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A competência legislativa prevista na Constituição Federal sobre matérias que envolvam o meio ambiente.

Análise da Lei Estadual de Minas Gerais nº 21.412/2014 e da Lei Municipal de Belo Horizonte nº 9.529/2008 sobre a proibição do uso das sacolas plásticas convencionais

A competência legislativa prevista na Constituição Federal sobre matérias que envolvam o meio ambiente. Análise da Lei Estadual de Minas Gerais nº 21.412/2014 e da Lei Municipal de Belo Horizonte nº 9.529/2008 sobre a proibição do uso das sacolas plásticas convencionais

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O município de Belo Horizonte e o estado de Minas Gerais editaram leis conflitantes sobre a proibição do uso das sacolas plásticas convencionais. À luz da Constituição Federal, ambos os entes da federação possuem competência para legislar sobre a matéria.

1. INTRODUÇÃO: A ORIGEM DO PROBLEMA E A MOTIVAÇÃO DO LEGISLADOR

 

O aumento na capacidade de consumo da população na última década elevou exponencialmente a produção e comercialização das sacolas plásticas convencionais. O resultado foi um impacto extremamente negativo ao meio ambiente, diante do acúmulo, especialmente em ‘lixões’, aterros sanitários, rios e oceanos, dessas sacolas plásticas, cujo tempo de decomposição ultrapassaria décadas – dizem, alguns, que levaram 500 anos para desaparecerem na natureza.

 

O legislador, portanto, a exemplo do que já ocorreu em outros país, voltou os olhos para essa situação a cada dia mais crítica.

 

As sacolas tradicionais vieram substituir, a partir de 1987, as sacolas fabricadas em papel ou papelão, cujos preços de produção tornaram inviável a sua comercialização.

 

A matéria prima utilizada na produção das sacolas convencionais é, em sua grande maioria, proveniente de produtos derivados do petróleo. São o eteno ou etileno, ou polietileno, usados como matéria prima do PEAD (polietileno de alta densidade).

 

Além disso, o processo de produção desse produto, a partir da industrialização de combustíveis fósseis, também traz danos em si ao meio ambiente pela emissão de gases poluentes.

 

Analisando de maneira pormenorizada o contexto atual e os números que traduzem o consumo das sacolas plásticas e das embalagens feitas de plástico filme, a realidade se mostra ainda mais alarmante. A estimativa, numa perspectiva mundial, é de que são utilizadas mais de 1 milhão de sacolas plásticas convencionais por minuto, o que significa mais de 500 bilhões de sacolas por ano.

 

No Brasil, a produção de plástico atinge a expressiva quantidade de 3 milhões de toneladas, sendo que a média de 10% do lixo produzido pelo país é exatamente a sacola plástica que acondiciona o lixo nas casas, escolas, empresas e etc. Apenas o estado do Rio de Janeiro utiliza 1 bilhão de sacos plásticos por ano e, contraditoriamente, tem um gasto de 15 milhões de reais todos os anos para tentar limpar seus rios e retirar os plásticos que neles se acumulam. (DE OLIVEIRA, 2012).

 

Difundido em razão de suas características (força; durabilidade; impermeabilidade; resistência a agentes químicos;) e aliado ao baixo custo para a sua produção, o plástico filme se tornou um produto altamente comercial e aparentava a solução dos problemas dos lojistas, supermercadistas e demais empresários, que necessitavam de uma embalagem com preço acessível e capaz de acondicionar e transportar com segurança os produtos por eles comercializados.

 

O Compromisso Empresarial para Reciclagem - CEMPRE, uma associação sem fins lucrativos dedicada à promoção da reciclagem, apresenta o plástico filme da seguinte forma:

 

Plástico filme é uma película plástica normalmente usada como sacolas de supermercados, sacos de lixo, embalagens de leite, lonas agrícolas e proteção de alimentos na geladeira ou microondas. O material constitui 42,5% das embalagens plásticas em geral nos Estados Unidos.

(...)

A resina de polietileno de baixa densidade (PEBD) e a de polipropileno (PP) são as mais usadas no Brasil, correspondendo cada uma a 23% dos polímeros consumidos no mercado brasileiro de plástico.

Leve, resistente e prático, o plástico rígido é o material que compõe cerca de 77% das embalagens plásticas no Brasil, como garrafas de refrigerantes, recipientes para produtos de limpeza e higiene e potes de alimentos. É também matéria-prima básica de bombonas, fibras têxteis, tubos e conexões, calçados, eletrodomésticos, além de baldes, utensílios domésticos e outros produtos. O plástico rígido pode ser reprocessado, gerando novos artefatos plásticos e energia. (CEMPRE).

 

Entretanto, exatamente as mesmas características que se mostraram benéficas foram também a causa do início da proibição do uso plástico filme. Vantagens como resistência a agentes químicos (principalmente aos agentes químicos naturais) e à umidade, fazem com que a decomposição do plástico filme perdure por séculos. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, a decomposição de materiais como o papel e o tecido levam de 3 meses a 1 ano, enquanto o plástico leva mais de 400 anos para se decompor no meio ambiente, perdendo apenas para o vidro, que demora cerca de um milênio para se decompor.

 

Os resultados negativos para o meio ambiente e para a sociedade vêm com o descarte dessa absurda quantidade de sacolas plásticas, que traz diversos problemas ambientais como enchentes, em razão do entupimento das vias de escoamento das cidades, e a poluição hídrica, que destrói o habitat dos animais aquáticos e inviabiliza a utilização das águas para consumo. Sabe-se, também, que o acumulo desse material no fundo dos oceanos formam zonas mortas de até 70 mil km2. (VIANA, 2010).

 

Além desses problemas, o Ministério do Meio Ambiente apresenta a gravidade da utilização irresponsável das sacolas plásticas e do consequente acúmulo do material em aterros sanitários:

 

Ou seja, as embalagens, quando consumidas de maneira exagerada e descartadas de maneira regular ou irregular - em lugar de serem encaminhadas para reciclagem - contribuem e muito para o esgotamento de aterros e lixões, dificultam a degradação de outros resíduos, são ingeridos por animais causando sua morte, poluem a paisagem, causam problemas na rede elétrica (sacolas que se prendem em fios de alta tensão), e muitos outros tipos de impactos ambientais menos visíveis ao consumidor final (o aumento do consumo aumenta a demanda pela produção de embalagens, o que consome mais recursos naturais e gera mais resíduos). (BRASIL).

 

A combinação desses fatores, aliada ao aumento na produção das sacolas convencionais, trouxe a necessidade de um posicionamento por parte do Poder Legislativo para que alternativas fossem encontradas, a fim de reduzir os inevitáveis, e visíveis, impactos à natureza.

 

Foi nesse contexto que veio a ser editada a Lei Municipal 9.529/2008, determinando a substituição das sacolas plásticas, ditas ‘convencionais’ ou ‘tradicionais’, no município de Belo Horizonte por soluções que gerassem um menor impacto ao meio ambiente, atendendo à crescente demanda por uma maior conscientização do legislador quanto às questões de cunho ambiental, cada dia mais enraizadas em nosso País.

 

Essa Lei, datada de 2008, estabelece, logo nos seus primeiros artigos, os preceitos cogentes que seguem:

 

Art. 1º - O uso de saco plástico de lixo e de sacola plástica deverá ser substituído pelo uso de saco de lixo ecológico e de sacola ecológica, nos termos desta Lei. (BELO HORIZONTE, 2008).

Art. 2º - A substituição de uso a que se refere esta Lei acontecerá nos estabelecimentos privados e nos órgãos e entidades do Poder Público sediados no Município. (BELO HORIZONTE, 2008).

 

No art. 3º da referida Lei foi estabelecido que a ‘substituição de uso a que se refere esta Lei terá caráter facultativo pelo prazo de 3 (três) anos, contado a partir da data de publicação desta Lei, e caráter obrigatório a partir de então (BELO HORIZONTE, 2008)’.

 

Em 2011, a Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 14.367/2011.

 

As alternativas disponíveis no mercado para a substituição das sacolas plásticas convencionais foram evoluindo ao longo dos anos e temos hoje disponíveis no mercado as seguintes alternativas: os sacos de lixo ecológicos, as sacolas ecológicas, as sacolas oxibiodegradáveis, as sacolas biodegradável e compostável, ou, ainda, as sacolas retornáveis.

 

O Decreto de 2011, não só ratificou a proibição do uso de sacolas plásticas, mas como também especificou em quais materiais, ou matérias-primas, as novas sacolas (as substitutas) deveriam ser confeccionadas:

 

Art. 1º - Os estabelecimentos privados e os órgãos e entidades do Poder Público situados no Município de Belo Horizonte deverão substituir o uso de saco plástico de lixo e de sacola plástica pelo uso de saco de lixo ecológico e de sacola ecológica, nos termos da Lei nº 9.529, de 27 de fevereiro de 2008, e deste Decreto.

(...)

Art. 3º - Para os efeitos da Lei nº 9.529/08, e deste Decreto, entende-se por:

I - saco de lixo ecológico: o confeccionado em material biodegradável ou reciclado;

II - sacola ecológica: a confeccionada em material biodegradável ou a sacola retornável. (BELO HORIZONTE, 2008).

 

O que se dessume desse Ato Normativo é que somente seriam permitidos os ‘sacos de lixo ecológico’ e as ‘sacolas ecológicas’ – por exemplo, as de material biodegradável[1], as sacolas retornáveis[2], e os sacos ou sacolas de material reciclado[3].

 

Para manter o padrão das sacolas plásticas, que usualmente são oferecidas no comércio (descartável, mesma aparência, forma, tamanho, facilidade de manuseio, etc.), a que representou a melhor alternativa, diante das opções definidas pelo legislador, inclusive quanto ao quesito custo-benefício, foram as ‘sacolas biodegradáveis’. Isso porque as alternativas mais baratas, como as sacolas de material oxibiodegradável, não foram listadas na aludida norma, e, portanto, não seriam alternativas legais de uso.

 

Ocorre que, o Estado de Minas Gerais, no ano de 2014, editou a Lei nº 21.412/2014, que também regulamentou a matéria, determinando a substituição das sacolas tradicionais por alternativas que menor impacto causassem ao meio ambiente.

 

Foram estabelecidas novas regras para que as sacolas oferecidas fossem mais adequadas e mais seguras ao consumidor.

 

Desde quando era somente um projeto na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, além do viés de proteção ao meio ambiente[4] a defesa do consumidor também foi motivação para essa lei[5]. No que diz respeito ao seu conteúdo de matéria ambiental, na Lei n. 21.412/2014 está disposto o seguinte:

 

Art. 2º Os estabelecimentos a que se refere o art. 1º disponibilizarão sacolas plásticas recicláveis, biodegradáveis[6] ou oxibiodegradáveis[7], destinadas ao acondicionamento e transporte das mercadorias neles adquiridas.


§ 1º Para os fins deste artigo, considera-se:

I - sacola plástica reciclável aquela produzida em conformidade com a Norma Técnica NBR 14937, editada pela ABNT;


       II - sacola biodegradável aquela produzida em conformidade com as Normas Técnicas NBR 14937 e 15448-2, editadas pela ABNT;


       III - sacola oxibiodegradável aquela que contém na sua formulação aditivo acelerador do processo de degradação.


       § 2º Somente será permitida a disponibilização de sacolas biodegradáveis nos municípios onde haja coleta seletiva e usina de compostagem com capacidade para atender à fração orgânica dos resíduos do município. (MINAS GERAIS, 2014)

 

O que se conclui, portanto, é que ambos os entes federativos legislaram sobre a mesma matéria, sendo que a legislação anterior, editada pelo município de Belo Horizonte em 2008, apenas prevê a possibilidade de utilização de sacolas de material biodegradável. Já a legislação posterior, editada pelo estado de Minas Gerais em 2014, prevê que além das sacolas biodegradáveis, também é possível a utilização de sacolas oxibiodegradáveis.

 

Tais considerações são o alicerce de um questionamento a respeito de qual seria a legislação aplicável no município de Belo Horizonte, pois ambas trataram sobre a mesma matéria, sendo que a lei municipal entrou em vigência antes da lei estadual.

 

Para alcançar a resposta, necessário estabelecer premissas, analisar a motivação das leis e verificar qual é a competência legislativa de cada ente federativo estabelecida pela Constituição Federal.

 

O presente artigo, portanto, buscará esclarecer, em última análise, sobre a possibilidade da utilização de sacolas ecológicas do tipo oxibiodegradável por comerciantes no município de Belo Horizonte, mesmo com o conflito aparente entre as disposições da Lei Estadual de Minas Gerais nº 21.412/2014 e as da Lei Municipal de Belo Horizonte nº 9.529/2008.

 

2. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO AMBIENTAL E O IMPACTO DAS SACOLAS PLÁSTICAS CONVENCIONAIS AO MEIO AMBIENTE

                               

A consulta livre da palavra ‘prevenir’ nos dicionários traz resultados como “preparar; precaver; impedir;” ou “tratar de evitar; acautelar-se contra; livrar-se de”.

 

No Direito Ambiental, o Princípio da Prevenção é uma realidade, pois a adoção de medidas para impedir (prevenir) que danos ao meio ambiente possam vir a se concretizar passaram a ser privilegiadas às mediadas ditas ‘compensatórias ou mitigadoras’ idealizadas para as hipóteses em esses danos já tenho se consumado.

 

É possível que este seja um dos mais importantes princípios do Direito Ambiental, pois é a motivação e a fundamentação de basicamente todas as leis e medidas governamentais em favor do meio ambiente, e que não tenha cunho punitivo.

 

Ante à clara impossibilidade de reversão de determinados danos ao meio ambiente, o Princípio da Prevenção mereceu menção expressa na Constituição da República, em seu art. 225, parágrafo 1º, incisoI’, que trata da proteção ambiental, com a atribuição do dever de proteger o meio ambiente a toda a coletividade:

 

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

 

§1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

 

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas. (BRASIL, 1988). (g. d. n.).

 

Para José Adércio Leite Sampaio, “a prevenção é a forma de antecipar-se aos processos de degradação ambiental, mediante adoção de políticas de gerenciamento e de proteção dos recursos naturais”. (SAMPAIO, 2003).

 

Lucas Azevedo de Lima aborda, da seguinte forma, a necessidade da prevenção no Direito Ambiental em razão da fragilidade do bem jurídico tutelado:

 

A prevenção de danos é o objetivo primordial do Direito Ambiental. Conforme abordado na análise de outros princípios a proteção ambiental deve voltar-se para uma normatização que produza um efeito inibitório sobre eventuais condutas lesivas. Dessa forma, mais importante que a repressão ao bem ambiental lesado é a sua prevenção.

Pela própria natureza do bem ambiental, a irreversibilidade de determinados danos causados à natureza impõe a adoção de uma política rigorosa de prevenção. Uma vez consolidado o dano, o retorno ao "status quo ante" nem sempre é possível.

(...)

A indisponibilidade do bem ambiental, a afetação ao interesse público, o sinergismo da degradação ambiental e a difícil reparação do dano impõem o princípio da prevenção como o ponto de partida para o desenvolvimento de qualquer política pública ambiental. (LIMA, 2014)

 

Há que se dizer, ainda, que o Princípio da Prevenção não se confunde com o Princípio da Precaução, sendo a abrangência da cautela o ponto de diferenciação desses dois princípios. A prevenção é a busca, pela inibição, dos danos em tese, que já são conhecidos, e a precaução a procura por evitar a ocorrência de danos, que sequer são conhecidos pela ciência:

 

De maneira sintética, pode-se dizer que a prevenção trata de riscos ou impactos já conhecidos pela ciência, ao passo que a precaução se destina a gerir riscos ou impactos desconhecidos. Em outros termos, enquanto a prevenção trabalha com o risco certo, a precaução vai além e se preocupa com o risco incerto. Pode-se afirmar, ainda, que a prevenção ocorre em relação ao perigo concreto, enquanto a precaução envolve perigo abstrato. (LIMA, 2014)

 

Os princípios da Prevenção e da Precaução, portanto, nos levam a compreender o quão delicado é o bem jurídico tutelado pelo Direito Ambiental. O impacto causado pelo uso desenfreado das sacolas plásticas e de todos os outros produtos feitos de plástico filme – uma das variações do polímero plástico, utilizada na fabricação das sacolas convencionais de supermercado – é um exemplo dos danos que já são conhecidos pela ciência e que são extremamente preocupantes, sendo papel do Estado intervir em favor do meio ambiente.

 

A adoção de medidas como a substituição de sacolas plásticas, mostra que o Poder Legislativo, atento aos sintomas que o planeta vem apresentando, age em observância ao que determina a Constituição Federal e de acordo com as bases e princípios do Direito Ambiental.

 

Portanto, a atuação do Poder Legislativo através de leis como as que são discutidas no presente trabalho são medidas mais do que importantes para o meio ambiente: são essenciais. Como as mudanças são recentes e vêm ocorrendo de maneira gradativa, ainda não se tem um estudo que apresente os números exatos dobre as melhorias e apresentando as evoluções após o início da vigência das leis nos Estados e Municípios brasileiros.

 

Todavia, observando o panorama trazido através desse trabalho e analisando os dados que evidenciam a gravidade do problema que vivemos, as medidas a serem adotadas são emergenciais e devem, cada vez mais, atrair outras da mesma proporção, visando sempre a proteção do meio ambiente.

 

O conflito de competência para legislar sobre matéria ambiental, apesar de ser um ponto de atenção e que deve ser observado pelos entes da federação, hoje é o menor dos problemas. Medidas em favor do meio ambiente e em favor da vida (humana, animal ou vegetal) devem ser cada vez mais constantes para que possamos zelar não só pela nossa geração, mas também pelas gerações futuras, como bem determina o art. 225 da Constituição Federal.

 

3. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SOBRE MATERIA AMBIENTAL – CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

 

Não é novidade alguma a existência de um conflito de competência legislativa no direito brasileiro. As normas de cunho ambiental, talvez pela própria diversidade e natureza dos bens que pretendem tutelar, são um exemplo a parte, pois o conflito vem desde os seus primórdios.

 

 A competência legislativa dos entes federativos encontra previsão nos artigos 22 a 25, 29, 30 e 32 da Constituição Federal.

 

Para esclarecer a respeito das competências legislativas, cumpre analisar de maneira breve os principais dispositivos que tratam sobre o assunto.

 

O art. 22 versa sobre a competência privativa da união, elencando, em vinte e nove incisos, matérias sobre as quais somente a União pode legislar.

 

O art. 23 apresenta as matérias que são de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. São doze incisos relacionando às matérias que podem ser objeto de legislação federal, estadual (e distrital) ou municipal. Dentre eles está o inciso VI, que prevê competência comum para os entes federados legislarem no sentido de proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.

 

A respeito da competência comum, José Afonso da Silva esclarece:

 

Muitos assuntos do setor social, especialmente, referidos antes como de competência da União, não lhe cabem com exclusividade. A Constituição abriu a possibilidade de Estados, Distrito Federal e Municípios compartilharem com ela da prestação de serviços nessas matérias, mas, principalmente, destacou um dispositivo (art. 23), onde arrola temas de competência comum, tais como: (...). (DA SILVA, 1999)

 

O art. 24, por sua vez, atesta que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre as matérias previstas nos dezesseis incisos que seguem o caput do artigo, sendo que no inciso VI consta a competência para legislar sobre lorestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição.

 

Sobre a competência concorrente prevista no art. 24, Pedro Lenza discorre a respeito:

 

O art. 24 define as matérias de competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal. Em relação àquelas matérias, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. (LENZA, 2009).

 

Há ainda para os Estados as competências legislativas expressas (art. 25, caput) e residual (art. 25, §1º), sendo que sobre esta última a Constituição prevê que são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.

 

Por fim, abordando sobre a competência legislativa dos municípios, logo no caput do art. 29 está a competência legislativa expressa, que atesta que o Município irá se reger por meio de lei orgânica.

 

No art. 30, inciso I está a competência legislativa vinculada a um interesse local, que diz respeito às peculiaridades e necessidades ínsitas à localidade (LENZA, 2009). Já no inciso II do mesmo artigo, aparece a competência legislativa suplementar que, como está escrito no texto do inciso, o município poderá suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

 

3.1 Matérias de interesse local e a competência comum para legislar sobre o meio ambiente - Arts. 23, 24 e 30 da CF/88

 

No inciso I do art. 30 da Constituição Federal está previsto que compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local; há também a previsão do art. 30, II, de que cabe aos Municípios suplementar a legislação federal e estadual no que couber[8]; o art. 23, por sua vez, prevê que existem matérias de competência comum entre todos os entes da Federação.

 

Portanto, se a Lei (Municipal) nº 9.529/2008, regulamentada pelo Decreto nº 14.367/2011, foi editada para tratar sobre matéria de interesse preponderante[9] do município de Belo Horizonte ou se apenas suplementou alguma legislação federal ou estadual, sem conflitar com as leis suplementadas, deve ela prevalecer e ser seguida, pois assim determina a Constituição Federal.

 

Todavia, se aludida Lei foi pioneira (2008), legislando sobre matéria sobre a qual nem a União e nem o Estado de Minas Gerais haviam legislado, deve ser observada a questão do conflito aparente de normas em razão da competência concorrente dos entes da Federação.

 

Para entender o conflito entre as normas em análise neste artigo, imperioso delimitar a motivação e a destinação da legislação municipal, observando a justificativa do projeto de lei apresentado à Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte:

 

Estamos em um novo século, o mundo está mudando, os recursos naturais estão ficando escassos para a demanda humana no planeta. Todos devemos pensar em responsabilidade ambiental e iniciar a mudança nos padrões de produção e consumo para padrões sustentáveis ou nossos descendentes serão penalizados pelo nosso modo de vida.

Visando a diminuição do impacto ambiental causado pelos plásticos, que demoram centenas de anos para se decompor, este projeto tem a intenção de estabelecer normas para a substituição de sacolas plásticas convencionais, distribuídas principalmente por supermercados e lojas, por sacolas ecológicas.

(...)

Esta proposição, ao estatuir que instituições com atuação em Belo Horizonte substituam sacolas plásticas por ecológicas, estabelece normas específicas sobre a preservação do meio ambiente, conforme o art. 23 da Constituição Federal de 1988, dispondo que será de competência comum a União, Estados, DF e Municípios. Então, podemos concluir que a Carta Magna, ao instituir competência comum, considerou o meio ambiente uma matéria de tamanha importância que todos os entes da Federação têm a obrigação de zelar por ele.

Tendo em vista a importância deste assunto, venho pedir o apoio dos nobres colegas para a aprovação deste projeto. (BELO HORIZONTE, 2008).

 

A iniciativa da legislação municipal de Belo Horizonte tem o caráter exclusivo de proteção ao meio ambiente, conforme se verifica na primeira parte da Peça de Justificativa do projeto de lei. Na parte final há, inclusive, menção expressa à prerrogativa do município legislar sobre o meio ambiente, de acordo com o art. 23 da Constituição Federal.

 

O município de Belo Horizonte, portanto, legislou a respeito do meio ambiente e não sobre matéria de interesse local ou em suplementação a alguma norma geral editada previamente pela União ou pelo Estado de Minas Gerais.

 

Estabelecida a mens legis na lei municipal para a proibição do uso das sacolas plásticas tradicionais, passa-se à análise da legislação Estadual que versou exatamente sobre a mesma matéria.

 

Como se viu acima, em 2014, o Estado de Minas Gerais editou a Lei 21.412 que versa exatamente sobre a proibição do uso das sacolas plásticas convencionais. Todavia foi inserida na nova a possibilidade do uso das sacolas ecológicas de material oxibiodegradável.

 

Sendo assim, o Estado de Minas Gerais, em data posterior à legislação municipal, mas também se valendo das prerrogativas dos arts. 23 e 24 da Constituição Federal, legislou a respeito de matéria que é de competência comum aos entes federados (art. 23, VI) e que também consta como matéria de competência concorrente para a União, Estados e Distrito Federal (art. 24, VI).

 

Para a solução deste conflito, necessário voltar os olhos para a doutrina e para a jurisprudência, uma vez que a solução não consta da Constituição Federal e nem em nenhum outro regramento positivado.

 

Pedro Lenza (citando Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Branco) propõe que devem prevalecer os interesses mais amplos:

 

(...) Como se trata de competência comum a todos, ou seja, concorrente no sentido de todos os entes federativos poderem atuar, o objetivo de referida lei complementar é evitar não só conflitos como a dispersão de recursos, procurando-se estabelecer mecanismos de otimização e esforços.

E se ocorrer conflito entre os entes federativos? Nesse caso, observam Mendes, Coelho e Branco que “se o critério da colaboração não vingar, há de se cogitar do critério da preponderância de interesses. Mesmo não havendo hierarquia entre os entes que compõem a Federação, pode-se falar em hierarquia de interesses, em que os mais amplos (da União) devem preferir os mais restritos (dos Estados).” (LENZA, 2009).

 

E continua Lenza, ratificando a prevalência dos interesses mais amplos:

 

Em caso de inércia da União, inexistindo lei federal elaborada pela União elaborada pela União sobre norma geral, os Estados e o Distrito Federal (art. 24, caput, c/c o art. 32, §1º) poderão suplementar a União e legislar, também, sobre as normas gerais, exercendo a competência legislativa plena. Se a união resolver legislar sobre a norma geral, a norma geral que o Estado (ou o Distrito Federal) havia elaborado terá a sua eficácia suspensa, no ponto em que for contrária à nova lei federal sobre a norma geral. Caso não seja conflitante, passam a conviver, perfeitamente, a norma geral federal e a estadual (ou distrital). (LENZA, 2009).

 

 

Da mesma forma, Maria Cláudia de Souza expõe sobre a prevalência dos interesses mais amplos:

Com efeito, da leitura dos mandamentos constitucionais em apreço, chegamos à conclusão que, ao contrário do afirmado, Estados e Municípios podem suplementar a legislação federal e a estadual somente nos casos de silêncio daquela, jamais, contudo para contrariá-la, seja em qual sentido for. Caso o constituinte desejasse permitir aos entes federados editar legislação mais protetiva, teria feito expressamente a ressalva, o que, a toda evidência, não ocorreu. (DE SOUZA, 2011).

Ou seja, na perspectiva da competência concorrente, apenas caberia aos municípios suplementarem (art. 30, II) a legislação estadual ou federal[10]. E é exatamente nesse sentido a contribuição de José Afonso da Silva:

 

A constituição não situou os Municípios na área de competência concorrente do art. 24, mas lhes outorgou competência para suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, o que vale possibilitar-lhes disporem especialmente sobre as matérias ali arroladas e aquelas a respeito das quais se reconhecer à União apenas a normatividade geral. (DA SILVA, 1999)

 

Portanto, dessume-se da doutrina que, se o município entender que legislou graças às  prerrogativa da competência comum, caso seja editada uma lei federal ou estadual sobre a mesma matéria e sobre o mesmo tema específico, pelo princípio da preponderância dos interesses deve prevalecer a legislação de abrangência mais ampla (lei federal sobre a lei estadual e sobre a lei municipal; lei estadual sobre a lei municipal).

 

Todavia, a matéria também é de competência concorrente e o que se extrai dos posicionamentos doutrinários é que caberia ao município apenas suplementar a legislação estadual.

 

Assim, mesmo que tenha sido editada após a legislação municipal, também por este viés é possível perceber que a legislação estadual prevalece sobre aquela, pois que em razão das matérias elencadas como de competência legislativa concorrente os municípios apenas poderão suplementá-las.

 

4. POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE O CONFLITO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA ENTRE OS ENTES DA FEDERAÇÃO EM MATÉRIA AMBIENTAL

 

A jurisprudência pátria já teve oportunidade se posicionar sobre o tema tratado no presente trabalho, sendo interessante demonstrar que há um entendimento que vem sendo consolidado em diversos julgamentos sobre o conflito de competência legislativa ambiental. A análise de casos concretos contribuirá para atestar o que vem sendo analisado neste estudo.

 

Seguindo a ordem cronológica das decisões a serem analisadas, bem como o que podemos chamar de “hierarquia” das casas do Poder Judiciário Brasileiro, primeiramente traz-se a notícia publicada no portal do Supremo Tribunal Federal a respeito do julgamento do RE 586.224/SP, ocorrido no dia 05/03/2015:

 

“O município é competente para legislar sobre meio ambiente com a União e o estado no limite do seu interesse local e desde que tal regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados.” Esta foi a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar um Recurso Extraordinário, com repercussão geral reconhecida.

O Plenário, por maioria, deu provimento ao recurso para declarar a inconstitucionalidade da Lei 1.952/1995, do município de Paulínia (SP), que proíbe totalmente a queima da palha de cana-de-açúcar em seu território. (...) (LEI MUNICIPAL..., 2015)

 

No julgamento do RE 485.583/PR, que ocorreu cinco anos antes do julgamento do já mencionado RE 586.224/SP, a Ministra Cármen Lúcia também teve a oportunidade de se manifestar a respeito das competências legislativas previstas na Constituição e exarou o seu entendimento já mostrando a tendência do STF em considerar o princípio da prevalência dos interesses mais amplos sobre os mais restritos. Vejamos:

 

É correto que o Município detém competência legislativa supletiva em matérias pertinentes a interesses locais, mas não se pode, através de interpretação extensiva da regra inscrita no artigo 30, I da Carta Federal, tornar inócuo o artigo 24, pois, desse modo, qualquer lei federal ou estadual cederia perante a supremacia da legislação municipal em questões onde haja não apenas interesse local, mas também regional e/ou nacional. No que diz respeito à competência material comum, prevista no artigo 23 da Constituição da República, atribuída conjuntamente à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, há de se destacar, repita-se, que não envolve poder legiferante, mas tão somente de execução, exigindo-se cooperação entre os entes federados no sentido de implementar as tarefas e objetivos ali discriminados, nos termos do seu parágrafo único. É claro que o exercício da competência material comum pelos Municípios pressupõe observância a normas editadas, no mais das vezes, no âmbito do exercício da competência legislativa concorrente, como ocorre no caso de questões referentes à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente e ao combate à poluição, estabelecidas nos incisos III e VI do artigo 23 da Carta Magna de 1988, e que interessam ao presente recurso. Relativamente ao disposto no inciso VIII do artigo 30 da Carta Federal, que cuida da promoção, pelo Município, do adequado ordenamento territorial, deve-se observar que, muito embora cuide o dispositivo de competência material privativa, não é ela absoluta, na medida em que a expressão no que couber expressamente prevista no corpo do inciso, indica a necessária observância à legislação federal e estadual editadas no exercício da competência concorrente, prevista no artigo 24, I, VI e VII. (BRASIL, 2010)

 

Observando os posicionamentos que foram lançados nos julgamentos dos Recursos Extraordinários em análise, percebe-se que a interpretação feita pela Corte Constitucional segue a mesma linha do que se encontra na doutrina. E fazendo a aplicação para o caso concreto das leis sobre as sacolas plásticas de Minas Gerais e de Belo Horizonte, percebe-se que o STF interpreta a Constituição Federal de maneira literal, entendendo que a lei municipal tem a função de suplementar as legislações dos Estados e da União.

 

O Superior Tribunal de Justiça, que exerce o controle da devida aplicação das normas infraconstitucionais, também já se manifestou sobre o tema em análise neste trabalho. Uma dessas oportunidades foi o julgamento da Ação Rescisória nº. 756 do Estado do Paraná:

 

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.  AÇÃO RESCISÓRIA.  LEGITIMIDADE DO MUNICÍPIO PARA ATUAR NA DEFESA DE SUA COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL. NORMAS DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR. EDIFICAÇÃO LITORÂNEA. CONCESSÃO DE ALVARÁ MUNICIPAL. LEI PARANAENSE N. 7.389/80. VIOLAÇÃO.

(...)

2.  A teor do disposto nos arts. 24 e 30 da Constituição Federal, aos Municípios, no âmbito do exercício da competência legislativa, cumpre a observância das normas editadas pela União e pelos Estados, como as referentes à proteção das paisagens naturais notáveis e ao meio ambiente, não podendo contrariá-las, mas tão somente legislar em circunstâncias remanescentes.

(...)

4.  A Lei Municipal n. 05/89, que instituiu diretrizes para o zoneamento  e uso do solo no Município de Guaratuba, possibilitando a expedição de alvará de licença municipal para a construção de edifícios com gabarito acima do permitido para o local, está em desacordo com as limitações urbanísticas impostas pelas legislações estaduais então em vigor e fora dos parâmetros autorizados pelo Conselho do Litoral, o que   enseja a imposição de medidas administrativas coercitivas prescritas pelo Decreto Estadual n.6.274, de 09 de março de 1983. (BRASIL, 2008).

 

Exatamente nesse mesmo sentido se manifestou novamente o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 592.682/RS:

 

Constitui competência material concorrente da União, Estados e Distrito Federal legislar sobre proteção do meio ambiente, reservando-se ao legislador federal a edição de normas gerais, o que, todavia, não afasta a competência suplementar dos Estados. A inexistência de lei federal sobre normas gerais autoriza o exercício da competência legislativa plena pelos Estados e Distrito Federal. Contudo, a superveniência daquela suspende a eficácia da lei local anterior, naquilo que com ela for incompatível. (BRASIL, 2006).

 

Seguindo o mesmo entendimento, os Tribunais de justiça pátrios têm posicionamento no mesmo sentido dos tribunais superiores confirmando a prevalência das normas de abrangência mais ampla sobre as menos amplas.

 

Em julgamento do Reexame Necessário 1.0521.09.085477-4/002 manifestou-se o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, através do voto do Desembargador Relator Bitencourt Marcondes, da seguinte forma:

 

MANDADO DE SEGURANÇA. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. ANTINOMIA ENTRE NORMA FEDERAL E MUNICIPAL. PREVALÊNCIA DA NORMA FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE INDIRETA VERIFICADA. DISPENSA DE INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. CRIAÇÃO DE UNIDADE DE CONSERVAÇÃO. NECESSIDADE DE ESTUDOS TÉCNICOS E CONSULTA PÚBLICA. I) A competência para legislar sobre proteção ao meio ambiente é da União concorrentemente com os Estados e o Distrito Federal (art. 24, VI, da Constituição da República). II) Tratando-se de legislação acerca da proteção ao meio ambiente, os Municípios detêm competência legislativa suplementar (art. 30, II, da Carta Magna), de forma que podem editar normas regulamentadoras e de interesse local, sem, contudo, contradizer ou inovar a legislação federal e estadual a respeito, pena de invasão de competência e, via de consequência, inconstitucionalidade. (...) (MINAS GERAIS, 2011)

 

No mesmo sentido foi a manifestação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em julgamento do Reexame Necessário nº 70054588504:

 

REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO AMBIENTAL. LEI MUNICIPAL PROIBITIVA DA COMERCIALIZAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE AGROTÓXICOS COM PRINCÍPIO ATIVO 2-4D. INCOMPETÊNCIA LEGISLATIVA DO MUNICÍPIO. - Cabimento do mandado de segurança preventivo em face de lei de efeitos concretos. Orientação do STJ. - O Município, ao legislar proibindo a comercialização e a utilização de agrotóxicos com princípio ativo 2-4D, criou norma geral de proteção ao meio ambiente, avançando sobre a competência concorrente da União, dos Estados ou do Distrito Federal (art. 24, VI, CF/88). - Incompetência legislativa do Município, tendo em vista que o modelo constitucional atribuiu ao ente regulamentar questões envolvendo interesse local na matéria tratada (art. 30, I, CF/88). SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO. (RIO GRANDE DO SUL, 2013)

 

O Tribunal de Justiça de São Paulo, através do voto do Desembargador Roberto Mac Cracken, no julgamento da ADI nº 01752128420138260000, manifestou-se sobre a competência legislativa dos municípios:

 

A questão da competência legislativa deve ser apreciada sobre a exegese dos artigos 24 e 30 da CF/88, isto é, enquanto o primeiro arrola as competências concorrentes da União, Estados e Distrito Federal para legislar, principalmente, sobre proteção do meio ambiente (artigo 24, inciso VI), o segundo autoriza o Município a “suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (artigo 30, inciso II), assim, a lei impugnada, que dispôs sobre proteção do meio ambiente na comercialização, na troca e no descarte de óleo lubrificante, não ingressou na matéria ambiental de forma genérica, mas apenas promoveu regulamentação suplementar e nitidamente específica, não ofendendo a competência legislativa de qualquer outra Unidade da Federação, mas, pelo contrário, exerceu preceito constitucional dentro dos limites próprios e atinentes ao seu campo de atuação. (SÃO PAULO, 2014)

 

Dessume-se dos arestos supratranscritos que nas oportunidades em que o Poder Judiciário foi interpelado para se manifestar a respeito da competência legislativa sobre o meio ambiente, a interpretação da Constituição Federal foi bastante fiel à letra dos artigos. A conclusão foi de que é concorrente entre os Estados (e Distrito Federal) e a União e que aos municípios cabe apenas suplementar as normas de acordo com o interesse local, para regulamentá-las.

 

Na ausência de lei que trate sobre o tema, é perfeitamente possível que o município se valha da prerrogativa do art. 23, podendo legislar sobre matérias que forem de competência comum entre os entes da Federação. No entanto, sobrevindo uma legislação federal ou estadual, caso a lei municipal conflite com elas, esta será derrogada por completo ou parcialmente se o conflito for parcial – e é o que ocorreu no caso da Leis municipal e estadual em exame.

 

5.CONCLUSÕES

 

Pela análise das legislações sob a ótica da Constituição Federal de 1988 e, ainda, atentando para o entendimento da doutrina e da jurisprudência, conclui-se que a Lei (Municipal) nº 9.529/2008, regulamentada pelo Decreto nº 14.367/2011, trata sobre a proteção ao meio ambiente, matéria de competência legislativa comum e também concorrente, de acordo com os arts. 23, VI e 24, VI da Constituição Federal de 1988.

 

O Estado de Minas Gerais editou a Lei (Estadual) nº 21.412/2014 após a edição da Lei nº 9.529/2008 e do Decreto nº 14.367/2011, o fazendo com base nas competências que lhe foram atribuídas pelos artigos 23 e 24 da Constituição Federal de 1988, e analisando as leis pela ótica da competência comum (art. 23, CF/88), em atenção ao princípio da preponderância dos interesses, a doutrina propõe que devem prevalecer os interesses mais amplos sobre os mais restritos, ou seja, os interesses da União sobre os dos Estados (e do Distrito Federal), e dos Estados sobre os dos Municípios.

 

Em razão da matéria também ser de competência concorrente (art. 24, CF/88), analisando por este viés, o entendimento da doutrina é de que caberia ao município tão somente suplementar as leis estaduais e federais.

 

Desta forma, ainda que uma lei estadual ou federal venha a ser editada após uma municipal, havendo conflito prevalece a lei estadual ou federal.

 

Ausente a normatização sobre determinado tema de competência comum entre os entes federativos, prevê o art. 23 que o município pode e deve legislar sobre as matérias que lá constam. Contudo, se posteriormente a União ou os Estados legislem sobre a mesma matéria e a lei municipal entrar em conflito, prevalece o regramento da União ou dos Estados.

 

Assim, as disposições da Lei Estadual de Minas Gerais nº 21.412/2014 prevalecem sobre aquelas contidas na Lei Municipal de Belo Horizonte nº 9.529/2008, regulamentada pelo Decreto Municipal nº 14.367/2011, sendo possível a utilização de sacolas oxibiodegradáveis não apenas em Belo Horizonte, mas no Estado de Minas Gerais.

 

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Ação Rescisória 756/PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki. Publicação da súmula em 14/04/2008.

 

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 592.682/RS, Relatora Ministra Denise Arruda. 1ª Turma. Publicação da súmula em 06/02/2006.

 

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 485583/PR. Relator Min. Cármen Lúcia. Publicação da súmula em 23/02/2010

 

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Impacto das embalagens no meio ambiente. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/producao-e-consumo-sustentavel/consumo-consciente-de-embalagem/impacto-das-embalagens-no-meio-ambiente> Acesso em: 10 abr. 2015

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Lei municipal sobre meio ambiente deve respeitar normas dos demais entes federados. Brasília, 05 mar. 2015. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=286695>. Acesso em: 12 mar. 2015

 

CEMPRE – Comissão Empresaria para Reciclagem. Artigos e Publicações. Fichas Técnicas. Plásticos. Disponível em: <http://cempre.org.br/artigo-publicacao/ficha-tecnica/id/4/plasticos> Acesso em: 10 abr. 2015

 

DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ª ed. São Paulo: Editora Malheiros Editores. 1999, p. 501.

 

DE OLIVEIRA, Luzibênia Leal; DE SOUSA LACERDA, Cícero; DA ROCHA, Isabel Joselita Barbosa. Impactos ambientais causados pelas sacolas plásticas: o caso Campina grande–PB. 2012.

 

DE SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes; DANTAS, Marcelo Buzaglo; Competência Legislativa em Matéria Ambiental no Brasil e a Análise das decisões do Supremo Tribunal Federal. 2011. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=a386c7c329ce38ff>. Acesso em 10 abr. 2015

 

GABRIEL, Ivana Mussi. O Município na Constituição brasileira: competência legislativa. Jus Navigandi, Teresina, ano 15n. 239723 jan. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/14240/o-municipio-na-constituicao-brasileira-competencia-legislativa> Acesso em: 8 abr. 2015

 

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. p. 303, 304, 316.

 

LIMA, L. A. O Direito Penal como instrumento de proteção ao Meio Ambiente: Um enfoque acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica de Direito Público por crime ambiental. Dissertação (Mestrado) - Escola Superior Dom Helder Câmara ESDHC, 2014, p. 172.

 

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RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Reexame Necessário 70054588504, Relatora Marilene Bonzanini Bernardi, 22ª Câmara Cível. Publicação da súmula em 15/08/2013.

 

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SÃO PAULO, Tribunal de Justiça. ADI: 01752128420138260000 SP 0175212-84.2013.8.26.0000. Relator Des. Roberto Mac Cracken, Órgão Especial. Publicação da súmula em 21/08/2014.

 

TODOROVIC FABRO, Adriano; LINDEMANN, Christian; CRISPIM VIEIRA, Saon. Utilização de Sacolas Plásticas em Supermercados. Revista Ciências do Ambiente. v. 3, n. 1, 2007.

 

http://www.abras.com.br/supermercadosustentavel/loja-verde/sacolas-plasticas/tipos-de-sacolas/


[1] § 1º - Considera-se material biodegradável aquele que apresenta degradação por processos biológicos, sob ação de microrganismos, em condições naturais adequadas, e que atenda aos seguintes requisitos: (BELO HORIZONTE, 2008).

[2] § 2º - Considera-se sacola retornável aquela confeccionada em material durável, suficientemente resistente para suportar o peso médio dos produtos transportados, lavável, com espessura mínima de 0,3 mm (três décimos de milímetro), e destinada à reutilização continuada; (BELO HORIZONTE, 2008).

[3] § 3º - Considera-se material reciclado aquele decorrente de processo de transformação dos resíduos sólidos que envolva a alteração de suas propriedades físicas, físico-químicas ou biológicas, com vistas à transformação em insumos ou novos produtos, observadas as condições e padrões estabelecidos pelos órgãos competentes do Sistema Nacional do Meio Ambiente. (BELO HORIZONTE, 2008).

[4]Lei n° 18.031, de 12/1/2009, que dispõe sobre a política estadual de resíduos sólidos, em seu art. 6°, estabelece os princípios norteadores dessa política. Entre eles citamos: a não geração, a prevenção da geração, a redução da geração, a reutilização, o reaproveitamento e a reciclagem de resíduos sólidos. O art. 8° prevê, como objetivos da referida política, “proteger e melhorar a qualidade do meio ambiente e preservar a saúde pública”, bem como “sensibilizar e conscientizar a população sobre a importância de sua participação na gestão de resíduos sólidos”. (BELO HORIZONTE, 2008).

[5] Na justificação da proposta, o autor lembra que as sacolas plásticas fornecidas por supermercados, farmácias, sacolões e outros estabelecimentos comerciais oferecem riscos ao consumidor: existem várias denúncias de que tais embalagens são sobrecarregadas com produtos de dimensões e peso além do suportável. Assim, o consumidor, ao atravessar a rua, ao retirar as compras do veículo, ao subir escadas etc., é, muitas vezes, surpreendido, pois as embalagens se rompem. Além do prejuízo financeiro, há o risco de ferimentos. (Parecer de 1º Turno - Comissão de Constituição e Justiça).

[6] São sacolas de plástico cuja matérial pode ser degradado por micro-organismos (bactérias ou fungos) na água, dióxido de carbono (CO2) e algum material biológico. São confeccionadas à base de amido de milho, mandioca, cana de açúcar, batata e outros, ou ainda de matérias-primas de fonte renováveis.  De acordo com os fabricantes, elas devem se decompor em até 180 dias.

[7] Sacolas feitas de polímero de petróleo com aditivo D2W, que acelera a decomposição, pois faz a sacola se separar em partículas menores. Graças ao aditivo de produtos, essa sacola se decompõe em até 18 meses em contato com o calor, o ar e a umidade, segundo os fabricantes. Nesse processo oxidam para em seguida se degradar. Essas sacolas começaram a ser usada no varejo a partir de 2003 como alternativa da indústria do plástico para a questão da redução do uso da sacola convencional (produzida a partir do polietileno). Em algumas regiões do País o uso de sacolas oxi-bio tornou-se obrigatório.

[8] No que couber norteia a atuação municipal, balizando-a dentro do interesse local. Observar ainda que tal competência se aplica, também, às matérias do art. 24, suplementando as normas gerais e específicas, juntamente com outras que digam respeito ao peculiar interesse daquela localidade. (LENZA, 2009).

[9] [...] interesse local não é interesse exclusivo do Município, não é interesse privativo da localidade, não é interesse único dos munícipes [...]. Não há interesse municipal que não seja reflexamente da União e do Estado-Membro, como também não há interesse regional ou nacional que não ressoe nos municípios, como partes integrantes da federação brasileira. O que define e caracteriza interesse local, inscrito como dogma constitucional é a preponderância do interesse do Município sobre o do Estado ou da União. (MEIRELLES, 2003).

[10] Mas o Município não poderá contrariar nem as normas gerais da União, o que é óbvio, nem as normas estaduais de complementação, embora possa também detalhar estas últimas, modelando-as mais adequadamente às particularidades locais. (GABRIEL, 2010).

 



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