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As vantagens advindas com a reforma do art. 192 da Constituição Federal

As vantagens advindas com a reforma do art. 192 da Constituição Federal

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Este texto aborda a reforma do artigo 192 da Constituição Federal de 1988 por meio da Emenda Constitucional nº 40/03, as vantagens dela advindas e a recepção das leis ordinárias que dispõem sobre o Sistema Financeiro Nacional.

Introdução

Este texto aborda especificamente a reforma do artigo 192 da Constituição Federal de 1988 por meio da Emenda Constitucional nº 40/03, as vantagens dela advindas e a recepção das leis ordinárias que dispõem sobre o Sistema Financeiro Nacional. Para cumprir esse desiderato, será feita uma análise crítica e minuciosa da redação anterior e, em conseqüência da interpretação adotada sobre quais matérias do Sistema Financeiro Nacional deveriam estar dispostas na lei complementar expressa no caput do artigo em epígrafe, algumas normas ordinárias inconstitucionais serão apontadas.


1. A legislação do Sistema Financeiro Nacional antes da atual Carta Magna

Antes da atual Constituição, as matérias relativas ao Sistema Financeiro Nacional privado [1] eram somente encontradas na legislação infraconstitucional, entre elas: as Leis nº 4.131, de 3.9.1962, e nº 4.390, de 29.8.1964, que tratam dos capitais estrangeiros; a Lei nº 4.380, de 21.8.1964, que regula o Sistema Financeiro de Habitação; a Lei nº 4.595, de 31.12.1964, que dispõe sobre a política e instituições monetárias, bancárias e creditícias; a Lei nº 4.728, 14.7.1965, a Lei do Mercado de Capitais, que disciplina o mesmo e estabelece medidas para o seu desenvolvimento; o Decreto-lei nº 70, 22.11.1966, que trata da regionalização e funcionamento de associações de poupança e empréstimo; Decreto-lei nº 73, de 21.11.1966, a Lei dos Seguros, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados e regula as operações de seguro e resseguros; e a Lei nº 6.385, de 7.12.1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).


2. O art. 192 da Constituição antes da Emenda Constitucional n.º 40/03

Com a atual Carta Magna, que se inspirou na Constituição portuguesa de 1976 [2], mas que também foi resultado da própria evolução ideológica e da tentativa de se adequar as normas financeiras à realidade brasileira então vigente [3]/ (4), essa matéria ganhou status constitucional, já que ficou estabelecido, no seu título VII, capítulo IV, "Do Sistema Financeiro Nacional", art. 192, o seguinte:

"Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:

I - a autorização para o funcionamento das instituições financeiras, assegurado às instituições bancárias oficiais e privadas acesso a todos os instrumentos do mercado financeiro bancário, sendo vedada a essas instituições a participação em atividades não previstas na autorização de que trata este inciso;

II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador (5);

III - as condições para a participação do capital estrangeiro nas instituições a que se referem os incisos anteriores, tendo em vista, especialmente:

a) os interesses nacionais;

b) os acordos internacionais;

IV - a organização, o funcionamento e as atribuições do Banco Central e demais instituições financeiras públicas e privadas;

V - os requisitos para a designação de membros da diretoria do Banco Central e demais instituições financeiras, bem como seus impedimentos após o exercício do cargo;

VI - a criação de fundo ou seguro, com o objetivo de proteger a economia popular, garantindo créditos, aplicações e depósitos até determinado valor, vedada a participação de recursos da União;

VII - os critérios restritivos da transferência de poupança de regiões com renda inferior à média nacional para outras de maior desenvolvimento;

VIII - o funcionamento das cooperativas de crédito e os requisitos para que possam ter condições de operacionalidade e estruturação próprias das instituições financeiras.

§ 1º - A autorização a que se referem os incisos I e II será inegociável e intransferível, permitida a transmissão do controle da pessoa jurídica titular, e concedida sem ônus, na forma da lei do sistema financeiro nacional, a pessoa jurídica cujos diretores tenham capacidade técnica e reputação ilibada, e que comprove capacidade econômica compatível com o empreendimento.

§ 2º - Os recursos financeiros relativos a programas e projetos de caráter regional, de responsabilidade da União, serão depositados em suas instituições regionais de crédito e por elas aplicados.

§ 3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar".

Embora essa redação original tenha sido substancialmente alterada pela Emenda Constitucional nº 40 [6], de 29.5.2003, para perfeita compreensão do objetivo deste texto, qual seja, demonstrar as vantagens da reforma do artigo em epígrafe, faz-se necessário um estudo analítico da primeira redação, dividindo-a em quatro partes (os princípios específicos do caput, a expressão "regulado em lei complementar" disposta no caput, os incisos e os parágrafos), conforme a seguir.

2.1.Os princípios específicos do Sistema Financeiro Nacional

Da leitura do caput do art. 192, identificam-se dois princípios explícitos (a promoção de desenvolvimento equilibrado e atendimento aos interesses da coletividade) e um implícito [7] (a função social do sistema financeiro) que devem balizar toda atividade normativa no âmbito do sistema financeiro, conforme a seguir.

2.1.1. O desenvolvimento equilibrado

A Constituição brasileira dá uma ênfase muito grande ao desenvolvimento, consoante se pode ver em inúmeros dispositivos seus (entre eles, os incisos I, II e III do art. 3º, o inciso XXIX do art. 5º, o parágrafo único do art. 23, os incisos I e II do art. 48), e tal fato se justifica já que o Brasil é um país subdesenvolvido com diferenças sociais e regionais gritantes. Nesse mesmo diapasão, o artigo 192 estabelece que o Sistema Financeiro Nacional deve ser estruturado de modo a promover o desenvolvimento equilibrado do país.

Nota-se que a expressão "desenvolvimento" deve ser empregada no seu sentido mais amplo possível, não somente no aspecto quantitativo (o sentido econômico de crescimento), mas no aspecto qualitativo, incluindo os aspectos sociais, científicos, educacionais etc. Para Erasto Villa Verde Filho [8], a expressão "desenvolvimento equilibrado" também pode ser compreendida como "desenvolvimento sustentável", onde "equilibrado" deve ser tomada também no seu sentido lato. Esse autor relacionou algumas acepções de "equilíbrio" implicitamente contidas no sentido teleológico e lógico-sistemático da Constituição:

"a) equilíbrio econômico - considerando o sentido amplo da expressão, não apenas o equilíbrio entre oferta e procura; b) equilíbrio monetário - coordenando o desenvolvimento com o combate à inflação; c) equilíbrio regional - tendo em vista as divergências entre as regiões geoconômicas do País; d) equilíbrio setorial - considerando os diversos setores da economia, primário, secundário e terciário; e) equilíbrio social - visando à redução das desigualdades sociais; f) equilíbrio ecológico - observando um dos princípios gerais da ordem econômica, a defesa do meio ambiente (art. 170, VI)" (9).

2.1.2. Atendimento aos interesses da coletividade

É notório que um dos princípios fundamentais do moderno Direito Público é a supremacia do interesse público sobre o privado, onde o primeiro se traduz em interesse da coletividade, na verticalidade das relações entre a Administração e os particulares [10], cujas características principais são a indivisibilidade e a indisponibilidade. É indisponível pois se algo for feito para protegê-lo ou prejudicá-lo, todos os seus titulares serão, respectivamente, favorecidos ou prejudicados. É indisponível porque é inapropriável, não se encontra à disposição de terceiros, senão do órgão ou instituição pública titular, que tem o dever de tutelá-lo.

Para Maria S. Zanella Di Pietro, o interesse público (da coletividade) abrange três espécies: "o interesse geral, afeto a toda a sociedade; o interesse difuso, pertinente a um grupo de pessoas caracterizadas pela indeterminação e indivisibilidade; e os interesse coletivos, que dizem respeito a um grupo de pessoas determinadas ou determináveis" [11].

Do exposto, fica claro que o princípio do atendimento aos interesses da coletividade, trata-se de um interesse público da espécie geral, já que a coletividade expressa no artigo 192 é o povo, formado pelo conjunto de cidadãos, residentes ou não.

Deve ficar claro que, ao impor o interesse da coletividade ao Sistema Financeiro Nacional, não significa que os donos das instituições financeiras e seus clientes não possam ter interesses individuais; podem sim, claro, mas desde que estes não colidam com aqueles, além destes interesses terem que observar outros princípios como da legalidade.

2.1.3. A função social do Sistema Financeiro Nacional

Utilizando-se da visão sistêmica do direito, segundo Erasto Villa Verde C. Filho [12], esses objetivos explícitos resultam num princípio implícito: o da função social do Sistema Financeiro Nacional. Além desse autor, no mesmo diapasão, encontra-se o posicionamento de José A. da Silva, cujo trecho a seguir é também citado por Celso R. Bastos e Ives Gandra Martins [13]:

"Mas é importante o sentido e os objetivos que a Constituição imputou ao sistema financeiro nacional, ao estabelecer que ele será estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, de sorte que as instituições financeiras privadas ficam assim também e de modo muito preciso vinculadas ao cumprimento da função social bem caracterizada." (14). (grifo nosso)

Nesse sentido, Marusa Freire também dispõe o seguinte:

"(...) possa contribuir para a tomada de posição sobre o sistema financeiro que queremos, bem como sobre sua adequação para importante cumprimento da importante função social constitucionalmente estabelecida – de promover o desenvolvimento equilibrado do país e servir aos interesses da coletividade - , escopo fundamental a legitimar sua regulamentação e sua inserção no sistema financeiro internacional" (15). (grifo nosso)

Nota-se a função social do Sistema Financeiro Nacional quando os bancos otimizam a alocação de poupança, transferindo recursos de quem tem em excesso para quem necessita (geralmente os setores produtivos e as pessoas mais pobres) ou quando as instituições de seguros assumem o risco de eventuais sinistros para os setores de produção. Faz-se necessário observar que essas atividades estão também em consonância com vários princípios do art. 170 da Carta, quais sejam: da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho humano e da busca do pleno emprego.

Em função disso, surge um interesse público na boa atuação do governo por meio dos seus órgãos, autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista no âmbito do Sistema Financeiro Nacional. Por exemplo, existe a necessidade de o governo controlar os meios de pagamentos ao visar evitar a inflação e a manter um crescimento sustentável pela atuação dos seus órgãos e instituições responsáveis. Existe também a obrigação da atuação de órgãos e instituições públicas por meio da fiscalização e regulamentação desse sistema, pois a ausência de intervenção estatal para corrigir os desvirtuamentos e os excessos do mercado implicaria o não cumprimento da função social atribuída às empresas desse setor. Nesse sentido, Lauro Muniz Barreto, nos ensina que:

"Os bancos, mercê de sua notável influência na circulação de riqueza, desempenham uma função, que não se restringe à órbita das relações de ordem privada. Essa função é também econômica e social e suscita, por isso mesmo, os maiores problemas da política bancária de nossos tempos que inspira, em máxima parte, a atual legislação bancária de todos os países. Cogita-se de regular, de modo mais útil para a economia, e mais seguro para a massa dos depositantes, o afluxo, o defluxo e o destino dos capitais pelas vias bancárias e sua circulação no país" [16].

No mesmo diapasão, o entendimento de E. Villa Verde Filho: "Sem a presença, pelo menos indireta, do Estado no ramo financeiro da economia, seguramente, pelo intuito do lucro fácil, a atividade financeira voltar-se-ia toda para a especulação, abandonando o setor produtivo. Ao Estado compete impedir que isso ocorra, direcionando o sistema financeiro para o cumprimento de sua função social" [17].

Vale ressaltar que não se deve confundir a função social em tela com a função social da propriedade, também disposta na atual Constituição. Conforme o §2º do art. 182 e o art. 186 da mesma, a desapropriação pode ser aplicada, respectivamente, à propriedade urbana ou rural quando essas perderem as suas funções sociais, o que pode ocorrer também com os imóveis pertencentes às instituições financeiras. Todavia, essas espécies de desapropriação não se aplicam às ações dessas empresas, já que a função social dessas está definida no artigo 192 em comento. Portanto, quando essas instituições deixarem de promover o desenvolvimento equilibrado e de servir ao interesse da coletividade podem, conforme o caso, sofrer regime de administração temporária, intervenção ou liquidação extrajudicial, segundo dispõem o Decreto-lei nº 2.321/87 e a Lei nº 6.024/74. Aquele decreto, na seu art. 11, alínea "b", também prevê a possibilidade de desapropriação das ações a ser proposta exclusivamente pelo Bacen.

2.2. A expressão "regulado em lei complementar" constante do caput

2.2.1. A quantidade de leis complementares

Ao dispor que esse sistema "será regulado em lei complementar", essa antiga redação gerou uma polêmica quanto ao número de leis complementares nele previstas. Para uma parte da doutrina, entre eles, Fabio Konder Comparato [18], o artigo em tela permitia que várias leis complementares tratassem do assunto; para outra parte, entre eles Simone L. Nunes [19], somente uma única lei deveria regulamentá-lo.

Se o primeiro entendimento prevalecesse na doutrina, na jurisprudência, inclusive no Supremo Tribunal Federal, e no Legislativo, o limite de 12 % ao ano para a taxa de juros reais já estaria em vigência, independente do que foi decidido na Adin 004-7/DF [20], que concluiu que o parágrafo onde estava disposto esse limite não era auto-executável e que o conceito de juros reais não estava adequadamente definido. Tal fato ocorreria pois uma lei complementar de estrutura simples, de poucos artigos, seria suficiente para dar aplicabilidade a esse parágrafo. Como é notório, a segunda doutrina prevaleceu.

2.2.2. Crítica à falta de elaboração da lei complementar disposta no caput do art. 192 da Carta

Sem dúvida alguma, a maior crítica que vinha sendo feita ao art. 192 da Constituição era a falta da elaboração da lei complementar nele prevista. As leis sobre o mercado financeiro, recepcionadas e ainda vigentes, embora tenham sido muitos eficientes à época de sua publicação, datam da década de sessenta e de setenta, portanto, estão completamente fora da realidade econômico-financeiro atual. Entretanto, faz-se necessário enfatizar que, caso não houvesse a mudança no artigo em epígrafe por meio da Emenda Constitucional nº 40, tal norma nunca existiria, conforme as razões a seguir:

a)não havia interesse econômico, e consequentemente político, para regular o § 3º do art. 192, da CF, que trata do limite de 12 % para taxa de juros reais, nela incluída comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito;

b)o Executivo não deseja perder a competência normativa do CMN, fato que ocorreria com a edição de lei complementar em tela;

c)a impossibilidade do Poder Legislativo assumir o encargo de legislar a contento sobre as matérias regulamentadas pelo CMN;

d)a dificuldade técnica e política de se regular numa única lei complementar uma gama muito grande de assuntos que compõem o Sistema Financeiro.

Devido ao alto lucro amealhado nesses últimos anos pelas instituições financeiras [21], como conseqüência da política monetária então vigente, essas têm interesse de manter o "status quo" econômico adquirido, por conseguinte, procuravam bloquear qualquer tentativa de regulamentação do art. 192 pela lei complementar nele prevista, especificamente do seu § 3º. Para isso, as grandes instituições financeiras vêm financiando as campanhas políticas de membros do Congresso Nacional e do Presidente da República. Por exemplo, nas eleições de 1994 e de 1998, os recursos originários dessas instituições para o candidato presidencial eleito e reeleito foram, respectivamente, 23 % e 26,73% do total formalmente declarado [22]. Essas instituições também fazem um forte lobby no Congresso Nacional, quer diretamente, quer por meio da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

A cultura político-econômica brasileira vinha sempre subordinando a política monetária à política fiscal [23], que, no plano jurídico, se traduzia na conformidade dos regulamentos do Conselho Monetário Nacional (CMN) com as orientações da equipe econômica do governo (direção encabeçada pelo Ministro da Fazenda ou do Planejamento), pelas seguintes razões: facilidade na implementação das ações econômicas desejadas, mais tempestivas, técnicas, integradas com as demais, a possibilidade da política monetária ser usada com fins eleitorais, já que poderia ser utilizada para financiar gastos do governo que influenciassem o resultado de um pleito, embora este último uso foi reduzido substancialmente com edição da Lei Complementar nº 101/01, a Lei de Responsabilidade Fiscal [24].

Essa competência normativa do CMN - adquirida desde que entrou em vigência da Lei nº 4.595/64, recepcionada pelo inciso I do art. 25, ADCT, CF [25] e que está prorrogada, de fato, pelo art. 73 da Lei nº 9.069/95 [26]- é ampla, pois o mesmo elabora atos normativos no âmbito do sistema financeiro que seriam assinalados ao Congresso Nacional pela atual Carta. Portanto, esse órgão não sofre um controle repressivo de constitucionalidade pelo Legislativo [27], não precisa observar os princípios da divisão dos três poderes e o princípio da legalidade, salvo o disposto nos limites da competência expressos no art. 4º da Lei nº 4.595/64 [28]. Do exposto, esse órgão emite, de fato, regulamentos autorizados, consoante dispõe a doutrina de Eros R. Grau [29].

Essa competência deveria ser transitória, retornaria ao Congresso Nacional quando da emissão da lei complementar em tela, conforme a prorrogação expressa no art. 73 da Lei nº 9.069/95. Essa transitoriedade, pelas razões apontadas anteriormente, não interessava e nem interessa ao Executivo. Todavia, o interesse em mantê-la é tanto, que a mesma permanece de fato e não de direito, conforme será explicado a seguir.

Para o CMN não perder sua competência normativa, seria necessário prorrogá-la conforme o disposto no inciso I do art. 25, ADCT, e tal fato foi tentado. Inicialmente, o art. 1º da Medida Provisória nº 45, de 31.3.1989, publicada no DOU de 3.4.1989, prorrogou o prazo da vigência do dispositivo legal que atribuiu ao CMN competência assinalada ao Congresso Nacional até 30.4.1990. Entretanto, essa Medida perdeu eficácia em 2.5.1989, já que não foi aprovada pelo Congresso e não foi reeditada a tempo. Somente em 5.5.1989, entra em vigência a Medida Provisória nº 53, de 3.5.1989, que prorrogou em tese essa competência em comento até 30.10.1989, portanto, três dias após a perda de eficácia da medida anterior. Do exposto, embora fosse recepcionado pela atual Carta Magna, o CMN perdeu a sua competência normativa.

Posteriormente, como se nada tivesse ocorrido, essa segunda Medida Provisória foi revogada pela Lei nº 7.770, de 31.5.1989, que, daquela, manteve o prazo de prorrogação das atribuições do CMN. Após algumas medidas provisórias e leis que prorrogaram essas atribuições (MP nº 100/89, Lei nº 7.892/89, MP nº 188/90, Lei nº 8.056/90, MP nº 277/90, Leis nºs 8.127/90 e 8.392/91), iniciou-se a publicação de uma seqüência de 13 medidas provisórias sobre o Plano Real (MPs nºs 542/90, 566/94, 596/94, 635/94, 681/94, 731/94, 785/94, 851/95, 911/95, 953/95, 978/95, 1.004/95 e 1.027/95) que também tratavam da prorrogação da competência legiferante do órgão em epígrafe até a promulgação da lei complementar de que trata o art. 192 da Carta Magna. Finalmente, foi publicada a Lei nº 9.069, de 20.6.1995, a Lei do Plano Real, que, em seu art. 73, trouxe o mesmo prazo de prorrogação de competência das referidas medidas provisórias.

Por conseguinte, nos mesmos moldes do que foi decidido pelo STF quanto à competência do extinto Instituto Brasileiro de Café (IBC) para a fixação das quotas de Contribuição sobre a Exportação de Café [30], o CMN perdeu sua competência normativa em 2.5.1989 [31], a qual voltou ao Congresso Nacional. Portanto, todos os atos normativos emitidos pelo CMN que eram anteriores a sua perda de competência foram recepcionados pela Carta e só podem ser modificados por leis. Os posteriores, os publicados a partir da data em epígrafe, são, conforme a seguir: a) inconstitucionais, quando inovam o ordenamento jurídico brasileiro, no caso de não existir um norma infraconstitucional que trate do assunto, portanto o ato normativo confronta diretamente com a Carta; b) ilegais, quando extravasam o limite de conteúdo de uma lei já existente (ou ato normativo do CMN recepcionado como lei) [32].

Por outro lado, observa-se que é praticamente impossível o Poder Legislativo emitir adequadamente os normativos que hoje são elaborados pelo CMN, pois seriam, no geral, menos eficientes, pelas seguintes razões:

a)os parlamentares, em quase sua totalidade, não têm preparo para elaborar essas espécies de normas;

b)embora exista uma assessoria técnica competente dentro de cada uma das duas casas do Congresso, três situações podem ser observadas:

I.-muitos dos assuntos a serem regulados não são de conhecimento dessas assessorias;

II-mesmo que sejam conhecidos, existem informações relativas a esses assuntos que somente os órgãos ou instituições do Sistema Financeiro Nacional possuem (são de conhecimento exclusivo daqueles quem trabalham diretamente com o assunto);

III-mesmo que essas assessorias tenham todo o conhecimento possível, as decisões dos parlamentares não estão vinculadas aos pareceres técnicos das mesmas, pois elas podem ser exclusivamente demagógicas, estar em conformidade com interesses de lobbies ou ser resultantes de convicções pessoais;

a)observa-se também que o processo legislativo é inapropriado para elaborar normas técnico-científicas quando as matérias envolvidas forem situações de conjuntura, pois essas matérias exigem mais tempestividade para sua emissão, ou quando exigirem sigilo, por exemplo, situações onde os particulares podem obter vantagens econômicas com informações obtidas antes da publicação das leis.

Ao analisar a atuação legiferante do Poder Legislativo, Dalmo Ribeiro Dallari [33] ensina que esse Poder tem se mostrado desaparelhado para cumprimento de normas de conjuntura, devido à lentidão do seu funcionamento, à imperfeição de suas normas e à participação de pessoas geralmente despreparadas (parlamentares) para elaborarem leis tão tecnicamente específicas. Além de se posicionar nesse diapasão, Clèrmerson M. Clève [34] também ensina que, na era da sociedade técnica, onde a inflação legislativa é um fato incontestável [35]/ [36], o Legislativo deve mais fiscalizar do que propriamente legislar.

Do exposto, a competência normativa do CMN que só deveria durar, em tese, até a edição da lei complementar constante do art. 192 da Constituição, conforme estabelece o inciso I do art. 25, do ADCT e o art. 73 da Lei nº 9.069/95, não pode ser assumida pelo Legislativo e o Executivo tem um grande interesse de mantê-la permanentemente.

Mesmo considerando o entendimento de parte expressiva da doutrina quanto à delimitação das matérias que seriam tratadas pela lei complementar disposta no art. 192 da Carta (em somente uma lei complementar), que as restringia ao mercado financeiro, especificamente quanto à estrutura, à ordem e à unidade do mesmo, conforme será demonstrado a posteriori, a quantidade e complexidade das matérias são consideráveis, portanto não é fácil dispô-las numa única norma. Na verdade, para elaborar essa lei, seria despendido um trabalho equivalente àquele para se elaborar um código sobre o mercado financeiro e códigos demoram anos para serem aprovados, embora observem um trâmite especial [37]. Nesse sentido, devido às características intrínsecas dessas matérias, Arnald Wald [38] sugeriu a implementação de um Código do Mercado Financeiro, todavia, como notoriamente sabido, essa sugestão não foi acatada.

Faz-se necessário frisar que essa inércia legislativa para regular o parágrafo em epígrafe não vinha passando despercebida pelas empresas e pelos cidadãos. Após a Adin nº 004-7/DF (que concluiu que o § 3º do art. 192, da Carta Magna não era auto-aplicável e tinha eficácia limitada, por conseguinte também dependeria da elaboração da lei complementar expressa no caput desse artigo), inúmeros mandados de injunção foram impetrados para forçar essa elaboração, entre eles os MI nºs 321-1, 337-8, 324-6 e 368-8, todos com fulcro no inciso LXXI do art. 5º da Constituição. Contudo, o STF tem os deferido em parte pela maioria dos votos, para que se comunique ao Congresso Nacional a necessidade do mesmo tomar providências para suprir essa omissão legislativa. Como é notório, nenhum efeito prático tem essas decisões, pois o Legislativo não elaborou a lei complementar em epígrafe.

Conforme a doutrina de Alexandre de Moraes [39], os posicionamentos do então Ministros Nery da Silveira e dos Ministros Carlos Velloso e o Marco Aurélio de Mello, essas decisões são equivocadas, pois o mandado de injunção é um remédio constitucional que tem caráter substantivo; relativamente às normas constitucionais que não sejam auto-aplicáveis, deve fazer às vezes da norma infraconstitucional ausente para um caso em concreto, e somente para esse determinado caso, sem usurpar as funções próprias dos outros poderes. Nesse sentido, José A. da Silva nos ensina: "[...]Não é função do mandado de injunção pedir a expedição da norma regulamentadora, pois ele não é sucedâneo da ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, §2º). É equivocada, portanto, data venia, a tese daqueles que acham o julgamento do mandado de injunção visa à expedição da norma regulamentadora do dispositivo constitucional dependente de regulamentação, dando a esse remédio o mesmo objeto da ação de inconstitucionalidade por omissão" [40].

2.3. Os incisos da antiga redação do art. 192

Quanto aos incisos do artigo em epígrafe, é relevante observar que os incisos I, II, IV, V e VIII tratavam da autorização, do funcionamento e da organização de várias instituições do Sistema Financeiro Nacional, quer sejam públicas ou privadas [41]. Especificamente quanto ao inciso I, em consonância com os avanços do sistema financeiro internacional, estabeleceu sobre os bancos múltiplos, aqueles que atuam nos diversos segmentos do sistema financeiro, apesar da criação dos mesmos ter ocorrido antes da promulgação da atual Carta, por meio da Resolução nº 1.524, de 21.9.1988, do CMN.

Os incisos restantes também tratavam da estrutura do Sistema Financeiro Nacional, embora de maneira indireta. O inciso III tratava das condições do capital estrangeiro participar do Sistema Financeiro Nacional, enquanto que o inciso VI tratava da criação de um fundo ou seguro para proteção da economia popular. Finalmente, em conformidade com o princípio da redução das desigualdades regionais (inciso VII, art. 170, CF), o inciso VII procurava restringir a transferência de poupanças de regiões mais pobres para outras com maior desenvolvimento. Na opinião precisa de Washigton P. A. de Souza [42], este inciso embora elogiável, fora tardio, pois seus efeitos seriam mais eficazes, teriam evitado a concentração dos estabelecimentos bancários nos grandes centros urbanos, caso estivesse em vigor em épocas mais remotas.

Conforme se observa, embora as matérias constantes desses incisos fossem relevantes para o Sistema Financeiro Nacional, pode-se afirmar que esses dispositivos eram inócuos, já que ou essas matérias estavam disciplinadas anteriormente na legislação infraconstitucional recepcionada, portanto já produziam efeito, ou se não se estivessem disciplinadas, dependiam da elaboração da lei complementar disposta no caput, fato que não ocorreu [43]. Consoante será demonstrado no item 5 a seguir, a inutilidade desses incisos é também evidenciada pela regulação de matérias constantes dos mesmos em leis ordinárias e medidas provisórias após a promulgação da atual Constituição.

2.4. Os parágrafos da antiga redação do art. 192

Os três parágrafos, em termos práticos, também não acrescentavam algo de útil à legislação financeira.

Ao visar reduzir a concentração do sistema financeiro nas mãos de poucas empresas [44], o parágrafo 1º desse artigo trouxe o princípio da inegociabilidade ou intransferibilidade das cartas patentes de funcionamento das instituições do sistema financeiro. Conforme, esse parágrafo foi ineficaz, pois, houve o fenômeno de concentração das empresas do sistema financeiro em escala mundial [45], por meio de fusão, aquisição e incorporação, cujos efeitos não foram diferentes no Brasil [46].

Nos mesmos moldes do inciso VII do artigo em epígrafe, ao exigir que os recursos financeiros federais que sejam destinados a projetos regionais fossem depositados em instituições locais de crédito e que fossem por elas aplicados, o parágrafo 2º seria salutar a primeira vista [47]. Entretanto, além de tardio, por si só, este parágrafo não permitia o desenvolvimento das regiões mais pobres e da população mais carente dessas, já que, dentro dos Estados do Norte e do Nordeste, existem diferenças gritantes entre o centro urbano e rural, e a grande maioria dos recursos federais depositados nesses bancos é aplicado nas grandes capitais ou em empreendimentos dos mais abastados.

Finalmente, o parágrafo 3º, que trata da limitação da taxa de juros reais, como já explanado, não teve efeito prático algum e nem deveria ter. Nesse sentido, a lição de Manuel Gonçalves Ferreira Filho é clara e concisa: "Este desiderato é próprio de todos os devedores, infelizmente o funcionamento natural da economia é incompatível com a fixação arbitrária de um teto para os mesmos. Quis neste ponto o constituinte dominar o indominável" [48].

Existiam duas correntes que dispunham sobre a aplicação deste parágrafo: a primeira, entre eles José A. da Silva [49], que dizia que o mesmo tinha eficácia plena e aplicação direta e imediata, e a segunda, representada por Celso R. Bastos e Ives Gandra Martins [50], que se posicionava pela necessidade da emissão da lei complementar para que o limite em epígrafe tivesse aplicação.

Embora a primeira doutrina pareça ser juridicamente a mais adequada (já que as normas constitucionais são executórias na sua grande maioria, e é o caso desta; a Lei da Usura não perdeu a sua eficácia; e a Súmula 596 está revogada com promulgação da atual Carta Magna [51]), a mesma traria problemas econômicos sérios, entre eles o impedimento da rolagem das dívidas públicas e o surgimento de dificuldades na condução da política monetária pelo Bacen, devido à impossibilidade criada de manejar adequadamente as taxas de juros [52]. Com a posição firmada na Adin 004/07-DF, o STF, sabiamente, optou pela segurança do Estado.

Apesar da limitação constitucional da taxa de juros reais em 12% ao ano não ser boa para o direito pátrio, também não é justa a manutenção de altos patamares dessas taxas para as operações com títulos da dívida pública e para as operações de crédito a pessoas jurídicas e físicas (cheque especial, cartão de crédito, empréstimos pessoais etc.), já que os banqueiros, vários transnacionais, vem vampirizando o tesouro pátrio e a população em geral. Aqueles vêm amealhando altas taxas de rentabilidade nos últimos anos [53] (de 1995 aos dias de hoje), muito acima das taxas dos setores de produção. Com a exploração do Tesouro Nacional, conforme já exposto, o crédito ao setor produtivo, a grande função social dos bancos comerciais, ficou de lado. Conforme constata o professor Reynaldo Gonçalves da UFRJ, "quem vai se preocupar com crédito, se é possível ganhar um monte de dinheiro, sem sair de casa, só aplicando em títulos públicos?" [54].

A limitação dos juros deve se dar por uma atuação mais efetiva do Poder Executivo e do Banco Central, os quais devem criar políticas consistentes para estimular a oferta de créditos e a poupança interna e para a elaboração de mecanismos de controle direto do spread bancário [55] (especialmente da parcela abusiva de lucro).


3. A recepção das leis anteriores

Não há dúvidas que toda legislação infraconstitucional anterior à Carta Magna que disciplina o Sistema Financeiro Nacional foi recepcionada pela Constituição de 1988. Contudo, a doutrina era divergente quanto ao tipo de lei, ordinária ou complementar, que iria dispor sobre a futura revogação das matérias tratadas nessas leis. A divergência ocorre em dois pontos: quanto à existência ou não de hierarquia entre lei complementar e ordinária e quanto às espécies de mercados que estão agasalhados pelo art. 192, conforme explicado a seguir.

3.1. Divergência quanto à existência de hierarquia entre lei complementar e ordinária

Para uma parte da doutrina, a lei complementar é hierarquicamente superior à lei ordinária, portanto qualquer dispositivo de lei daquela natureza ou de lei recepcionada como daquela espécie só pode ser revogado por outra lei complementar, mesmo que a matéria tratada nesse dispositivo não seja disposta expressamente como matéria de natureza complementar na Carta Magna. Nesse sentido, dispõe Manuel Gonçalves Ferreira Filho:

"É de se sustentar; portanto, que a lei complementar é um tertium genus interposto, na hierarquia dos atos normativos, entre a lei ordinária (e os atos que têm emendas). Não é só, porém, o argumento de autoridade que apóia essa tese; a própria lógica o faz. A lei complementar só pode ser aprovada por maioria qualificada, a maioria absoluta, para que não seja, nunca, o fruto da vontade de uma minoria ocasionalmente em condições de fazer prevalecer sua voz. Essa minoria é assim um sinal certo da maior ponderação que o constituinte quis ver associada ao seu estabelecimento. Paralelamente, deve-se convir, não quis o constituinte deixar ao sabor de uma decisão ocasional a desconstituição daquilo para cujo estabelecimento exigiu ponderação especial. Alias, é um princípio geral de Direito que, ordinariamente, um ato só possa ser desfeito por outro que tenha obedecido à mesma forma" (56).

Para outra parte da doutrina, entre eles José A. da Silva [57], não existe superioridade entre leis complementares e ordinárias, somente há reserva material constitucionalmente estabelecida para as primeiras. Portanto, conforme apontam os incisos do artigo 192 da Carta, não é qualquer matéria do sistema financeiro que necessita de lei complementar, somente aquelas que criam a estrutura, dão ordem e unidade à atividade financeira (constituição, vinculação, organização e competência das instituições integrantes). As matérias relacionadas à dinâmica do sistema financeiro, que tratam de atividades de mercado, podem ser disciplinadas em lei ordinárias. Nesse diapasão, ensina Cristiane Derani:

"Os integrantes do Sistema Financeiro, com a disciplina legal de sua instituição, organização e funcionamento, atuam no mercado. As relações de mercado destas instituições não constituem o Sistema Financeiro. São manifestações dos integrantes deste Sistema, construídas numa complexa interação contratual dos sujeitos que formam o Sistema e destes com os demais agentes econômicos. [...] Aquilo que diz respeito à dinâmica desempenhada a partir de edificação dessa ordem e unidade, ou seja, além dela, não é matéria de lei complementar. Não cabe à lei complementar disciplinar o desenvolvimento das atividades do Sistema Financeiro que são atividades do mercado" [58].

Vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, em várias de suas decisões, vem se posicionado que não há hierarquia entre as leis complementares e ordinárias. Relativamente ao Sistema Financeiro Nacional, por exemplo, consoante disposto na Adin 449-2/DF [59], esse Egrégio Tribunal concluiu que as matérias relativas aos servidores do Banco Central, por não estarem expressamente dispostas no art. 192 da Carta, não precisariam ser disciplinadas por lei complementar, portanto, a esses servidores se aplicaria o regime jurídico disposto na Lei n.º 8.112/90, estando revogados o § 4º do art. 52 da Lei n.º 4.595/64 [60] e seria inconstitucional o art. 251 da Lei 8.112/90 [61]. Em outro caso, ao julgar a Adin n.º 2.223-7 [62], na qual se discutia a inconstitucionalidade de vários artigos da Lei n.º 9.932, de 20.12.1999, que dispõe sobre a transferência de atribuições do Instituto de Resseguro do Brasil (IRB) para a Superintendência de Seguro Privado (Susep) e dá outra providências, entendeu que os incisos constantes do art. 3º desta Lei não seriam inconstitucionais, pois os mesmos traziam matérias que não exigem lei complementar (não dispunha sobre a autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador, conforme dispunha o inciso II do art. 192).

3.2. Divergência quanto às espécies de mercados agasalhados pelo art. 192 da Carta

Dentro da última corrente doutrinária disposta no subitem anterior, existem dois ramos com posições divergentes quanto às espécies de mercados que estariam agasalhados pelo art. 192 da Constituição, conforme a seguir.

Para o primeiro ramo, embora possa parecer que o artigo em tela tratasse de todo Sistema Financeiro Nacional privado, mercados financeiro e de capitais [63], o mesmo só tratava do primeiro, já que o art. 192 não dispunha expressamente sobre o segundo. Nessa esteira, Simone L. Nunes se posiciona: "Não obstante a legislação infraconstitucional e a doutrina expressamente determinarem que o sistema financeiro abrange os mercados financeiro e de capitais, na prática é comum referir-se ao mercado financeiro como "sistema financeiro", aliás, a Constituição Federal de 1988 - editada após a legislação infraconstitucional já citada - intitula seu Capítulo VI, "Do Sistema Financeiro Nacional", trazendo nele disposições apenas sobre o mercado financeiro, sendo que o mercado de capitais sequer foi citado." [64].

Para o outro ramo doutrinário, tanto o mercado financeiro quanto o de capitais estariam agasalhados no artigo em epígrafe, já que o sentido completo da expressão "sistema financeiro" abarca os dois mercados e o caput traz a expressão "inclusive", por conseguinte os incisos seguintes teriam caráter exemplificativo, numerus apertus. Nesse diapasão, José A. da Silva [65] ensina que outras instituições não citadas nos incisos do artigo em tela também se subordinam ao disposto no mesmo, exatamente por esses incisos serem exemplificativos, citando, entre elas, instituições do mercado de capitais: bolsa de valores e as pessoas físicas ou jurídicas que, por conta própria ou em nome de terceiros, exerçam atividade de compra e venda de títulos e valores mobiliários.

3.3. Interpretação adotada para o artigo 192

Além da interpretação disposta no parágrafo anterior ser a mais racional, vale ressaltar que, pelo menos na origem do artigo em tela, o mercado de capitais deveria ser estruturado na lei complementar do seu caput, pois um dos constituintes responsáveis pelo mesmo, o então Deputado Francisco Dornelles, ao propor o Projeto de Lei Complementar n.º 47/91 para regulamentá-lo, que se encontra definitivamente arquivado, dispunha também sobre o mercado de capitais, conforme a seguir: "Art. 1º - O Sistema Financeiro Nacional estruturado e regulado pela presente Lei Complementar de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade, é constituído o Banco Central do Brasil, das demais instituições financeiras públicas e privadas e das instituições das áreas de seguro, capitalização, previdência privada e mercado de capitais". Como se pode notar, Francisco Dornelles não proporia uma lei complementar que tratasse também do mercado de capitais se entendesse que esse mercado estivesse fora do artigo 192 da Carta.

Do exposto, conclui-se que a melhor interpretação do artigo em epígrafe é aquela que agasalha tanto o mercado financeiro quanto o de capitais. Todavia, não é qualquer matéria que deverá ser tratada na lei complementar disposta no mesmo, somente aquelas relacionadas à estrutura, à ordem e à unidade do Sistema Financeiro Nacional.


4. O princípio da função social como base para uma crítica à doutrina que dispunha que o art. 192. da Carta Magna só se aplica ao mercado financeiro

Desde a promulgação da Carta Magna, Celso R. Bastos e Ives Gandra tinham a seguinte posição quanto ao art. 192: "Essa inclusão no texto Constitucional, consequentemente, acarreta mais rigidez a uma atividade, cujas principais características são o dinamismo e a flexibilidade de adaptação à velocidade de mudanças do mercado" [66]. Realmente, o mercado financeiro mundial atual exige esse dinamismo, pois, a cada dia, surgem novas espécies de operações, e, por conseguinte, a necessidade de um conjunto sistematizado de leis capazes de protegerem o próprio sistema financeiro de um país das vulnerabilidades ou outros riscos que não são acolhidos pela legislação vigente.

Se por um lado, o artigo em tela causava rigidez a essa atividade, por outro, o mesmo era e continua sendo uma garantia aos cidadãos comuns que essa atividade obedeceria aos ditames dos princípios nele contido. Como conseqüência da importância desses princípios, surge uma premente necessidade: dever-se-ia também garantir, constitucionalmente, a aplicação do princípio da função social ao mercado de capitais, pelas seguintes razões:

a)o setor produtivo depende desse mercado, quer por meio de investimento direto em ações, quer por meu meio da atuação de especuladores [67] - principalmente os que atuam no mercado de derivativos - ao assumirem riscos não desejados pelo setor;

b)existe uma tendência dos fundos de pensão, que atuam primordialmente nesse mercado, se desenvolverem muito nos próximos anos no nosso país, e esses têm também, de fato, uma função social, qual seja, devem garantir uma aposentadoria digna para quem não pode mais trabalhar.


5. Uma análise crítica da legislação infraconstitucional do Sistema Financeiro Nacional anterior à Emenda Constitucional n.º 40/03

As mudanças impostas pela globalização ao sistema financeiro resultaram na mudança significativa nas normas da maioria dos países desenvolvidos, mais intensamente a partir da década de oitenta. Nos países emergentes, a situação não foi diferente, embora tenham ocorrido a posteriori (início da década de noventa).

No Brasil, a falta da elaboração da lei complementar disposta no caput do art. 192, a qual deveria conter a estrutura dessas mudanças, atrasou essas modificações, as quais começaram a ocorrer com maior intensidade a partir dos meados da década de noventa, embora existam mudanças datadas do final da década anterior. Como conseqüência, de acordo com a posição adotada no subitem 3.3, a necessidade atropelou o Direito e muitas dessas mudanças que deveriam estar na lei complementar em tela foram feitas ao arrepio da Carta Magna, por meio de lei ordinária ou medida provisória. São exemplos:

a)a alteração da composição do CMN [68]. Essa composição foi inicialmente ampliada pela Lei nº 8.056, de 28.6.1990, que incluiu o Presidente da CVM, o do Banco do Nordeste do Brasil e um representante da classe trabalhadora. Posteriormente foi reduzida para Ministro da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão [69] e Presidente do Banco Central, pelas Medidas Provisórias nº 542/94, 566/94, 596/94, 635/94, 681/94, 731/94, 785/94, 851/94, 911/95, 953/95, 978/95, 1.004/95 e 1.027/95 e, finalmente, pela Lei nº 9.069, de 20.6.1995 (conforme estabelece o seu artigo 8º);

b)aumento de competência do Bacen, por meio:

I-do art. 19 da Lei nº 7.730, de 31.1.1989, que acresceu um novo inciso III ao artigo 10, da Lei nº 4.595/64 e renumerou o restante dos incisos deste. O inciso introduzido atribuiu ao Banco Central competência para determinar o recolhimento de até cem por cento do total de depósitos à vista e de até sessenta por cento de outros títulos contábeis das instituições financeiras, seja por meio de subscrição de Letras ou OTN ou compras de títulos da Dívida Pública Federal;

II-dos artigos 4º, 5º, 8º e 9º da Lei nº 9.447/97, de 14.3.1997, que tratam dos regimes de administração especial temporária (Raet), intervenção e liquidação extrajudicial, que serão aplicados pelo Banco Central;

c) da Lei nº 10.401/02, de 7.1.2002, que alterou os artigos 5º e 6º da Lei nº 6.385/76, transformando a CVM numa agência reguladora.

As alterações da estrutura do CMN refletiram no perfil do órgão em comento, e, como conseqüência, nos normativos emitidos pelo mesmo. Com a redução para três membros, o CMN passou a ser um órgão menos político e mais técnico, portanto, teoricamente, mais ágil, mais adequado às exigências de um mercado financeiro moderno. Contudo, todas essas leis posteriores à promulgação da Carta e essas medidas provisórias estão eivadas de flagrante inconstitucionalidade, já que somente lei complementar pode tratar da revogação dos artigos que dispõem sobre a constituição, a vinculação, a organização e a competência do CMN (pois estão relacionados à estrutura, à ordem e à unidade do Sistema Financeiro Nacional).

Quanto ao aumento de competência do Bacen, a alteração da Lei nº 7.730/89 forneceu ao Banco Central instrumentos para controlar o total de moeda posta em circulação, e, por conseguinte, meios para o controle da infração, sem necessitar da interferência de outros órgãos do Poder Executivo. Relativamente aos artigos da Lei nº 9.447/97, os mesmos tornaram essa autarquia mais célere para a identificação e saneamento das instituições que apresentem problemas de saúde financeira e que podem causar riscos sistêmicos [70]. Todavia, essas atribuições não são simplesmente atividades de mercado ou atividades relacionadas à dinâmica do sistema. São atribuições que, utilizadas ou não, alteram substancialmente o Sistema Financeiro Nacional. Essas matérias, portanto, dizem respeito à estrutura, à ordem e à unidade desse sistema, são matérias que deveriam ser tratadas em lei complementar, conforme dispõe o inciso IV do art. 192, da Carta Ápice.

A mudança da alínea "c" faz parte de uma política de fortalecimento da CVM, a qual foi transformada em agência reguladora nos moldes das agências já existentes, tais como Anatel, Aneel e ANP. Embora necessária, essa mudança é profunda demais para ser realizada por lei ordinária, já que altera a estrutura do mercado de capitais, portanto é inconstitucional também.

Em que pese as posições esposadas neste item e no subitem 2.2.2, tem-se a consciência que, possivelmente, as decisões do STF e STJ sobre essas matérias serão políticas, irão privilegiar a razoabilidade jurídica (por razões de segurança jurídica ou excepcional interesse coletivo) em detrimento da racionalidade lógico-formal, o que significa dizer que as teses levantadas provavelmente não serão aceitas, ou no caso das inconstitucionadades apontadas, se aceitas, aplicar-se-á o art. 27 da Lei nº 9.868, de 10.11.1999, que permite a restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que a mesma só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento determinado. Relativamente a quaisquer análises de constitucionalidade, Inocêncio Mártires Coelho conclui também que as mesmas estão sujeitas a juízos políticos [71], observando que tal fato se daria "porque assim exige a natureza das coisas e porque a vida do direito não tem sido lógica, tem sido experiência..." [72]. Contudo, essas inconstitucionalidade e ilegalidades desveladas servem para corroborar a demonstração de que a EC nº 40/03 é vantajosa para o direito pátrio, conforme será concluído no item 7.


6. O art. 192 após a Emenda Constitucional n.º 40/03

Em 29.5.2003, com a Emenda Constitucional nº 40/03, o art. 192 passou a ter a seguinte redação: "Art. 192. O sistema financeiro nacional estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares, que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram".

Como se pode ver, os incisos foram retirados de seu texto, desconstitucionalizando praticamente quase todas as matérias relativas ao Sistema Financeiro Nacional, exceto as que constavam nos inciso III e VIII do mesmo que foram inseridas no caput desse artigo, conforme, respectivamente, a seguir:

a)a participação do capital estrangeiro nas instituições financeiras, todavia, essa matéria entrou sem as finalidades que existiam anteriormente nas alíneas do inciso em epígrafe, quais sejam, atender aos interesses nacionais e aos acordos internacionais;

b)as matérias relativas às cooperativas de crédito, para não deixar dúvidas que as mesmas estão contidas no Sistema Financeiro Nacional.

Pelas expressões "em todas as partes que o compõe" e "regulado por leis complementares", a partir de então, tanto o mercado financeiro quanto o de capitais estão disciplinados neste artigo, portanto, esses mercados devem se subordinar aos princípios neles contidos e devem ser regulados por leis complementares, mas somente quanto à estrutura, à ordem e à unidade do Sistema Financeiro Nacional.

Essa deve ser a interpretação a ser adotada pela doutrina brasileira, pois, caso se interprete que qualquer matéria relativa ao Sistema Financeiro Nacional necessite de lei complementar, não se obterá a flexibilidade que o mundo do ser está a exigir. Todavia, por não ser muito clara a linha que separa as matérias relativas à ordem, à unidade ou à estrutura do Sistema Financeiro Nacional e as matérias que tratam apenas da parte dinâmica, relativas à atividade de mercado, pode-se vislumbrar que haverá dúvidas se as mesmas serão dispostas em lei complementar ou ordinária, por conseguinte, discussões jurídicas acaloradas irão surgir sobre a questão.

Finalmente, faz-se necessário informar que a EC nº 40/03 introduziu mudanças relacionadas ao Sistema Financeiro Nacional em outros dispositivos constitucionais, quais sejam:

a)ao alterar a redação do inciso V do art. 163, da Carta, de "fiscalização das instituições financeiras" para "fiscalização financeira da administração pública direta e indireta", deixou claro que a fiscalização das instituições financeiras não deve figurar no capítulo de finanças públicas;

b)para compatibilizar a introdução da expressão "participação do capital estrangeiro" no caput do art. 192 e a supressão do inciso III da redação anterior, fez-se necessário retirar a referência a esse inciso no art. 52, do ADCT [73].


7. As vantagens da reforma do art. 192 da Carta Magna

Do exposto, pode-se concluir que as vantagens da reforma do art. 192 da Constituição Federal, sob a ótica jurídica, são as seguintes:

a)hoje não há dúvidas, tanto o mercado financeiro como o de capitais estão sobre os ditames dos princípios explícitos e implícito dispostos nesse artigo;

b)como a possibilidade de se emitir diversas leis complementares, as mudanças estruturais necessárias ao Sistema Financeiro Nacional serão mais tempestivas e estarão em conformidade com as regras do direito, e não da forma mais lenta e ao arrepio do mesmo, como vinha sendo feita;

c)como conseqüência da alínea anterior, aumenta efetivamente a participação do Congresso Nacional na elaboração de matérias relativas ao Sistema Financeiro Nacional [74];

d)elimina os incisos e parágrafos inócuos da redação anterior, que não tinham efeito prático algum;

e)põe fim ao limite de 12 % ao ano para a taxa de juros reais em operações realizadas por instituições financeiras, já que o efeito na economia nacional poderia ser muito negativo, conforme já exposto, o que poria em risco o próprio Estado brasileiro [75];

f)finalmente, é o marco inicial para outras mudanças necessárias que deverão ocorrer na legislação do Sistema Financeiro Nacional.


NOTAS

1 SILVA, José A. da. Curso de Direito Constitucional positivo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 800. Esse autor divide o sistema financeiro em privado e público, este disposto nos arts. 163 a 169 da CF.

2 SOUZA, Washington P. A. de. Teoria da Constituição Econômica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 136.

3 Ibidem. p. 139. Ao analisar a evolução da Constituição Econômica no Brasil, onde se encontra o Sistema Financeiro Nacional, Whashigton de Souza conclui o seguinte: "Esperamos ter trabalhado os elementos capazes de se demonstrar que a Constituição Econômica brasileira não se originou e nem se consolidou por mera imposição circunstancial e por capricho dos legisladores constituintes, em cada época. Ao contrário, provém das mutações ideológicas experimentadas pela realidade brasileira e, neste caso, em consonância com aquelas que se processavam nos principais países em busca de adequação à realidade".

4 Todavia, o mesmo não se pode dizer a respeito dos meios de elaboração da legislação ordinária, incluída a relacionada ao Sistema Financeiro Nacional, já que, nesse caso, os constituintes da atual Carta tinham as suas visões voltadas para o passado, para a democracia existente no Brasil antes do golpe militar, e não para o mundo do ser presente e futuro. Esses constituintes mantinham uma visão tradicional do princípio da legalidade e da divisão dos três poderes, o que significa dizer que: salvo a elaboração de leis delegadas e medidas provisórias pelo Executivo, somente o Legislativo poderia emitir normas ordinárias; e, salvo os atos normativos emitidos por órgãos do Executivo com fulcro no inciso I, art. 25, ADCT, CF e no inciso VI, art. 84, CF (exceção criada com a nova redação estabelecida pela EC nº 32/01), não existem regulamentos autônomos e autorizados.

5 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 13, de 22.8.96. A redação original era a seguinte: " II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador e do órgão oficial ressegurador".

6 A nova redação é a seguinte: "Art. 192 - O sistema financeiro nacional estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares, que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram".

7 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 136. Conforme esse autor, "[ii] princípios implícitos, inferidos como resultado da análise de uma ou mais preceitos constitucionais ou de uma lei ou conjunto de textos normativos da legislação infraconstitucional [...]".

8 VILLA VERDE FILHO. Erasto Carvalho. A Função Social do SFN na Constituição de 1988. 2000. 98 f. Monografia (Curso de pós-graduação em Direito Econômico e da Empresas, latu sensu, terceira turma). FGV, Brasília. p. 51.

9 Ibidem. p. 49.

10 MELLO, Celso A. Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 30 a 35.

11 DI PIETRO, Maria S. Zanella. Direito Administrativo. 15 ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 665.

12 Ibidem. p. 28. Esse autor dispõe o seguinte: "Assim, conquanto na dicção do art. 192 não conste explicitamente a expressão "função social", ao estabelecer que o sistema financeiro nacional há de ser estruturado de forma a "promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade", implicitamente, a Constituição da República está introduzindo o princípio da função social do sistema financeiro nacional".

13 BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1990, 7 vol. p. 358.

14 SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 800.

15 FREIRE, Marusa Vasconcelos. O Sistema Financeiro: estrutura, organização e desenvolvimento, elementos para uma visão crítica na sua regulamentação. 1998. 359 f. Dissertação (Mestrado em Direito): Faculdade de Direito. Unb. Brasília. p. 11.

16 Apud. NUNES, Simone Lahorgue. Os Fundamentos e os limites do poder regulamentar no âmbito do mercado financeiro. São Paulo: Renovar, 2000. p. 34.

17 VILLA VERDE FILHO. Erasto Carvalho. Op. cit. p. 49.

18 COMPARATO, Fábio Konder. Ordem Econômica na Constituição brasileira de 1988. Revista do Direito Público Vol. 23, nº 93. In: GONÇALVES, José A. Lima (Org.). Cadernos de Direito Econômico e Empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 273.

19 NUNES, Simone Lahorgue. Op. cit. p. 63.

20 STF, Adin nº 004-7/DF, Tribunal Pleno, Min. Relator Sidney Sanches, D J, 25.6.1993.

21 POR SINAL. Revista do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central. O Brasil é o campeão do lucro bancário e do crédito escasso. Brasília: Letra Viva Comunicação, ano 2, nº 4, 2002, p. 28 a 44.

22 MINELLA, Ary César. Globalização financeira e as associações de bancos na América Latina. Disponível em http://www.bu.edu/sthacker/minelli-n01.doc. Acesso em 28.10.2002.

23 Entretanto, hoje, no governo de Luis Inácio Lula da Silva, devido a pressões do capital externo, especificamente para fixação das taxas de juros básicas da economia (Selic), o Banco Central (via Copom) atua de fato como um verdadeiro banco central autônomo.

24 Essa lei, em consonância com o § 1º do art. 164 da Carta Magna, especificamente para o Banco Central, proíbe que o mesmo emita títulos da dívida pública a partir de dois anos da emissão dessa Lei Complementar (art. 34), e veda a compra de títulos da dívida do Tesouro Nacional por essa autarquia, na data de colocação por aquele no mercado (art. 39).

25 Um dos pontos que mais havia divergência entre o novo e o velho Estado, entre a nova democracia e a falecida ditadura, era a questão do equilíbrio entre os poderes. O período dos governos militares tinha se caracterizado pelo desequilíbrio entre esses, já que o Poder Executivo elaborava, além de uma infinidade de decretos-lei, um imenso número de regulamentos autônomos e autorizados. Para reduzir essas discrepâncias, privilegiando o princípio da separação dos três poderes e o princípio da legalidade, o constituinte procurou dar um basta a esses abusos; todavia, o Poder Legislativo não estava preparado para assumir, de imediato, todas as suas competências que foram delegadas ou atribuídas a órgãos do Executivo, razão pela qual algumas poderiam ser prorrogadas por um período determinado.

Com esse intuito, no inciso I do artigo 25, do ADCT, foi disposto o seguinte: "art. 25. Ficam revogadas, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito esse prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência normativa assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange: I – ação normativa; [...]".

26 Conforme a redação a seguir: "Art. 73. O art. 1º da Lei nº 8.932, de 30 de dezembro de 1991, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 1º. É prorrogado até a data da promulgação da lei complementar de que trata o art. 192 da Constituição Federal o prazo a que se refere o art. 1º das Leis nº 8.056, de 28 de junho de 1990, nº 8.127, de 20 de dezembro de 1990 e nº 8.021, de 29 de junho de 1991, exceto no que se refere ao disposto nos arts. 4º, inciso I, 6º e 7º, todos da Lei nº 4.595 dezembro de 1964". Os artigos 1ºs das Leis nº 8.056/90, nº 8.127/90 e 8.021/91 prorrogam a vigência dos dispositivos legais que haviam atribuído ou delegado ao CMN competência assinalada ao Congresso Nacional.

27 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 585. Segundo seus ensinamentos: "Excepcionalmente, porém, a Constituição Federal previu duas hipóteses em que o controle de constitucionalidade repressivo será realizado pelo próprio Poder Legislativo. Em ambas as hipóteses, o Poder Legislativo poderá retirar normas editadas, com plena vigência e eficácia, do ordenamento jurídico, que deixarão de produzir seus efeitos, por apresentarem vício de inconstitucionalidade. [...]. A primeira hipótese refere-se ao art. 49, V da Constituição Federal, que prevê competir ao Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.[...]".

28 A redação atual do caput, estabelecida pela Lei nº 6.045, de 15.5.1974, dispõe o seguinte: "Art. 4º . Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República: [...]".

29 GRAU, Eros Roberto. Direito posto e direito pressuposto. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 253. Para esse jurista: "[...]II – regulamento autorizados, que são os que, decorrendo de atribuição do exercício de função normativa explícita em ato legislativo, importam o exercício pleno daquela função – nos limites da atribuição – pelo Executivo, inclusive com a criação de obrigação de fazer ou deixar de fazer alguma coisa; [...]".

30 Entre outras jurisprudências: STF, RE n º 191229-SP, Min Rel. Ilmar Galvão, DJ, 13.09.1996 e RE n.º 211.176-7, Min. Rel. Octávio Gallotti, DJ, 13.02.1998. Esse posicionamento do STF é contrário à tese de parte da doutrina que se posiciona pela revogação dos próprios atos normativos quando não houver a prorrogação legal disposta no art. 25 do ADCT, CF.

31 Existem decisões judiciais nesse sentido. Por exemplo, em 18.1.2001, José Alexandre Franco, juiz federal substituto da 1º região, quando da substituição do juiz titular da 6ª Vara Justiça Federal de Belo Horizonte, decidiu procedente a ação popular (Pt. nº 1999.38.00.037121-7) impetrada pela funcionária do Banco Central, Márcia Silveira Barbosa, cujos réus são a União, o Banco Central, o seu então Presidente, Armínio Fraga Neto, e o seu Diretor de Administração, Édison Bernades, ao declarar nulidade de atos administrativos que reestruturaram o Banco Central do Brasil devido ao vácuo legal entre as MPs nº 45/89 e 53/89. Hoje, essa ação se encontra no TRF da 1º Região, na fase de conclusão ao Relator (no caso, o Desembargador Federal José Amílcar Machado).

32 MORAES, Alexandre de. Op. cit. p. 614. Nas lições desse jurista: "O Supremo Tribunal Federal, excepcionalmente, tem admitido ação direta de inconstitucionalidade cujo objeto seja decreto, quando este, no todo ou em parte, manifestamente não regulamenta lei, apresentando-se , assim, como decreto autônomo. Nessa hipótese, haverá possibilidade de análise de compatibilidade diretamente com a Constituição Federal para verificar-se a observância do princípio da reserva legal.

Assim, em relação aos decretos presidenciais (CF, art. 84, IV), o Supremo Tribunal Federal, após consagrar o entendimento de que existem para assegurar a fiel execução das leis, entende possível o controle concentrado de constitucionalidade dos denominados decretos autônomos, afirmando que "não havendo lei anterior que possa ser regulamentada, qualquer disposição sobre o assunto tende a ser adotada em lei formal. O decreto seria nulo, não por ilegalidade, mas por inconstitucionalidade, já que supriu a lei onde a Constituição exige".

Nos demais casos, a questão situa-se somente no âmbito legal, não possibilitando o conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade.

Assim, decreto executivo que, editado para regulamentar a lei, venha a divergir de seu sentido ou conteúdo, extravasando a previsão do art. 84, IV, da Constituição Federal (insubordinação executiva), não poderá ser objeto de inconstitucionalidade, mesmo que essa violação reflexa e indiretamente, atinja o texto constitucional, pois o regulamento contrário à lei é ilegal".

33 Apud. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. p. 182 e 183.

34 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 53.

35 Ibidem. p. 55. Segundo Clèmerson M. Clève: "A multiplicação da atividade legislativa do Estado foi severamente criticada. Primeiro, porque o processo de interpenetração entre o direito e a economia, o jurídico e o social, conduziu à juridicização de tudo, com as mais graves incovenientes. Em segundo lugar, porque tal processo banalizou o direito, retirando dele o seu caráter sagrado. Depois, porque a inflação legislativa23 corrompeu um princípio caro ao universo jurídico: a presunção de que todos conhecem a lei.[...]".

36 FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 128 e 133. No mesmo sentido, mostra que, devido ao aumento da intervenção estatal na vida dos cidadãos e à exigência da sociedade técnica para elaboração de leis cada vez mais tempestivas, o Estado começou a emitir, desenfreada e desordenadamente, leis e atos normativos. As conseqüências negativas mais evidente dessa atuação estatal são a perda da capacidade de avaliar o exato valor jurídico das normas editadas e dos atos e comportamentos que disciplina, a dificuldade da sociedade para recepcioná-los e compreendê-los, e finalmente, a desvalorização do próprio direito positivo.

37 AMARAL, Gardel e NETTO, Miguel G. de Nóbrega. O processo legislativo na Câmara dos Deputados. São Paulo: Associação Religiosa Imprensa da Fé, 2001. p. 73 e 74. Desse Manual de Regimento Interno, destaca-se: "A tramitação dos projetos de código na Câmara, pela complexidade das matérias que se propõe regular, mereceu um conjunto específico de dispositivos regimentais. Os arts. 205 a 211 prevêem, por exemplo, a instituição de Comissão Especial para análise detalhada do projeto.

São projetos de lei ordinária que não têm tramitação ordinária. Sua tramitação é especial. Por isso está regulada no Título VI - Das Matérias Sujeitas a Disposições Especiais. Entre as características da tramitação dos projetos de código, podemos destacar as seguintes: a)são projetos que necessariamente vão ao Plenário. Sabemos que emendas aos projetos de Plenário somente podem ser apresentadas em Plenário, durante a discussão. Mas no caso dos projetos de código, as emendas são apresentadas na própria Comissão Especial, como ocorre com as PECs; b) é prevista a indicação de relatores-parciais e relator-geral; c) não é permitida a tramitação simultânea de mais de dois projetos de código; d) não há limite numérico de sessões para que os projetos de código permaneçam na Ordem do Dia em discussão (art. 168); e) os projetos de código são discutidos e votados em sessões exclusivas; f) O pedido de urgência do Presidente da República não se aplica aos projetos de código (art. 204 § 2º); g) em geral, as redações finais são elaboradas pela CCJR. No caso do projetos de código, assim como no caso das PECS, são elaboradas pela Comissão Especial encarregada de sua análise".

38 Apud. SADDI, Jairo. Por um código do Sistema Financeiro Nacional. Disponível em: http://www.saddi.com.br/art.24.htm. Acesso em 28.7.2002.

39 MORAES, Alexandre de. Op. cit. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 184 a 188. Esse autor ensina que, quanto ao mandado de injunção, existem duas grandes posições: concretista e não-concretista. A não-concretista, que é a posição dominante no STF, atribui ao mandado de injunção a finalidade específica de reconhecer formalmente a inércia do Poder Legislativo, para que este tome as medidas cabíveis. A concretista é dividida em duas partes: a geral e individual. Para a concretista geral, que não tem adeptos no STF, a decisão do Judiciário criaria uma norma de caráter geral, com efeito erga omnes, saneando a omissão do Legislativo. Para posição concretista individual, a norma a ser criada só valeira para o caso em concreto, ou seja, para o autor do mandado de injunção. Quanto ao momento de suprir essa omissão, essa corrente se divide em dois ramos: a concretista individual direta e a concretista individual indireta. O primeiro ramo, que, no STF, é representado pelas posições do então Ministro Carlos Velloso e do Ministro Marco Aurélio Mello, dispõe que o STF criaria imediatamente a lei para o caso concreto. Finalmente, para concretista individual indireta, representada pelo voto isolado de Néri da Silveira, após o STF julgar procedente o mandado de injunção, fixa um prazo de 120 dias para a elaboração da norma regulamentadora. Caso não seja cumprido esse prazo, continuando a inércia do Legislativo, o próprio STF a concretiza.

40 SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 448.

41 DERANI, Cristiane. Parecer sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade - nº 2.591. Disponível em http://www.brasilcon.org/adiparecercristiane.htm. Acesso em 03.07.2003. Nesse sentido, observa essa autora.

42 SOUSA, Washington P. A. de. Op. cit. p. 137.

43 SILVA, José A. da. Op. cit. p. 802. Esse jurista tem uma posição precisa: "Por tudo isso é que nos parece inteiramente inútil este capítulo da Constituição. No geral, até porque tudo isso que ela manda que a lei complementar faça já está, por regra, feito na lei em vigor. É absolutamente sem propósito está a constitucionalizar normas que já constam de lei ordinária e não estão exigindo nada de especial quanto à sua estabilidade".

44 SOUSA, Washington P. A. de. Op. cit. p. 136.

45 VASCONCELOS, Marcos R; STRACHMAN, Eduardo e FUCIDJI, José Ricardo. Concentração mundial bancária: causas e potenciais efeitos. Disponível em http://www.ufrgs.br/cpge/anpecsu/200/textospcdf/artigo42.pdf. Acesso em 28.12.2002.

46 ROCHA, Fernando A. Sampaio. Evolução da concentração bancária no Brasil. Disponível em http://www.bcb.gov.br . Acesso em 5.2.2003.

47 SOUSA, Washington P. A. de. Op. cit. p. 137.

48 APUD. TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003. p. 380 e 381.

49 SILVA, José A. da. Op. cit. p. 800. Conforme esse autor: "Pronunciamo-nos, pela imprensa, a favor de sua aplicabilidade imediata, porque se trata de uma norma autônoma não subordinada à lei prevista no caput deste artigo, Todo o parágrafo, quando tecnicamente bem situado, (e este não está, porque contém autonomia de artigo), liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem autonomia normativa. veja-se, por exemplo, o § 1º do artigo 192. Ele disciplina assunto que consta dos incs. I e II do artigo, mas suas determinações, por si são autônomas, pois uma vez outorgada qualquer autorização, imediatamente ela fica sujeita às limitações impostas no citado parágrafo.

Se o texto, em causa, fosse um inciso do artigo, embora com normatividade formal autônoma, ficaria na dependência do que viesse a estabelecer a lei complementar . Mas, tendo sido organizado num parágrafo, com normatividade autônoma, se referir-se a qualquer previsão legal ulterior, detém eficácia plena e aplicabilidade imediata. O dispositivo, aliás, tem autonomia de artigo, mas a preocupação muitas e muitas vezes revelada a longo da elaboração constitucional, no sentido de que a Carta Magna de 1988 não aparecesse com demasiado número de artigos, levou a Relatoria do texto a reduzir artigos a parágrafos e uns e outros, não raro, a incisos. Isso, no caso em exame, não prejudica a eficácia do texto.

"Juros reais" os economistas e financistas sabem que são aqueles que constituem valores efetivos, e se constituem sobre toda a desvalorização da moeda. revelam ganho efetivo e não simples modo de corrigir desvalorização monetária.

As cláusulas contratuais que estipulam juros superiores são nulas. A cobrança acima dos limites estabelecidos, diz o texto, será conceituada como crime de usura, punido , em todas as suas modalidades, nos termos que a lei dispuser. Neste particular, parece que a velha lei da usura (Dec. 22.626/33) ainda está em vigor".

50 BASTOS, Celso Ribeiro e MARTINS, Ives Gandra. Op. cit. p. 444. Os mesmos dispõem o seguinte: "Fica claro, pois, que o sistema financeiro não saí já requisitado do próprio texto constitucional. Esta regulação só será obtida mediante o advento da lei complementar que encontra, nos diversos incisos e parágrafos do mesmo artigo, as suas diretrizes e parâmetros. Mas é curial que nenhum dos preceitos aí contidos, sejam eles incisos, parágrafos e alíneas, não podem ser aplicados sem a prévia edição da lei complementar requerida pelo caput do art. 192.

Não há qualquer vislumbre de procedência na argumentação de que, por constar do parágrafo próprio, a fixação dos limites dos juros reais também estivesse sujeita à disposição preambular do artigo.

Este é um todo complexo, que decompõem-se em cabeça, parágrafos e incisos e alínea. Mas, como parte de um todo, quaisquer que sejam estes preceitos, não importando a sua categoria ou qualificação, todos subordinam-se à regra fundamental contida no caput. Não há, portanto, uma autonomia do parágrafo a ponto de poder colocá-lo em conflito com o preceito maior que o encabeça. Para que o parágrafo pudesse conter norma antagônica ao contido no exórdio da norma, indispensável seria que o próprio parágrafo excepcionador dispusesse expressamente que ele constitui ressalva.

Diante de sua emissão, ele é sempre interpretado em harmonia com a cabeça do artigo. Nada nele encontramos que possa isentá-lo da exigência genérica para todo o sistema financeiro, de sua veiculação por lei complementar.

O aludido parágrafo, adversamente, reforça de maneira expressa a sua não-incidência imediata, ao menos no que respeita à previsão da penalidade para sua infringência. Alude à necessidade de lei complementar para definir o que seja crime de usura. Como se pode definir crime de usura sem antes explicar o que seriam os juros reais? Aonde ficaria o princípio da tipicidade penal inserido no rol dos direitos individuais?".

51 Entra em confronto com vários dispositivos constitucionais, tais como os fundamentos da cidadania (art. 1º, II), da dignidade da pessoa humana (art. 1º, caput e III, e art. 170, caput) e do valor social do trabalho (art. 1º, IV), os princípios da legalidade (art. 5º, II), da busca do pleno emprego (art. 170, VIII) e os constantes do caput do art. 192. Também afronta outros direitos e garantias constitucionais, tais como o direito de propriedade (art. 5º, XXII e art. 170 , II) e o direito de defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, e art. 170, VI).

52 FRANÇA, Paulo. A limitação da taxa de juros reais em 12 % ao ano. Revista Conjuntura Econômica, mês novembro. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1988, p. 128 e 129. Esse autor, à época da elaboração da Carta Magna, agrupou as conseqüências negativas à economia nacional que poderiam ocorrer caso o limite de 12 % ao ano fosse então aplicado, conforme a seguir: a) a fuga do capital estrangeiro nas modalidades especulação e investimento a longo prazo, o qual seria diretamente afetado pelas taxas de juros internacionais; b) a redução substancial das diferenças entre as diversas taxas de mercado, tanto na operação de empréstimo como na captação de recursos, o que dificultará as políticas de estímulo e desistímulo a determinadas operações financeiras que poderiam ser reconhecidas pelas circunstâncias conjunturais; c) a redução do número de bancos comerciais, o que pode representar menos dinheiro disponível para financiamentos; d) a desintermediação financeira, ou seja, a realização de operações típicas de instituições financeiras fora do sistema financeiro legal; e) a incompatibilidade com o nível de carga tributária, até então exigida, sobre as operações financeiras ativas e passivas; f) a perda da transparência do nível praticado de taxas de juros, já que as instituições financeiras passariam a exigir maior reciprocidade dos clientes; g) o desistímulo à poupança financeira, principalmente as aplicações de longo prazo, que exigem taxas de juros flexíveis, de acordo com os riscos envolvidos; h) dificuldade para o Bacen conduzir a política monetária (citada no texto principal); e i) a necessidade de aplicação de uma política fiscal mais rígida, devido à dificuldade de financiamento interno e externo (situação que se transformou na impossibilidade de rolagem da dívida interna e externa).

53 POR SINAL. Revista do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central. O Brasil é o campeão do lucro bancário e do crédito escasso. Brasília: Letra Viva Comunicação, ano 2, n.º 4, 2002, p. 28 a 44.

54 Ibidem. p. 28.

55 LUNDEBERG, Eduardo Luis (Org.) Juros e spread bancário no Brasil. Avaliação de 1 ano de projeto. Disponível em http://www.bcb.gov.br/mPag.asp?perfil=1&cod=889&codP=890&idioma=P. Acesso em 19.8.2003. Deste relatório, extraí-se que o spread bancário pode ser definido como o diferencial entre a taxa de captação e a taxa de aplicação dos recursos financeiros (custos ao tomador). Pode ser decomposto em despesas administrativas, de inadimplência, impostos diretos e indiretos e a margem líquida (que contém a margem de lucro).

56 Apud. MORAES, Alexandre de. Op. cit. p. 549.

57 Apud. PFEIFER, Roberto A. C. Constititcionalidade da Submissão dos serviços de natureza bancária, financeira, de créditos e securitária ao Código de Defesa do Consumidor. Disponível em http://www.google.com.br/seach?=cache:w29a2jhBiEEJ:www.mp.sp.gov.br/caoconsumidor. Acesso em 23.06.2003. José Afonso da Silva critica a tese esposada por Hugo de Brito Machado, de que a lei complementar pode ter um contexto meramente formal, sendo, portanto, sempre superior à lei ordinária, conforme a seguir: "Demais, a admitir a doutrina do autor [Hugo de Brio Machado], ingressaríamos, nesse assunto, num mero nominalismo inconseqüente, porque bastaria pôr o nome num ato legislativo de lei complementar para que tivesse essa natureza, sem nenhuma correspondência às exigência constitucionais; e estaríamos banalizando o conceito, podendo até supor uma situação radical em que viríamos a ter apenas leis complementares, e aí elas não seriam mais do que leis ordinárias, bem ordinárias".

58 DERANI, Cristiane. Op. cit.

59 STF, Adin n.º 449-2/DF, Tribunal Pleno. Min. Rel. Carlos Velloso, DJ, 22.11.1996.

60 Estava expresso o seguinte: "Os funcionários do quadro de pessoal próprio permanecerão com seus direitos e garantias regidos pela legislação de proteção ao trabalho e de previdência social, incluídos na categoria profissional de bancários".

61 Esse artigo dispunha o seguinte: "Enquanto não for editada a Lei Complementar de que trata o art. 192 da Constituição Federal, os servidores do Banco Central do Brasil continuariam regidos pela legislação em vigor à data da publicação desta lei".

62 STF, Adin n.º 2.223-7/DF, Tribunal Pleno. Min. Rel. Maurício Corrêa, DJ, 05.12.2003.

63 O sistema financeiro é formado pelo mercado financeiro e de capitais. No primeiro, o dinheiro é considerado uma mercadoria, sendo formado pelos mercados de crédito, monetário e de câmbio, enquanto o segundo é formado pelo mercado de títulos e valores mobiliários. Essa classificação foi utilizada no art. 1º da Lei n.º4.728/65, "os mercados financeiro e de capitais serão disciplinados pelo Conselho Monetário Nacional e fiscalizados pelo Banco Central da República do Brasil", e no inciso VII do art. 11 da Lei n.º 4.595/64, ao dispor sobre a competência do Banco Central, "exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre empresas que, direta, ou indiretamente, interfiram nesses mercados em relação às modalidades ou processos operacionais que utilizem".

64 NUNES, Simone Lahorgue. Op. cit. p. 31.

65 SILVA, José A. da. Op. cit. p. 801.

66 BASTOS, Celso Ribeiro, e MARTINS, Ives Gandra. Op. cit. p. 360.

67 Geralmente, a especulação é saudável para o setor produtivo, já que o especulador assume os riscos para alguém, que pode ser um produtor primário, uma indústria, um comerciante, um investidor etc. A especulação nociva é aquela em que o especulador tem uma sede muito grande de lucros a curto prazo, e, para sua obtenção, assume riscos excessivos, manipula o mercado quando tem poder para tal, inclusive realizando o insider trading.

68 Antes da atual Constituição Federal, a Lei nº 4.595/64 trazia a seguinte composição: Ministro da Fazenda; Presidente do Banco do Brasil S.A; Presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) e seis membros nomeados pelo Presidente da República após aprovação do Senado Federal. Posteriormente, em tempos de governo militar, a estrutura do CMN foi ampliada; inicialmente pelo Decreto nº 65.769, de 2.12.1969, que incluiu os Ministros do Planejamento e Coordenação Geral, da Agricultura, da Indústria e do Comércio, do Interior e o Presidente do Bacen; e, em seguida, pelo Decreto nº 71.097, de 14.9.1972, que incluiu o Presidente do Banco Nacional de Habitação (BNH) e o Presidente da Caixa Econômica Federal (CEF).

69 Reorganização do ministério e respectivo cargo dados, respectivamente, pelo inciso 17 do art.27 e pelo inciso 17 do art. 25, ambos da Lei nº 10.683, de 28.5.2003.

70 CORTEZ, Thiago Machado. O conceito de risco sistêmico e suas implicações para a defesa da concorrência no mercado bancário. In CAPILONGO, Celso F Rocha, Jean P. C. V. de. e MATTOS, Paulo T. L. (Org.). Concorrência e regulação no sistema financeiro. Curitiba: Max Limonad, 2002. p. 317 e 318. Cortez utiliza a definição de Julia Black, a qual conceitua esse risco como "o risco que uma quebra (de uma firma, de um segmento de mercado, do sistema de pagamentos etc.) cause dificuldades generalizadas em outras firmas, outro segmento de mercado, ou sistema financeiro como um todo, através do contágio do efeito dominó, expectativas convergentes, rumores e especulação". O autor ensina que essa definição passa a ser completa se o termo "dificuldades" for entendido como prejuízos consideráveis a terceiros, portanto, dois elementos devem ser considerados: o choque, acontecimento inicial que gera o risco, e os mecanismos de propagação. Especificamente para o setor bancário, devido à criação de uma série de mecanismos para absorção de choques e à regulação prudencial, o termo "dificuldades" não é adequado, já que uma parte dessas é absorvida, não se propaga. Se o choque é absorvido pela empresa, diz-se que o evento sistêmico é fraco, caso contrário é forte, causa a quebra da empresa. Por conseguinte, conforme Cortez, para o setor bancário, a melhor definição de risco sistêmico é dada por Bandt e Hartmann, os quais definem risco sistêmico como "o risco de que ocorram eventos sistêmicos no sentido forte".

71 COELHO, Inocêncio Mártires. Constitucionalidade/inconstitucionalidade: uma questão política? (*). Disponível em http://www.idp.org.br/caderno_virtual/caderno_12.htm. Acesso em 08.01.2003. Esse autor conclui: "Assente que as constituições modernas, pelo menos em sua parte dogmática, estruturam-se como sistemas abertos de regras e princípios, cuja linguajem é necessariamente polissêmica e indeterminada, que ainda hoje, à escolha do método é o grande problema de hermenêutica jurídica; que não existe uma relação hierárquica fixa entre os critérios de interpretação; que todos os métodos de interpretação conduzem sempre a um resultado apenas possível, nunca a um resultado que seja o único correto; que a questão do método justo em direito constitucional é um dos problemas mais controvertidos e difíceis da moderna doutrina juspublicista; que, atualmente a interpretação das normas constitucionais é um conjunto de métodos diferentes, mas, em geral, reciprocamente complementares; que essa pluralidade de métodos se converte em veículo de liberdade do juiz, o qual, por isso mesmo, acaba por escolher o método em função do resultado que, estimando correto e justo, pretenda alcançar em cada caso; que, finalmente, como derradeiras instâncias de aplicação de direito, as cortes constitucionais proferem veredictos insustíveis de revisão, se tudo isso for verdadeiro, então pode-se concluir que esses veredictos eqüivalem a erratas e adendas das constituições, e que a questão da constitucionalidade/inconstitucionalidade fica sujeita a juízos políticos sobre a validade das leis, assim entendidas a sua conveniência, oportunidade e razoabilidade, conceitos abertos e indeterminados cuja densificação depende da pré-compreensão e da ideologia dos magistrados que exercem a jurisdição constitucional".

72 Ibidem

73 A redação anterior dispunha o seguinte: "Art. 52. Até que sejam fixadas as condições a que se refere o art. 192, III, são vedados: [...]". Com a EC nº 40/03, o artigo em epígrafe agora expressa: "Art. 52. Até que sejam fixadas as condições a que se refere o art. 192 , são vedados:[...]".

74 Tanto o disposto nesta alínea como na anterior não resolvem as inconstitucionalidades e ilegalidades resultantes da emissão de atos normativos por parte do CMN, consoante disposto anteriormente neste texto.

75 O SFT, por meio da Súmula 648, põe fim à discussão sobre a limitação da taxa de juros, ao dispor: "A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12 % ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar".


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LOBATO NETO, Lucival Lage. As vantagens advindas com a reforma do art. 192 da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 253, 17 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4983. Acesso em: 28 mar. 2024.