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Arbitragem e os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor

Arbitragem e os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor

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Resumo: Nas últimas décadas verifica-se que as atenções em torno do tema da proteção do consumidor vem aumentando, motivo que nos remete diretamente à importância do problema estudado. Como se sabe, em nosso país a norma consumerista é de ordem pública, um verdadeiro microssistema que acompanha a tendência das modernas legislações e introduz um regime legal específico. A luz deste "pequeno-grande" diploma pretendemos demonstrar a viabilidade da utilização de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo, assegurando aos consumidores proteção administrativa e técnica, facilitação da defesa de seus direitos, e aos fornecedores educação e informação tendo como farol a busca constante da melhoria do mercado de consumo. Neste breve estudo, vasculhando superficialmente a experiência internacional encontramos casos promissores de aplicação da arbitragem às lides de consumo, cujo exemplo mais feliz é o espanhol. Nossa legislação, capitaneada pelo espírito moderno de seus autores, nos convida a abandonar o ceticismo daqueles que fecham os olhos aos benefícios da solução arbitral de conflitos. De forma geral, admitiu-se a convivência pacífica do intervencionismo estatal ao lado da solução privada das lides, expressão maior da harmonização dos interesses de consumidores e fornecedores. É assim, com os pés firmes no solo da realidade e olhar fixo no futuro, que pretendemos palmilhar o caminho que nos levará a percorrer a amplidão legislativa de consumo.

Sumário: Introdução. 1. Arbitragem, afastando preconceitos – 1.1. Desenvolvimento legislativo no Brasil – 1.2. A experiência espanhola e argentina em arbitragem de consumo – 1.3. Direito do consumidor: histórico e aplicação – 1.4. Identificando a relação de consumo – 1.5. Relação de consumo no direito brasileiro: um conceito mais amplo – 4. Principais características da arbitragem no Brasil – 4.1. A questão da constitucionalidade da Lei 9.307/96 – 4.2. Arbitrabilidade das relações jurídicas de consumo no Brasil – 5. Os órgãos públicos integrantes do SNDC e a arbitragem – 5.1. Atribuições dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) – 5.2. Instalação da arbitragem de consumo nos órgãos públicos integrantes do SNDC – vantagens – 6. Conclusão.


Introdução

Conforme veremos, com o transcorrer do tempo a arbitragem deixa de ser mera especulação doutrinária e começa a vencer a falta de tradição e o desprestígio legislativo para ceder passo a uma inspiração moderna calcada, de um lado, na experiência internacional, e de outro, nas peculiaridades do processo brasileiro.

Dentro dos limites traçados pela Lei Marco Maciel (Lei de Arbitragem) e da sólida ponte que pode ser construída entre ela e o Código de Defesa do Consumidor, é que chegamos à conclusão de que a revolução dos conceitos exige a revisão das normas, uma vez que estas regulam os comportamentos.

Assim, com vistas a buscar respostas para questões práticas que diariamente são discutidas à nossa volta, procuramos estruturar nosso trabalho de maneira igualmente prática.

Para tanto, iniciamos o trabalho relatando o histórico da arbitragem no Brasil em fora dele.

Adiante, adentraremos ao estudo da atual Lei de Arbitragem, para só então defender sua plena e salutar aplicação aos conflitos de consumo. Mais à frente ousamos sustentar a criação de um Tribunal Arbitral de Consumo.

Dentro desta subdivisão do trabalho, foi nossa diretriz identificar os elementos que dão sustentação a ambas as leis e seus pressupostos de aplicabilidade.

Desta forma, de maneira despretenciosa esperamos fomentar a discussão de temas não pacificados e ainda, objeto de poucos trabalhos.

Esperamos ainda, modesta e sinceramentemente que a presente monografia venha a somar-se a outros trabalhos que vêm sendo elaborados no campo da tutela dos consumidores.


1. Arbitragem, afastando preconceitos

Decorridos seis anos da vigência da atual Lei de Arbitragem, juristas de reconhecida envergadura vem, cada vez mais defendendo a utilização da arbitragem como método alternativo de solução de conflitos.

Dentre suas vantagens mais evidentes podemos destacar a facilidade, a segurança, a tecnicidade, a rapidez, o sigilo e a economia. (1)

Em processo, via de regra, mais simplificado que o estatal as partes podem eleger seus "juizes privados" dotados de poderes para impor uma solução satisfatória a todas as lides que envolvam direitos patrimoniais disponíveis sem que se recorra à força coativa e infelizmente morosa (2) do Estado (3).

Seu objetivo não é, como alardeiam alguns, de concorrer com a jurisdição estatal ou substituí-la, mas de tornar-se uma opção na solução de conflitos desafogando-a. (4)

E a arbitragem nada mais é do que um meio alternativo de solução de conflitos. Rápida e com a mesma eficácia do Poder Judiciário, a arbitragem pode ser empregada em toda e qualquer questão que envolva direito patrimonial disponível.

Para o professor Joel Dias Figueiredo Júnior, a Lei 9.307/96, trouxe uma revolução para o nosso direito, "quebrando definitivamente o elo milenar e mitológico do monopólio da jurisdição estatal(...)". (5)

Longe de constituir uma inovação, a arbitragem vem sendo empregada na solução de demandas em muitos países do mundo. À exemplo da Espanha, Japão, França, Estados Unidos e Inglaterra.

Em artigo publicado na Internet intitulado A arbitragem e a eficiência do Estado, Roberto Ferrari de Ulhôa Cintra, ao falar do Leviatã (o Estado) afirma que esse moderno dinossauro custa ao cidadão imensa fortuna e é tão colossal quanto ineficiente (6). O mesmo autor, demonstrando sua refinada e arguta percepção nos ensina que o fundamento da arbitragem no Brasil está previsto no preâmbulo da Constituição da República. (7)

Também o fenômeno da globalização representa estímulo ao surgimento de alternativas mais ágeis, econômicas e eficientes.

Nesse quadro, a instituição da arbitragem representa bem mais do que uma simples alternativa à praxe jurídica, representa um estímulo ao desarmamento e entendimento entre as partes.

Carlos Alberto Carmona, prevê o crescimento do número de adeptos da arbitragem à medida que suas potencialidades forem sendo descobertas. (8)

Walter Ceneviva comenta:

"A arbitragem será uma das soluções para desafogar os problemas judiciários. Está longe de nossas tradições, mas, como diz Rezek, a situação em que vivemos é patológica. Precisamos de novos rumos. Os antigos, apesar das velhas queixas, repetidas em decênios de monotonia, não resolveram a prestação jurisdicional. Nem levam jeito de resolvê-la a curto prazo." (9)

Outro conhecido entusiasta da arbitragem, segundo Roberto Ferrari Ulhôa, é o ex-Secretário de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, Dr. Belisário dos Santos Júnior, sobretudo nos conflitos de consumo. O então Secretário e advogado, deu-nos prova cabal deste fato ao celebrar o convênio para a criação do Tribunal Arbitral do Comércio, representando o Estado de São Paulo, em maio de 2000. (10)

Em nosso país, após o arquivamento de projetos de lei que não conseguiram aprovação nas casas legislativas, montou-se o que o professor Carmona nomina "operação arbiter", uma feliz união de experiência prática e conhecimentos científicos, que bebeu de fontes legislativas estrangeiras, especialmente na espanhola e na Lei-Modelo sobre arbitragem da UNCITRAL, Convenção de Nova Iorque e Panamá.

Assim, após quatro anos de tramitação nasceu a Lei 9.307/96, também conhecida como Lei Marco Maciel. Diploma considerado moderno, deixou para trás a tacanha disciplina da arbitragem prevista no Código de Processo Civil, regramento que para alguns configurava verdadeiro pactum nudum, a arbitragem era completamente desprestigiada no direito brasileiro até 1996. (11)

Afora a agilidade e o imediatismo da arbitragem que é capaz de responder com presteza à velocidade das negociações do mundo moderno, a via arbitral torna-se indispensável nas situações em que há continuidade do relacionamento após a solução do conflito. (12) Situação que, invariavelmente ocorre nos conflitos de consumo, seja no caso de fornecedores que encontram-se em situação de monopólio de determinado segmento de mercado, seja para aqueles que embora enfrentando a concorrência precisarão sempre atrair os consumidores para seus bens e serviços sob pena de serem alijados do mercado.

Quanto ao temor daqueles que sustentam a possibilidade da arbitragem para o consumo possa ferir os direitos do consumidor, ele nos parece um injustificado "medo do desconhecido", pois além da vedação de inserção de cláusula compromissória em contratos de consumo é vedado ao árbitro afastar-se das normas de ordem pública do CDC (que e protetivo até no nome). (13)

Sobre o assunto o professor Antônio Junqueira de Azevedo leciona:

"Uma vez, porém, feito o compromisso, e válido porque, sem abuso do consumidor, a arbitragem que se segue terá, por sua vez, que ser decidida sem ferir as normas cogentes do Código de Defesa do Consumidor." (14)

De qualquer maneira, nos parece que a efetiva implementação da arbitragem carece, acima de tudo, da mudança de mentalidade para a qual somos preparados na Universidade. Lá, o conflito é representado pela visão carnelutiana e chancelada por Von Ihering, onde o processo nada mais é do que o campo de batalha em que os inimigos vão para o embate munidos com suas armas processuais. (15)

Capitaneado pelo espírito de mudança e seguindo rota segura traçada pelos princípios que norteiam o consumo no país é que pretendemos discorrer sobre idéias postas por experimentados juristas que acreditam na criação de um sistema de arbitragem cada vez mais concreto, baseado na voluntariedade.

1.1. Desenvolvimento legislativo no Brasil

Desde os tempos do Brasil Colônia o instituto da arbitragem está incorporado à nossa legislação por meio das Ordenações do Reino de Portugal. (16) Mais precisamente através da Ordenações Afonsinas, como assevera Joel Dias Figueira Júnior. (17)

Disciplinado em trinta e um artigos no Código de Processo Civil, e em doze artigos no Código Civil de 1917 (retirado do Código Civil de 2.002), o instituto da arbitragem do Código de Processo de 1973, da forma como posto não oferecia vantagem sobre os mecanismos oferecidos pelo Poder Judiciário, pois mesmo optando pelo juízo privado o demandante não escaparia dos auspícios do juízo estatal à medida em que necessitaria da homologação judicial do laudo. (18)

Outra problemática estava na cláusula compromissória. Nada obstante sua inserção no contrato haveria ainda a necessidade de celebrar o compromisso arbitral, isso significa que uma parte não dispunha de mecanismos para compelir a outra a instituir a arbitragem.

Além disso, requisitos rígidos deveriam ser seguidos para a instauração da arbitragem sob pena de nulidade (fixação do objeto litigioso com todas as suas especificações, inclusive o seu valor - art. 1.074, III do CPC).

De mais a mais, o Supremo Tribunal Federal impunha a exigência da dupla homologação para as sentenças arbitrais estrangeiras (duplo exequatur), entrave que não advinha da lei, mas da própria jurisprudência do Supremo e que criava por vezes um obstáculo intransponível.

Quando o governo se deu conta de nosso atraso legislativo, o extinto Ministério da Desburocratização solicitou, em 1981, um anteprojeto. Formou-se uma comissão coordenada pelo Desembargador Severo da Costa e foi apresentado um anteprojeto de 28 (vinte e oito artigos). O estudo não foi à frente e acabou no esquecimento. Para Carlos Alberto Carmona, embora cuidadoso em alguns pontos o anteprojeto deixava à desejar quanto a precisão técnica. (19)

Em 1986, mais um anteprojeto (publicado no D.O.U. em 27.2.87), desta vez solicitado pelo Ministério da Justiça, passou a receber sugestões. Este, embora mais aprimorado que seu antecessor, apresentava defeitos técnicos que acabaram por aconselhar seu arquivamento.

Em 1988, nasceu outro anteprojeto posto em debate pelo governo, outra vez o Ministério da Justiça convidava a sociedade a discutir a arbitragem. Agora o laudo arbitral estava sujeito a apelação interposta perante o Tribunal de Justiça e o árbitro deveria ser bacharel em Direito, imposição que levou até a Ordem dos Advogados do Brasil a manifestar-se contrariamente. Seu arquivamento não tardou.

Então, no final de 1991, uma iniciativa do Instituto Liberal de Pernambuco lançou a Operação Arbiter, com intuito de elaborar novo projeto de lei e rediscutir o instituto abandonado, tudo com vistas a tornar realidade os anseios daqueles que necessitam de um modo rápido e eficiente de solucionar controvérsias.

A Associação Comercial de São Paulo, a FIESP, o Instituto Brasileiro de Direito Processual, professores da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Faculdade de Direito Cândido Mendes (RJ), representantes de grandes escritórios de advocacia de São Paulo e Rio de Janeiro, e tantos outros aceitaram o convite.

O professor Carmona, que compôs o grupo de trabalho juntamente com Selma Maria Ferreira Lemes e Pedro Antônio Batista Martins, lembra que a repercussão dos trabalhos superou as expectativas. Sugestões de Professores, Membros do Judiciário e da Câmara de Comércio Internacional foram enviadas. (20)

Em abril de 1992, o anteprojeto já na versão final foi apresentado e discutido no Seminário Nacional sobre Arbitragem Comercial, realizado em Curitiba.

Já no Congresso Nacional, o então Senador Marco Maciel apresentou o esboço de lei que recebeu o número 78/92.

Aprovado pela Comissão de Constituição Justiça e Cidadania do Senado, ele foi enviado à Câmara dos Deputados para a revisão disciplinada pelo art. 65 da Constituição da República.

Nesta casa o processamento foi lento. Somente em março de 1995, o presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, passou a receber eventuais emendas.

No mês seguinte o relator da Comissão (Dep. Celso Russomano), opinou pela aprovação do projeto e sugeriu emenda. Aprovado por esta Comissão o projeto foi remetido à apreciação da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação. Ali o Professor Régis de Oliveira opinou no sentido de aprovação do projeto e incorporação da emenda sugerida pela Comissão de Defesa do Consumidor.

Levado à plenário, 12 (doze) emendas foram propostas. A Comissão de Defesa do Consumidor rejeitou todas, a Comissão de Constituição e Justiça rejeitou 11 (onze), e propôs subemenda com vistas a suprimir no art. 44, a revogação do art. 51, VII, do Código de Defesa do Consumidor.

Depois de análises críticas de José Genoíno, Nilson Gibson e Jarbas Lima, a Câmara aprovou o projeto em junho de 1996, com a subemenda proposta pela Comissão de Constituição e Justiça, devolvendo-se o projeto à Casa de origem (Senado) para cumprimento do art. 65, parágrafo único da Constituição da República.

O Senado Federal aprovou o projeto com as duas alterações introduzidas na Câmara – adendo ao § 2º do art. 4º, e retirada do dispositivo que revogava o inciso VII, do art. 51 da Lei 8.078/90.

Em sessão solene o Presidente da República sancionou a Lei de Arbitragem, fazendo publicar o texto no D.O.U. de 24.09.96, passando a vigorar 60 (sessenta) dias após a publicação. (21)

Também merece menção a Lei Federal 9.099/95, que Dispõe Sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, que em sua Seção VIII (arts. 21 a 26), dispõe sobre a Conciliação e o Juízo Arbitral. Caso a conciliação reste infrutífera as partes poderão optar, de comum acordo, pelo juízo arbitral, ocasião em que escolherão árbitro dentre os juizes leigos, que poderá decidir por equidade e deverá apresentar o laudo ao Juiz para homologação por sentença irrecorrível.

Outra importante referência em matéria de arbitragem em nosso ordenamento jurídico está presente no Decreto n.º 4.311, de 24 de julho de 2.002, através do qual o Brasil tornou-se signatário da Convenção de Nova Iorque, que trata das normas de reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras.

Por fim, a Lei 9.541/97 – que criou a alienação fiduciária para imóveis - e disciplina o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), determina que os contratos relativos a financiamentos imobiliários em geral, poderão ter seus litígios ou controvérsias resolvidos por Tribunal Arbitral (art. 34).

1.2. A experiência espanhola e argentina em arbitragem de consumo

1.2.1. Espanha

Neste ponto, a fim de demonstrar a promissora experiência ibérica em matéria de arbitragem de consumo, tomamos a liberdade de nos basear no artigo intitulado "A arbitragem de Consumo na Espanha" de autoria de Marcos Paulo Veríssimo, publicado no site da Confederação das Associações Comerciais do Brasil (CACB) (22).

Para os estudiosos desta promissora experiência o sistema arbitral retrata uma via alternativa de composição de conflitos com elevado grau de efetividade, celeridade e prestígio perante o mercado de consumo da Espanha.

O temor aos riscos inerentes à arbitragem de consumo foram superados pela natureza pública das juntas arbitrais, donde o presidente é sempre funcionário da administração. O tratamento igualitário por seu turno é assegurado com a participação de representantes dos fornecedores e consumidores.

Em breve síntese veremos que as demandas reprimidas ou "litigiosiodade contida" como quer Kazuo Watanabe, foram mitigadas sem a participação jurisdicional. O caminho da arbitragem revelou-se mais adaptado, sobretudo quando os conflitos são de pequena monta.

A Ley de Arbitraje, de 1988, veio para reestruturar substancialmente o que havia em matéria de arbitragem no direito espanhol, em substituição à Lei de 1953. [23]

Em 1993, conforme estudo de Marcos Paulo Veríssimo, o Real Decreto 636, remontou sua base Constitucional, o principal traço do direito arbitral espanhol foi criar um sistema baseado exclusivamente na voluntariedade, e que ao mesmo tempo resulta extremamente efetivo e vantajoso para os consumidores, com crescente adesão por parte destes e dos fornecedores. Isso vem corroborando para que a esmagadora maioria dos litígios de consumo migrem para a arbitragem.

Desde 1978, encontra-se prevista no Direito Espanhol a exigência aos Poderes Públicos de criação de mecanismos eficazes de proteção à saúde, segurança e os legítimos interesses econômicos dos consumidores. (24)

A chamada Lei Geral de Defesa dos Consumidores e Usuários (nº 26/84), com observância ao mecanismo constitucional, previu a criação de um sistema arbitral para resolução de conflitos de consumo.

Por força do mencionado artigo incumbiria ao governo criar, após prévia audiência dos setores interessados e de associações de consumidores usuários, um sistema arbitral que atendesse e resolvesse com caráter vinculante e executivo para ambas as partes sem formalidades especiais, queixas e reclamações originadas de conflitos surgidos em relações de consumo.

A voluntariedade da adesão ao sistema é pressuposto básico, bem como a impossibilidade de arbitrar questões que envolvam intoxicação, lesão, morte ou aquelas que revelem indícios consideráveis de delito.

Os órgãos são integrados por representantes dos setores interessados, das organizações de consumidores e administrações públicas, observadas suas competências.

Assim, em 1986, passou a funcionar em caráter experimental a arbitragem de conflitos de consumo na Espanha com natureza pública, orgânica e institucional. (25)

Em 1988, editada a atual lei de arbitragem espanhola (Lei 36/88), ela passou a ter aplicação expressa aos conflitos de consumo por força da Disposição Adicional Primeira, parágrafo primeiro que diz:

"La presente Ley será de aplicación a los arbitrajes a que se refiere la Ley 26/1984 (..) en todo lo previsto en las mismas y en las disposiciones que las desarrolan, no obstante, no será precisa la protocolización notarial del laudo, que se dictará por los órganos arbitrales previstos en dichas normas."

O parágrafo segundo da mesma Disposição previu a gratuidade das arbitragens de consumo, cujos laudos (laudo arbitral) passam a não necessitar de registro público.

Já a Disposição Adicional Segunda, em seu parágrafo primeiro direcionou a regulamentação da arbitragem de consumo por parte do executivo.

"El Gobierno estabelecerá reglamentariamente la denominación, composición, carácter, forma de designación, y àmbito territorial de los órganos arbitrales y demás especialidades del procedimiento y del régimen jurídico del sistema arbitral que prevé, en suas características básicas, el artículo 31 de la Ley 26/1984."

Por força do dispositivo legal transcrito, foi editado o Real Decreto nº 636/93, que dispõe sobre o sistema de arbitragem de consumo na Espanha, regulando com detalhes o objeto das arbitragens, constituição e funcionamento das juntas arbitrais, aperfeiçoamento do convênio arbitral, laudo arbitral de consumo e feições gerais do sistema arbitral de consumo.

Marcos Paulo Veríssimo, coloca que naquele país existe uma grande quantidade de leis autônomas relativas à matéria, como exemplo menciona o Estatuto Gallego del Consumidor y Usuario (Lei 12/84 de 28 de dezembro), a Ley de Andalucía para la Defensa de los Consumidores y Usuarios (Lei 5/85 de 8 de julho) e o Estatuto de Consumidores y Usuarios de la Comunidad Valenciana (Lei 2/87 de 9 de abril).

A articulação de todo o sistema arbitral de consumo é feita pelas chamadas Juntas Arbitrais. São instituições de natureza pública da administração direta vinculadas às Oficinas Municipais de Informação ao Consumidor e delas participam obrigatoriamente representantes das classes empresariais e dos consumidores. (26)

Interessante que as Juntas podem ter caráter municipal e até nacional, estas conhecem apenas das reclamações apresentadas por associações de consumidores que atuam em mais de uma comunidade autônoma decorrentes de reclamações que também superem este limite territorial.

Todas as Juntas possuem um Presidente e um Secretário, são funcionários que já estão à serviço da administração pública a que estiverem vinculados.

Incumbe às Juntas nomear o Presidente de cada colégio arbitral designado para a solução de dado litígio em particular, que deverá ser funcionário da administração e bacharel em direito. A composição de cada colégio arbitral é sempre de três membros. Escolhido o presidente pelo critério já mencionado, os outros dois devem pertencer a uma associação de empresários e de consumidores respectivamente. As juntas mantêm listas atualizadas com os nomes das pessoas autorizadas a funcionarem como árbitros ou presidente em colégio arbitral.

Também é função da Junta Arbitral fomentar a formalização de convênios arbitrais e atividade de mediação, elaborar e distribuir modelos de convênios arbitrais, orientar os consumidores acerca do sistema e das matérias arbitráveis, bem como elaborar o censo das empresas que aderiram publicamente ao sistema arbitral de consumo. (27)

Dentre as principais características do sistema arbitral espanhol, José Maria de La Cuesta Saenz, menciona: a voluntariedade – decorrência da Lei que instituiu o sistema arbitral de consumo na Espanha, a vontade livre de vícios das partes deve estar presente para que se possa recorrer à arbitragem. De outro lado, do mesmo modo que está posto em nosso direito (art. 51, VII, da Lei 8.078/90), a cláusula compromissória em contrato de consumo é despida de efeito obrigacional em relação ao consumidor.

A par deste fato, comenta Marcos Paulo Veríssimo:

"Ao largo dessa consideração, seria de se esperar que a classe empresarial viesse a boicotar sistematicamente o desenvolvimento do sistema arbitral de consumo, preferindo, sempre, que as reclamações feitas por consumidores fossem remetidas à via jurisdicional ordinária, inimaginavelmente mais lenta e cujos custos normalmente levariam a maior parte das queixas ao esquecimento.

Todavia, o Real Decreto 636/93 criou uma forma bastante inteligente de tornar atrativa a via arbitral para o empresariado, através da criação de um distintivo, conhecido por contraseña , que é outorgado às empresas que se obrigarem à submissão ao sistema arbitral mediante oferta pública (artigo 7º).

Esse distintivo, consiste em um selo em que três setas brancas convergem para o centro de um quadrilátero alaranjado, é, então utilizado pelas empresas com fins publicitários, constituindo um atrativo que se agrega a seus produtos e gera segurança quanto à sua qualidade."

Não é difícil compreender a lógica do sistema. A segurança transmitida ao consumidor que adquire o produto da empresa participante da arbitragem decorre do fato de que, no mínimo, o fornecedor está disposto a compor o conflito, jamais postergá-lo para alhures contando com a desistência de inúmeros consumidores menos dispostos a instaurar uma demanda judicial para solucionar pendências de pequeno valor, como são tantas nas relações de consumo.

Para submeter-se ao sistema arbitral mediante oferta pública o fornecedor firma convênio com uma Junta Arbitral de Consumo, onde consta o âmbito de sua extensão, submissão aos termos do Real Decreto 636/93, o compromisso de cumprimento do laudo e o prazo de validade da oferta (na sua omissão entende-se indeterminado).

Em um livro constantemente atualizado, as Juntas mantém os dados dos fornecedores registrados e de todas as empresas ou entidades que dispõe do distintivo.

Somente em 1992 (antes da regulamentação do sistema arbitral de consumo), segundo dados da Consejia de Bienestar Social, foram realizados 12.592 (doze mil quinhentas e noventa e duas) arbitragens, nada menos que 96,2% (noventa e seis vírgula dois porcento) das solicitações efetuadas.

A segunda característica é a gratuidade , ela está mencionada na atual lei de arbitragem espanhola e restringe-se à arbitragem de consumo. Às partes incumbe apenas despesas decorrentes da produção de provas, ainda assim dividem-se as despesas daquelas de interesse comum.

O caráter vinculante e executivo dos laudos é outro traço marcante da arbitragem de consumo. Assim, para os fornecedores previamente participantes da arbitragem, basta que o consumidor formule a solicitação de arbitragem para que o convênio se aperfeiçoe imediatamente.

Quando o fornecedor ainda não participa do sistema ele é notificado para aderir ou recusar a arbitragem no prazo de 15 (quinze) dias.

Firmado o convênio as partes ficam vinculadas à arbitragem, o mesmo ocorrendo com os árbitros designados pela Junta que tenham aceito o encargo. Se ainda assim uma das partes pretender levar a demanda à justiça comum, a parte interessada pode opor exceção de incompetência de jurisdição. De outro lado, nem mesmo a inércia das partes impede a prolação da decisão, tampouco sua força definitiva e executória.

O laudo goza ainda da eficácia das sentenças judiciais, fazendo coisa julgada, além disso, permite que sua execução seja realizada no juízo de primeira instância do lugar em que houver sido proferido.

A informalidade é a característica que permite a instauração do procedimento arbitral sem a necessidade do rígido apego a padrões previamente estabelecidos, garantia que influi diretamente na celeridade.

Celeridade, para Marcos Veríssimo é o maior atrativo do sistema. Os árbitros estão obrigados a proferir o laudo no prazo máximo de 4(quatro) meses (art. 14 do Real Decreto 636/93), o prazo conta-se da designação do colégio arbitral (art. 14, I), porém entre 1987 e 1992, os procedimentos arbitrais duraram em média de 1 (um) a 3 (três) meses – dados da Consejia de Bienestar Social.

Por fim, a unidirecionalidade do sistema – característica presente apenas na arbitragem de consumo – está umbilicalmente ligada à vulnerabilidade que permeia o conceito de consumidor. Este princípio veda a possibilidade de reconvenção do fornecedor em face do consumidor. (28)

No que respeita ao procedimento arbitral, basta o nascimento de um conflito de consumo para que o consumidor decida por sua solução pela via arbitral. Isso se faz por meio de uma associação de classe ou por iniciativa própria sem a necessidade de representação de advogado.

Apresentada a solicitação à Junta Arbitral competente, o fornecedor é notificado para firmar convênio arbitral (caso ainda não o tenha feito) quando então o convênio se instaura pela simples apresentação da solicitação do consumidor. A recusa da solicitação poderá ser feita pelo Presidente da Junta Arbitral nos casos de matéria não arbitrável ou quando envolver indícios consideráveis de delito.

Superada a formalização do convênio o procedimento se inicia pela designação do Colégio Arbitral (conforme visto anteriormente). Ouvidas as partes em audiência ou por escrito, tenta-se a conciliação. Caso seja necessária a produção de provas elas serão requeridas pelas partes e sua produção passa pelo crivo do colégio, que pode inclusive requisitá-las de ofício.

Produzidas as provas o laudo deverá ser proferido. Seus requisitos são: local e data, nome das partes e árbitros com suas respectivas qualificações, os pontos controvertidos objeto da arbitragem, suma das alegações das partes, provas, prazo para cumprimento do laudo, voto da maioria e do presidente quando não unânime. Contra o laudo cabe "recurso de anulação".

O ilustre autor do estudo aqui transcrito questiona em suas conclusões se a experiência ibérica poderia ser utilizada no Brasil, ao que responde afirmativamente. Lembra contudo, que o trabalho carece de uma atuação competente da administração pública e de uma consciência de cidadania dos consumidores a quem incumbiria, ao menos, o papel de preterir um produto a outro pelo simples fato de um apresentar o distintivo da arbitragem de consumo e outro não.

José Celso Martins, Advogado e Presidente do Tribunal arbitral de SP, comenta sobre a experiência espanhola em arbitragem de consumo:

"A experiência mais profícua é a da Espanha, onde associações de consumidores organizaram tribunais arbitrais, e os fornecedores que se submetem à convenção arbitral são preferidos na prática comercial. A União Européia tenta agora estender a experiência espanhola ao resto dos Estados membros (Bento, 1997)." (29)

1.2.2. Argentina

Além do que já dissemos a respeito da aplicação da arbitragem em conflitos de consumo na Espanha, Paulo Borba Casella, menciona os excelentes resultados do uso da arbitragem na proteção dos consumidores na Argentina. E revela de forma sucinta seu funcionamento.

"Os TAC, ou Tribunais de Arbitragem de Consumo, instalados este ano na Argentina, em três meses, julgaram dezenas de casos, conforme dados da Subsecretaria do Comércio. A jurisdição do TAC somente se exerce mediante adesão voluntária, ou seja, as partes, previa a expressamente estipulam concordar com a jurisdição do TAC e igualmente acordam que tal decisão não comporta recurso, sendo final e executável prontamente.

A apresentação do caso ao TAC é feita diretamente pelo consumidor, sem intermediação de advogados, obviando o óbice econômico normalmente representado pela necessidade de contratação de profissional jurídico.

Se a empresa não aderir ao TAC ou se recusar a comparecer, o consumidor pode levar sua denúncia aos órgãos da administração. Na Argentina, a Direção Nacional do Comércio Interior, nos termos da Lei 24.240, que dispõe sobre a defesa do consumidor. (30)

1.3. Direito do consumidor: histórico e aplicação

O Direito do Consumidor tem despertado crescente interesse em todo o mundo. Verdadeiramente, a própria realidade social tem sido palco dessa mudança onde o consumerismo vem crescendo em importância.

Historicamente, os direitos da coletividade começam a ser levados em consideração após a revolução industrial (séc. XVIII), donde seguiram-se as lutas operárias por melhores condições de trabalho, deslocando-se o indivíduo do centro das atenções para dar lugar a pluralidade do coletivo. (31)

De outro lado, o aumento da produção mundial e a entrada facilitada de produtos e serviços em diversos países, põe os mecanismos de proteção ao consumidor à prova.

Nesse passo, surge a intervenção estatal a fim de coibir a prática de abusos para que o mais fraco seja protegido dos desequilíbrios advindos das relações jurídicas.

Cabe ao Estado essa proteção, sobretudo quando consideramos a realidade de nosso país, onde as massas são formadas em sua imensa maioria de infortunados, tanto os que consomem mais que outros, como os que quase não consomem.

A par dessa discussão, multiplicam-se os problemas que deixam de ser individuais e passam a ser da coletividade dos consumidores.

A recente redemocratização em nosso país, advento da Constituição de 1988, conferiu um leque de direitos ao cidadão, todavia, só se pode afirmar que foi após a edição da Lei 8.078/90 que o país passou a ter uma legislação específica atinente às relações de consumo.

Sob certo sentido poderíamos ser levados a crer que uma lei que trata especificamente de consumidores em um país de indicadores sociais abaixo de muitos outros, onde inúmeras pessoas beiram ou estão abaixo do nível da miséria e que não são alcançados pelo Estado, poderia ser uma lei discriminatória.

Entretanto, a Lei 8.078/90 ao tratar da Política Nacional das Relações de Consumo, em seu artigo 4º, determina a promoção da melhoria da qualidade de vida. Além disso, a facilitação de acesso à justiça, ou meios que venham a solucionar conflitos de consumo estão previstos no artigo 5º, deste mesmo diploma.

Sem sombra de dúvida, a Lei 8.078/90 veio para suprir a necessidade de normatização específica na área de Direito do Consumidor.

O diploma em estudo surgiu diante da premência de proteção ao pólo mais fraco da relação de consumo, qual seja, o consumidor.

Estranho ao cenário jurídico até recentemente, o consumidor emerge agora quando se busca a sua tutela.

O norte desta legislação encontra-se no direito alienígena, especificamente Europa e EUA. Rompendo conceitos ortodoxos e adaptando-os à realidade, esse microssistema criou caminhos para a solução de problemas vivenciados por nossa sociedade. (32)

A sua elaboração, voltada de forma cuidadosa ao direito e à vida prática tem seu fulcro na Constituição Federal de 1988, mais precisamente em seu art. 5º inciso XXXII, na verdade, corolário da resolução 39.248 de 10/04/85 da ONU. (33)

É o próprio artigo 1º da Lei 8.078/90 que elucida o fundamento constitucional de sua promulgação, desse modo, impõe-se ao destinatário da norma (o Estado) promover, na forma da lei, a defesa do consumidor.

Esta preocupação não foi ignorada no capítulo da Constituição Federal de 1988 que cuida da Ordem Econômica, apresentando como princípio do artigo 170, a defesa do consumidor.

Já o artigo 150, da Carta Magna, atinente às limitações do poder de tributar, estabelece no seu § 5º que a "lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca de impostos que incidam sobre mercadorias e serviços."

O artigo 175, II, também da Constituição da República nos remete aos direitos dos usuários dos serviços públicos concedidos ou permitidos.

Por derradeiro, não se pode esquecer do artigo 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que fixa prazo de cento e vinte dias para o Congresso Nacional elaborar o Código de Defesa do Consumidor, prazo aliás, inobservado pela casa legislativa.

A idéia básica do nosso "Código do Consumidor" é assegurar a proteção à vida, à saúde, à segurança, e ao patrimônio do consumidor.

Importante notar que o direito brasileiro adotou, via de regra, através da Lei 8.078/90, a teoria da responsabilidade objetiva.

O referido diploma recebeu inúmeros elogios, dentre eles destacamos o seguinte:

"Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, observamos que o processo legislativo vinha sofrendo um desvirtuamento, na medida em que a maioria das leis que estavam sendo aprovadas provinham de Medidas Provisórias baixadas pelo Presidente da República, reduzindo o poder do Congresso Nacional na discussão e aprovação das medidas.

Ao contrário dessa rotina preocupante, a lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) é uma das mais democráticas leis editadas no Brasil nos últimos tempos." (34)

Considerada em todo o mundo como uma das mais avançadas legislações de defesa do consumidor, a Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), inovou o conceito dos institutos jurídicos tradicionais, sobretudo nos ordenamentos judicial e administrativo, porquanto define suas práticas jurídicas na proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos e não mais apenas individuais.

O recém implantado Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (através do Decreto Federal 2.181/97) e a instalação da Comissão Nacional Permanente de Defesa do Consumidor, objetivando a articulação entre os organismos Federais, Estaduais, do Distrito Federal e Municipais, são as mais decisivas iniciativas para o exercício dos direitos de cidadania, visando a proteção do consumidor quanto ao atendimento de suas necessidades, respeito à sua dignidade, saúde, segurança e a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como o equilíbrio e a equidade nas relações de consumo.

Cabe salientar a principiologia do instituto. Tais princípios, como não poderia deixar de ser, servem de farol na defesa do consumidor. Com efeito, no que concerne à importância dos princípios, a melhor lição ainda é a do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, ao frisar a necessidade de respeito a estes, sob pena de comprometimento de todo o sistema.

"A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a, específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque com ofendê-lo abatem-se as vigas que o sustém e alui-se toda a estrutura neles esforçada." (35)

A sociedade de produção e consumo tem por características predominantes o anonimato das partes, a complexidade dos bens e produtos e a velocidade das negociações. Inegável que tal modo de proceder gere riscos. Assim sendo, nada mais justo que os agentes sejam responsabilizados pelos riscos que criaram.

Vê-se que o caráter protetivo do "Código", funda-se justamente na desigualdade existente entre as partes contratantes. A esse respeito sustenta Josserand:

"Há em nosso espírito e nos nossos nervos, um movimento de defesa espontâneo, uma reação instintiva; quanto mais o homem está em perigo, tanto mais experimenta a necessidade de ser protegido pelo legislador ou pelo juiz, de poder identificar um responsável; o desdobramento da responsabilidade é assim função da insegurança e a fórmula viver perigosamente fatalmente uma outra que lhe constitui a réplica e a sanção: responder pelos nossos atos." (36)

A codificação das aspirações dos consumidores e da sociedade como um todo não significa o fim dos problemas. É na verdade o início de uma batalha que já vinha sendo travada há muito tempo.

Contudo, aqueles que batalhavam vêem agora em suas mãos uma ferramenta poderosa para a solução de conflitos.

Diante da realidade socioeconômica do país, onde a maioria não tem acesso à Justiça, necessário se faz que busquemos a educação para o consumo. Pois atuando preventivamente estaremos beneficiando toda a sociedade.

Neste sentido, não seria justo deixar de fazer menção ao trabalho dos diversos órgãos de defesa do consumidor criados em nosso país, em especial ao da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON-SP), vinculada à Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania, que trabalha no sentido de orientar e tutelar a sociedade reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor.

Acrescente-se também o importante papel das entidades particulares de Defesa do Consumidor, (a exemplo do Instituto de Defesa do Consumidor - IDEC), que em atenção aos preceitos da Lei 8.078/90, atuam de maneira exemplar exercendo a defesa do consumidor.

Em seus 119 (cento e dezenove) artigos essa norma multidisciplinar, que abrange aspectos do contexto geral das chamadas relações de consumo, traz os conceitos de fornecedor, consumidor, produto e serviço (arts. 1º e 3º); fala da Política Nacional das Relações de Consumo (arts. 4º e 5º); Do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (arts. 105 e 106), da Convenção Coletiva de Consumo (art. 107); direitos básicos do consumidor (art. 6º e 7º); definições de direito material sobre produtos e serviços, qualidade segurança, responsabilidade (arts. 8º a 25); regulamentação das práticas comerciais, cláusulas contratuais, oferta, publicidade, garantia (arts. 29 a 40 e 46 a 54); sanções administrativas (arts. 55 a 60) e penais (arts. 61 a 80); normas sobre prescrição e decadência (arts. 26 e 27); inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII); desconsideração da personalidade jurídica (art. 28); banco de dados cadastrais (arts. 43 e 44); bem como uma parte processual (arts. 81 a 104), somados aos artigos que modificaram a lei de ação civil pública – Lei 7.347/85- (arts. 110 a 117).

Pois bem, com esse breve panorama vemos que, sem sombra de dúvida, após a promulgação da Lei 8.078/90 instaurou-se o regime legal específico da tutela consumerista. Nada obstante, esta lei (ou Código) admite a realização de uma integração normativa com diversas outras leis federais e mesmo estaduais (pessoas políticas dotadas de competência concorrente para legislar sobre produção e consumo).

Normas específicas sobre planos privados de saúde, transporte aéreo, distribuição e revenda de combustíveis, alimentos, fármacos, sistema financeiro, sem esquecer nosso diploma processual civil e próprio Código Civil, servem de supedâneo para operacionalizar a tutela dos consumidores.

A codificação, mutatis mutandis, equipara-se ao que diz o Professor Rodolfo de Camargo Mancuso, que metaforicamente entende haver a existência de um "núcleo" e um "entorno", sendo o núcleo composto pela Constituição Federal e pela Lei 8.078/90, e o entorno por todas as normas legais e infra-legais aplicáveis nas relações consumeristas (37).

Assim, nada obstante a nomenclatura formal que recebeu da casa legislativa (Lei 8.078/90), não verificamos óbice à alcunha de "Código" que recebeu a Lei Federal, até porque a idéia inicial era de aprovação de um Código, idéia que só não vingou por força de lobbies contrários ao novel diploma.

1.4. Identificando a relação de consumo

Considerando que em relação ao(s) árbitro(s) da causa, dada a necessidade de sua especialização, é desejável o domínio da matéria sobre a qual irá decidir, passaremos a discorrer sobre os partícipes da relação jurídica de consumo (consumidor/fornecedor), bem como seus objetos (produtos/serviços).

No que toca a aplicabilidade ou campo de incidência do diploma legal objeto deste estudo, temos claro que ela fica restrita às relações de consumo.

Porém, quando poderemos afirmar que estamos diante deste tipo de relação jurídica, e não de uma relação eminentemente civil ou comercial?

É de suma importância conceituar consumidor e os demais elementos constitutivos de uma relação de consumo, pois daí se extrai a abrangência desse microssistema.

É importante buscarmos na própria lei a resposta a tal questionamento. Para que se caracterize a chamada relação de consumo é mister que se verifique a presença de três elementos definidos nos artigos 2º e 3º da lei em estudo.

Passemos a ver com mais vagar tais elementos ou pressupostos:

- Consumidor:

"Art. 2º Consumidor é toda a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único: equipara-se a consumidor toda a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo."

- Fornecedor:

"Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como entes despersonalizados, que desenvolvam atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços."

- Produto:

"Art. 3º (...)

§ 1º - Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial."

- Serviço:

"Art. 3º (...)

§ 2º - serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de relações de caráter trabalhista."

Pois bem, analisemos cada uma desta figuras:

O conceito de consumidor adotado pela Lei 8.078/90, apega-se exclusivamente ao caráter econômico, consumidor é o personagem que adquire bens e serviços no mercado de consumo como destinatário final, pressupondo, evidentemente uma necessidade própria e não outra atividade comercial. (38)

Assim agindo, o legislador rechaçou do conceito de consumidor componentes de natureza sociológica, psicológica, ou mesmo filosófica, segundo ensina José Geraldo de Brito Filomeno ao citar o escólio de Guido Alpa. (39)

Toda relação jurídica de consumo envolve esta parte bem definida conhecida por consumidor - o adquirente de um produto ou serviço com a satisfação de uma necessidade privada de sua parte.

Para José Geraldo De Brito Filomeno, o traço marcante dessa personagem reside em sua hipossuficiência ou vulnerabilidade. (40)

A mesma questão apreciada por José Reinaldo de Lima Lopes, também adepto da teoria finalista ganha os seguintes contornos:

"Em primeiro lugar , o fato de que bens adquiridos devem ser bens de consumo e não bens de capital. Em segundo lugar, que haja entre fornecedor e consumidor um desequilíbrio que favoreça o primeiro." (41)

Importante abrir um breve parêntese para a aguda observação de Cláudia Lima Marques no que respeita ao artigo 2º. Sintetiza as duas grandes tendências do consumerismo ao interpretar o mencionado artigo, em finalistas e maximalistas. (42)

Destaca a autora que a tutela especial conferida ao consumidor está calcada em sua vulnerabilidade.

Nesse passo, a expressão "destinatário final" deve ser interpretada de forma restrita, aplicando-se somente àquele que adquire um bem para utilizá-lo em proveito próprio ou de sua família.

De outro lado estão os maximalistas. Estes interpretam a definição do artigo 2º da forma mais extensiva possível, pouco importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou contrata um serviço.

Sem embargo das doutas opiniões doutrinárias acerca da questão, entendemos seja mais correta a aplicação da teoria finalista, sem perder de vista a vulnerabilidade econômica e a possibilidade da pessoa jurídica integrar a relação na qualidade de consumidor, por isso, a determinação far-se-á de maneira objetiva e casuística. Este também é o entendimento de José Geraldo de Brito Filomeno.

Se o bem adquirido integra a cadeia produtiva, fazendo parte do ativo circulante, nada tem a ver com destinação final, devendo portanto ser afastada a hipótese de relação jurídica de consumo. Todavia, se um bem, ainda que adquirido por pessoa jurídica, não integra seu ativo circulante mas apenas o ativo fixo, não se confundindo com o objetivo social da pessoa jurídica esta poderá ser tida por destinatário final, merecendo a tutela consumerista.

Além da definição de consumidor acima transcrita, o legislador criou ainda a figura do consumidor por equiparação.

Conforme já assinalado, a vulnerabilidade econômica deve ser levada em consideração quando da identificação do consumidor, esta noção é mandamento principiológico da Lei 8.078/90.

O § 2º, do artigo 2º, da Lei 8.078/90, trata de uma coletividade de consumidores, uma universalidade ou conjunto relacionado a determinado produto ou serviço.

Serão consumidores ainda, nos termos do artigo 17 da Lei 8.078/90, todas as vítimas do evento que decorra da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço.

Outra figura equiparada a consumidor é aquela do artigo 29. Por este dispositivo, todas as pessoas ainda que indetermináveis expostas às práticas comerciais ali previstas são consideradas consumidores.

Dentre os fornecedores, a lei traz em primeiro lugar, a pessoa física ou natural. Aqui a lei se refere a qualquer pessoa física, pouco importando sua qualificação no mundo jurídico, desde que forneça produto ou serviço ao consumidor com habitualidade. Logo, fornecedor legalmente considerado pode ser pessoa física, desde que desenvolva alguma das atividades constantes do art. 3º.

Seguindo avante, a lei diz que fornecedor pode ser também pessoa jurídica. Esta por sua vez, pública de direito interno ou externo, ou privada.

As pessoa públicas nacionais são, no Brasil, aquelas citadas no artigo 41 do Novo Código Civil (Autarquias, Estados, Territórios, Distrito Federal, Municípios, União e demais entidades de caráter público criada por lei). Neste conceito enquadram-se ainda aquelas que desenvolvam qualquer das atividades sob a forma de permissão ou concessão.

Os fornecedores estrangeiros que exportam produtos ou serviços para o país, podem arcar com a responsabilidade perante o importador pela via regressiva.

Para o legislador, também são considerados fornecedores os entes despersonalizados. Ou seja, aqueles que embora não dotados de personalidade jurídica, quer no âmbito mercantil, ou civil, exercem atividade produtiva de bens e serviços.

Sobre as atividades desempenhadas pelos fornecedores encontramos as de: produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização.

Os entes despesonalizados e entidades associativas (condomínios e associações) não se enquadram na figura de fornecedor. Seu objetivo social é deliberado pelos próprios interessados, representados ou não por conselho deliberativo.

No caso dos condomínios, quando não há serviço prestado por terceiro, senão pela própria entidade, não há que se falar em fornecedor.

De outro lado, se tomarmos como exemplo uma entidade associativa cujo fim é a prestação de serviços de assistência médica, que cobre mensalidade ou outro tipo de contribuição, será fornecedora de seus serviços. Isso porque destina-se a prestação daqueles serviços e não à gestão de coisa comum.

Conforme salientado, sob o rótulo de fornecedor, encontramos as mais variadas formas de pessoas jurídicas, sejam elas de direito público ou privado e até mesmo entes despersonalizados.

Todavia, a falta de habitualidade na realização de qualquer das atividades atribuídas ao fornecedor tem o condão de descaracterizar esta figura chave das relações de consumo para um negociante civil.

O critério legal é claro e exige a habitualidade. Esta, no caso das pessoas jurídicas, fica restrita ao seu ramo de atividade, delineado em seu Contrato Social.

Portanto, é a atividade que qualifica o outorgante como fornecedor, para os fins legais, e qualifica a relação negocial em relação de consumo.

Dos parágrafos 1º e 2º do art. 3º estraímos os objetos da relação de consumo: bens ou serviços.

Quanto à mobilidade os produtos são classificados em bens móveis, (veículos, vestuário, alimentação etc). Na categoria dos bens imóveis estão aqueles destinados à moradia e os aviões (estes por definição legal).

É também considerado bem móvel para efeitos legais todo o bem suscetível de movimento próprio ou de remoção por força alheia (art. 82 do novo Código Civil) donde se conclui que animais de estimação adquiridos no mercado de consumo são considerados produtos e certamente sujeitam-se a teoria dos vícios e demais disposições aplicadas ao consumo. Considera-se móvel para efeitos legais os direitos de autor, os direitos reais sobre móveis e as correspondentes ações, bem como os direitos de obrigações e respectivas ações. (43) Acrescentamos ainda as energias que tenham valor econômico (art. 83 inc. I, do novo Código Civil).

Imóvel compreende o solo com sua superfície, seus acessórios, e adjacências naturais, compreendendo árvores e frutos pendentes, além dos direitos reais sobre imóveis e o direito à sucessão aberta (artigos 79 e 80, I e II do novo Código Civil).

Divide-se ainda os produtos em materiais (palpáveis) e imateriais (intangíveis).

A definição é aqui também a mais ampla possível. Estando o objeto inserido na relação de consumo é indiferente a sua natureza corpórea ou incorpórea.

Os bens materiais, embora não definidos no direito positivo devem ser compreendidos quando contrapostos aos bens imateriais. Os bens materiais, portanto, são passíveis de medição, apreensão etc.

Bens imateriais, embora intangíveis podem ser avaliados economicamente e entrar para o comércio. Para Washington de Barros Monteiro, em sua obra "Direito das Coisas" inclui-se nesse campo a propriedade literária, científica e artística.

A Lei 8.078/90, qualifica serviço como sendo qualquer atividade fornecida no mercado de consumo mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Escapa dessa definição os tributos, vinculados ou não, com ou sem destinação específica (taxa, contribuição de melhoria, imposto, empréstimo compulsório e contribuição social). (44)

Já as tarifas ou preço público, estão inseridas no contexto dos serviços prestados diretamente pelo poder público, ou mediante concessão ou permissão pela iniciativa privada.

O mesmo se pode dizer das atividades desempenhadas pelas instituições financeiras, seja na prestação de serviços aos seus clientes, seja na concessão de empréstimos, financiamentos e emissão de cartões de crédito. Inclui-se igualmente no conceito de serviços os planos de previdência privada, além dos seguros propriamente ditos eos de saúde. (45)

Sobre as relações de caráter trabalhista, assinala José Geraldo de Brito Filomeno que encontram-se fora da incidência da Lei 8.078/90, salvo as empreitadas de mão-de-obra ou empreitadas mistas. Esta exceção, segundo o doutrinador, está presente nos diplomas legais de todos os países que dispõe de leis ou códigos de defesa do consumidor, como Portugal, Espanha, México, Venezuela e outros. (46)

A expressão "mediante remuneração" prevista no §2º, do art. 3º, é a nosso ver representativa e não exige a remuneração direta, podendo ela estar embutida em outros custos revestindo o serviço de aparente gratuidade.

Como exemplo citamos os fornecedores instalados em complexos denominados shopping centers, onde são oferecidos serviços de estacionamento sem remuneração direta. Em tais situações estabelece-se um contrato de depósito entre o empreendedor/administrador e o consumidor no momento em que o bem é confiado ao primeiro. O serviço de estacionamento e guarda será certamente cobrado quando da aquisição de qualquer bem dentro do complexo comercial além de funcionar como atrativo que transmite segurança e comodidade ao consumidor.

Do exemplo, nota-se com clareza que o pagamento indireto do serviço não desnatura a relação de consumo. Repisamos que no caso citado estabeleceu-se ainda, de forma clara o contrato de depósito , nascendo daí o dever de guarda do bem.

1.5. Relação de consumo no direito brasileiro: um conceito mais amplo

Muito sem tem dito acerca do conceito de relação jurídica de consumo. As definições permeiam os manuais, doutrinadores de renome apresentam seus conceitos e buscam subsídios na doutrina e legislação extravagante.

Em regra, as definições giram em torno dos sujeitos da relação (consumidor/fornecedor) e do seu objeto (produto/serviço). Do vínculo que aproxima esses elementos nasce a relação de consumo, tendo sido ela comumente definida como aquela formada entre um fornecedor e um consumidor tendo por objeto um produto ou serviço.

Assim, dessa relação tripartite (e só dela) nasce a relação jurídica de consumo. Mas será que outras hipóteses nos autorizariam a dar um conceito de relação de consumo mais amplo do que este frequentemente encontrado nos manuais?

É verdade que esse conceito a que acabamos de nos referir supre a quase totalidade das situações previstas no CDC porém, como veremos adiante diversas situações da fase pré-contratual lhe escapam.

Pois bem, todos sabemos que a Lei 8.078/90 traz um conceito standard de consumidor e outros três conceitos por equiparação (parágrafo único do art. 2º, art. 17 e art. 29).

O primeiro fala da coletividade de consumidores que de alguma forma haja intervindo nas relações de consumo, o segundo nos remete às vítimas de um evento danosos decorrente de um acidente de consumo e o último foi especialmente posto na lei para proteger os consumidores das práticas comerciais (oferta, publicidade, práticas e cláusulas abusivas).

Dentro desse contexto fica patente que a proteção ao consumidor na lei brasileira não está limitada ao contrato. Ou seja, mesmo antes de adquirir um bem ou serviço qualquer pessoa exposta a publicidade ilícita ou aquele que acaba vitimado por um acidente de consumo – fato do produto - estão abarcados no conceito de consumidor.

Daí uma primeira premissa aparentemente óbvia, mas que nos ajudará a construir o conceito a que nos propomos pode ser traçada: consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final ou qualquer pessoa vitimada pela violação de um direito seu tutelado pela lei de consumo (saúde, segurança, vida, imagem, paz social, boa-fé etc).

Adiante, a Lei 8.078/90 traz o conceito de fornecedor e ao contrário do que ocorre com o conceito de consumidor traz apenas uma definição standard sem recorrer à equiparação (a equiparação à figura de fornecedor só veio a ocorrer recentemente com a entrada em vigor do Estatuto do Torcedor).

Por fim a lei tratou de definir produto e serviço. O primeiro como qualquer bem móvel ou imóvel material ou imaterial e o segundo como qualquer atividade prestada no mercado de consumo.

Temos conosco que em determinadas situações a formação do vínculo de consumo prescinde da identificação no caso concreto da figura do consumidor (o consumidor pode ou não ser identificado), já o objeto da relação de consumo não deve necessariamente recair sobre um produto ou serviço, ele pode ser simplesmente um fato ou ato jurídico vedado pelo sistema de proteção ao consumidor.

Por isso ninguém nega que o consumidor que está no sossego de seu lar postado diante da televisão que a todo o momento lhe oferece uma gama infinda de bens de consumo, possui legitimidade para obstar uma publicidade enganosa (que viole o dever de não enganar) ou abusiva (que viole a paz social incitando à violência) e neste caso ninguém duvida que a relação jurídica de consumo já está formada em sua fase pré-contratual.

O mesmo se pode dizer de uma prática comercial abusiva que anteceda a fase do contrato (pré-contrato). Não menos amparada está a pessoa absolutamente estranha à determinada relação contratual de compra e venda (extracontrato) que por uma fatalidade é vitimada em acidente de consumo (v.g. vítima de atropelamento em decorrência de um defeito no sistema de direção de um veículo que saiu do leito carroçável e ingressou no passeio público atingindo um pedestre).

Assim, entendemos que a relação de consumo no direito brasileiro abarca o consumidor padrão que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final bem como aquele que foi guindado à posição de consumidor pela lei de consumo quando houver ofensa a um seu direito ali protegido.

Um conceito mais abrangente (mas que não encampa todas as hipóteses como no conceito proposto) é o do ex-secretário adjunto da Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania de SP, Gianpaolo Poggio Smanio:

Para esse conhecido doutrinador

"Essa relação de consumo pode ser efetiva (exemplo: compra e venda de automóvel) ou potencial (exemplo: propaganda) portanto, para termos relação de consumo, no Código do Consumidor, não é necessário que o fornecedor concretamente venda bens ou preste serviços, basta que, mediante oferta, coloque bens à disposição de consumidores potenciais." (47)

A partir de então, chegamos ao seguinte conceito de relação jurídica de consumo.

Relação jurídica formada por um (ou diversos) consumidor(es) e um (ou mais de um) fornecedor que tenha como objeto um bem de consumo (produto ou serviço) ou a violação de um bem jurídico protegido pela lei de consumo direta ou indiretamente perpetrada por um fornecedor.

A parte final do conceito se justifica na medida em que a regra do sistema de responsabilidade do CDC é objetiva e portanto basta que o fornecedor dê causa à violação de direito para que responda pelo ato. É o que ocorre no exemplo do fato do produto a que acabamos de nos referir.

Ninguém duvida que a inscrição indevida do nome de um cidadão nos famigerados arquivos de consumo (ainda que este nunca tenha adquirido qualquer bem do fornecedor que providenciou a negativação) viola o direito à imagem e intimidade do lesado. Essa lesão de um bem jurídico protegido pelo legislador federal de consumo encontra previsão de responsabilidade civil (e administrativa) na lei de consumo sendo portanto insustentável dizer que não se trata de relação de consumo pelo simples fato de que o lesado não adquiriu um bem ou serviço do suposto credor.

O mesmo ocorre nas hipóteses em que o consumidor se depara com uma publicidade enganosa, abusiva ou métodos comerciais desleais. Nessas circunstâncias ele só poderá exigir a reparação utilizando da Lei 8.078/90 porque evidentemente ao ser equiparado a consumidor (típico) passou a integrar o pólo passivo da relação jurídica e portanto integrar a relação de consumo sem nada ter consumido, mas como já dissemos apenas por ter um bem jurídico seu agredido pelo fornecedor, bem jurídico este positivado no Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Com isso queremos derrubar o mito de que a relação de consumo deve necessariamente ter por objeto um produto ou serviço ou a intenção de sua aquisição, o que, conforme visto não é verdadeiro pois a relação jurídica (sujeição de um interesse alheio a um interesse próprio na definição de Carnelutti) já estará formada no momento da violação da ordem jurídica de consumo independente da aquisição ou intenção de aquisição de bens ou serviços.


2. Principais características da arbitragem no Brasil

Neste capítulo pretendemos abordar alguns aspectos mais importantes da arbitragem (características e procedimentos) seguindo basicamente os estudos do professor Carmona.

Conforme já foi dito e repetido anteriormente, a arbitragem nada mais é que um meio alternativo de solução de conflitos onde uma ou mais pessoas recebem poderes de uma convenção privada. Não há intervenção estatal e a decisão possui a mesma eficácia de uma sentença judicial, pode ser utilizada por qualquer pessoa e está limitada a conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis. (48) De fato, essa característica da alternatividade ocorre quando se toma por referência a justiça estatal.

Essa forma de solução de litígios onde um terceiro escolhido pelas partes impõe sua decisão difere da mediação e da conciliação. Enquanto a primeira é tida por um meio heterocompositivo de solução de conflitos, as outras duas são consideradas formas autocompositivas, pois o mediador ou conciliador não impõe uma decisão às partes, ao contrário, sugere-a. (49)

Quando as partes optam pela arbitragem podem tanto nomear árbitro único quanto entregar o encargo a um grupo de árbitros que, pode tanto pertencer a um órgão arbitral destinado a resolver controvérsias (arbitragem institucional ou administrada) ou ser avulsa, quando então se caracterizará pelo livre ajuste entre as partes sobre a criação e adoção de normas capazes de satisfazer suas necessidades (arbitragem ad hoc).

O árbitro deverá sempre proceder com imparcialidade e o fato de ter sido nomeado por uma das partes não significa que esteja vinculado a ela, ao contrário deverá manter sempre a independência perante ambas e basear-se no livre convencimento.

Em se tratando de meio extrajudicial de solução de conflitos, em regra não haverá intervenção do Poder Judiciário, mas apenas quando houver necessidade do emprego da coação estatal em caso de resistência de uma das partes ou terceiros.

Em nosso país não existe arbitragem obrigatória. A adoção desse meio é sempre facultativa, ao contrário do que ocorre em Portugal e na Costa Rica, aliás essa obrigatoriedade segundo leciona o professor Carmona, está em franco desuso.

Interessante trazer à lume a posição de professor Nelson Nery Junior sobre a natureza jurídica de jurisdição que possui a arbitragem (em contraponto aos que sustentam ter a arbitragem um caráter privado e natureza contratual). Sua posição funda-se no fato de que o árbitro exerce a jurisdição ao aplicar o direito ao caso concreto e põe fim à lide. Fala ainda que a arbitragem é instrumento de pacificação social e que a decisão é exteriorizada por meio de sentença que se reveste de título executivo judicial, sem necessidade de homologação pelo judiciário, passível de embargos do devedor com fundamento no art. 741 do CPC, nos termos do art. 33, §3º, da Lei de Arbitragem. (50)

A arbitragem exige que as partes sejam capazes, ou seja, que possuam capacidade de contratar. O professor Carmona citando Angelo Favata leciona que essa capacidade jurídica consiste "na aptidão de tornar-se sujeito de direitos e deveres" (51).

Essa aptidão, acrescenta o autor, é aquela genericamente estampada no artigo 2º da Lei Civil de 1917 (art. 1º, do Novo Código Civil -Lei 10.406/02). Assim, considerando que os incapazes e aqueles que possuem apenas poderes de administração não têm a disponibilidade do direito, não poderão socorrer-se do instituto da arbitragem.

Em termos processuais, estamos falando da capacidade de estar em juízo ou capacidade de fato (52).

Paulo Furtado e Uadi Lammêgo Bulos, comentam:

"Mas quem pode beneficiar-se arbitragem? Apenas as pessoas capazes. E se explica: é que no ordenamento jurídico pátrio participam das relações obrigacionais as pessoas que possuem capacidade processual (CPC art. 7º). Essa capacidade processual, também chamada de capacidade para estar em juízo ou, ainda, ‘legitimatio ad processum’, não deve ser confundida com a capacidade de ser parte (CC, art. 2º) e com a capacidade postulatória (CPC, art. 36, e Lei n. 8.906/94, art. 4º)." (53)

À respeito da capacidade de direito comenta Nelson Nery. Todo aquele que tiver aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações tem capacidade de direito (CC 2.º e 4.º). (54)

Em síntese, para que se desenvolva validamente o procedimento arbitral não basta a capacidade de direito, ou seja, a condição de ser pessoa natural ou jurídica, é necessário o exercício do direito, ao que a lei civil chama de capacidade de fato (55).

O professor Carmona acrescenta dizendo que os chamados entes despersonalizados podem socorrer-se da arbitragem, desde que devidamente autorizados – autorização judicial para o inventariante e síndico da falência e assemblear no caso do condomínio (56).

Do mesmo entendimento comunga Nelson Nery Junior, em comentário ao art. 1º da Lei de Arbitragem. "Capacidade. O juízo arbitral somente pode ser instituído por pessoas capazes de contratar. Entes despersonalizados (condomínio, espólio etc.) também podem instituir convenção de arbitragem.". (57)

A lei de arbitragem restringe o objeto do litígio aos direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, aqueles que podem ser exercidos livremente por seu titular sem que haja norma cogente impondo o cumprimento do preceito. Disponíveis são todos os bens desembaraçados que podem ser alienados ou negociados. (58)

Assuntos que envolvam direitos de família, estado das pessoas, sucessão, coisas fora do comércio, obrigações naturais, direito penal etc, escapam dos limites do objeto da arbitragem.

A par disso, conforme observa o professor Carmona, mesmo diante de uma questão decorrente da aplicação da lei penal ou de família, nada impede que as conseqüências patrimoniais do ilícito possam ser submetidas ao árbitro.

"(...)se é verdade que uma demanda que verse sobre o direito de prestar e receber alimentos trata de direito indisponível, não é menos verdade que o quantum da pensão pode ser livremente pactuado pelas partes (e isto torna arbitrável esta questão). (59)

O mesmo autor que lembra ter havido mudança no texto legal (o CPC determinava que o objeto da mediação eram os direitos patrimoniais sobre os quais a lei admita transação) conclui seu raciocínio afirmando que atualmente são arbitráveis as controvérsias sobre as quais se possa transigir.

Ainda sobre o objeto da arbitragem, o Professor Carmona sustenta a arbitrabilidade das questões laborais independente de qualquer menção específica sobre o tema na Lei 9.307/96. Solução oposta permeia a lei de arbitragem espanhola que em seu artigo 2º exclui de forma expressa as questões trabalhistas. (60)

Há que se ressaltar entretanto, que prevalece entre os doutrinadores que os direitos trabalhistas não admitem renúncia ou transação, sob pena de afronta ao artigo 444 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Ainda assim, mesmo aqueles que sustentam essa posição, como é o caso de Mozart Victor Russomano, afirmam que empregados e empregadores só não poderão ajustar condições ofensivas à lei, às decisões das autoridades e aos convênios coletivos. (61)

O professor Otávio Bueno Magano ainda reportando-se a arbitragem no Código de Processo Civil, já afirmava que bastaria uma simples alusão legal à admissibilidade da arbitragem para os dissídios trabalhistas para que as restrições doutrinárias fossem derrubadas.

Com efeito, em que pese a inexistência dessa disposição legal a Constituição Federal prevê em seu art. 114, §1º que "frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros".

O professor Carmona lembra também que juizes experimentados como Washington Luiz da Trindade, colocam que "em nenhum momento de nossa jurisprudência laboral rejeitou-se a arbitragem como fórmula conciliatória dos conflito, de igual acontecendo com a mediação." (...) "Não seria, pois, o direito do Trabalho Portuário que fecharia as portas ao juízo arbitral, tão comum na experiência estrangeira." (62)

Entretanto, o Juiz do Trabalho Substituto em Brasília, Vice-Coordenador da Escola Judicial do TRT e professor da Faculdade de Direito do CEUB, Antônio Umberto de Souza Júnior, deixa clara sua posição de impossibilidade de instituição de juízo arbitral, salvo nos conflitos coletivos. (63)

Questão que ainda gera debates é a da arbitrabilidade das causas em que o Estado é parte. Para a doutrina, o mais importante precedente é o "caso Lage", quando então a União incorporou ao seu patrimônio os bens e direitos da Organização Lage e do espólio de Henrique Lage, alegando interesse da defesa nacional. Após a avaliação dos bens os sucessores formularam proposta de criação de juízo arbitral que acabou sendo aceita.

Os árbitros determinaram o pagamento de indenização e a decisão foi acatada pela União num primeiro momento, mais adiante, sob alegação de inconstitucionalidade mudou de idéia e os herdeiros propuseram demanda em juízo para garantir seus direitos. Da primeira instância ao Supremo Tribunal Federal, confirmou-se a possibilidade do Estado firmar compromisso arbitral. (64)

Evidentemente esta possibilidade só pode ser aceita quando o Estado pratica atos de natureza privada, ou seja, quando as regras próprias do Direito Público podem ser afastadas. Isso normalmente ocorre nos contratos de gestão, quando então o Estado iguala-se aos particulares. Assim, o que é aplicável ao Estado vale para suas Autarquias e Empresas Públicas, estas expressamente sujeitas ao regime próprio das empresas privadas.

Leon Frejda Szklarowsky, após mencionar o caso Lage, baseia-se em julgamento do TCU, que, escorado em antigo julgado do TFR, entende pela inadmissibilidade do juízo arbitral em contratos administrativos por ofensa aos princípios de direito público e falta de autorização legislativa. (65)

As partes que optam pela arbitragem têm a segurança da coisa julgada bem como de seus efeitos negativos pelo que, veda-se a rediscussão da causa seja pela via judicial seja pela arbitral.

Desse modo, resta inválido o compromisso firmado sobre questão já decidida pelo juiz togado ou por outro órgão arbitral.

A leitura do art. 2º da Lei de Arbitragem nos revela que o legislador consagrou a autonomia dos contratantes na escolha do modo pelo qual a questão será decidida.

A lei permite que o árbitro julgue por equidade ou mesmo com base em determinado ordenamento jurídico escolhido pelas partes e até com base em princípios gerais de direito, usos e costumes e regras internacionais de comércio.

Entretanto, nada obstante ao prestígio da autonomia de vontade consagrado às partes, é de se dizer que ela não é absoluta. Certamente quando o direito aplicável for norma de Ordem Pública como é o caso do Código de Defesa do Consumidor, não há falar em escolha do direito aplicável já que a possibilidade de afastar a norma cogente por convenção das partes é nenhuma.

No reverso da medalha da arbitragem de direito está a de equidade. Ela permite ao árbitro afastar o direito positivo e decidir a questão com base naquilo que entende mais justo. Ora, sabe-se que é traço das normas jurídicas a generalidade, até porque não é dado ao legislador prever todas as situações fáticas. Mas se assim o é, pode acontecer que em determinadas hipóteses a aplicação da norma sobre o caso concreto implique profunda injustiça ou desequilíbrio, aí entra a equidade que autoriza o julgador a decidir de forma a mitigar a aplicação da norma ou mesmo de forma contrária ao seu texto.

Outra questão importante suscitada pelo professor Carmona respeita à disposição contida no art. 9º da LICC, ali o comando da norma determina que as obrigações devam ser regidas pela lei do lugar em que foram constituídas, mas ainda assim a Lei de Arbitragem deixa esta escolha às partes, haveria aí algum conflito? O mesmo doutrinador diz que não.

Portanto, quando diante do juízo arbitral, a nova lei derroga a vetusta rigidez a qual apenas o magistrado estará adstrito.

De maneira sintética, pode-se traçar como principais características da lei de arbitragem as seguintes: âmbito de aplicação restrito aos direitos patrimoniais disponíveis; pode ser de direito ou de equidade, desde que não viole os bons costumes e a ordem pública, podendo basear-se nos princípios gerais do direito, usos e costumes e regras internacionais de comércio; forma escrita em documento apartado ou inserta no próprio contrato; voluntária, com número ímpar de árbitros em quantidade definida pelas partes; incabível a interposição de recurso ou homologação pelo Poder Judiciário; prazo para decisão de seis meses, salvo se outro prazo for fixado pelas partes; comporta condenação por litigância de má-fé; a sentença só admite correção de erro material ou esclarecimento de obscuridade, dúvida ou contradição; a sentença é título executivo, e a parte só pode requerer a nulidade da sentença arbitral no prazo de noventa dias, o árbitro não precisa ser advogado ou bacharel em direito. (66)

Interessante salientar que a CACB (Confederação das Associações Comerciais do Brasil) que editou até um Código de Ética Para Árbitros e também divulga alguns esclarecimentos terminológicos, não recomenda a utilização da expressão "Tribunal Arbitral" ou a constituição de entidades denominadas "Associação de Juízes Arbitrais", tampouco o emprego de símbolos oficiais. Além disso deixa claro que o aprofundamento na matéria não se dá através de "Cursos de Formação de Árbitros", mas sim através de "Cursos de Arbitragem", pois não há como ensinar alguém a ser árbitro. Este deve ser profundo conhecedor da matéria que pretende arbitrar e agir com independência e imparcialidade.

Recomenda ainda que não identifique-se como árbitro, pois alguém só é árbitro após indicado pelas partes e deixa de sê-lo após proferir a sentença arbitral (não se é árbitro, mas se está árbitro). (67)

Enfim, as normas éticas e de boa conduta recomendadas aos que pretendem funcionar como árbitros visam evitar falsas crenças decorrentes de confusões terminológicas em especial para os leigos que podem crer estar diante de um juiz estatal quando defronte do árbitro.

2.1. A questão da constitucionalidade da lei 9.307/96

Um dos temas que não poderiam deixar de ser mencionados neste trabalho monográfico é a polêmica que envolve a constitucionalidade da lei de arbitragem.

Em síntese, para alguns doutrinadores a lei 9.307/96 embora pertencente ao ordenamento jurídico pátrio, possui o vício insanável da ofensa ao princípio magno da inafastabilidade da jurisdição previsto no artigo 5º, inciso XXXV, do Diploma Maior.

E isso por força do disposto nos artigos 2º e 18. Os referidos artigos da Lei 9.307/96, permitem que determinadas questões (envolvendo direitos patrimoniais disponíveis) fiquem irremediavelmente afastadas da apreciação do Poder Judiciário.

É fato que a utilização da via arbitral desloca a competência de julgamento da causa para fora do Poder Judiciário.

Todavia, a discussão enfrentada por juristas de envergadura vem se esvaziando na exata medida em que a alegada inconstitucionalidade da lei reflete o pensamento minoritário de nossa literatura jurídica e jurisprudencial.

Nelson Nery Júnior, apoiado nas lições de José Frederico Marques, Pontes de Miranda, Hamilton de Moraes e Barros, Erwin Marx e até decisão da Corte Constitucional italiana, nos revela porque a arbitragem não significa renúncia ao direito de ação, tampouco viola o princípio do juiz natural.

"A escolha pelas partes de um árbitro para solucionar as lides existentes ente elas não significa renúncia ao direito de ação nem ofende o princípio constitucional do juiz natural. Com a celebração do compromisso arbitral, as partes apenas estão transferindo, deslocando a jurisdição que, de ordinário, é exercida por órgão estatal, para um destinatário privado. Como o compromisso só pode versar sobre matéria de direito disponível, é lícito às partes assim proceder." (68)

De fato, a proibição constitucional (art. 5º, XXXV) veda que a lei (e não as partes) exclua alguma questão da apreciação do judiciário, todavia se as partes decidirem deslocar a jurisdição e eleger a arbitragem para solucionar um conflito envolvendo direito patrimonial sob sua esfera de disponibilidade não haverá qualquer óbice legal ou constitucional.

Em defesa da constitucionalidade da lei, e com visão ampla da questão estão Paulo Furtado e Uadi Lâmmego Bulos, que salientam a necessidade de apreciar a questão dentro de uma perspectiva maior, pondo fim à idéia de que a jurisdição é exclusiva do Estado e que a adoção da arbitragem violaria a inafastabilidade do controle jurisdicional. Essa mudança de perspectiva altera também a forma de encarar os princípios constitucionais como barreiras a impedir a adoção de novos institutos capazes de aprimorar o aceso à justiça. (69)

Diogo de Souza e Mello, explicita:

"O art. 18 da Lei 9.307/96 é alvo de críticas por não sujeitar a sentença arbitral a recurso ou à homologação do Poder Judiciário. Diz-se que há incompatibilidade do referido artigo da Lei, com o artigo 5º, XXXV da CRFB, uma vez que confere a mesma força e eficácia das decisões emanadas por órgãos colegiados às decisões tomadas por árbitros ou tribunais arbitrais, destituindo a garantia do duplo grau de jurisdição, podendo a parte apenas ajuizar ação de nulidade da sentença arbitral (art. 33) se presentes os vícios, previstos no art. 32 da mesma lei.

A alegada inconstitucionalidade, em face do art. 5º, XXXV, da CF/88, é afastada pelos doutrinadores favoráveis ao juízo arbitral, que defendem que esta não limita nem impede o acesso à jurisdição estatal, já que este depende de iniciativa das partes, disposto no art. 2º, do CPC.

Devemos ainda lembrar que a lei 9.307/96, em seu art. 33 dá aos interessados, a possibilidade de acesso ao judiciário para que a sentença arbitral, quando eivada de vícios, seja declarada nula. Além disso, somente o judiciário estatal poderá executar a sentença arbitral." (70)

Patrícia Galindo da Fonseca destaca:

"A lei é expressa ao identificar o árbitro como juiz de fato e de direito em seu dispositivo 18. Em respeito ao princípio constitucional da não exclusão pela lei da apreciação da lesão ou ameaça a o direito pelo Poder Judiciário, assegura-se às partes a possibilidade de rever o laudo arbitral em ação de nulidade ou embargos de devedor, conforme preceituado no art. 32 e 33 parágrafo 2º. (...)

A complementariedade da via arbitral à via jurisdicional evidencia-se no argumento que fundamenta, na seara jurisprudencial, a discussão acerca da constitucionalidade da Lei 9.307/96. O dispositivo constitucional objeto da discussão é o art. 5º. Inc. XXXV, que preceitua a não exclusão pela lei de lesão ou ameaça ao direito da apreciação do Poder Judiciário. O preceito assegura às partes a faculdade de recorrer ao Judiciário, não impondo a exclusividade da via jurisdicional. A norma constitucional é endereçada ao Poder Judiciário de quem quer que esse Poder deseje se dirigir. Conforme lição do prof. Hamilton Moraes de Barros, a lei, ao prever a arbitragem, não está excluindo a lesão da apreciação do Poder judiciário. Está, apenas, oferecendo às partes mais um meio, facultativo, de acertarem as suas relações." (71)

Também nosso Pretório Excelso, já teve a oportunidade de manifestar pela constitucionalidade da Lei de Arbitragem. A Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem assim noticiou:

"Juízo Arbitral – Constitucionalidade

Foi concluído pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, em 12 de dezembro de 2001, o julgamento do agravo regimental na Sentença Estrangeira 5.206 (Espanha) o qual se discutiu incidentemente a constitucionalidade de dispositivos da Lei 9307/96- "Lei de Arbitragem". (72)

"JUÍZO ARBITRAL - CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA – HAVENDO CONVENÇÃO DAS PARTES PARA SOLUÇÃO DOS EVENTUAIS CONFLITOS ATRAVÉS DE ARBITRAGEM, EM SENDO AS MESMAS CAPAZES E O DIREITO DISPONÍVEL, EXCLUI-SE A PARTICIPAÇÃO DO PODER JUDICÁRIO NA SOLUÇÃO DE QUALQUER CONTROVÉRSIA, RECURSO PROVIDO."

(Agravo de Instrumento 19990020016095AGI DF, 1º Turma Cível, 25/10/1999, relator Vera Andrighi). (73)

"ARBITRAGEM. LEI 9.307/96(...) NÃO SE TRATA DE IMPEDIR O ACESSO AO JUDICIÁRIO COMO VEM SENDO FUNDAMENTADO POR ALGUNS QUE ENTENDEM QUE A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA FERE O ART. 5º, XXXV, DA CF DE 88, E SIM UMA DISPONIBILIDADE QUE TEM OS INTERESSADOS DE VEREM SUAS QUESTÕES SENDO DIRIMIDAS COM MAIOR CELERIDADE, PRESTEZA E COM MENOS ENTRAVES BUROCRÁTICOS.(...)"

(Apelação Cível 19990110833603APC DF, 3º Turma Cível, 05/03/2001, relator Vasquez Cruxên). (74)

Não obstante a tudo isso, existem aqueles que (embora de forma relutante) concluem pela incompatibilidade da arbitragem na solução de conflitos de consumo, como é o caso de José Geraldo de Brito Filomeno. (75) O autor vê como maiores obstáculos a vulnerabilidade do consumidor e a inconstitucionalidade da Lei 9.307/90.

2.2 Arbitrabilidade das relações jurídicas de consumo no Brasil

Um primeiro questionamento que parece se apresentar para aquele que perquire da viabilidade da aplicação da arbitragem em questões que envolvem, de um lado um fornecedor, e de outro um consumidor - em flagrante desequilíbrio de forças – é que a proteção deste estaria maculada.

A professora Selma M. Ferreira Lemes responde a esta indagação com propriedade:

"Assim, com serenidade e utilizando da melhor hermenêutica, à luz dos direitos nacional e comparado, é que haveremos de concluir que a arbitragem , observando os requisitos necessários, é meio hábil de solução de conflitos de consumo e sói ser incentivado e utilizado na sociedade." (76)

Outra indagação atine ao aparente obstáculo existente entre a disponibilidade do direito submetido ao árbitro e o indiscutível caráter público (cogente) da norma de consumo (art. 1º da Lei 8.078/90).

Dito em outros termos, será que a norma de ordem pública e aplicação obrigatória admite o procedimento arbitral que só incide quando o direito encontra-se na esfera de disponibilidade do titular do direito?

Mais ainda, será que quando o legislador federal traçou como Princípio da Política Nacional de Relações de Consumo, o incentivo à criação de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo (art. 4º, inc. V, da Lei 8.078/90) já vislumbrava a possibilidade de aplicar a arbitragem para solucionar questões relativas ao direito do consumidor?

Será que diante de um conflito envolvendo consumidor e fornecedor a instituição da arbitragem acabaria por esbarrar no princípio da vulnerabilidade? Haveria redução da proteção legal dada ao consumidor?

Pois bem, antes de mais nada é importante que não pairem dúvidas sobre a inexistência de conflito entre o caráter público do Código de Defesa do Consumidor e o requisito da disponibilidade do direito a ser submetido ao árbitro conforme se infere do art. 1º da Lei 9.307/96. (77)

A disponibilidade refere-se ao direito sobre o qual as partes podem dispor, abrir mão, transacionar (78) e nada tem a ver com a impossibilidade de afastar o direito aplicável ao caso como é próprio das normas de ordem pública.

José Celso Martins, Advogado e Presidente do Tribunal Arbitral de São Paulo, ao desmisitificar alguns temores e preconceitos relativos à arbitragem, registra:

"(...) –conforme já se notou – o árbitro não poderá afastar a aplicação das normas constantes do Código de Defesa do Consumidor, caso tenha que decidir uma controvérsia envolvendo consumidor e fornecedor. Como norma de ordem pública, essas disposições normativas terão de ser consideradas na sentença arbitral (Lei 9.307, art. 2º). (79) (80)

De qualquer maneira, ainda que o texto da Lei 9.307/96 expressamente diga o óbvio em relação às normas de ordem pública, ou seja, que elas não poderão ser afastadas pela vontade das partes, encontramos quem entenda contrariamente. É o caso do Ilustre Ex-Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo, José Geraldo de Brito Filomeno. Após tecer críticas ao então projeto de Lei n.º 780/92, que tencionava derrogar o Art.51 inc. VII, do CDC sustenta:

"f) além disso, permitir-se-ia ao árbitro refugir ao ordenamento jurídico em vigor, decidindo por equidade, a critério do estabelecido no contrato, aí incluídos os usos e costumes comerciais, certamente bastante diferentes nas várias regiões do País, em desprol, uma vez mais, do consumidor. (81)

Ainda assim, outra questão se avizinha. De fato, já sabemos que o procedimento arbitral é aplicável nas relações de consumo, desde que estejamos diante de um "direito patrimonial disponível".

Assim, para além do consumo, a par do ramo do direito que regula determinada situação fática (civil, comercial, trabalhista, penal, consumo etc), devemos antes de mais nada questionar se o objeto da lide é patrimonial e ao mesmo tempo se está na esfera de disponibilidade da parte.

Caso a resposta seja afirmativa para ambas as perguntas o conflito comporta a instituição da arbitragem. Mas será que todos os direitos protegidos pela Lei 8.078/90 pertencem a esta categoria que comporta transação?

De maneira bastante generalizada pode-se dizer que a imensa maioria de lides de consumo são de ordem econômica e estão na esfera de disponibilidade do consumidor.

Porém, o legislador de consumo guindou à posição de direito básico do consumidor a proteção à vida, saúde e segurança (art. 6º), garantiu o respeito à sua dignidade e qualidade de vida (art. 4º) e tipificou, além dos já existentes, alguns crimes contra as relações de consumo (arts. 61 a 80).

Desse modo, em uma análise igualmente sucinta diríamos que estes direitos acima relacionados não poderiam ser objeto de discussão perante o árbitro, pois além de não serem patrimoniais, ao titular não é dado transacionar (v.g. vida).

Porém, nada impede que a decorrência patrimonial do conflito seja submetida ao "juiz privado". Ou seja, não se concebe que um consumidor transacione à respeito de sua segurança, entretanto, sobrevindo um acidente de consumo decorrente do Fato do Produto o quantum da indenização pode ser submetido a um árbitro.

O mesmo se pode dizer dos crimes contra as relações de consumo que são todos delitos de ação pública incondicionada titularizados pelo estado através do Ministério Público. Na condição de titular do direito de ação, o Estado representado pelo parquet submete-se ao princípio da indisponibilidade, já o ofendido não pode dispor de direito de que não é titular. Não obstante a isso, aplica-se o mesmo raciocínio colocado anteriormente. Ou seja, ocorrendo um delito contra as relações de consumo, sobre o quantum debeatur de eventual ofensa ao patrimônio do consumidor a reparação do dano poderá ser negociada, seja perante o árbitro, seja perante a justiça estatal em eventual ação civil ex delito.

Outra indagação feita no início merece ser respondida. Será que quando o Código do Consumidor previu como princípio o incentivo à criação de meios alternativos à solução de conflitos de consumo (art. 4º, V) pretendeu incluir aí a arbitragem?

Sob a ótica de Selma M. Ferreira Lemes, ao discorrer sobre os mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo afirma:"Neste rol de mecanismos de solução de conflitos deve ser incluída a prática da mediação e arbitragem". (82)

Pois bem, uma primeira observação a ser feita é que não há na Lei 8.078/90, seja no artigo mencionado, seja em qualquer outro, restrição a essa via alternativa (privada) de solução de litígio.

De outro lado, o art. 51 inc. VII, do Código impõe uma restrição relativa à instituição do juízo arbitral: veda a inserção de cláusula contratual que determine a utilização compulsória de arbitragem. Daí, evidente que a arbitragem não ficou à margem da lei de consumo no Brasil, a ressalva protetiva cuida apenas de colocar um freio à cláusula compromissória compulsória em contratos de consumo. A proteção justifica-se na medida em que a arbitragem deve ser instituída de comum acordo entre as partes e não imposta pela parte que redige o contrato e que, além disso, encontra-se em situação de evidente supremacia.

A arguta observação da professora Selma M. Ferreira Lemes, revela que máxime o legislador do CDC tenha utilizado a expressão "arbitragem compulsória" ela não existe em nosso país. O traço principal da arbitragem é a voluntariedade, portanto o que se pretendeu com emprego da dita expressão foi vedar a indicação da arbitragem nos contratos de consumo através da cláusula compromissória. (83)

Diante da leitura destes dois dispositivos legais – um que adota como mandamento principiológico os meios alternativos de solução de conflito e outro que veda o procedimento arbitral imposto pelo fornecedor, data máxima vênia, entendemos que não há fundamento legal que sustente a posição de inaplicabilidade da arbitragem aos conflitos de consumo. Some-se isso ao fato de que os direitos patrimoniais são a maior causa de lides envolvendo consumidores e fornecedores.

Alinhado com o entendimento de que o art. 51 inc. VII, do CDC, não veda a utilização de arbitragem está Arruda Alvim, para ele (mesmo antes da edição da Lei de Arbitragem) quando a Lei 8.078/90 proíbe a utilização compulsória de arbitragem, não está senão garantindo ao consumidor o pleno acesso ao judiciário. (84)

Paulo Borba Casella, professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, árbitro do Centro de Conciliação e Arbitragem da Câmara de Comércio Argentino-Brasileira de São Paulo, membro da Sociedade Brasileira de Direito Internacional (Rio) e da International Law Association (Londres) e que conta com nada menos de quatorze livros publicados, leciona que:

"Exatamente em matéria de proteção ao consumidor pode a arbitragem ser excelente canal de veiculação de descontentamentos e solução de problemas. Ora, contudo, a lei brasileira em matéria de proteção ao consumidor cria algumas (todavia compreensíveis) restrições ao uso da arbitragem.

Logicamente a Lei 9.307/96, ao regular a arbitrabilidade de direitos patrimoniais disponíveis instituiu a exigência de expressa concordância com a escolha da via arbitral para solução de controvérsias em contratos de adesão, ou seja, quem assina contrato padronizado impresso, sem poder negociar as condições deste, tem o direito de dizer expressamente se aceita ou não a arbitragem para dirimir qualquer controvérsia deste resultante. Nisso andou bem a lei brasileira." (85)

No mesmo sentido é a lição de Diogo de Souza e Mello, publicada em artigo denominado Estudo da Lei de Arbitragem – Aspectos Relevantes.

"Importante, observar o que dispõe o art. 51, inc.VII do Código de Defesa do Consumidor, que estipula que a utilização ‘compulsória’ da arbitragem, para dirimir conflitos relativos a contratos, é nula de pleno direito, visto que o aderente não pode ser obrigado a aceitar a via arbitral. Logo, quando a instauração do juízo arbitral se der através de cláusula abusiva imposta à parte mais vulnerável da relação contratual, a ‘Cláusula Compromissória’ poderá ser anulada. O que é bem óbvio, pois compulsório significa obrigatório, e este não é o espírito da Lei." (86)

Antônio Junqueira de Azevedo, em artigo entitulado A Arbitragem e o Direito do Consumidor, propõe-se a solucionar a questão do aparente conflito entre a Lei de Arbitragem que permite a inserção de cláusula compromissória nos contratos de adesão e o Art. 51 inc. VII, do CDC. Em suas cristalinas conclusões o doutrinador conclui pela arbitrabilidade das questões que envolvem consumo, com a ressalva de que deva ser instituída por compromisso e não por cláusula compromissória ante a vedação imposta pelo art. 51 inc. VII, do CDC.

"Como adiantamos, a Lei de Arbitragem nada alterou no Código de Defesa do Consumidor, sobre os direitos do consumidor. Perante a lei protetiva, o quadro era, e é, pois, o seguinte: o compromisso entre consumidor e fornecedor, desde que sem abuso deste sobre aquele, é permitido; a cláusula compromissória, inversamente, tem presunção absoluta de abusividade e é proibida (art. 51, VII). (87)

Nelson Nery, alinhado com este entendimento, após esclarecer que os contratos de consumo podem ser de adesão ou não, deixa claro que o art. 51 inc. VII (88), do CDC, não é incompatível com o art. 4º, §2º (89), da Lei de Arbitragem e que ambas as leis sobrevivem vigentes e se completam.

"Basta lembrar, por exemplo, que o CDC 51 VII aplica-se apenas aos contratos de consumo enquanto que a Larb 4.º, §2.º aplica-se a todo e qualquer contrato de adesão: civil, comercial ou de consumo." (90)

Posição diametralmente oposta é a do eminente Procurador de Justiça José Geraldo de Brito Filomeno, ele entende conveniente sacrificar esse meio de solução de conflitos em favor da vulnerabilidade do consumidor, mas nada obstante afirma:

"Dentre os chamados ‘instrumentos alternativos para a solução de conflitos das relações de consumo’, como já visto, a teor do que dispõe o inc. V do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor, parece-nos que as chamadas ‘Câmaras de Conciliação’, incentivadas pelas entidades representativas da indústria e do comércio, poderiam desde logo desempenhar o papel de juízos arbitrais, ou até de "tribunais de arbitragem", terminologia, aliás, utilizada pela nova lei em questão.

Mas, acrescentaríamos, desde que tais instrumentos alternativos para a solução de conflitos de relações de consumo contassem com representantes ou árbitros de confiança dos consumidores, de preferência dos PROCON’S, SEDECONs OU CEDECONs, ou ainda de entidades não governamentais de consumidores." (grifo no original). (91)

Mais adiante, repisa:

"E no caso de ser viável a instituição do novo instrumento para resolução de litígios advindos de relações de consumo, os árbitros a serem indicados pelos consumidores certamente serão os técnicos do PROCON ou do IDEC, ou ainda de outros organismos especializados, até para se procurar manter o equilíbrio a duras penas buscado pelo Código de Defesa do Consumidor." (grifo no original). (92)

Dito isso, passaremos a responder outra questão proposta no início deste capítulo: a aplicação da arbitragem em conflitos de consumo viola o princípio da vulnerabilidade consagrado pelo nosso Código do Consumidor?

Antes de mais nada, vale à pena lembrar algo dito anteriormente sobre a instituição do juízo arbitral – ela deve, necessária e exclusivamente passar pelo compromisso arbitral – isso porque a outra espécie do gênero convenção de arbitragem (a cláusula compromissória) não é admitida nos contratos de consumo por força do disposto no art. 51 inc. VII, da Lei 8.078/90.

O legislador, sabedor que é da vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor anteviu que este acabaria por decidir, ele próprio, pelo deslocamento da jurisdição.

Ao prever esta situação manteve a redação do art. 51 inc. VII, da Lei 8.078/90 (que por pouco não foi revogado) por entender que o disposto no art. 4º, § 2º, da Lei de Arbitragem, não conferia proteção suficiente.

Em verdade, entendemos que o legislador agiu com acerto, pois seria no mínimo ingênuo acreditar que uma singela rubrica aposta ao lado de uma cláusula compromissória em um contrato de consumo serviria para garantir que o consumidor estivesse devidamente informado das conseqüências de seu ato.

A experiência tem demonstrado que, não raro, o consumidor desconhece até mesmo o objeto do contrato de massa que assina. Se assim é, o que dizer da cláusula compromissória que é autônoma em relação ao contrato principal e supõe o conhecimento de diversos outros elementos técnicos jurídicos.

Não seria exagero dizer que nos dias de hoje, decorridos mais de seis anos da entrada em vigor da Lei de Arbitragem, muitos técnicos do direito estariam tão vulneráveis quanto a maioria dos consumidores caso devessem assinar contrato de consumo com cláusula compromissória compulsória.

Conclui-se assim, que quando o legislador manteve vigente e intacto o art. 51 inc. VII, do Código do Consumidor reconheceu outra vez sua vulnerabilidade.

A redação do dispositivo continua a garantir com amplitude o acesso ao judiciário e em hipótese alguma agride o princípio da vulnerabilidade plasmado na Lei 8.078/90.

Outro temor injustificado que se tem notado em relação a arbitragem para o consumo envolve a possibilidade de julgamento por equidade previsto no artigo 2º da Lei 9.307/96. O sempre lembrado Nelson Nery Júnior, nos ensina que a possibilidade do árbitro decidir por equidade carece da expressa vontade das partes, que deverão transferir tais poderes ao árbitro, quando então este poderá julgar até contra legem, pois como lembra o mestre, julgamento por equidade significa julgamento pelo mais justo sem se preocupar com a legalidade da decisão mas apenas com sua legitimidade. (93)


3. Os órgãos públicos integrantes do SNDC e a arbitragem

5.1. Atribuições dos órgãos integrantes do sistema nacional de defesa do consumidor (SNDC)

O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, previsto no TÍTULO IV, do CAPÍTULO IV, da Lei 8.078/90, é composto dos órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais, bem como pelas entidades privadas de defesa do consumidor (art. 105, da Lei 8.078/90). (94)

De logo, para não deixar passar in albis uma questão polêmica, entendemos inexistir hierarquia entre os integrantes do SNDC, pois nesse caso estaríamos diante de afronta direta à capacidade de autogoverno dos Estados, DF e Municípios.

A Lei 8.078/90, em seu artigo 106, estabelece que a coordenação da Política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor ficará à cargo do Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, da Secretaria de Direito Econômico, ou órgão federal que vier a substituí-lo.

Sobre o assunto, comenta o Procurador de Justiça do Estado de São Paulo e autor do anteprojeto do CDC, Daniel Roberto Fink:

"O caput do art. 106 inicia afirmando a necessidade da existência de um órgão de abrangência nacional capaz de coordenar a efetiva implantação dos princípios e objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo nomeia o Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, ou órgão federal que venha a substituí-lo. Atualmente, essa tarefa está a cargo do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC." (95)

Pois bem, na condição de coordenador desta Política do Sistema, diversas competências (ou atribuições) lhe foram conferidas, a saber: I – planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de proteção do consumidor; II – receber, analisar, avaliar e encaminhar consultas, denúncias ou sugestões apresentadas por entidades representativas ou pessoas jurídicas de direito público ou privado; III – prestar orientação aos consumidores sobre seus direitos e garantias; IV – informar, conscientizar e motivar o consumidor através dos diferentes meios de comunicação; V – solicitar à polícia judiciária a instauração de inquérito policial para apreciação de delito contra os consumidores, nos termos da legislação vigente; VI – representar ao Ministério Público competente para fins de adoção de medidas processuais no âmbito de suas atribuições; VII – levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações de ordem administrativa que violarem os interesses difusos, coletivos, ou individuais dos consumidores; VIII – solicitar o concurso de órgãos e entidades da União, Estados, do Distrito Federal e Municípios, bem como auxiliar a fiscalização de preços, abastecimento, quantidade e segurança de bens e serviços; IX – incentivar, inclusive com recursos financeiros e outros programas especiais, a formação de entidades de defesa do consumidor pela população e pelos órgãos públicos estaduais e municipais; X – (vetado); XI (vetado); XII (vetado); XIII – desenvolver outras atividades compatíveis com suas finalidades.

Com vistas a regular o Sistema e estabelecer as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas no art. 57, da Lei 8.078/90, em 1993, foi editado o Decreto Federal n.º 861.

O referido Decreto foi atacado por Ação Direta de Inconstitucionalidade pela Procuradoria do Estado de São Paulo, todavia o Supremo Tribunal Federal não conheceu da ADIn, dizendo tratar-se de inconstitucionalidade reflexa. (96)

Nada obstante, em 20 de março de 1997, foi editado o Decreto Federal 2.181/97, que "Dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC, estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 , revoga o Decreto n.º 861, de 9 de julho de 1993 e dá outras providências.

Já no seu art. 1º, o mencionado Decreto prescreve que:

"Fica organizado o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC e estabelecidas as normas gerais de aplicação das sanções administrativas, nos termos da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990."

O Decreto Federal repete as atribuições legais dadas ao Coordenador do Sistema e enfatiza o exercício da fiscalização. Em relação aos órgãos estaduais, do Distrito Federal e municipais, o Decreto trespassa as atribuições de: I – planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política estadual, do distrito federal e municipal de proteção e defesa do consumidor, nas suas respectivas áreas de atuação; II – dar atendimento aos consumidores, processando, regularmente, as reclamações fundamentadas; III – fiscalizar as relações de consumo; IV – funcionar, no processo administrativo, como instância de instrução e julgamento, no âmbito de sua competência, dentro das regras fixadas pela Lei 8.078/90, de 1990, pela legislação complementar e por este Decreto; V – elaborar e divulgar anualmente, no âmbito de sua competência, o cadastro de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, de que trata o art. 44 da Lei n.º 8.078/90, e remeter cópia ao DPDC; VI – desenvolver outras atividades compatíveis com suas finalidades.

Aqui gostaríamos de chamar a atenção para o seguinte fato. Se a Lei Federal e o Decreto que a regulamenta, não "engessaram" as atribuições dos órgãos integrantes do SNDC, prevendo um rol exemplificativo de atividades a serem exercidas, além de ressalvar o desenvolvimento de outras atividades compatíveis com suas finalidades (97), é fácil concluir que inexiste qualquer óbice para a instituição da arbitragem nestes mesmo órgãos, seja em nível federal, distrital, estadual ou municipal.

Sem embargo, não podemos esquecer que é dever do Estado promover a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, da CF) e que é diretriz básica da Política Nacional de Relações de Consumo, a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo (art. 4º, inc. III, da Lei 8.078/90) e o incentivo à criação de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo (art. 4º, inc. V, da Lei 8.078/90).

Paulo Borba Casella, ao tratar da arbitragem para consumo, mesmo fazendo remissão ao revogado Decreto 861/93, assinala:

"No Brasil o sistema administrativo está estruturado e legalmente existe. Sua operação há de ser dimensionada. Os dois textos principais da matéria são o Decreto 861/93, que "dispõe sobre a organização do sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC", na sequência da Lei 8078/90 que "dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.

Além e ao lado do aparato legal já existente, a proposta de utilização da arbitragem para a solução de controvérsias ligadas ao consumo pode ser alternativa eficiente para o consumidor brasileiro, a exemplo do que foi experimentado e deu resultados na Argentina." (98)

3.2. Instalação da arbitragem de consumo nos órgãos públicos integrantes do SNDC – vantagens.

Neste singelo trabalho monográfico pretendemos sustentar, a exemplo do que ocorre hoje na Espanha, a utilização da arbitragem envolvendo litígios de consumo levados a cabo pelo órgãos estatais de proteção e defesa do consumidor. Adiante passaremos a explicitar os motivos que sustentam essa (talvez ousada) tese.

A apreciação do tema será abordado sob três prismas distintos: o do órgão de defesa do consumidor, do fornecedor e do consumidor.

Pela ordem, passaremos a demonstrar de forma articulada alguns motivos que nos levam a crer que as lides de consumo podem ser atraídas para os órgãos estatais incumbidos da defesa do consumidor.

O conhecimento acumulado da matéria de consumo, a estrutura física montada, os estreitos laços formados ao longo dos anos entre fornecedores e Procons, a confiabilidade de que gozam os órgãos de defesa do consumidor perante a sociedade, aliados à gratuidade dos serviços fazem dos Procon locais ideais para a instalação de juízos arbitrais de consumo. Isso sem mencionar o fato de que nossa formação romanista do direito provoca no inconsciente coletivo a convicção de ser o Estado a única instituição apta a solucionar questões. (99)

Em primeiro lugar, é fato notório que o trabalho diário dos órgãos de defesa do consumidor espalhados pelo país lhes trouxe conhecimento teórico e experiência acumulada que não pode (e não deve) ser desprezada, somente a título de exemplo mencionamos a Fundação Procon /SP, que durante mais de 25 anos de atividade prestou e vem prestando excelentes serviços à comunidade na orientação dos consumidores, composição de demandas de consumo e até reprimindo condutas violadoras da ordem jurídica através de sua atuante Diretoria de Fiscalização.

O corpo técnico da Fundação, composto de pessoal qualificado, com formação universitária, integra equipes técnicas especializadas em cada assunto de maior relevância dentro das relações de consumo. Ali existem equipes especializadas em demandas que envolvam assuntos ligados a alimentos, saúde, habitação, produtos, serviços (públicos e privados) e assuntos financeiros.

Cada uma destas equipes possui larga experiência nos assuntos de que trata além de praticar diariamente a composição de demandas através da conciliação, o que também os coloca adiante no trato com as partes quando comparados a árbitros sem experiência.

Para além disso, vale lembrar que atualmente os órgãos públicos de defesa do consumidor, ligados direta, ou indiretamente que são ao Poder Executivo, não têm atribuição para decidir as questões que lhe são apresentadas pelos consumidores aplicando a lei ao caso concreto, o limite da atribuição destes órgãos (ao menos em relação às demandas individuais) sequer esbarra no poder de dizer o direito (jurisdição).

Esse fato, no mais das vezes, além de gerar frustração no técnico que acompanha e trabalha a reclamação e não consegue solucioná-la apesar de estar diante de flagrante violação de um direito do consumidor, obriga o lesado a literalmente recomeçar (desta vez no Poder Judiciário) a via crucis iniciada com a reclamação formalizada no órgão administrativo.

Ou seja, após buscar o amparo estatal nos órgãos de defesa do consumidor o lesado deve contar com a "boa vontade" do fornecedor para ver sua lesão reparada, do contrário, todo esforço, paciência, expectativa gerada no consumidor e o dispêndio que o Estado (leia-se cidadãos), tiveram, cairão no vazio diante da simples negativa do direito.

De outro lado, instituído o juízo arbitral e frustrada a tentativa conciliatória, o árbitro passará a decidir o caso de forma vinculante para as partes. Como dito anteriormente, a natureza jurídica da arbitragem é de jurisdição, logo, a experiência acumulada na área de composição de conflitos (mais de 25 anos), ganharia essa ferramenta capaz de garantir a solução do conflito como verdadeiro instrumento de pacificação social, além de impedir - em definitivo - que uma imensa gama de lides fosse desaguar no judiciário.

A nosso ver, a instituição do juízo arbitral, que acena com vantagens para todos acabaria por atrair inúmeros fornecedores de diversos segmentos de mercado para decidir suas controvérsias de maneira rápida, técnica e juridicamente segura.

Outro ponto de relevo que gostaríamos de salientar é que a estrutura física e as instalações de que gozam os órgãos de defesa do consumidor, na maioria dos casos, pode ser utilizada para a realização do procedimento arbitral sem grande (ou nenhuma) adaptação.

Durante o primeiro contato que o consumidor tem com os Procons, lhe são apresentados esclarecimentos sobre seus direitos e sobre o procedimento de tentativa de solução de seu caso individual.

Além destes esclarecimentos que normalmente são apresentados aos consumidores, bastaria que o técnico verificasse se a demanda a ser proposta envolve um fornecedor que integra a lista (da qual falaremos adiante) daqueles que voluntariamente aderiram ao procedimento arbitral. Feito isso bastaria repassar ao consumidor a informação sobre a possibilidade de opção pela via arbitral se aceita restaria apenas assinar o compromisso arbitral.

Chamamos a atenção outra vez para o fato de que o art. 51, VII, do CDC, veda a inserção de cláusula compromissória compulsória em contratos de adesão, por isso a alternativa para instituição da Convenção de Arbitragem seria o Compromisso Arbitral. (100)

"A primeira observação a fazer é que o compromisso não está proibido; ele, literalmente, não é cláusula, é ato autônomo; além disso, é realizado quando já há controvérsia existente(...)." (101)

A difusão das vantagens oferecidas pela arbitragem, pode ser divulgada através de uma estrutura existente em cada órgão de defesa do consumidor. Os postos de atendimento são locais onde diariamente, os consumidores comparecem para obter informações, sanar dúvidas e buscar a composição de seus conflitos de consumo. Pois é aí o local e o momento de oferecer ao consumidor uma via alternativa e célere, aconselhando-o e explicitando em que consiste a arbitragem.

Outro fator importante e facilitador da criação dos "tribunais arbitrais" dentro dos órgãos de defesa do consumidor é o relacionamento já existente entre fornecedores e Procon, que periodicamente encontram-se na busca de solução para as reclamações formuladas pelos consumidores.

Esse fator, aliado a isenção de interesses outros que não o público, somado às vantagens da solução de conflitos que a via arbitral traz para o fornecedor, seria decisivo facilitador da adesão dos fornecedores ao arbitramento de suas causas dentro dos órgãos estatais de defesa do consumidor.

Sob a ótica dos consumidores, a confiabilidade dos Procon perante a população contribuiria, incontestavelmente para o sucesso do projeto. Ora, todos sabemos que mesmo pregando a agilidade, imediatismo e redução de custos na solução de conflitos, os tribunais arbitrais privados ainda não conseguiram atrair para si parcela significativa de questões ligadas ao consumo. E isso deve-se tanto ao desconhecimento da população dessa via alternativa de solução de demandas, quanto ao receio de ver uma sua questão decidida em definitivo por outro particular (e não pelo Estado), e sobretudo pelo fato (óbvio) de que os tribunais arbitrais privados sobrevivem das verbas que recebem das partes, entretanto é sabido que as lides de consumo envolvem, na sua esmagadora maioria valores de pequena monta e lesados humildes que não podem pagar para obter a reparação de seu dano.

Em tantos outros casos, ainda que o consumidor não seja hipossuficiente, acabaria não optando pela via arbitral paga, em situações que (v.g.) envolvem reparação de um produto eletrodoméstico de baixo valor, substituição de um alimento deteriorado, restituição de pequenas quantias cobradas indevidamente pela administradora de cartão de crédito ou pela operadora de serviços de telefonia.

Assim, sob o prisma do consumidor, é esse o fator que entendemos decisivo para convencê-lo de que a arbitragem possui vantagens que não pode negligenciar. Além de ver sua demanda solucionada em menor tempo, com imparcialidade e técnica não lhe serão cobrados custas ou ônus.

Esse preço, que hoje é pago pela sociedade através dos impostos que custeiam o funcionamento dos órgãos de defesa do consumidor, reverterá para a coletividade através de uma prestação de serviço mais qualificada e ágil.

A par do que dissemos acerca da gratuidade da arbitragem de consumo na Espanha, entendemos que este seria também um fator capaz de atrair o fornecedor ao modelo privado de solução de conflitos, pois isso implicaria em menores custos e obviamente maiores lucros que certamente decorreriam também da fidelização do consumidor que teve sua demanda prontamente resolvida pelo fornecedor.

No que respeita aos fornecedores, considerando que a instituição da arbitragem não é, e nem poderia ser compulsória (pois a lei não pode excluir a apreciação de qualquer questão do Poder Judiciário), sua atenção para a arbitragem de consumo poderia ser despertada através de simples incentivos. Como exemplo, outra vez citamos o modelo espanhol que criou um selo capaz de identificar, perante o consumidor, o fornecedor participante do Tribunal Arbitral.

O retorno dessa identificação para a imagem e consequentemente para as vendas das empresas seria praticamente imediato tão logo a arbitragem passasse a ser difundida.

A simples opção do fornecedor pela arbitragem transmitiria segurança aos futuros adquirentes de seus bens e serviços e serviria, além de estímulo a concorrência, como influência direta na escolha deste ou daquele fornecedor.

Para além da confiabilidade que a população deposita nos órgãos integrantes do SNDC, não poderíamos deixar de repisar o que disse a Professora Patrícia Galindo da Fonseca.

"O protecionismo estatal provocava no inconsciente coletivo a convicção de ser o Estado a única instituição apta a solucionar questões envolvendo os seus jurisdicionados. (102)

E mais adiante conclui:

"As dificuldades de aceitação e assimilação da arbitragem no Brasil devem-se sobretudo, à nossa formação romanista do Direito. A convicção de que só juiz satisfaz os requisitos necessários e se investe de autoridade para julgar problemas jurídicos encontra respaldo no consciente coletivo de nossa sociedade." (103)

Ora, se esse ainda é o pensamento dominante, a realização da arbitragem por órgãos ligados ao Estado seria mais uma forma de implantar uma cultura arbitral de forma gradativa e metódica, como defendido pela autora que acabamos de mencionar.

É do conhecimento de todos que, diante das ainda existentes dificuldades de acesso à justiça e a repercussão dos serviços prestados pelos Procon, muitos veêm nestes órgãos administrativos a "tábua de salvação" para seus problemas de consumo – sem mencionar os cíveis, trabalhistas previdenciários etc – ledo engano. Na maioria das vezes, desconhecendo os limites da atuação administrativa que não pode ultrapassar a linha da tentativa de mediar o conflito, o consumidor sente a frustração de aguardar período (muitas vezes longo) para então ser orientado a engrossar as filas do já abarrotado Poder Judiciário.

É fato que a imagem construída pelos Procon decorre, sem dúvida, da expressiva quantidade de acordos realizados, entretanto, em que pese a inevitável demora no encaminhamento da reclamação, se o acordo acontece tudo vai bem, do contrário, a simples recusa do fornecedor (seja de comparecer na audiência seja de compor o conflito com o consumidor) é capaz de por termo ao procedimento administrativo, o consumidor fica visivelmente decepcionado e passa a culpar até o órgão de defesa do consumidor que "o enganou".

Com efeito, a instituição do juízo arbitral nos órgãos públicos de defesa do consumidor oferece vantagens não só para as partes envolvidas, mas também para a sociedade que ganha qualidade e eficiência na prestação de um serviço público.

E essas características a que nos referimos decorrem simplesmente do emprego adequado de ferramentas legais capazes de solucionar conflitos, pois se hoje os órgãos de defesa do consumidor não são tão eficientes do ponto de vista da solução de conflitos, isso não se deve a sua incapacidade para administrá-los, mas ao contrário, das limitações que lhe são impostas.

Logicamente os fornecedores bem intencionados e com visão de mercado perceberão desde logo que sua sobrevivência depende não só da atração de novos clientes através de métodos persuasivos de marketing, mas também da continuidade do relacionamento com os consumidores que já adquiriram seus produtos ou prestação de serviços. E é a manutenção da qualidade e confiabilidade das relações entre as partes que mantém o vínculo vital da relação consumidor/fornecedor.

Queremos abrir um parêntese aqui para justificar nosso posicionamento de criação de Tribunais Arbitrais nos órgãos públicos de defesa do consumidor, excluindo os privados a exemplo das associações de consumidores. É que conforme já dissemos, a experiência nos tem demonstrado que os contratos de consumo envolvem em sua esmagadora maioria valores reduzidos. Se assim o é, a única forma de atrair o consumidor para a arbitragem é oferecendo-a gratuitamente e essa possibilidade só se vislumbra dentro dos órgãos públicos integrantes do SNDC.

De outra parte, embora nada seja capaz de obstar a implantação de tribunais arbitrais nas entidades privadas de defesa do consumidor, quer nos parecer que elas só serão capazes de atrair consumidores das classes mais abastadas ou que possuam litígios que envolvam valores elevados, quando então uma singela análise comparativa revelará que a agilidade e o custo da arbitragem em relação à justiça comum é compensadora. Aliás, mobilização da sociedade organizada e fornecedores em conjunto com as entidades privadas de defesa do consumidor é assunto que já foi abordado com atenção por juristas de larga experiência e conhecimento teórico. (104)

Dentro de nossas sugestões inclui-se a de estruturar um quadro de árbitros composto por técnicos de defesa do consumidor ligados aos Procons e pessoal indicado pelos fornecedores que optarem participar da arbitragem, além da possibilidade de formação de convênios com associações de peritos e outras entidades de classe interessadas.

Aliás, a celebração de convênio desta natureza já é velho conhecido da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo (a qual vincula-se a Fundação Procon-SP) que, em maio de 2000, em conjunto com a Junta Comercial do Estado de São Paulo, Federação do Comércio do Estado de São Paulo, Ordem dos Advogados do Brasil- Secção São Paulo, Associação dos Peritos Judiciais do Estado de São Paulo, Federação dos Contabilistas do Estado de São Paulo e Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio e Indústria de São Paulo, instalaram o Tribunal Arbitral do Comércio que funciona nas dependências da Junta Comercial do Estado de São Paulo.

Neste ponto do texto não poderíamos deixar de mencionar a inovadora iniciativa do Conselho Superior de Magistratura do Estado de São Paulo que, em 29 de maio de 2003 fez publicar o Provimento n.º 812/2003.

O referido Provimento institui o Projeto Experimental de Atendimento Diferenciado no Juizado Especial Cível Central da Capital. (105)

O atendimento diferenciado consiste em uma parceria do Poder Judiciário com os fornecedores de produtos e serviços interessados em manter um representante de plantão nas dependências do Juizado com vistas a solucionar de forma amigável as reclamações dos consumidores antes mesmo da instauração de um processo judicial.

A iniciativa que merece aplausos, poderá desafogar a estrutura hoje sobrecarregada dos Juizados Especiais Cíveis que recebem em maior volume questões ligadas a consumo.

Um acordo reduzido a termo poderá por fim à demanda imediatamente ou no prazo máximo de 15 dias.

Ainda no tema Juizados Especiais, o Professor Carmona traz dados interessantes envolvendo-os com a arbitragem.

"O Estado do Paraná, porém, tem estatística impressionante (relativa ao ano de 1996) sobre o desenvolvimento da arbitragem nos Juizados Especiais. Até onde pude constatar, porém, a utilização da arbitragem naquele Estado, em sede de Juizados Especiais, deve-se ao especial empenho dos juízes encarregados da direção e implantação do sistema, que – preparados e extremamente dedicados - não têm medido esforços para orientar a população acerca da vantagem, também naquela sede, de resolver conflitos através de árbitros, o que acaba por multiplicar a potencialidade dos Juizados." (106)

De fato, a expectativa de aguardar meses (ou anos) para solucionar um impasse decorrente de uma contratação que se deu em frações de segundo, e por vezes a milhares de quilômetros de distância do consumidor (como acontece nos contratos eletrônicos) não parece assinalar para o ideal de justiça que todos esperamos.

Como brilhantemente frisa José Celso Martins,

"A solução de um conflito que demora de cinco a dez anos entre uma grande empresa e um consumidor não haverá de ser justa, por mais correta que seja, pois de há muito tempo a necessidade de uma das partes ficou prejudicada e, muitas vezes, definitivamente sem solução." (107)


Conclusão

Vimos que o caminho alternativo da arbitragem, trilhado ao longo dos anos por juristas de visão privilegiada nos pode trazer inegáveis benefícios também na seara do direito do consumidor, a experiência legislativa e prática aplicada em outros países pode ser profícua quando adaptada à nossa realidade sócio-econômica.

O direito do consumidor que em nosso país, já possui normatização específica há mais de doze anos aguarda a implementação de ferramentas ali previstas que foram sendo lapidadas ao longo dos anos por outros diplomas jurídicos - a exemplo da Lei de Arbitragem - dotada de procedimento capaz de viabilizar o mandamento constitucional da defesa do consumidor e o princípio da alternatividade da solução dos conflitos.

Ao longo deste trabalho procuramos demonstrar que a compatibilidade dos dois diplomas legais (Lei 8.078/90 e Lei 9.307/96) pode encontrar sua pedra de toque justamente nas casas destinadas à proteção do consumidor, ou seja, nos órgãos que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC).

Temos ciência que o trabalho proposto requer esforço, paciência e sobretudo vontade para sua implementação, pois o objetivo último da harmonização das relações carece da mudança de atitudes e comportamentos dos atores envolvidos nas relações de consumo.

O processo de assimilação da lei pela sociedade é lento e demanda trabalho de base. A orientação previne a lesão e evita o surgimento de diversas lides.

Uma coisa é certa, não resta dúvida que quaisquer correntes doutrinárias e jurisprudenciais que versem sobre temas de defesa do consumidor hão de estar embasadas nos princípio norteadores da Lei 8.078/90, o cuidado do hermeneuta justifica-se na medida que de seu posicionamento poderá, em última análise, resultar no sucesso ou fracasso da ambiciosa lei.

Suas disposições merecem interpretações profundas, condizentes com sua amplitude e com a grandiosidade dos interesses sociais envolvidos, sejam eles de consumidores ou de fornecedores.

Por mais difícil que possa parecer, a lei visa equilibrar o interesse lucrativo do fornecedor com as necessidades e interesses dos consumidores, para por em marcha o complexo sistema motor da atividade econômica.

Não se nega que muitas opiniões estão por vir, e que a cautela na interpretação da norma não pode ser obstada pelo temor, pois se este imperar todo o avanço engendrado pelo legislador estará ameaçado.

É de todos nós a responsabilidade de praticar a lei de consumo, desestimulando a perpetuação dos maus fornecedores e de práticas nocivas ao mercado. Em resumo, devemos pugnar pelo objetivo maior da lei, que é a diminuição das disparidades hoje tão patentes e banalizadas.

Por fim, fazemos nossas as palavras do professor Alejandro Garro, da Universidade Columbia em Nova Iorque, quando afirma que "uma legislação adequada não terá êxito se não estiver acompanhada de uma mudança de mentalidade e de uma estrutura administrativa que facilite a arbitragem(...)." (108)


Notas

  1. Carlos Alberto CARMONA, Arbitragem e Processo um comentário à lei 9.307/96 , p. 18. Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR, Arbitragem, Jurisdição e Execução , p. 19. Tarcísio Araújo KROETZ. Arbitragem, Conceito e Pressupostos de Validade. p. 14.

  2. Enquanto nosso país atinge a incrível marca de 15.384, habitantes por juiz, a Bélgica apresenta uma relação de 8.380, a França: 9.159, a Itália: 7.987, Luxemburgo: 3.238, Holanda: 9323, Portugal: 8.199, a Espanha: 11681, a Alemanha: 3918 e a Suíça: 6917. Breve Estudo Comparado Entre o Brasil e Portugal. CACB <http://www.cacb.org.br/arbitragem/artigos/Arbitragem.doc>.

  3. "De acordo com comunicados da Corregedoria Geral de Justiça, publicados no Diário Oficial, correm atualmente, na Justiça Estadual de primeira instância, para além de quatro milhões e duzentos mil processos, apenas na modalidade "executivo fiscal.". Roberto Ferreira de Ulhôa CINTRA. A Arbitragem e a Eficiência do Estado. CACB <http://www.cacb.org.br/arbitragem/artigos/A%20Arbitragem%20e%20a%20Eficiencia%20do%20Estado.doc>.

  4. "David Osborne, com lucidez exemplar, coloca o dedo na ferida, no capítulo intitulado ‘Governo competitivo: introduzindo a competição na prestação de serviços’, de seu livro Reinventando o Governo, ao afirmar que ‘a questão não é público vesus privado, mas competição versus monopólio.’" Roberto Ferreira de Ulhôa CINTRA. A Arbitragem e a Eficiência do Estado.CACB. <http://www.cacb.org.br/arbitragem/artigos/A%20Arbitragem%20e%20a%20Eficiencia%20do%20Estado.doc>.

  5. Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR. Arbitragem, Jurisdição e Execução. p. 21.

  6. Roberto Ferreira de Ulhôa CINTRA. A Arbitragem e a Eficiência do Estado. CACB. <http://www.cacb.org.br/arbitragem/artigos/A%20Arbitragem%20e%20a%20Eficiencia%20do%20Estado.doc>.

  7. "Nós , representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, para instituir um estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil." Idem.

  8. Carlos Alberto CARMONA. Gazeta Jurídica. 05.06.98, p. 07.

  9. Walter CENEVIVA. Folha de São Paulo. 2.11.98.

  10. O convênio que cria o Tribunal Arbitral do Comércio tem seu preâmbulo assim redigido: "CONVÊNIO que celebram o Estado de São Paulo, por sua Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania, e esta pela Junta Comercial do Estado de São Paulo e pelas entidades sem fins lucrativos relacionadas no preâmbulo, para a CRIAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL DO COMÉRCIO.

    E STADO DE SÃO PAULO, representado pela SECRETARIA DA JUSTIÇA E DA DEFESA DA CIDADANIA, através de seu Secretário, Dr. Belisário dos Santos Júnior, portador do RG nº 3.608.411-49 e do CPF/MF nº 501.840.328-49 e, pela JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – JUCESP, sediada na Rua Barra Funda nº 930 – São Paulo – SP(...)"

  11. Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo um comentário à lei 9.307/96. p. 17.

  12. Patrícia Galindo DA FONSECA. Passos Concretos para Desenvolver a Arbitragem no Brasil. Ministério das Relações Exteriores. <http://www.dct.mre.gov.br/e-commerce/pgf.doc>.

  13. "Paralelamente a estes benefícios, há uma outra grande vantagem na criação do Juízo Arbitral: a busca de soluções em litígios de comércio internacional, envolvendo empresas, firmas, fornecedores e consumidores de diversos países." Marco, .MACIEL. A Arbitragem na Solução de Controvérsias. CACB <http://www.cacb.org.br/arbitragem/artigos/Arbitragem.doc>.

  14. Antônio Junqueira DE AZEVEDO. A Arbitragem e o Direito do Consumidor. In Revista de Direito do Consumidor, p. 38.

  15. Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR. Arbitragem Legislação Nacional e Estrangeira e o Monopólio Jurisdicional. p. 12.

  16. Diogo de Souza e MELLO. Estudo da Lei de Arbitragem-Aspectos Relevantes. II Tribunal Arbitral do Rio de Janeiro. <http://www.arbitral.cjb.net>

  17. Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR. Arbitragem, Jurisdição e Execução. p. 96.

  18. Idem, p. 97.

  19. Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo. p. 18/9.

  20. Idem. p. 22.

  21. Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo. p. 24/6.

  22. Marcos Paulo VERÍSSIMO. A arbitragem de Consumo na Espanha. CACB <https://www.arbitragem.com.br/index.php/artigos/arbitragem-nas-rela%C3%A7%C3%B5es-de-consumo#marcos-paulo-verissimo>.

  23. Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR. Arbitragem Jurisdição e Execução. p. 52.

  24. Dispõe o art. 51.1 da Constituição Espanhola de 1978, que: "los poderes públicos garantirán la defensa de los consumidores y usuários, protegiendo, mediante procedimientos eficaces, la seguridad, la salud y los legítimos interesses económicos de los mismos.". Marcos Paulo VERÍSSIMO. A arbitragem de Consumo na Espanha. CACB <https://www.arbitragem.com.br/index.php/artigos/arbitragem-nas-rela%C3%A7%C3%B5es-de-consumo#marcos-paulo-verissimo>.

  25. José B. A Costa ESTÉVEZ. Tutela Procesal de los Consumidores, p. 162, In Marcos Paulo VERÍSSIMO. A arbitragem de Consumo na Espanha. CACB <https://www.arbitragem.com.br/index.php/artigos/arbitragem-nas-rela%C3%A7%C3%B5es-de-consumo#marcos-paulo-verissimo>.

  26. Marcos Paulo VERÍSSIMO. A arbitragem de Consumo na Espanha. CACB <https://www.arbitragem.com.br/index.php/artigos/arbitragem-nas-rela%C3%A7%C3%B5es-de-consumo#marcos-paulo-verissimo>.

  27. idem.

  28. José Maria de La Cuesta Sáenz. Introduccion al Arbitraje de Consumo . In Revista de Derecho Privado, feb. 1997, 121-129. Apud Marcos Paulo VERÍSSIMO. A arbitragem de Consumo na Espanha. CACB <https://www.arbitragem.com.br/index.php/artigos/arbitragem-nas-rela%C3%A7%C3%B5es-de-consumo#marcos-paulo-verissimo>.

  29. José Celso MARTINS. A Nova Lei Arbitral Brasileira – Temores e Preconceitos. TASP. <https://www.arbitragem.com.br/index.php/artigos/arbitragem-nas-rela%C3%A7%C3%B5es-de-consumo#Arbitragem-relacoes>.

  30. Paulo Borba CASELLA. Arbitragem Para Consumo . CACB. <https://www.arbitragem.com.br/index.php/artigos/arbitragem-nas-rela%C3%A7%C3%B5es-de-consumo#paulo-borba>.

  31. José Irivaldo Alves Oliveira SILVA. O Consumidor, sua defesa e efetivação da Política Nacional das Relações de Consumo. <http://www.uepb.gov.br>.

  32. Antônio Herman de Vasconcellos e BENJAMIM, et. al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. p. 9.

  33. Idem, p. 10.

  34. BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Governo Federal, Ministério da Justiça, 1991.

  35. Celso Antônio BANDEIRA DE MELO. Elementos de Direito Administrativo . p.230.

  36. Louis JOSSERAND, Apud, Odete Novais Carneiro QUEIRÓZ. Da Responsabilidade pelo Vício do Produto e do Serviço . p.18.

  37. Rodolfo de Camargo MANCUSO. Manual do Consumidor em Juízo. p. 5.

  38. José Geraldo de Brito FILOMENO. et. al.Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. p.25

  39. Idem, p. 25.

  40. Idem, p. 27.

  41. José Reinaldo de LIMA LOPES. Responsabilidade Civil do Fabricante e a Defesa do Consumidor . p. 78/9.

  42. Cláudia Lima MARQUES. Contratos no Código de Defesa do Consumidor - O novo Regime das Relações Contratuais. p. 67/9.

  43. Odete Novais Carneiro QUEIROZ. Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço . p. 105.

  44. José Geraldo de Brito FILOMENO. et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto . p.41.

  45. Idem, p.41.

  46. José Geraldo de Brito FILOMENO, et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto . p.41.

  47. Gianpaolo Poggio SMANIO. Interesses Difusos e Coletivos. São Paulo. Atlas, 2003.

  48. Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo um comentário à Lei 9.307/96. p. 43.

  49. Alexandre Freitas CÂMARA. Arbitragem, Lei 9.307/96. Lumen Juris, 1997, p. 128/9, Apud Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo um comentário à Lei 9.307/96. p. 43.

  50. Nelson NERY JÚNIOR e Rosa Maria Andrade NERY. Código de Processo Civil Comentado . p. 1733.

  51. Angelo FAVATA. Dizionario dei Termini Giuridici, La Tribuna, Piacenza, 1979, p.51, trad. livre. Apud Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo um comentário à Lei 9.307/96 . p. 47

  52. Vicente GRECO FILHO. Direito Processual Civil Brasileiro. p.100.

  53. Paulo FURTADO e Uadi Lammêgo BULOS. Lei da Arbitragem Comentada . p. 26.

  54. Nelson NERY JUNIOR; Rosa Maria Andrade NERY. Código de Processo Civil Comentado. p. 396.

  55. Vicente GRECO FILHO. Direito Processual Civil Brasileiro . p. 100.

  56. Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo, um comentário à Lei 9.307/96 . p. 47.

  57. Nelson NERY JUNIOR; Rosa Maria Andrade NERY. Código de Processo Civil Comentado . p.1727.

  58. Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo um comentário à Lei 9.307/96 . p. 43.

  59. Idem. p. 48.

  60. Juan Monteiro AROCA. Comentario Breve a La Ley de Arbitraje. Civitas, 1990, p. 31, Apud, Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo um comentário à Lei 9.307/96 . p. 49.

  61. Mozart Victor RUSSOMANO. Comentários à CLT . Forense, 1990, v.1, p. 397/399, Apud, Carlos Alberto CARMONA.Arbitragem e Processo um comentário à Lei 9.307/96. p. 48.

  62. Washington Luiz da TRINDADE. A Relação de Emprego dos Avulsos Portuários, In Revista do TRT da 9º Região, Curitiba, 1996, v.21. Apud, Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo um comentário à Lei 9.307/96. p. 50.

  63. Antônio Umberto de SOUZA JÚNIOR. A Arbitragem e a Justiça do Trabalho. CACB <http://cacb.org.br/arbitragem/artigos.doc>.

  64. Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo um Comentário à Lei 9.307/96. p. 52.

  65. Leon Frejda SZKLAROWSKY. A Arbitragem e os Contratos Administrativos . CACB. <http://www.cacb.org.br/arbitragem/artigos/Arbitragem.doc>.

  66. ARBITRAGEM: Breve Estudo Comparado Entre o Brasil e Portugal. CACB <http://www.cacb.org.br/arbitragem/artigos/Arbitragem.doc>.

  67. CONIMA. Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem. Curso de Formação de Árbitros???. <http://cacb.org.br/arbitragem/terminologiaCONIMA.php>.

  68. Nelson NERY JUNIOR et al.. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. p. 520.

  69. Paulo FURTADO; Uadi Lamêgo BOLUS. Lei da Arbitragem Comentada. p. 9/10.

  70. Diogo de Mello e SOUZA. Estudo da Lei de Arbitragem – Aspectos Relevantes . II TARJ. <http://www.arbitral.cjb.net>.

  71. Patrícia Galindo da FONSECA. Passos Concretos para Desenvolver a Arbitragem no Brasil . Ministério das Relações Exteriores <http://www.dct.mre.gov.br/e-commerce/pgf.doc>.

  72. Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem. Juízo Arbitral Constitucionalidade. <http://www2.fgv.br/camarafgv/asp/dsp_legislacao.asp>.

  73. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

    http://www.tjdf11.tjdf.gov.br/cgi-bin/tjcgi1?DOCNUM=2&PGATU=1&1=20&ID=237855911...

  74. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

    http://www.tjdf11.gov.br/cgi-bin/tjcgi1?DOCNUM=2&PGATU=1&1=20&ID=237855911...

  75. "Parece-nos incompatível, em princípio, o novo juízo arbitral, com os marcos angulares da filosofia consumerista, notadamente aqueles consubstanciados pelo inc. I do art. 4º retromencionado, e inc. IV e VII de seu art. 51." José Geraldo de Brito FILOMENO. et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado Pelos Autores do Anteprojeto. p. 72.

  76. Pedro A Batista MARTINS; Selma M. Ferreira LEMES; Carlos Alberto CARMONA. Aspectos Fundamentais da Lei de Arbitragem. p. 114.

  77. "Art. 1º. As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis."

  78. Nelson NERY JUNIOR e Rosa Maria ANDRADE NERY. Código de Processo Civil Comentado. p. 1727.

  79. José Celso MARTINS. A Nova Lei Arbitral Brasileira – Temores e Preconceitos. TASP. <https://www.arbitragem.com.br/index.php/artigos/arbitragem-nas-rela%C3%A7%C3%B5es-de-consumo#Arbitragem-relacoes>.

  80. "Art. 2º(...) §1º. Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública."

  81. José Geraldo de Brito FILOMENO. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto . p. 70.

  82. Pedro A Batista MARTINS; Selma M. Ferreira LEMES; Carlos Alberto CARMONA. Aspectos Fundamentais da Lei de Arbitragem. p. 135.

  83. Idem. p. 122.

  84. Arruda ALVIM et al . Código do Consumidor Comentado. p. 115.

  85. Paulo Borba CASELLA. Arbitragem Para Consumo. <https://www.arbitragem.com.br/index.php/artigos/arbitragem-nas-rela%C3%A7%C3%B5es-de-consumo#paulo-borba>.

  86. Diogo de Souza e Mello. Estudo da Lei de Arbitragem – Aspectos Relevantes. II TARJ. <http://www.arbitral.cjb.net>

  87. Antônio Junqueira de AZEVEDO. A Arbitragem e o Direito do Consumidor. In Revista de Direito do Consumidor, 23-24, 1997, p. 38.

  88. "Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...)VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem;

  89. "Art. 4º. A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se à submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir relativamente a tal contrato.

    § 2º. Nos contrato de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição , desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com assinatura ou visto especialmente para essa cláusula."

  90. Nelson NERY JÚNIOR e Rosa Maria ANDRADE NERY. Código de Processo Civil Comentado . p. 1728.

  91. José Geraldo de Brito FILOMENO. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. p. 74.

  92. Idem, p. 76.

  93. Nelson NERY JÚNIOR e Rosa Maria ANDRADE NERY. Código de Processo Civil Comentado . p. 1728.

  94. Art. 105. Integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor.

  95. Daniel Roberto FINK et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado Pelos Autores do Anteprojeto . p. 875.

  96. Marcelo Gomes SODRÉ. Críticas ao Decreto Federal 861 que Regulamentou o CDC e Apresentação de Propostas para sua Alteração . In, Revista de Direito do Consumidor. v. 10. p. 28/47.

  97. "Trata-se de norma de extensão, já que a enumeração do art. 106 não é taxativa." Daniel Roberto FINK et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do Anteprojeto . p. 887.

  98. Paulo Borba CASELLA. Arbitragem Para Consumo. CACB <https://www.arbitragem.com.br/index.php/artigos/arbitragem-nas-rela%C3%A7%C3%B5es-de-consumo#paulo-borba>.

  99. Patrícia Galindo da FONSECA. Passos Concretos para Desenvolver a Arbitragem no Brasil. Ministério das Relações Exteriores <http://www.dct.mre.gov.br/e-commerce/pgf.doc>.

  100. Tanto a cláusula compromissória quanto o compromisso arbitral são espécies do gênero Convenção de arbitragem nos termos do (art. 3º, da Lei 9.307/96).

  101. Antônio Junqueira de AZEVEDO. A Arbitragem e o Direito do Consumidor. In Revista de Direito do Consumidor, 23-24. p. 38.

  102. Patrícia Galindo da FONSECA. Passos Concretos para Desenvolver a Arbitragem no Brasil. Ministério das Relações Exteriores <http://www.dct.mre.gov.br/e-commerce/pgf.doc>.

  103. Idem

  104. É mister que o princípio estatuído no art. 4º, inciso V, do CDC seja operacionalizado em sua plenitude, com a existência de mecanismos de solução de conflitos de consumo, que não é incumbência somente do setor público, mas também do privado, que pode, a par da experiência forânea assegurar que fossem criadas Câmaras de Conciliação e Arbitragem nas relações de consumo nos setores específicos interessados, em que as partes se submeteriam à arbitragem, se quisessem, contando com a participação de representantes dos consumidores, sendo os árbitros escolhidos elas partes. Reitere-se que para ser eficaz o procedimento arbitral deverá respeitar os princípios informadores do juízo arbitral, a denominada teoria garantista do procedimento arbitral (arts. 5º, inciso LV, da CF, e 21, §2º d alei de arbitragem). O setor empresarial e institutos de defesa dos consumidores poderiam efetuar convênios com instituições arbitrais idôneas para administrar arbitragens em relação de consumo, a exemplo do que foi efetuado na Espanha com a juntas provisórias de arbitragem para relações de consumo. Todavia, entre nós poderia ser operacionalizados pelo setor privado." Pedro A Batista MARTINS; Selma M. Ferreira LEMES; Carlos Alberto CARMONA. Aspectos Fundamentais da Lei de Arbitragem . p. 140.

  105. Provimento n.º 812/2003: Institui o Projeto Experimental de atendimento diferenciado no sistema de Juizados Especiais Cíveis.

    CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA, no uso de suas atribuições.

    CONSIDERANDO que a autocomposição é o mecanismo ideal de solução de disputas, pacificando os litigantes e restabelecendo a normalidade em suas relações;

    CONSIDERANDO que a troca de informações entre consumidores e grandes empresas pode levar à solução de conflitos que demandariam, mais tarde, prestação jurisdicional;

    CONSIDERANDO a conveniência de prevenir a instauração de novos processo no sistema de Juizados Especiais Cíveis, inclusive para mantê-los em condições de dar resposta célere àqueles que, por outras formas, não lograram solucionar seus litígios;

    CONSIDERANDO, por fim, o decidido no Prot. CG-13.997/2003,

    R ESOLVE:

    ARTIGO 1º - Fica instituído o Projeto Experimental de atendimento diferenciado no Juizado Especial Cível Central da Capital.

    Artigo 2º - Grandes empresas interessadas em estabelecer parceria com o Poder Judiciário manterão representante nas dependências do Juizado, em regime de plantão, para um primeiro contato com os consumidores que lá comparecerem desejando propor ação.(...)

  106. Carlos Alberto CARMONA. Arbitragem e Processo um comentário à lei 9.307/96. p. 16.

  107. José Celso MARTINS. A Nova Lei Arbitral Brasileira – Temores e Preconceitos. TASP. <https://www.arbitragem.com.br/index.php/artigos/arbitragem-nas-rela%C3%A7%C3%B5es-de-consumo#Arbitragem-relacoes>.

  108. Arbitraje Comercial y laboral en America Central, New York, Transnational Juris, 1990, p. 155. Apud. Pedro A Batista MARTINS; Selma M. Ferreira LEMES; Carlos Alberto CARMONA. Aspectos Fundamentais da Lei de Arbitragem . p. 141.


Autor


Informações sobre o texto

Trabalho vencedor do Concurso de Monografias Rubens Limongi França e Carlos Alberto Bittar promovido pela OAB/SP em agosto de 2003.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZULIANI, Evandro. Arbitragem e os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 257, 15 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4987. Acesso em: 19 abr. 2024.