal, por unanimidade, rejeitando preliminar suscitada pelo Presidente do Senado Federal, conheceu da ação na parte em que se discute o art. 14 da Emenda Constitucional nº 20/98, acima transcrito, em face da jurisprudência do STF no sentido de que é juridicamente possível o controle abstrato de constitucionalidade que tenha por objeto emenda Constituição Federal quando se alega a violação das cláusulas pétreas inscritas no art. 60, §4º, da CF ("Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais."). ADInMC 1.946-DF, rel. Min. Sydney Sanches, 7.4.99. [43]

A questão do controle das emendas constitucionais já foi, porquanto, pacificada no ordenamento jurídico nacional. Conforme explicitado, o STF procedeu a tal controle, sem que houvesse dissenso acerca do tema.

Destarte, o presente estudo ousa discordar do supracitado voto do Ministro MOREIRA ALVES, julgador que denegou de forma contundente a possibilidade do controle de normas constitucionais originárias. Concorda-se, entretanto, com o controle das emendas constitucionais, pelas razões já explicitadas, tendo em vista que há diversas limitações ao Poder Reformador. Todavia, quando o magistrado, hoje em dia já aposentado, afirma que não há limitações ao Poder Constituinte Originário, incorre, permissa venia, em equívoco. A presente monografia defende a existência de um direito suprapositivo, que estaria a condicionar a ação dos legisladores originários. Não há como se admitir, pois, que o Poder Originário é ilimitado na sua atuação.

Na sociedade contemporânea mundial há, com raras exceções, um consenso acerca de determinados direitos e garantias individuais, como, por exemplo, os direitos humanos. Este consenso, que teve sua inspiração inicial nos ideais da Revolução Francesa, em 1789, não permite, ou, em outras palavras, não confere legitimidade a um Poder Constituinte Originário que afaste estas prerrogativas do corpo normativo do texto supralegal. A Constituição é, repise-se, a expressão da vontade popular, que a legitima e garante o seu cumprimento.

Assim, pugna-se pela existência de limitações ao Poder Constituinte Originário, o que acarreta, via de conseqüência, a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de normas do Texto Maior, nos casos em que este extrapole tais termos, na consecução de seu mister.

Confirmando o acima exposto, o constitucionalista mato-grossense PAULO THADEU GOMES DA SILVA pugna pela possibilidade de declaração de normas constitucionais inconstitucionais, como decorrência das limitações impostas ao Poder Constituinte Originário:

Na esfera jurídica, uma vez por nós admitida e demonstrada a realizabilidade da idéia de limitação material ao exercício do poder constituinte originário, teremos que, como corolário compulsório, admitir a existência de norma constitucional inconstitucional. E nessa esfera de entendimento pugnamos pela possibilidade do reconhecimento judicial da inconstitucionalidade, desde que, ressaltamos, as normas sejam positivadas no texto pelo poder constituinte originário e que este se submeta às etapas de um procedimento constituinte radicalmente democrático, nos moldes do aqui desenhado. [44]

O professor MICHEL TEMER, assim analisa a matéria:

A doutrina caracteriza o poder constituinte originário como inicial, autônomo e incondicionado. Não há dúvida, também, de que o constituinte está limitado pelas forças materiais que o levaram a manifestação inauguradora do Estado. Fatores ideológicos, econômicos, o pensamento dominante da comunidade, enfim, é que acabam por determinar a atuação do constituinte. [45]

Confirmando as teses acima pugnadas, TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR preleciona:

A noção de poder originário só é válida num sentido formal. Nenhum poder é, de fato, completamente inicial, autônomo e incondicionado. E a sua legitimidade, embora sempre invocada, até mesmo quando ditatorial o poder, não dispensa uma discussão de seus fundamentos. Não é completamente inicial porque o poder é sempre um conjunto de relações entre diversas forças sociais e só formalmente se pode determinar uma delas como o poder de onde derivam os demais poderes. Não é completamente autônomo porque, não só pela aceitação de limitações de ordem social, histórica, cultural, econômica, ideológica etc., ele já vem restringido. Não é completamente incondicionado porque não só freqüentemente já recebe prefixadas certas diretrizes básicas, como sobretudo porque tem de atuar e deliberar conforme certas regras que antecedem sua manifestação. [46]

Na mesma linha de tirocínio, o professor VENILTO PAULO NUNES JUNIOR afirma:

Vê-se, pois, que embora não existam limites jurídicos ao poder constituinte originário, existem limites sociológicos ou materiais, pressões sociais de todas as espécies, interesses que devem ser conformados por aqueles que, de fato, venham a dar corpo à nova Constituição. [47]

Destarte, não há como negar a existência de limites impostos ao Poder Constituinte Originário, consoante os escritos acima esposados. Em sendo assim, diante de tais limitações faz-se necessário que algum órgão jurisdicional tenha competência para efetivar o controle e a adequação do texto constitucional aos parâmetros estabelecidos pela hierarquia das normas constitucionais e, também pelo direito suprapositivo.

Tal direito suprapositivo, ressalte-se, não deve ser confundido com o Direito Natural, tendo em vista que aquele nada mais é do que a emanação da vontade coletiva, da sociedade como um todo, no sentido de que certas garantias, como por exemplo os direitos humanos, não podem ser afastados pelo Poder Constituinte Originário, sob pena de carecer de legitimidade a Carta aprovada por este.

Em suma, a competência para julgar tais conflitos, em sede de Poder Constituinte Originário, no entender do presente estudo, deve ser do Supremo Tribunal Federal, guardião efetivo da Constituição. Apesar de a maioria dos autores pugnarem pela impossibilidade do referido controle, baseados na premissa de que o Tribunal é um Poder instituído, não podendo, portanto, rever os atos do Poder Constituinte Originário.

Neste sentido, transcreve-se o pensamento de PAULO BONAVIDES:

O Tribunal Constitucional, poder constituído, não há de inverter a sua função, como ocorrerá caso reconheça a si mesmo competência para desfazer ou invalidar preceitos da própria Constituição. Nessa hipótese, não se arvora ele tão-somente em "quarto Poder", mas em Poder dos Poderes, acima do Executivo e do Legislativo, sobranceiro à própria Constituição, deslembrado de que desta lhe provém toda a autoridade exercida no desempenho da função jurisdicional. A Magistratura Suprema não pode, pois, ser fiscal de regras da Constituição com a faculdade de anulá-las a seu livre alvedrio, sem repudiar e subverter a mesma de legitimidade. Transformada em primeira instância constitucional do País, ela acorrentaria aos seus pés aquilo que outrora fora a soberania do povo e da Nação. [48]

Deve-se registrar, por oportuno, que a maioria dos doutrinadores segue a linha de raciocínio do jurista cearense. Este estudo, contudo, aceita a hipótese de controle do Poder Constituinte Originário pelo Poder Judiciário. No caso pátrio, portanto, tal função deve ser desempenhada pelo STF.

Confirmando as idéias acima explanadas, testifica OTTO BACHOF:

Esta vinculação jurídica do poder de decisão do legislador constituinte actua num duplo sentido: por um lado, toda e qualquer Constituição encontra uma barreira à sua eficácia em determinados princípios jurídicos intangíveis, que tanto justificam como limitam o acto constituinte ("legitimidade da actuação constituinte"); por outro lado, o acto de nascimento da Constituição, sempre que se não esteja perante uma decisão constituinte puramente revolucionária, tem de observar as regras processuais estabelecidas em leis "pré-constitucionais" para o acto de legislação constitucional ("legalidade da actuação constituinte"). Levantando-se objecções à legalidade do acto de legislação constitucional, surge a questão da "constitucionalidade da Constituição" ou, no caso de as faltas apontadas se limitarem a um artigo isolado da Constituição, a questão da "constitucionalidade de um preceito constitucional". A competência de controlo de um tribunal constitucional relativa à "constitucionalidade das leis" abrange também a faculdade de controlo, nela incluída, relativa à "constitucionalidade da Constituição". [49]

Desse modo, ao acatar a possibilidade de controle de constitucionalidade das normas originárias, é de se reforçar que o entendimento deste estudo é de que tal ofício deve ser empreendido pelo STF.

Logo, caso seja argüida a existência de antinomias internas, no âmbito da Constituição, estas devem ser solucionadas pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente da natureza de tal conflito, seja este advindo do Poder Originário, seja oriundo do Poder Reformador.


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente monografia procurou abordar de forma analítica a questão da possibilidade de existência de normas constitucionais inconstitucionais oriundas do Poder Constituinte Originário, mormente adequando tal hipótese ao ordenamento jurídico tupiniquim. Foram imprescindíveis para a compreensão do tema escolhido, servindo inclusive como fundamento para estes escritos, as idéias do jurista alemão OTTO BACHOF.

Apesar do dissenso doutrinário acerca do tema ora enfocado, há diversas emanações no sentido de acatar as teses aqui pugnadas, de modo que seja alargado o conceito de Constituição. Para isso, faz-se necessário deixar de lado o conceito estritamente formal da Carta Magna, incluindo em seu contexto preceitos supralegais, atinentes aos direitos e garantias pré-estabelecidos, em momento anterior à ordem constitucional.

Além disso, defende-se a hierarquização dos mandamentos constitucionais, tomando-se por base a noção de Constituição formal e material, precipuamente no que tange às cláusulas pétreas, ou superconstitucionais, previstas em nossa Carta Política no art. 60, §4º, I a IV.

Pugna, portanto, o presente estudo, por três hipóteses de antinomia entre as regras constitucionais inseridas na Lei Fundamental pelo Poder Originário, conforme já explicitado. Em suma, se uma norma originariamente constitucional entrar em choque com outra do mesmo escalonamento e da mesma natureza, deverá ser declarado, pelo órgão encarregado do controle, o seu afastamento do ordenamento jurídico-constitucional. Tal fato pode ocorrer em decorrência de um conflito hierárquico; pelo desrespeito a preceitos supralegais não inseridos no texto constitucional; ou ainda caso a referida norma confronte direitos fundamentais estabelecidos por uma regra "mais forte".

Em relação à competência para exercer o controle de constitucionalidade das normas aprovadas pelo Poder Constituinte Originário, conclui-se que esta cabe ao Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião da Constituição.

Destarte, à guisa de conclusão, é de bom alvitre que se ressalte que as idéias aqui propagadas não se alinham com a doutrina majoritariamente aceita, que defende a inexistência de limitações ao Poder Constituinte Originário, tendo como conseqüência a impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade de normas dele advindas.


NOTAS

01. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 247.

02. NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 63.

03. DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 13.

04. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 3 ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 241.

05. Idem. op. cit. p. 242.

06. AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2002. p. 386

07. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3 ed. rev. ampl. e atualizada. São Paulo: Malheiros, 1998. p.42.

08. FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves. Estado de direito e constituição. 3 ed. rev. e ampliada. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 84.

09. POLETTI. Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. 2 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. XIV.

10. GONÇALVES, Rogério Magnus Varela. Automação: aspectos controversos. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003. p. 70.

11. DINIZ, Maria Helena. op. cit. p. 127

12. Idem. Op. Cit.. p. 126.

13. ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: Introdução e teoria geral – uma perspectiva luso-brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 269.

14. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 211.

15. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 299.

16. Idem. op. cit. p. 455.

17. Idem. op. cit. p. 305.

18. LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil: vol. I. 6 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1988. p. 155.

19. op. cit. p. 301.

20. Entre os que concordam com o princípio da unidade hierárquico-normativa pode-se citar Paulo Bonavides, Uadi Lammêgo Bulos, André Ramos Tavares e Manoel Messias Peixinho.

21. Pugnam pela possibilidade de hierarquização dos preceitos constitucionais, dentre outros, Ivo Dantas, Fernando Garrido Falla, Eduardo Garcia de Enterria, Nélson Sampaio e José Souto Maior Borges.

22. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição.5 ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 196.

23. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, Saraiva: 2002. p. 75.

24. PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretação da Constituição e os princípios fundamentais: elementos para uma hermenêutica constitucional renovada. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1999. p. 79.

25. BORGES, JOSÉ Souto Maior. IN: DANTAS, Ivo. Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1995. p. 86.

26. DANTAS, Ivo. Princípios Constitucionais e Interpretação Constitucional. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 1995. p. 86.

27. DINIZ, Maria Helena. op. cit.. p. 11.

28. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 64.

29. CANOTILHO, J. J. Gomes. op. cit. p. 355-356

30. VELOSO, Zeno. op. cit. p. 146-147

31. CARDOSO, Lais Vieira. Emendas constitucionais inconstitucionais. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 38, jan. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=116>. Acesso em: 24 ago. 2003.

32. TAVARES, André Ramos. op. cit. p. 89-90

33. BACHOF. OTTO. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Coimbra: Almedina, 1994. p. 23.

34. BONIFÁCIO, Artur Cortez. Limitações materiais ao Poder Constituinte Originário. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, v. 42.p.114-142. 2003.

35. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo II, Introdução à teoria da Constituição. 2 ed. Coimbra: Coimbra Editora Ltda., 1988. p. 86.

36. ADÃO, Marco Aurélio Alves. Limitações implícitas ao poder reformador da Constituição. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 37, dez. 1999. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/ doutrina/texto.asp?id=139>. Acesso em: 24 ago. 2003.

37. SILVA, Paulo Thadeu Gomes da. Poder Constituinte originário e sua limitação material pelos direitos humanos, Campo Grande: Solivros, 1999. p. 39.

38. VELOSO, Zeno. op. cit. p. 227.

39. Ação Declaratória de Inconstitucionalidade - ADIN nº 815-3 – Distrito Federal, julgada em 28 de março de 1996, RT 732/147.

40. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 550.

41. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. op. Cit. p. 113.

42. Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIN nº 466-2 – Distrito Federal, DJ 10.05.1991

43. MOTTA FILHO, Sylvio Clemente da & SANTOS, William Douglas Resinete dos. Controle de constitucionalidade: teoria e questões. 2 ed. atual. até a Emenda Constitucional nº 26/00. Rio de Janeiro: Impetus, 2000. p. 151.

44. SILVA, Paulo Thadeu Gomes da. op. cit. p. 119.

45. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 33.

46. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Constituinte – Assembléia, processo, poder. 2 ed. São Paulo: RT, 1986. p. 23.

47. NUNES JUNIOR, Venilto Paulo. O conceito de soberania no século XXI. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, v. 42. p.145-166. 2003.

48. BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta: O art. 45 da Constituição Federal e a Inconstitucionalidade de normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2 ed. 1996.

49. BACHOF, Otto. op. Cit. p. 31.


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AZEVÊDO, Pedro Pontes de. Normas constitucionais inconstitucionais oriundas do poder constituinte originário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 200, 22 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4724. Acesso em: 29 mar. 2024.