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As restrições financeiras de último ano de mandato

As restrições financeiras de último ano de mandato

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O gasto público tende a aumentar, e muito, em época de voto popular. Afinal, querem os governantes a manutenção do poder, seja pela reeleição ou substituídos por aliados políticos.

1-    Apresentação

O gasto público tende a aumentar, e muito, em época de voto popular. Afinal, querem os governantes a manutenção do poder, seja pela reeleição ou substituídos por aliados políticos.

É bem objetiva e clara a legislação que freia a despesa naquele período; isso, apesar de a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei Eleitoral apresentarem, em essência, intuitos bem diferentes; com efeito, a primeira visa favorável resultado entre receitas e despesas e, por isso, redução da dívida pública; já a segunda, a Lei 9.504, de 1997, almeja, no art. 73, igualar as chances entre os candidatos, evitando que bens, valores e instalações públicas beneficiem os protegidos pela gestão ora no poder. 

Bem por isso, a rejeição de contas aumenta em derradeiro ano de mandato. A modo de exemplificar, enquanto é de 23% a média anual de pareceres desfavoráveis do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, de outra parte, em exercício de eleição a recusa da conta do Prefeito supera a casa dos 50%, sobretudo pelo não atendimento do artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal e dos limites opostos à despesa com publicidade oficial.

Em boa parte das vezes, a Justiça Eleitoral confirma aquele juízo negativo e a decisão final do Poder Legislativo, o que remete o agente político à dura punição: a impossibilidade de, por 8 anos, pleitear cargo público.

Em sendo assim, na gestão orçamentária de 2016, Prefeitos e Presidentes de Câmaras precisam atentar, com redobrada atenção, para as despesas restritas pelas leis eleitoral e de responsabilidade fiscal.

É o que se verá neste artigo.


2 – A impossibilidade das transferências voluntárias 

Em meados de julho, três meses antes da eleição, estão bloqueadas as transferências voluntárias entre os níveis de governo (art. 73, VI, “a”, da Lei 9.504, de 1997). Termina essa proibição no dia da eleição final (1º ou 2º turno).

O descumprimento suspende, de imediato, o repasse intergovernamental, sem prejuízo de multa aos responsáveis.
Sabido e consabido que, em tempos de eleição municipal, os governos federal e estadual querem ampliar suas bases políticas, auxiliando a candidatura de aliados; para tanto, nada melhor que transferir-lhes recursos financeiros. Vai daí a motivação da regra em destaque.

Transferência voluntária é fruto da vontade política do governo concedente; não há aqui qualquer imposição constitucional ou legal como acontece, por exemplo, na partilha de impostos (FPM, ICMS, IPVA) ou nos repasses do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Salário-Educação. É o que se pode ver no art. 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

A propósito, os recursos de entrega compulsória, obrigatória, involuntária, não podem, sob qualquer hipótese, sofrer retenção no governo repassador (art. 146, parágrafo único, III, da Constituição).

Contrária às transferências voluntárias, a sobredita norma eleitoral excetua os convênios já em andamento, desde que contem com cronograma prefixado; ressalva, de igual modo, os repasses da União e do Estado para situações emergenciais (ex.: surto de dengue no Município).

De ressaltar, a Lei Eleitoral não impede transferências para entidades privadas sem fins lucrativos. Por isso, a União ou o Estado podem, nos três meses da vedação, subvencionar organizações não governamentais localizadas no território municipal; isso, conforme os requisitos da Lei 13.019, de 2014, já em vigor para os níveis federal e estadual de poder.

É assim o que entende o Tribunal Superior Eleitoral (TSE):

“ELEITORAL. AGRAVO REGIMENTAL.  

1. A transferência de recursos do governo estadual a comunidades carentes de diversos municípios não caracteriza violação ao art. 73, VI, a, da Lei nº 9.504/97, porquanto os destinatários são associações, pessoas jurídicas de direito privado.

2. A regra restritiva do art. 73, VI, a, da Lei no 9.504/97não pode sofrer alargamento por meio de interpretação extensiva de seu texto (Ac.no 16.040, rel. Min. Costa Porto).

3. Agravo regimental não provido.

4- Reclamação julgada improcedente” (TSE, AgRg em Reclamação nº 266/CE. Rel. Min. CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO).

Além do mais, no período de impedimento, o Município pode, sim, firmar convênios com outros entes estatais, só que, óbvio, o dinheiro não será recebido nos tais 90 dias. 

De fato, por meio da Consulta n. 1.062/2004, o Tribunal Superior Eleitoral (TST), entendeu que “a proteção da soberania popular não pode se transformar em empecilho ou elemento de desarticulação ou de frustração dos atos da Administração, mesmo durante o chamado período eleitoral”. No mesmo texto, aquela Corte também aceitou que a limitação do art. 73 “não compreende a celebração de novos convênios, mas apenas a transferência efetiva dos recursos”. 


3- A limitação dos reajustes salariais

Entre o mês de abril e a posse dos eleitos, a Lei 9.504, de 1997, proíbe revisões remuneratórias que superem a perda havida ao longo do ano eleitoral (art. 73, VIII).
VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.

Do contrário, fica o responsável sujeito à multa; além de o candidato beneficiado ter cassado seu registro ou diploma.

Para a Constituição, todavia, as alterações remuneratórias têm alcance anual; verificam-se na mesma data e sem diferenciação de índices, o que abrange, de forma igual, servidores e agentes políticos. É o art. 37, X:

X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Tendo em vista que a Carta Política se refere a índice e a anualidade, conclui-se que a revisão geral anual é para repor a inflação havida nos doze meses anteriores, ou seja, recompor o estipêndio corroído pela elevação do custo de vida. Vai daí que essa recuperação nada tem a ver com aumento real: o que se dá acima da inflação.

Surge então a polêmica, visto que a Lei 9.504, de 1997, determina que, a contar de abril, os reajustes salariais somente agregam a inflação do próprio ano eleitoral e, não, a dos doze últimos meses. 

Nesse caso, uma revisão salarial em maio só reporia a inflação de janeiro a abril de ano eleitoral, ficando descoberta a perda havida entre maio a dezembro do ano anterior.

À vista dessa controvérsia, vale ponderar que, após a lei eleitoral, de 1997, só depois dela veio a Emenda nº 19, de 1998, a da Reforma Administrativa, introduzindo, no direito pátrio, o conceito de revisão geral anual.

Em assim sendo, a revisão limitada da lei de 1997 não estaria recepcionada pela anualidade prescrita, em 1998, na Carta Política.

De mais a mais, a Constituição é mais do que qualquer outro instrumento legal.

Em que pese essa leitura razoável, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que “observem o disposto no art. 73, inciso VIII da Lei 9.504/97. É licita a revisão da remuneração, no ano das eleições, quando destinada a afastar os efeitos da inflação do período – ano – em curso” (processo administrativo nº 19.590 – Classe 19ª – Distrito Federal).

Assim, reajuste posterior a abril só recompõe a inflação registrada entre 1º de janeiro de 2016 e o mês anterior àquele procedimento; a ver da Justiça Eleitoral, não há aqui a anualidade do art. 37, X da Constituição.

De outro lado, vale ressaltar, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo possui leitura mais sintonizada com a Constituição, nisso garantido, mesmo em ano eleitoral, o instituto da revisão geral anual. É o que se vê no julgamento do balanço da Câmara Municipal de Limeira; exercício de 2012 (TC 2200/026/12):
“No caso, penso cabível a interpretação sistemática do ordenamento, em conformidade com o Texto Constitucional, uma vez que é garantida a revisão geral anual da remuneração dos servidores e agentes políticos, exatamente para garantir o poder de compra da moeda (...)

Logo, se a revisão geral é anual, não pode se limitar à inflação de apenas parcela do período; porque, o que a norma veda, na verdade, é exatamente a utilização de mecanismo que angarie vantagem eleitoral em relação aos demais participantes do pleito, pela concessão de benefício superior àquele de direito. 

E, no caso, a revisão remuneratória foi de 5,84%, em percentual que se compatibiliza com a inflação do período anterior, mediante legislação específica, atendendo de modo geral e igual, a servidores e agentes políticos da Câmara Municipal, razão pela qual o apontamento não merece prosperar


4- Restrições contra o aumento da despesa laboral

Três meses antes da eleição, a Lei Eleitoral proíbe admissão de servidores; tal vedação segue até a posse dos eleitos (art. 73, V).

No entanto, tal regra carrega várias exceções, quer isso dizer, mesmo no período de vedação pode ocorrer, em nível municipal:

    Nomeação de cargos em comissão e designação de funções de confiança;

    Nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;

    Nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;

Do contrário, fica o responsável sujeito à multa; além do mais, o candidato beneficiado poderá ter cassado seu registro ou diploma.

Aquelas ressalvas, contudo, apenas serão exercitadas caso o Município também atenda ao prescrito no art. 21, parágrafo único, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), para o qual, nos derradeiros 180 dias do mandato - 5 de julho a 31 de dezembro - os Chefes de Poder não podem autorizar aumento do percentual de gasto com recursos humanos.

Aqui, o desatendimento põe o ordenador à mercê da pena indicada no art. 359-G do Código Penal: reclusão de 1 a 4 anos.

Quanto à apuração do parágrafo único, do art. 21, salta aos olhos que, sob a Lei de Responsabilidade Fiscal, a despesa de pessoal é um conjunto de doze meses dividido por igual período de receita corrente líquida.

Em suma, dispêndio laboral, no atual direito financeiro, é sempre um número proporcional, relativo, percentual. Não há de falar, portanto, em números absolutos, nominais para tal gasto.

Então, nos 180 dias da restrição fiscal, há de se comparar a atual taxa da despesa de pessoal com o percentual do mês-base: o de junho.

Assim e sob as antes vistas ressalvas da Lei Eleitoral, pode a Administração, nos 180 dias da regra, contratar servidores, desde que, no mês anterior, a taxa da despesa laboral seja menor que a de junho e conquanto o novo gasto depois não acarrete aumento do percentual em questão.

Resumindo, caso ocorra, entre julho e dezembro de 2016, considerável redução percentual da despesa laboral, pode o Município admitir servidores para cargos em comissão; nomear aprovados em concursos antes homologados; contratar pessoal para evitar paralisação de serviços absolutamente essenciais.


5- Impedimento de novos programas de distribuição gratuita de bens, valores e benefícios.

Em países em desenvolvimento como o Brasil, muitas são as denúncias de compra de votos, mediante a doação de bens de primeiríssima necessidade aos eleitores de baixa renda.

Tal contexto desqualifica instituto básico da democracia: o voto, tornando-o moeda de troca em favor de postulantes que, de antemão, já estão a revelar péssimas intenções.

Para inibir essa inconveniente prática, a Lei Eleitoral proíbe, em ano de voto popular, a implantação de novos serviços que propiciem distribuição gratuita à população: de bens, valores ou benefícios. Eis o § 10 do art. 73 da Lei nº. 9.504, de 1997.

A nosso ver, a figura do “benefício” alcança renúncias fiscais, como, por exemplo, desconto no pagamento da dívida ativa.

Note-se que a lei trata da criação de novas ações sociais, afastando, expressamente, atividades que já antes existiam na vida operacional da Administração, sendo que estas, em ano eleitoral, não poderão ser realizadas por organizações com a qual tenham vínculo os candidatos ao próximo mandato (art. 73, § 11).


6- Os limites opostos à despesa com propaganda oficial

Ante a enorme influência da publicidade escrita, falada e televisiva, a Lei Eleitoral restringe as correlatas despesas, coibindo o favorecimento dos candidatos situacionistas. 

Entre 2 de julho de 2016 e o dia da eleição final (1º ou 2º turno), estão proibidos os gastos de divulgação das realizações governamentais.

No controle, os Tribunais de Contas operam com a despesa empenhada e, não, a liquidada ou a paga, visto que a inicial autorização do gasto, por si só, já enseja burla ao preceito.

De observar as duas exceções àquela regra:

    Situação de urgente necessidade pública, reconhecida pela Justiça Eleitoral (ex.: campanha para enfrentar surto de dengue no município).

    Propaganda de bens e serviços sujeitos à concorrência de mercado (ex.: venda da gasolina distribuída pela Petrobras).

Ainda, quanto à despesa com propaganda oficial, há uma outra limitação da Lei Eleitoral, instrumento que - bom ilustrar - até bem recentemente, determinava que, no primeiro semestre do visado ano, não podia a Administração despender, àquele título, mais do que fizera nos três últimos exercícios cheios (12 meses) ou, se menor, a cifra despendida no ano imediatamente anterior, também cheio. 1 
Contudo, em 29 de setembro de 2015, a Lei 13.165 trouxe melhor redação para esse freio financeiro:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas (...):

VII - realizar, no primeiro semestre do ano de eleição, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem o pleito.

Muita oportuna essa revisão legal; agora a apuração considera o mesmo período de tempo: o primeiro semestre. Antes se comparava a despesa dos iniciais seis meses eleitorais com o gasto de doze meses dos anos não eleitorais (exercício cheio). Resta claro que o antigo confronto não era nem um pouco simétrico, equilibrado, razoável, beneficiando governos que muito despendiam com publicidade em época de voto popular.

De fato, na sistemática antiga, era verificado, em igualdade de condições, o gasto de seis meses do ano eleitoral à vista dos doze meses de igual despesa nos exercícios não eleitorais; um evidente contrassenso. Em outras palavras, havia um superdimensionamento da base de comparação.

Além disso, o novo contexto legal se baseia, somente, na média dos três últimos anos; não mais numa menor despesa do exercício imediatamente pretérito.

De todo modo, sob a precedente ou a atual redação, inexiste barreiras contra abusos perpetrados no pós-eleição, ou seja, não se impede que, perdedor da eleição, um dirigente gaste demais com publicidade em novembro e dezembro de seu último ano de mandato.

É bem assim pois as antes vistas restrições terminam no dia do pleito eleitoral: o da decisão final (primeiro ou segundo turno).
    Aqui, de sintetizar que, sob a norma vigente, a da comparação semestral, não pode superar a unidade, o 1 (hum), o resultado da seguinte divisão:

Gasto com propaganda oficial no primeiro semestre de 2016
Média de gasto com propaganda no primeiro semestre dos anos de 2013/2014/2015

De fato, se maior que 1 (hum) o quociente, evidente que a despesa com propaganda, em ano eleitoral, superou o gasto trienal anterior, quer dizer, a barreira financeira da Lei 9.504, fato que tem levado o TCE-SP a indicar rejeição da conta do Prefeito.

Nada diz a Lei Eleitoral sobre correção monetária da despesa publicitária do triênio anterior, o que, no caso, prejudica as Administrações.

No controle desse preceito, o TCE-SP orienta-se pela despesa liquidada, quer a feita no ano da eleição, quer a efetivada no triênio passado.

Caso a apuração se baseasse no gasto pago, o gestor poderia, nos anos anteriores, quitar toda a despesa com publicidade, elevando o parâmetro de comparação, para, no ano do voto popular, pouco pagar de tal gasto, o que, se assim fosse, facilitaria, sobremaneira e de forma artificiosa, o atendimento da norma.
    Feitas tais considerações, de reiterar que a Lei 9.054, em ano eleitoral, opõe dois limites à despesa com propaganda de campanhas e feitos governamentais: a) proibição nos três meses que antecedem o pleito; b) o gasto do primeiro semestre não pode ultrapassar a média semestral dos 3 anos anteriores.

De enfatizar que aquelas duas limitações não alcançam a corriqueira publicidade oficial, a do anúncio de novas leis, decretos, licitações, promoção de servidores, concessão de vantagens funcionais, entre outras divulgações coerentes com o princípio constitucional da publicidade (art. 37 da CF).

Com efeito, entende o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que “a publicação de atos oficiais, tais como leis e decretos, não caracteriza publicidade institucional” (Ac.-TSE, de 7.11.2006, no REspe nº 25.748). 

De mais a mais, importante considerar que o limitado gasto não é só o da Prefeitura, não se resume à Administração direta; de igual modo, abrange despesas congêneres realizadas, em ano de escrutínio popular, por autarquias, fundações e empresas estatais do Município. É bem isso o que se vê na expressão “respectivas entidades da administração indireta”, dita nos comentados dispositivos da Lei Eleitoral. 

Tal amplitude evita que a Administração descentralizada sirva de válvula de escape aos freios em questão.

Além disso, importante ressaltar que as vedações e limites opostos à despesa publicitária somente atingem governos onde haja disputa eleitoral. Dito de outro modo, nada impede que o Estado veicule publicidade em época de eleição municipal, e vice-versa.

Por fim, de ilustrar que, conforme o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), realizar gasto publicitário no período vedado gera punição não só ao ordenador da despesa, mas a também aos candidatos beneficiados:

 “[…]. Conduta vedada. Vice-prefeito eleito no pleito de 2004. Candidato a prefeito nas eleições de 2008. Publicidade institucional em período vedado. Beneficiário. […]. 1. Nos termos do art. 73, § 8º, da Lei nº 9.504/97, tendo sido realizada publicidade institucional em período vedado, deve ser responsabilizado não apenas o agente público que autorizou a referida publicidade, como também o agente público que dela se beneficiou. […]. 2. Na espécie, o agravante é beneficiário da prática da conduta vedada de que trata o art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/97, porque na qualidade de vice-prefeito do Município de Carlos Chagas sua imagem estava intimamente ligada à administração municipal da qual se fez a vedada propaganda institucional. 3. A divulgação do nome e da imagem do beneficiário na propaganda institucional não é requisito indispensável para a configuração da conduta vedada pelo art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/97. […]” (TSE, Ac. de 31.3.2011 no AgR-Respe nº 999897881, rel. Min. Aldir Passarinho Junior).


7-    A norma mais polêmica da Lei de Responsabilidade Fiscal: o art. 42

Tal dispositivo proíbe que, nos últimos oito meses do mandato, realize o gestor obrigação de despesa sem a correspondente disponibilidade de caixa.

O não cumprimento enseja, no mais das vezes, parecer desfavorável das Cortes de Contas e, à vista do art. 359-C do Código Penal, remessa dos autos ao Ministério Público para responsabilização do chefe do Poder Executivo.

Aqueles embaraços geram óbvio temor entre os dirigentes do Poder Executivo, daí fortalecendo equivocadas interpretações do sobredito preceito.

Ante o fato de, no Município, a edição da lei coincidir com o final do mandato 1997-2000, pensou-se, logo de início, que o art. 42 exigia quitação de todo o estoque de Restos a Pagar. 

Tal leitura não considerou que o preceito alcança os oito últimos meses do mandato e, mesmo que diferente fosse, impraticável para o gestor, entre maio e dezembro de 2000, honrar todos os gastos havidos em tal período e, mais ainda: equacionar os alentados débitos de anos anteriores.

Diante desse equivocado entendimento, sucederam-se desastradas manobras; foi bem o caso da anulação de despesas já aptas a pagamento (liquidadas), uma evidente fraude contra balanços e credores; foi também a prática de transferir débitos de curtíssimo prazo, os Restos a Pagar, para a dívida de longo curso (consolidada).

Outro erro interpretativo indicava que, celebrada nos oito meses da vedação, a totalidade da obrigação necessitaria de amparo monetário, ainda que grande parcela da despesa se realizasse, fisicamente, em anos subsequentes.

Nada razoável aquela dicção; fulminava o princípio da anualidade do orçamento, reclamando, de pronto, receita atual para gasto efetivado, realmente, nos exercícios seguintes.

Com efeito, assim dispõe, para obras e serviços, a Lei de Licitações e Contratos:

“Art. 7º, § 2º - “As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: (....)

III - houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma.

Ainda, de lembrar que o anteprojeto de responsabilidade fiscal foi bastante modificado na Câmara dos Deputados, mediante Substitutivo do qual participou, ativamente, o então consultor Wéder de Oliveira, hoje ministro substituto do Tribunal de Contas da União (TCU). Pois bem, assim sustenta referido especialista: “se estivermos falando de obra plurianual, ou seja, que deva ser objeto de alocação de recursos em mais de um orçamento anual, o prefeito não estará obrigado a prover recursos financeiros para pagar a parcela da obra que será executada com dotação do orçamento seguinte”  2

Superadas aquelas duas controvérsias, hoje se defende, com bastante vigor, que o art. 42 nada tem a ver com despesas pretéritas, contraídas antes dos oito meses da vedação fiscal, isto é, as gigantescas despesas preexistentes ao tempo da regra (folha de pagamento, encargos patronais, contratos de serviços continuados e de obras, entre tantas outras).

Postula essa corrente que os Tribunais de Contas analisem os contratos dos dois últimos quadrimestres, no escopo de distinguir se o gasto é antigo ou novo, remetendo-se apenas este último ao cômputo do artigo em debate.
Frente a tal postulado, afigura-se, de pronto, dificuldades conceituais e operacionais; citam-se alguns exemplos: a) confissão de dívida feita em agosto do último ano é uma nova despesa, considerando que o dispêndio já era da competência de anos pretéritos? b) é nova obrigação admitir servidores em função do desligamento de outros funcionários? c) é gasto novo o aditamento contratual de obra iniciada no ano anterior? 

Além disso, essa tese tem sua operacionalidade tremendamente prejudicada em governos que movimentam muitos bilhões de reais (ex.: União, Estado e Município de São Paulo).

De outra parte, a Lei de Responsabilidade Fiscal combate o desequilíbrio entre receitas e despesas, daí evitando o aumento da dívida pública, quer de curto ou de longo prazo.

Assim, os antecedentes gastos, previsíveis, de há muito, no planejamento orçamentário, deveriam contar com amparo de caixa, sobretudo no tempo de maior cautela contra o déficit/dívida: o período eleitoral. 

Do contrário, se estaria laborando na contramão do querer legal, sancionando dívida maior, a ser enfrentada pelo próximo mandatário. 

Não bastasse isso, gestores irresponsáveis pagariam as novas despesas, aquelas contraídas entre maio e dezembro do último ano, deixando descobertas as geradas em época precedente, às quais, tal qual sabido e consabido, têm maior vulto; relacionam-se, no mais das vezes, à operação e manutenção da máquina pública (folha de pagamento, encargos patronais, contratos continuados).

Fariam isso pois sabem que, regra geral, nenhuma punição alcança os descumpridores da ordem cronológica de pagamentos (art. 5º da Lei nº 8.666, de 1993).

Se a Lei de Responsabilidade Fiscal impõe vários mecanismos contra o déficit e a dívida, não seria em época mais tormentosa, a eleitoral, que tal intento seria afrouxado.

De mais a mais, dispõe o art. 42, em seu parágrafo único, que, na fundamental apuração da disponibilidade de caixa, há de se considerar “os encargos e despesas compromissadas a pagar até o fim do exercício”, agregado que inclui todo e qualquer débito de caixa, assumido antes ou depois de 30 de abril do último ano de gestão.

Em suma, não é só o gasto novo que precisa de saldo de caixa; o preexistente também disso necessita; nada mais óbvio.

É bem isso o que leciona manual do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – TCESP:

“Sendo assim, o art. 42 da LRF deve ser examinado à vista dos seguintes pressupostos:

.....................

Em face de sua previsibilidade, as despesas continuadas, não-geradas, propriamente, entre maio e dezembro, precisam essas, mais do que as novas, de suporte de caixa. Se assim não fosse, estaria sancionada afronta à responsabilidade fiscal, validando-se empenhos sem cobertura financeira e, disso decorrente, o déficit orçamentário e o aumento da dívida pública”  3

Com isso, não impõe a Corte Paulista de Contas que o Município, nos últimos oito meses, nem ao menos reduza o saldo descoberto de gastos a pagar, tampouco que, no derradeiro exercício, conquiste superávit orçamentário. Ao contrário, aquele Tribunal indica que, em tal período, não se aumente, ainda mais, os débitos sem cobertura monetária, devendo ocorrer, em tal período, simples equilíbrio frente à situação financeira de 30 de abril.

Agindo desse modo, tal Casa de Contas evita que se transfira mais ônus ao futuro mandatário, além dos que habitualmente já são repassados (déficit financeiro, parcelamento de precatórios, INSS, FGTS, PASEP, entre outros).

Nesse passo, compara o TCE-SP o saldo monetário de dois períodos: 30 de abril e 31 de dezembro; no caso de piora financeira (elevação do saldo descoberto), tem-se não cumprido o art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal. 

De outra parte e caso haja liquidez de caixa naquele primeiro período (30 de abril), todo o excesso monetário pode ser consumido nos tais 8 meses, desde que, claro, não se entregue um déficit financeiro ao sucessor. É dessa forma porque, mesmo assim, todas os gastos encontraram cobertura entre maio e dezembro do último exercício de gestão.


8-    Abril de 2016 – prazo terminativo para reconduzir a despesa de pessoal

Quando o gasto de pessoal ultrapassa seu próprio limite, a Lei de Responsabilidade Fiscal, nos art. 23, faculta período de ajuste: de dois quadrimestres.

Só depois disso é que se aplicam as sanções administrativas e pessoais, entre elas o corte de transferências voluntárias de outros entes federados, bem assim o impedimento de obter garantias e contratar empréstimos e financiamentos e, também, uma robusta multa ao ordenador de despesa, correspondente a 30% de seus vencimentos anuais (LRF, art. 23, § 3º e art. 31, § 1º e 2º).

E só depois daqueles oito meses de adaptação, é que as Cortes de Contas podem recusar o balanço que mostra extrapolação da despesa laboral.

De todo modo, bom lembrar que, no atual cenário de negativo crescimento da economia (PIB), passa a ter eficácia o art.66 da Lei de Responsabilidade Fiscal, duplicando o prazo de ajuste do dispêndio com folha de pagamento e reflexos (de oito para dezesseis meses).

Contudo, aquela duplicação temporal não valerá a partir de abril de 2016; isso porque, em ano eleitoral, deve o Prefeito ajustar as contas para o sucessor, daí se aplicando a seguinte norma da Lei de Responsabilidade Fiscal:

Art. 23. – (.....)

§ 4o - As restrições do § 3o aplicam-se imediatamente se a despesa total com pessoal exceder o limite no primeiro quadrimestre do último ano do mandato dos titulares de Poder ou órgão referidos no art. 20.

Em outras palavras e desde que, em abril de 2016, a Prefeitura tenha gasto, com pessoal, mais de 54% da receita corrente líquida, a partir daquele mês já se aplicam as antes mencionadas penalidades fiscais e a recusa de contas por parte do Controle Externo.

Assim, os Chefes do Poder Executivo devem atentar, rigorosamente, para a evolução da despesa com pessoal e da dívida de longo prazo (consolidada), visto que inexistirá, no último ano de mandato, o período de recondução franqueado em períodos não-eleitorais.


9-    Empréstimos e Financiamentos (ARO: os doze meses do ano eleitoral; Operações Normais de Crédito: 120 dias antes do pleito).

No último ano de mandato dos Chefes de Poder Executivo, não se pode contratar as operações de crédito por antecipação da receita orçamentária, as chamadas ARO (art. 38, IV, “b” da LRF). 

De curto prazo, tais empréstimos visam cobrir insuficiência de caixa, ou seja, falta de dinheiro para despesas realizadas, vindo isso a denotar má planificação financeira.

Muito usuais em tempos passados, hoje as extraorçamentárias ARO são pouco utilizadas, sobretudo porque a Lei de Responsabilidade Fiscal e certas Resoluções do Senado opuseram rigorosas condições de contratação, nisso sobressaindo o leilão eletrônico promovido pelo Banco Central do Brasil (art. 38, § 2º da LRF).

Não é demais lembrar que, em face de seus elevadíssimos juros e encargos, tais empréstimos muito oneraram as finanças de Estados e Municípios brasileiros.

Quanto às operações normais de crédito, de índole orçamentária, Resolução Senatorial impede-as 120 dias antes do término do mandato executivo.


10-    Empenho da Despesa no Último Mês de Mandato

A Lei nº 4.320, de 1964, impede que, no último mês da gestão política, empenhe o Prefeito mais do que o duodécimo da despesa prevista. É o que determina o § 1º do art. 59:

“Artigo 59 – O empenho da despesa não poderá exceder o limite dos créditos orçamentários.

§ 1º - Ressalvado o disposto no art. 67 da Constituição Federal, é vedado aos Municípios empenhar, no último mês de mandato do Prefeito, mais do que o duodécimo da despesa prevista no orçamento vigente”.

Argumentam alguns que não foi recepcionado pela Carta de 1988 o transcrito § 1º, conquanto hoje a posse dos Prefeitos acontece em 1º de janeiro e, não, como antes era, em março.

Dizem outros que tal regra foi derrocada por preceito mais recente, o art. 42 da LRF, vez que este abrange a execução orçamentária dos dois últimos quadrimestres do mandato e, não, como é na sobredita regra, apenas o último mês da gestão.

De nossa parte, acreditamos que uma norma não invalida a outra.

De fato, o art. 42 da LRF baseia-se no contexto financeiro, no lastro monetário para gastos empenhados entre maio e dezembro do último ano de mandato. Já, o § 1º do art. 59 da Lei 4.320 funda-se no cenário orçamentário; impede que o Prefeito empenhe, em dezembro do ano de eleição, mais do que o duodécimo da despesa prevista em orçamento e nos seus créditos adicionais.


Notas

1.  Art. 73. São proibidas aos agentes públicos ... (...) VII - realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição.

2.  In O Artigo 42, a Assunção de Obrigações no Final de Mandato e a Inscrição em Restos a Pagar, Brasília, 2000, disponível no site www.federativo.bndes.gov.br).

3.  “Lei de Responsabilidade Fiscal” – 2ª. edição – www.tce.sp.gov.br.


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TOLEDO JUNIOR, Flavio Corrêa de. As restrições financeiras de último ano de mandato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4665, 9 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47972. Acesso em: 26 abr. 2024.