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O princípio da motivação das decisões judiciais e o respeito à cidadania

O princípio da motivação das decisões judiciais e o respeito à cidadania

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Apresentamos, aqui, uma análise do princípio da motivação das decisões judiciais a partir das alterações estabelecidas pelo CPC/2015.

Resumo: A Constituição Federal de 1988 preceitua, em seu art. 93, IX, a essencialidade da fundamentação da sentença proferida pelo juiz com o objetivo de proteger as partes envolvidas no processo. Entretanto, o dispositivo em comento não prevê os parâmetros para a atuação do magistrado. Sendo assim, a presente pesquisa pretende discutir a motivação das decisões judiciais, sob a ótica do Novo Código de Processo Civil Brasileiro, que estabeleceu parâmetros para a elaboração de uma decisão judicial. Este trabalho explana, ainda, sobre os elementos da sentença, a ausência de funda-mentação e a motivação.

Palavras-chave: Constituição Federal. Novo Código de Processo Civil. Principio da Motivação das Decisões Judiciais. Cidadania


1 INTRODUÇÃO

O Princípio Constitucional da motivação das decisões judiciais está previsto na Constituição Federal, art. 93, IX, e disciplina o seguinte: “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade [...]”. Em outras palavras, permite, em termos práticos, que as partes identifiquem precisamente os motivos que levaram o juiz a utilizar determinada forma de julgamento.

Ainda hoje há decisões genéricas, que não seguem uma realidade de “processo constitucional”. O jurisdicionado depara-se, sim, com decisões em que os magistrados afirmam terem decidido com base em um suposto “senso de justiça”, portanto, sem esclarecer as razões que o nortearam.

Dessa forma, visando coibir tal prática, o Novo Código de Processo Civil, Lei n. 13.105/15, em seu art. 11, disciplina que “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”. Ademais, conforme o art. 10, “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.

Cabe ressaltar que, antes mesmo da aprovação do novo Código de Processo Civil Brasileiro, entidades de classe de magistrados encaminharam ofícios solicitando ao chefe do Executivo que sejam vetados dispositivos do Novo Código de Processo Civil. Entre as principais preocupações dos magistrados está a fundamentação das decisões judiciais, e, por conseguinte, a autonomia do Judiciário.

Por tais razões, este trabalho pretende demonstrar que o princípio do Livre Convencimento motivado sofreu profunda modificação com aprovação do novo Código de Processo Civil, em consonância com o devido processo constitucional, e, mais especificamente, com o princípio constitucional da Fundamentação das Decisões Judiciais. Portanto, o presente estudo tem como objetivo central demonstrar a importância do Princípio Constitucional da Motivação das Decisões Judiciais sob o prisma da cidadania.


2 DOS SISTEMAS DE VALORAÇÃO DE PROVA

Historicamente, os sistemas de valoração da prova conhecidos no direito processual se resumem em três: legal, da livre convicção e da persuasão racional. (THEODORO JÚNIOR, 2007, p. 469). De acordo com o sistema legal de valoração da prova, a própria lei atribui à prova seu valor, não permitindo que o juiz assim o faça. É importante ressaltar que o sistema jurídico brasileiro não adota tal critério.

Por sua vez, o sistema da livre convicção se traduz como aquele em que o juiz não necessita fundamentar sua decisão, julga apenas com base no seu convencimento. Por exemplo, o entendimento exarado pelo Ministro Humberto Gomes de Barros, do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 279.889/AL:

Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico – uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja. (BRASIL, 2002).

O Magistrado, para esse sistema, é uma manifestação estatal intocável e, por sua vez, trabalha o direito processual de forma dogmática, a partir da ideia de que a fundamentação das decisões jurisdicionais se reduz a mera exposição dos motivos que levaram a tomar aquela decisão. Na prática esse sistema de valoração conduz a decisões arbitrárias por conferir ampla discricionariedade no poder de decisão do magistrado.

O sistema da persuasão racional, ou apenas livre convencimento motivado, é adotado pelo sistema jurídico brasileiro, inclusive, expresso na Constituição Federal. Trata-se de um sistema em que prevalece o livre convencimento do juiz, porém adstrito às provas dos autos.

A propósito, conceitua Nelson Nery Júnior:

Livre convencimento motivado. O juiz é soberano na análise das provas produzidas nos autos. Deve decidir de acordo com o seu convencimento. Cumpre ao magistrado dar as razões de seu convencimento. Decisão sem fundamentação é nula pleno jure (CF 93 IX). Não pode utilizar-se de fórmulas genéricas que nada dizem. Não basta que o juiz, ao decidir, afirme que defere ou indefere o pedido por falta de amparo legal; é preciso que diga qual o dispositivo de lei que veda a pretensão da parte ou interessado e porque é aplicável no caso concreto. (NERY JÚNIOR, 2004, p. 519).

Assim, o julgador é livre para analisar as provas produzidas e decidir conforme seus critérios, calcado no raciocínio e na lógica, desde que tenha por base os elementos constantes dos autos e que fundamentem sua decisão.


3 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1998 E A FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

A promulgação da Constituição da República de 1988 trouxe como cerne o Estado Democrático de Direito, cujo alicerce e objetivos se norteiam por princípios e garantias consideradas fundamentais. A Constituição de 1988 traz à baila inúmeros direitos, princípios e garantias, proporcionando ao cidadão um processo constitu-cionalizado, ou seja, sujeito à supremacia constitucional.

Nesse sentido, ensina Luiz Guilherme Marinoni:

As normas constitucionais traçam as linhas mestras da teoria do processo. Trata-se de uma ‘tutela constitucional do processo’, que tem por fim assegurar a conformação e o funcionamento dos institutos processuais aos princípios que são insculpidos de acordo com os valores constitucionais. Ada Pellegrini Grinover (2006, p.84-85), por sua vez, denomina o fenômeno de “direito processual constitucional”, asseverando ser “inegável o paralelo existente entre a disciplina do processo e o regime constitucional em que o processo se desenvolve”. Mais adiante traça os pressupostos que sustentam esta simbiose entre o processo e a Constituição, quais sejam: “a tutela constitucional dos princípios fundamentais da organização judiciária e [...] a jurisdição constitucional”. (MARINONI 1999, p. 21).

Em Canotilho, se extrai ainda que “o Estado de Direito é um Estado de Direitos Fundamentais”, e que isso ocorre porque “na qualidade de patrimônio subjetivo indisponível pelo poder, são os direitos e liberdades que limitam a lei, não é a lei que cria e dispõe dos direitos fundamentais”. (CANOTILHO, 1998, p. 19).

O processo Constitucional protege o cidadão da arbitrariedade estatal e rompe com a ideia de processo como instrumento da jurisdição. A Constituição de 1988 valorizou a atividade processual como instrumento de proteção dos direitos do cidadão, exaltando o compromisso do Estado em proporcionar uma tutela jurisdicional mediante um processo justo e em tempo razoável. Essa postura constitucional encontra-se, por exemplo, no Mandado de Injunção, Mandado de Segurança, Ação Popular e Habeas Corpus, dentre outros.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a fundamentação das decisões judiciais se insere no contexto de processo constitucional, constituindo uma garantia fundamental do cidadão. Expressa no art. 93, IX da CF, a mencionada garantia determina que toda decisão judicial seja fundamentada, sob pena de nulidade. Entretanto, o dispositivo em comento não prevê os parâmetros para a atuação do magistrado. Diante disto, as decisões judiciais, por vezes, ficavam ao alvedrio dos magistrados e das teses esposadas na doutrina e jurisprudência.

Sob a justificativa de que se orientavam pela constituição e diante da inexistência de informações mais consistentes para a aplicação do Princípio da Motivação das Decisões Judiciais, os magistrados utilizavam critérios próprios para proceder julgamentos, que geravam decisões genéricas, sem esclarecer as razões que motivaram tais decisões. Sob a ótica democrática a fundamentação das decisões judiciais é tema bastante delicado.

As decisões judiciais devem ser devidamente fundamentadas, com parâmetro em provas constituídas, observando o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. A fundamentação das decisões judiciais deve proporcionar, acima de tudo, segurança jurídica ao cidadão que procura o Poder Judiciário como fonte de solução de controversas.


4 A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Inicialmente, pode-se dizer que as inúmeras reformas implementadas no Código de Processo Civil, desde seu nascimento, tiveram como consequência o enfraquecimento da coesão entre as normas processuais. Aos poucos, as alterações realizadas durante anos comprometeram a sistemática original da referida lei, originando uma desorganização processual, e, em alguns casos, trazendo prejuízo para celeridade do processo.

Em outras palavras, a complexidade das alterações dos dispositivos do Código de Processo Civil de 1973 prejudicou a aplicação dos princípios constitucionais. Assim, houve necessidade de criar um novo dispositivo processual fundamentado em um Estado Constitucional. As mudanças inseridas no novo Código de Processo Civil realçam, em sede infraconstitucional, o que já é previsto na própria Constituição Federal.

O novo Código de Processo Civil, disciplina em seus artigos iniciais:

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.

Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público.

O que os citados artigos almejam nada mais é do que aprimorar, no plano legislativo, a fundamentação do direito à motivação dos atos judiciais, de acordo com o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal brasileira.

Dispõe ainda o art. 489 do novo Código:

Art. 489.  São elementos essenciais da sentença:

[...]

§1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Ao apontar o que não significa uma decisão fundamentada, o art. 489 §1° estabeleceu parâmetros para a elaboração de uma decisão judicial. Dessa forma, o dispositivo busca combater fundamentações genéricas, bem como decisões que não enfrentam todos os argumentos deduzidos no processo.

Nas palavras de Antônio Magalhães Gomes Filho:

A motivação exerce quer uma função política, quer uma garantia processual. Como função política, a motivação das decisões judiciais transcende o âmbito próprio do processo, alcançando o próprio povo em nome do qual a decisão é tomada, o que a legitima como ato típico de um regime democrático. Como garantia processual, dirige-se à dinâmica interna ou à técnica do processo, assegurando às partes um mecanismo formal de controle dos atos judiciais decisórios, de modo a atender a certas necessidades de racionalização e eficiência da atividade jurisdicional. (GOMES FILHO, 2001, p. 8 e 95).

Ademais, o Princípio do Livre Convencimento Motivado é garantia de julgamentos imparciais e dignos, e mereceu ser prestigiado pelo novo Código de Processo Civil.


5 CONCLUSÃO

O Princípio da Obrigatoriedade da Motivação das Decisões Judiciais integra a Ordem Constitucional, e representa uma garantia para o cidadão contra julgamentos arbitrários. De acordo com esse princípio, o juiz deve expor as razões de seu convencimento pautado em aspectos racionais. A decisão que emana do órgão julgador deve ser fundamentada, demonstrar a verdade fática e jurídica a partir de provas produzidas sob o crivo do contraditório. A motivação das decisões judiciais permite que as partes tomem ciência dos critérios utilizados permitindo eventual impugnação.

A aplicação do Princípio da Obrigatoriedade da Motivação das Decisões Judiciais proporciona segurança jurídica, pois se consolida em vários outros fundamentos constitucionais, dentre eles, o acesso à justiça, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Com o advento da Lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Novo CPC), o princípio da motivação das decisões judiciais ganhou um tratamento especial e positivou limites para atuação do magistrado. O Projeto de Lei do novo Código de Processo Civil foi alvo de críticas no que tange à obrigatoriedade de se fundamentar as decisões. Os magistrados justificaram que o regramento delineado na nova lei atrasaria o trâmite processual e afetaria de sobremaneira o princípio da razoável duração do processo. Apesar de haver entendimentos variados sobre a obrigatoriedade ou não de fundamentar as decisões judiciais, tal princípio se insere no contexto do processo civil constitucionalizado e se torna uma garantia constitucional do cidadão.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>. Acesso em: 1º out. 2015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 18 set. 2015.

BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm#art1046>. Acesso em: 29 ago. 2015.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Agravo Regimental no Recurso Especial n. 279.889/AL. (2001/0154059-3). Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, do Superior Tribunal de Justiça. Brasília (DF), DJ: 14 de agosto de 2002. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/57229133/STJ-Nao-me-interessa-a-Doutrina#scribd>. Acesso em: 1º set. 2015.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Direito Constitucional. 6. ed., 1998.

GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Direito Processual Civil. v. 2, 3. ed. São Paulo: RT, 2009.

NERY JÚNIOR, Nélson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2007. 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DRUMOND, Pedro Henrique Mendes. O princípio da motivação das decisões judiciais e o respeito à cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5297, 1 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48356. Acesso em: 28 mar. 2024.