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Do processo civil clássico à noção de direito à tutela adequada ao direito material e à realidade social

Do processo civil clássico à noção de direito à tutela adequada ao direito material e à realidade social

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A classificação trinária das sentenças expressa os valores de um modelo institucional de Estado de matriz liberal. As novas sentenças estão ligadas à confiança que o Poder Judiciário passou a merecer dentro da estrutura do Estado.

SUMÁRIO: 1. A preocupação do Estado liberal-clássico com a liberdade dos cidadãos: 1.1 O papel reservado ao juiz – 1.2 A tarefa meramente declaratória do juiz e a classificação trinaria das sentenças – 1.3 O valor da não interferência do Estado diante dos particulares sobre a impossibilidade de o juiz impor a multa – 1.4 O princípio da tipicidade dos meios executivos como garantia de liberdade – 1.5 A proibição das tutelas fundadas em "verossimilhança" e a "neutralidade" do juiz – 1.6 A ampla defesa e o contraditório como armas contra a possibilidade de arbítrio judicial – 1.7 A regra da nulla executio sine titulo como justificativa técnico-jurídica da impossibilidade de o juiz julgar com base em verossimilhança - 2. O dogma da uniformidade procedimental: 2.1 A influência da escola sistemática – 2.2 A confusão entre autonomia do direito processual civil e neutralidade do processo em relação ao direito material – 2.3 A indiferença pela desigualdade das posições sociais e dos bens – 2.4 A repercussão dos valores da economia liberal sobre a suficiência da tutela pelo equivalente – 2.5 A sentença condenatória como mecanismo "igualizador" das diferentes necessidades do direito material - 3. A unificação entre as categorias da ilicitude e da responsabilidade civil e sua projeção sobre o processo civil: 3.1 Explicação inicial – 3.2 A função do processo de conhecimento clássico. Sua insensibilidade para a necessidade de prevenção do direito – 3.3 A dita função preventiva da ação declaratória, o liberalismo clássico e a escola sistemática – 3.4 A inidoneidade do processo civil para a prestação da tutela ressarcitória na forma específica – 3.5 A inadequação da ação cautelar para a prestação das tutelas inibitória e de remoção do ilícito.


1. A preocupação do Estado liberal-clássico com a liberdade dos cidadãos

1.1 O papel reservado ao juiz

Como se sabe, o Estado liberal clássico, diante de sua finalidade principal de garantir a liberdade dos cidadãos, foi marcado por uma rígida delimitação dos seus poderes de intervenção na esfera jurídica privada. [1] A lei não deveria tomar em consideração as diferentes posições sociais, pois o fim era dar tratamento igual às pessoas apenas no sentido formal. A lei deveria ser, ao mesmo tempo, "clarividente e cega". [2] Esse tratamento igualitário é que garantiria a liberdade dos indivíduos.

É claro que essa intenção teve repercussão sobre o Estado-Juiz, uma vez que de nada adiantaria "formatar" a atividade do legislador e permitir ao juiz interpretar a lei em face da realidade social. Dizia Montesquieu, então, que o julgamento deveria ser apenas um "texto exato da lei" [3], pois de outra maneira constituiria "uma opinião particular do juiz" e, dessa forma, "viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente os compromissos nela assumidos". [4]

Essa idéia, bem refletida nos escritos de Montesquieu, espelha uma ideologia que liga liberdade política a certeza do direito. [5] A segurança psicológica do indivíduo – ou sua liberdade política - estaria na certeza de que o julgamento apenas afirmaria o que está contido na lei. [6] Ou melhor, acreditava-se que, não havendo diferença entre o julgamento e a lei, estaria assegurada a liberdade política.

Não foi por outro motivo que Montesquieu definiu o juiz como a bouche de la loi (a boca da lei). Ainda que admitindo que a lei pudesse ser, em certos casos, muito rigorosa, conclui Montesquieu, no seu célebre "Do espírito das Leis", que os juízes de uma nação não são "mais que a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor". [7]

1.2 A tarefa meramente declaratória do juiz e a classificação trinária das sentenças

Dessa função reservada ao juiz, surge, como conseqüência lógica, a conclusão de que a sentença apenas poderia declarar o texto da lei. Tal sentença, que pode ser definida como declaratória lato sensu, não pode ser confundida com a declaratória em sentido estrito. Essa última constitui espécie que se coloca ao lado das sentenças constitutiva e condenatória, formando assim a conhecida classificação trinária das sentenças, todas elas lato sensu declaratórias.

Ou seja, as três sentenças da classificação trinária contêm declaração. A condenação e a constituição representam apenas "algo mais" que se agrega à declaração contida na sentença. A primeira, além de declarar o direito existente, aplica a sanção, abrindo oportunidade para a ação de execução, enquanto que a segunda, após declarar, constitui uma nova situação jurídica.

Essas sentenças, como atos integrantes do processo de conhecimento clássico, não permitem ao juiz atuar a não ser no plano normativo, e assim apenas objetivariam afirmar a vontade da lei e a autoridade do Estado-legislador. Note-se que falar em atuação no plano normativo não é apenas identificar o julgamento com a lei, pois no direito liberal a atividade de julgar não era limitada somente pela legislação, mas também pela atividade executiva. Essa, objetivando a segurança pública e, sobretudo, a limitação dos poderes do juiz, concentrava a atividade de execução material das decisões judiciais. [8]

Frise-se que a preocupação com o arbítrio do juiz não fez surgir apenas a idéia de que a sentença deveria se limitar a declarar a lei, mas também retirou do juiz o poder de exercer imperium, ou de dar força executiva às suas decisões. Aliás, diante da desconfiança do direito liberal em relação ao juiz posterior à Revolução Francesa, era natural a preocupação com a execução das decisões, pois essa poderia gerar maiores riscos do que a sentença declaratória (lato sensu). [9]

Partindo do pressuposto de que a execução das decisões era função do executivo, Montesquieu advertiu que se o poder judiciário "estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor". [10] Nesse sentido, ao juiz deveria ser reservado apenas a possibilidade de atuar mediante sentença declaratória (lato sensu). Como essa função era simplesmente de afirmação da autoridade do legislador, Montesquieu concluiu, de modo lógico, que o poder do juiz seria um "poder nulo". [11]

De modo que a gênese do processo de conhecimento, concebido como palco da verificação dos fatos e da declaração da lei, está justamente na tentativa de nulificação do poder do juiz. A separação entre conhecimento e execução teve o propósito de evitar que o juiz concentrasse, no processo de conhecimento, os poderes de julgar e de executar.

É importante deixar claro que, em princípio, a idéia de limitar o poder do juiz teve uma intenção legítima – pois o judiciário possuía relações com o antigo regime. Contudo, depois ela passou a ser utilizada para dar guarida às pretensões da burguesia, para quem era necessário um Estado que garantisse sua plena liberdade para se desenvolver nos planos social e econômico. Para tanto, um poder de julgar que estivesse limitado a afirmar a autoridade da lei seria perfeito.

É certo que, com o passar do tempo, a sentença que deveria permitir somente a aplicação da lei mudou a sua fisionomia, passando a servir para a declaração do direito, quando as três sentenças da classificação trinária passaram a ter uma outra finalidade. Acontece que essas três sentenças nunca se livraram do outro peso posto pelo direito liberal sobre o poder de julgar, que é precisamente o da separação que deveria existir entre a atividade de julgar e a atividade executiva.

Portanto, o que se deseja evidenciar é que a classificação trinária das sentenças expressa os valores de um modelo institucional de Estado de matriz liberal, e que as novas sentenças estão ligadas à confiança que o poder judiciário passou a merecer dentro da estrutura do Estado.

1.3.O valor da não interferência do Estado diante dos particulares sobre a impossibilidade de o juiz impor a multa

O direito liberal-clássico estava preocupado com a defesa da liberdade do cidadão em relação ao Estado. É por isso que, diante do direito constitucional de origem liberal-burguesa, pensava-se em direito de defesa apenas em relação ao Estado. Nessa época, ao contrário do que ocorre hoje, o Estado era visto na qualidade de "inimigo público". [12]

Em razão disso, imaginava-se que, para a preservação da liberdade, seria fundamental manter o Estado longe da esfera dos particulares. Como o Estado liberal não se preocupava em proteger os menos favorecidos e em promover políticas públicas para uma organização comunitária mais justa, mas apenas em manter em funcionamento os mecanismos de mercado, sem qualquer preocupação com as diferenças das posições sociais, qualquer interferência do Estado junto aos particulares era vista como uma intromissão indevida.

Considerando-se o Estado-Juiz, fica fácil perceber que a sentença declaratória (lato sensu) reflete a ideologia liberal da intangibilidade da vontade humana e a preocupação com a liberdade. Isso fica mais evidente quando se percebe que a Revolução francesa, preocupada com tudo isso e com a possibilidade de arbítrio do judiciário, proibiu o juiz de exercer imperium.

Nesse sentido, o Código Napoleão, no seu art. 1.142, afirmou que "toda obrigação de fazer ou não fazer resolve-se em perdas e danos e juros, em caso de descumprimento pelo devedor". A desconfiança em relação aos juízes do Ancien Régime – que já era provocada pela venalidade e hereditariedade dos cargos públicos - e a conseqüente necessidade de mantê-los sem poder de imperium, para que não pudessem voltar a fazer o que lhes era permitido antes da Revolução, colocando em perigo o novo poder instalado, estão na base do art. 1.142 do Code Napoléon ou da idéia de incoercibilidade das obrigações. [13]

Lembre-se que a figura conhecida como astreintes (que seria similar à multa dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC brasileiros) foi construída através de intenso movimento jurisprudencial contrário ao sentido do Código Napoleão, e que culminou na Lei 72-226, de 5 de julho de 1972, que forneceu um fundamento geral e preciso às astreintes. [14]

Ninguém duvida que a impossibilidade do uso da multa, como medida de coerção, retira do juiz o poder de atuar sobre a vontade do indivíduo. Se é assim, é evidente que o desejo de impedir o judiciário de atentar contra a liberdade privou o juiz de exercer imperium. Por esse motivo é que o juiz, mesmo em uma sentença relativa à obrigação infungível, não podia impor as astreintes.

Para melhor provar o nexo entre a sentença declaratória lato sensu e a necessidade de preservação da liberdade diante do Estado, nada melhor do que demonstrar que parcela da doutrina francesa sustentou expressamente que as astreintes não se amoldariam ao princípio da separação dos poderes. [15] Ou ainda, que não se poderia dar ao judiciário o poder de impor as astreintes, pois dessa forma ela abarcaria o poder de julgar e o poder de executar, o que colocaria em risco a liberdade dos cidadãos.

1.4 O princípio da tipicidade dos meios executivos como garantia de liberdade

A sentença declaratória e a sentença constitutiva sempre foram consideradas como sentenças suficientes em si. A mera prolação dessas sentenças é bastante para que a prestação jurisdicional seja integral. Assim, consideradas as sentenças da classificação trinária, apenas a condenatória exige meios de execução para que a tutela do direito possa ser prestada. Tanto é verdade que a doutrina italiana, ao considerar o conceito de condenação, lançou as idéias de que a tutela do direito de crédito é prestada pela execução e que a sentença condenatória constitui apenas uma fase da tutela jurisdicional [16].

Porém, se a sentença condenatória foi moldada à época do liberalismo clássico, junto a ela estão presentes os valores da liberdade e da segurança jurídica. Como a sentença condenatória constitui apenas parcela da prestação jurisdicional, não bastaria, por óbvio, enxergar a condenação sem se perguntar a respeito dos meios de execução. Até porque, qualquer sentença que tenha o dever de repercutir sobre a realidade para a prestação da tutela jurisdicional, deve ser ligada a meios de execução que sejam efetivamente capazes de proporcionar o resultado por ela objetivado. Uma sentença que tenha que interferir sobre a realidade, mas que é destituída de meios de execução, não serve para a prestação da tutela do direito, e assim constitui "um nada", ao menos quando considerada a tutela prometida pelo direito material.

Diante da sentença condenatória, não é difícil perceber como o direito liberal limitou os poderes do judiciário. Primeiro definiu os meios de execução que poderiam a ela se ligar e, depois, deixou evidenciado que nenhum outro meio executivo poderia ser utilizado quando da execução da condenação.

A doutrina que definiu o conceito de sentença condenatória, fiel à sua raiz liberal, estabeleceu uma correlação entre ela e os meios de execução tipificados na lei. Micheli, por exemplo, observou que a condenação, como forma de remédio jurisdicional, possui sua eficácia característica não especificamente na declaração em si, mas sim na ligação eventual entre a sentença e a possibilidade de o vencedor obter, se for o caso, a "execução forçada". [17] A tutela integral do direito somente seria obtida por meio da sentença condenatória no caso de adimplemento espontâneo. Fora daí, a tutela do direito dependeria da propositura da ação de execução, oportunizada ao vencedor pela sentença.

Se a sentença condenatória é ligada aos meios executivos tipificados na lei, elimina-se a possibilidade de o juiz trabalhar com qualquer outro meio de execução, controlando-se, dessa forma, a sua possibilidade de arbítrio. Na mesma direção, deixando-se claro que a esfera jurídica do réu, no caso de condenação, não pode ser invadida por meio executivo não previsto na lei, garante-se a liberdade ou a segurança psicológica do cidadão. Essa segurança seria derivada da certeza do direito, ou da garantia de que somente poderiam ser utilizados os meios executivos tipificados na lei.

Essa necessidade de segurança ou de garantia de liberdade é que levou a doutrina que formou a classificação trinária a estabelecer a chamada correlação necessária entre a condenação e a execução e a fixar o princípio da tipicidade dos meios de execução. Referindo-se expressamente a esse princípio, observou Mandrioli que "a precisa referência às formas previstas no Código de Processo Civil implica no reconhecimento da regra fundamental da intangibilidade da esfera de autonomia do devedor, a qual somente poderia ser invadida nos modos e através das formas tipicamente previstas pela lei processual". [18]

As formas do processo sempre foram vistas como "garantia das liberdades". Tal relação foi posta às claras por Vittorio Denti ao advertir que a antiga concepção burocrática da função jurisdicional, marcada pela excessiva racionalização do exercício dos poderes do juiz, foi a responsável pela idéia de se criar um modelo único de procedimento. [19] Nessa ocasião, Denti lembrou que Chiovenda, em uma de sua mais famosas conferências [20], não apenas sublinhou a necessidade das formas como garantia contra a possibilidade de arbítrio do juiz, como ainda deixou clara "a estreita ligação entre a liberdade individual e o rigor das formas processuais". [21]

Portanto, o que deve ficar registrado, nesse item, é que o conceito de condenação, estabelecido a partir de sua correlação com os meios de execução tipificados na lei, tem origem na necessidade de garantia de liberdade do cidadão.

1.5.A proibição das tutelas fundadas em "verossimilhança"e a "neutralidade" do juiz

A um sistema que objetiva preservar a liberdade dos cidadãos mediante a restrição dos poderes do judiciário, não basta afirmar que o juiz somente pode proclamar as palavras da lei e está impedido de exercer imperium.

É fundamental, nessa linha, impedir julgamentos fundados em verossimilhança, ou em parcela das provas que podem ser produzidas. Se a sentença do juiz deveria conter as palavras da lei, e a decisão tomada com base em parcela das provas (verossimilhança) pode, por lógica, ser afirmada em contrário quando todas as provas tiverem sido produzidas, a contradição entre a admissão da tutela antecipatória e a idéia de que o juiz deve pronunciar as letras da lei é evidente. Isso pela razão de que, se a lei é uma só, não poderiam existir dois juízos em relação a ela.

A impossibilidade de tutela fundada em verossimilhança, no procedimento ordinário clássico (que tem origem no direito liberal), decorre da suposição de que o único julgamento que poderia afirmar as palavras da lei seria posterior à verificação da existência do direito. Na linha do direito liberal, o processo, para não gerar a insegurança ao cidadão, deveria conter somente um julgamento, que apenas poderia ser realizado após a elucidação dos fatos componentes do litígio.

A certeza do juiz seria pressuposto da sua capacidade de "enunciar a lei". O julgamento posterior à cognição sempre foi associado à idéia de "busca da verdade". Falava-se, em tom retórico, que o julgamento não podia se dissociar da verdade. Em outras palavras, a garantia de liberdade, aí, estaria em um julgamento que, concretizando a verdade, pronunciasse as palavras da lei.

Como a "busca da verdade" é uma ilusão, uma vez que toda "certeza jurídica", na perspectiva gnosiológica, sempre se resolve em verossimilhança, [22] tal idéia encobria o fato de que o juiz pode errar e, até mesmo, a obviedade de que o juiz possui valores pessoais e uma vontade inconsciente que, na maioria das vezes, ele próprio não consegue desvendar. [23]

Na realidade, proibiram-se os juízos de verossimilhança para controlar o judiciário e garantir a liberdade dos cidadãos. Importa deixar claro, assim, que o procedimento ordinário clássico (destituído de tutela antecipatória) tem íntima relação com a segurança jurídica, ainda que esse procedimento tenha sempre se baseado na pseudo suposição de que o juiz encontraria a verdade ao final do processo ou, pior, que jamais seriam necessários dois juízos a respeito da tutela pretendida pelo autor, ainda que o primeiro - derivado de uma situação de urgência - fosse fundado em parcela das provas e o segundo na sua integralidade.

1.6 A ampla defesa e o contraditório como armas contra a possibilidade de arbítrio judicial

A proibição da tutela fundada em verossimilhança, e assim o procedimento ordinário clássico, derivou da falta de confiança no juiz. Diante dessa desconfiança, foram evidenciadas garantias para a participação adequada do demandado no processo. Tais garantias de participação passaram a constituir direitos contra a possibilidade de arbítrio do juiz.

Entre essas garantias, destacam-se a do contraditório e a da ampla defesa. São elas que sustentam a impossibilidade da restrição arbitrária da produção de prova, e não a tese de que o juiz deve encontrar a verdade, até porque, como já dito, a verdade, por ser inatingível, não pode ser vista como meta a ser encontrada pelo processo. O processo é um palco de discussões, em que as partes devem ter a oportunidade de participar de forma efetiva e adequada para convencer o juiz. Nessa linha, a "verdade" será formada a partir do diálogo das partes e do juiz. Portanto, não é correto dizer que o juiz não pode julgar com base em verossimilhança, mas sim afirmar que o processo não pode limitar, de forma arbitrária, a ampla defesa e o contraditório.

Entretanto, o direito liberal, diante da desconfiança em relação ao judiciário, foi obrigado a não dar "elasticidade" às noções de ampla defesa e de contraditório, e assim tornou inviável a tutela do direito antes da plenitude da cognição. Perceba-se, aliás, que a impossibilidade de postecipação da ampla defesa e do contraditório é intimamente ligada à separação entre cognição e execução. Com efeito, se a ampla defesa e o contraditório não podem ser postecipados, a execução não pode ser anterior ao término da cognição.

Os conceitos de ampla defesa e de contraditório devem ser construídos a partir dos valores das épocas. Quando a preocupação do direito se centrava na defesa da liberdade do cidadão diante do Estado, a uniformidade procedimental e as formas possuíam grande importância para o demandado. Nesse sentido, a rigidez dos conceitos de ampla defesa e contraditório assumiam função vital para o réu.

Entretanto, como não poderia deixar de ser, a ampla defesa e o contraditório eram vistos como garantias em relação ao Estado, e não como elementos que, quando conjugados, podem viabilizar a formação de procedimentos adequados às necessidades das diferentes situações de direito substancial, não se pensava na possibilidade de concessão da tutela do direito mediante a postecipação da defesa, do contraditório ou da produção da prova.

O equívoco de estudar a ampla defesa sem considerar a diferença dos bens jurídicos tutelados pelo processo e, principalmente, a não percepção de que a defesa deve ser pensada de maneira diferenciada nos processos civil e penal, fizeram surgir um processo civil insensível não só para o fato de que determinados bens não podem ser tutelados de maneira adequada através do procedimento ordinário, como também para a obviedade de que o tempo do processo deve ser distribuído de forma isonômica entre os litigantes. [24]

Para concluir, basta sublinhar que a ampla defesa e o contraditório, na época do direito liberal clássico, eram pensados de maneira rígida, pois constituíam garantias de liberdade contra o arbítrio do juiz, enquanto que, no Estado contemporâneo, assumiram conformação elástica, por terem passado a servir para a modelação de procedimentos adequados à tutela das novas realidades.

1.7A regra da nulla executio sine titulo como justificativa técnico-jurídico da impossibilidade de o juiz julgar com base em verossimilhança

Como já foi evidenciado, a necessária precedência da sentença condenatória em relação à execução resulta da suposição de que a cognição, ou o conhecimento da existência do direito afirmado pelo autor, deve antedecer a execução. [25] Isso porque se acreditava que a proibição da execução antes do término da cognição – que era traduzida através da fórmula de que o juiz não podia julgar com base em verossimilhança – era fundamental para garantir o direito de defesa e, assim, não poderia jamais ser excepcionada.

A partir da premissa de que a cognição deveria anteceder a execução, foi estabelecido o princípio da nulla executio sine titulo, que quer dizer que a execução não pode ser feita sem título. [26]

Considerando a relação entre condenação e execução, o título seria, evidentemente, a sentença condenatória. O problema que poderia ser levantado, em relação a ela, diz respeito a se saber se a sentença condenatória recorrida pode ser considerada como título executivo.

Não há dúvida que, desde há muito tempo, admite-se a execução na pendência do recurso. Esse tipo de execução é chamada de provisória, e muitos retiram dela a idéia de que a execução fica limitada, não levando à completa satisfação do direito. Trata-se de equívoco, pois a "completude" da execução feita na pendência do recurso é uma questão de política legislativa, não constituindo uma decorrência necessária da existência de recurso, a menos que se continue entendendo que a execução, antes do julgamento do recurso, constitui um julgado que ainda não "descobriu a verdade" e, portanto, fere a "ampla defesa".

Com efeito, a doutrina clássica, ainda que sustentando a execução provisória, sempre mostrou grande preocupação em relação à busca da verdade. Chiovenda, em suas Instituições, ao se deparar com a execução da sentença na pendência do recurso interposto para a Corte de Cassação italiana, e assim verificar que o requerente, no caso, poderia "executar" antes da finalização da fase de conhecimento – quando então se encontraria a tão proclamada "verdade" -, foi obrigado a concluir que essa seria uma das hipóteses em que "pode ocorrer a figura duma sentença não definitiva, mas executória, e, pois, a separação entre a definitividade da cognição e a executoriedade". Essa exceção entre a definitividade da cognição e a executoriedade gerava, nas palavras do próprio Chiovenda, uma "figura anormal", que seria, nada mais nada menos, do que uma execução "descoincidente, de fato, da certeza jurídica. [27]

A separação entre sentença condenatória transitada em julgado e sentença condenatória recorrida, para efeitos de execução, serve somente para demonstrar que a doutrina clássica associou a completude da cognição – inclusive da fase recursal – com o encontro da verdade. Tanto é que acusou a execução provisória de figura "anormal".

Entretanto, não há como deixar de enxergar que essa doutrina, ao admitir a execução provisória, transigiu com a idéia de busca da verdade e de segurança jurídica. Se essa execução, ainda que "anormal", foi admitida à luz do princípio da nulla executio sine titulo, impõe-se a conclusão de que se admitiu que o título, sem o qual a execução não poderia ocorrer, poderia se constituir em sentença condenatória ainda não transitada em julgado.

Por essa razão, o princípio da nulla executio sine titulo, embora originariamente pensado para garantir a segurança jurídica, abre atualmente duas possibilidades de compreensão: ou se aceita que, por ser necessária execução na pendência do conhecimento (como demonstra inclusive a tutela antecipatória), o princípio não tem mais sustentação; ou se admite uma nova abordagem do conceito de título, o qual então passaria a ser visto como algo que não deve ser relacionado com a existência do direito, mas sim com a necessidade prática de sua realização. [28]

Assim, o legislador poderia atribuir eficácia executiva a decisões proferidas antes do trânsito em julgado. [29] Além disso, como se dá ao juiz, em alguns casos, o poder de conceder a tutela do direito também no curso da cognição – a tutela antecipatória -, é lógico que se confere, automaticamente e ainda que implicitamente, eficácia executiva a essas decisões, pois seria pouco mais do que absurdo imaginar que o legislador deu ao juiz a possibilidade de conceder uma tutela que não pode ser executada.


2. O dogma da uniformidade procedimental

2.1 A influência da escola sistemática

A escola italiana da exegese, que se debruçou sobre o CPC italiano de 1865, inspirou-se nos tratadistas franceses, até porque, nessa época, era grande a influência do Código Napoleão sobre as codificações européias. Os exegetas, contudo, possuíam um método de investigação que era propício para a compreensão dos atos do procedimento e não para a inserção do processo civil no contexto do Estado e da sociedade. [30]

Foi quando surgiu a obra de Lodovico Mortara, que pôs às claras a insuficiência dos métodos existentes, colocando em descrédito as idéias, definições e figuras que até então eram adotados. [32] Com efeito, Calamandrei, em substancial estudo histórico, lembra que a passagem do método exegético para o histórico-dogmático foi marcado pelos "Comentários" de Mortara, no qual, especialmente no primeiro volume, restou enunciado o princípio da unidade da jurisdição e da natureza pública do processo. [33]

Embora a obra de Mortara já anunciasse uma nova "postura", deve-se a Chiovenda a afirmação da escola histórico-dogmática [34], que em seu nome pretendia significar – já na linha da orientação anteriormente firmada por Mortara - que a dogmática não pode se desligar da história e da realidade social. [35] A nova escola processual italiana - caracterizada por deixar para trás o método exegético, próprio das tendências de origem francesa, e assumir uma postura histórico-dogmática – também foi denominada de sistemática. [36]

Essa escola, ao se preocupar em desvincular o direito processual civil do direito material e evidenciar a natureza pública do processo, preocupou-se em delinear conceitos que, segundo sua concepção, seriam capazes de conferir autonomia e dignidade científica ao direito processual civil, antes concebido como simples procedura civile.

A procedura civile tem íntima relação com o processo civil comum – romano-canônico –, em que os pressupostos políticos, filosóficos e jurídicos que deram origem ao processo romano se dissolveram diante das pressões das variadas condições políticas, conduzindo à desvalorização da figura e da função do juiz e à valorização das formas. Na verdade, a procedura civile, ao tentar negar a importância do juiz, exaltou o formalismo, obscurecendo, por conseqüência, a verdadeira essência do processo. [37]

A escola sistemática, através da chamada "publicização" do processo civil, teve o mérito de esclarecer que por meio do processo se exprime a autoridade do Estado. Essa concepção levou ao abandono da idéia de que o processo seria um mero palco para os particulares resolverem os seus conflitos. Além disso, a ação, a partir daí, deixou de ser vista como mero apêndice do direito material, e passou a ser concebida como direito autônomo de natureza pública. [38]

Porém, essa mudança de perspectiva da doutrina nada teve a ver com o surgimento de uma ideologia política diversa da liberal, e muito menos com os princípios socialistas, constituindo somente resultado da evolução da cultura jurídica, que apenas indiretamente pode conter implicações de natureza ideológica. [39] Essa constatação é importante, pois se a escola sistemática representou avanço evidente em relação à exegética, isso não quer dizer que o peso dos valores liberais não tenha influenciado os estudos chiovendianos e mesmo pós-chiovendianos.

De lado essa questão, não é possível ignorar que a escola sistemática, em sua ânsia de redescobrir o valor do processo e de dar contornos científicos ao direito processual civil, acabou excedendo-se em sua missão. A intenção de depurar o processo civil de sua contaminação pelo direito substancial, a ele imposta pela tradição jurídica do século XIX, levou a doutrina chiovendiana a erguer as bases de um "direito processual civil" completamente despreocupado com o direito material. [40]

Imaginou-se, assim, que o direito de ir a juízo, concebido como direito de ação, nada teria a ver com o direito material, e assim que a ação poderia ser vista como entidade abstrata. Nessa linha, a defesa foi vista como mera contrapartida da ação, e assim também sem qualquer ligação com o direito material.

Ao redor da ação - concebida como verdadeiro pólo metodológico - foram delineadas as sentenças. Justamente por rodarem em torno de algo abstrato e que teria relação apenas com o direito processual, essas foram concebidas a partir de critérios unicamente processuais, e assim incapazes de dar significado à prestação jurisdicional.

No entanto, o fruto mais óbvio dessa escola foi a pretensão de uniformização do procedimento. A idéia de um único procedimento para atender a diferentes situações de direito substancial tem origem pouco mais do que óbvia na tentativa de isolamento do processo em face do direito material.

Tanto é verdade que os processualistas clássicos sempre enxergaram os procedimentos especiais como exceções ao procedimento ordinário. Carnelutti, por exemplo, em passagem que bem elucida isso, afirmou, sem qualquer constrangimento, que seria correto falar "di procedimenti anomali in confronto con il procedimento normale". [41] Satta, nessa mesma linha de defesa da uniformidade procedimental, ao invés de falar em "anomali", preferiu utilizar a expressão "deviazione" para identificar os procedimentos que fugiam do "schema tipico del processo contencioso ordinario". [42]

Essas expressões – sem dúvida negativas dentro de um método científico que deve ser plural - evidenciam a que ponto a doutrina chegou em sua tentativa – frustrada – de isolamento do processo civil.

Somente é possível negar a pluralidade procedimental caso esquecida a diferença entre as posições sociais e as situações de direito substancial. Portanto, se a uniformidade procedimental é mito [43], as idéias de ação e de defesa desvinculadas do direito material, se tiveram algum valor em outra época, hoje certamente perderam importância.

Negar a realidade para cultivar uma pseudo-ciência: esse é o pecado da escola sistemática ao insistir na uniformidade procedimental.

2.2 A confusão entre autonomia do direito processual civil e neutralidade do processo em relação ao direito material

Não há dúvida de que o processo não se confunde com o direito material. Porém, a escola sistemática, ao construir as bases da autonomia do direito processual civil, parece ter esquecido a diferença entre autonomia e indiferença.

O fato de o processo civil ser autônomo em relação ao direito material, não significa que ele possa ser neutro ou indiferente às variadas situações de direito substancial.

Autonomia não é sinônimo de neutralidade ou indiferença. Ao contrário, a consciência da autonomia pode eliminar o medo escondido atrás de uma falsa neutralidade ou de uma indiferença que, na verdade, é muito mais meio de defesa do que alheamento em relação ao que acontece à "distância das fronteiras".

Na realidade, jamais houve - ou poderia ter ocorrido - isolamento do direito processual, pois há nítida interdependência entre ele e o direito material. [44] Isso é tão evidente que supor o contrário seria o mesmo que esquecer a razão de ser do processo, considerada a necessidade desse ter que ser pensado à luz da realidade social e do papel que o direito material desempenha na sociedade.

Portanto, não há dúvida que a suposição de que bastaria um único procedimento para todas as situações de direito material implica em uma lamentável confusão entre autonomia e neutralidade do processo. Ou então se pretendeu, em um desejo que jamais poderia ser concretizado, que o processo realmente fosse indiferente ao direito material e à realidade social. Esse desejo, embora irrealizável, seria ligado à "formalização" do processo civil, indispensável para a eliminação de qualquer resquício de tratamento diferenciado às posições sociais.

Nesse sentido, a pretendida neutralidade do juiz, que na verdade é um problema falso - pois o que pode e deve importar é a imparcialidade -, pode ser pensado na mesma dimensão do da "neutralidade do processo", que também passaria a constituir um problema mentiroso, diante da impossibilidade de o processo ser pensado como algo indiferente a sociedade.

Na realidade, as confusões entre autonomia e neutralidade do processo e imparcialidade e neutralidade do juiz não são tão inocentes assim, pois ambas têm a não elogiável intenção de afastar do poder judiciário algo que é fundamental para a aplicação da justiça ao caso concreto. Nem o juiz, nem o processo, podem ser neutros.

Como também já afirmou Proto Pisani [45], o direito processual – porque não pode se contentar com um único procedimento e uma única forma de tutela – não é algo indiferente à natureza dos interesses em conflito, e assim "non è correto parlare de neutralità", uma vez que da predisposição de procedimentos idôneos a fornecer formas de tutelas jurisdicionais adequadas às necessidades dos casos concretos depende a existência, ou o modo da existência, do próprio direito substancial. [46]

2.3 A indiferença pela desigualdade das posições sociais e dos bens

O direito liberal imaginava que, para garantir a liberdade dos homens, deveria interferir o mínimo possível na esfera dos particulares. Sustentava-se, nessa época, a idéia da igualdade (formal) de todos perante a lei, proibindo-se o legislador de estabelecer tratamento diversificado às diferentes posições sociais. Supunha-se que, com a impossibilidade do Estado agir diante das necessidades sociais, estaria garantido o bem mais supremo do homem, que seria a sua liberdade, pouco importando se ela não pudesse ser usufruída por todos, e assim não fosse entendida como uma liberdade concreta.

Como as particularidades da sociedade deveriam ser ignoradas em nome da liberdade formal, o Estado liberal passou a legislar com os olhos em um cidadão "sem rosto", ou que seria igual a todos, independentemente de suas sensíveis diferenças concretas. Diante disso, o princípio da igualdade formal – que não foi feito para o homem de carne e osso - trouxe uma série de discriminações e injustiças.

Nessa perspectiva, entendia-se que, para ser conservado o direito de ir a juízo, bastaria se dar ao cidadão o direito formal de apresentar sua pretensão em juízo e proibir o Estado de obstaculizar o exercício desse direito. Porém, pouco importava se o cidadão – aí também chamado de indivíduo-razão – teria condições econômicas de usufruir tal direito.

O direito ao poder judiciário era pensado – dentro da lógica do direito liberal – como direito que independeria da particular posição social ou da necessidade concreta do cidadão. Daí a idéia de uniformidade procedimental, ou melhor, da existência de um único procedimento para atender a tudo e a todos. Não pode haver dúvida, nesse sentido, que o procedimento ordinário traduz a idéia contida no mito da igualdade formal, conservando em si os fundamentos da ideologia liberal. [47]

2.4 A repercussão dos valores da economia liberal sobre a suficiência da tutela pelo equivalente

Não seria errado ver no art. 1.142 do Código Napoleão – segundo o qual toda obrigação de fazer e não-fazer resolve-se em perdas e danos em caso de inadimplemento do devedor – o reflexo dos princípios de liberdade e de defesa da personalidade, próprios do jusnaturalismo e do racionalismo iluminista. [48]

Mas, se não há como negar que, diante do direito liberal, há relação entre a incoercibilidade das obrigações e a preservação da "liberdade do homem", não se pode deixar de perceber que, dentro da lógica do liberalismo, há também um nexo entre a tutela pelo equivalente e os princípios da abstração das pessoas e dos bens.

Se os bens são equivalentes, e assim não merecem tratamento diversificado, a transformação do bem devido em dinheiro está de acordo com a lógica do sistema, cujo objetivo é apenas o de sancionar o faltoso, repristinando os mecanismos de mercado. Por outro lado, se o juiz não pode dar tratamento distinto às necessidades sociais, nada mais natural do que unificar tal forma de tratamento, dando ao lesado valor em dinheiro.

Se todos são iguais – e essa igualdade deve ser preservada no plano do contrato - não há razão para admitir uma intervenção mais incisa do juiz diante do inadimplemento, para que então seja assegurada a tutela específica (ou o adimplemento in natura). Se o princípio da igualdade formal atua da mesma forma diante do contrato e do processo, o juiz somente poderia conferir ao lesado a tutela pecuniária.

A sanção pecuniária teria a função de "igualizar" os bens e as necessidades, pois, se tudo é igual, inclusive os bens – os quais podem ser transformados em dinheiro -, não existiria motivo para pensar em tutela específica. No direito liberal, os limites impostos pelo ordenamento à autonomia privada são de conteúdo negativo, gozando dessa mesma natureza as tutelas pelo equivalente e ressarcitória [49]

As perdas e danos ou a tutela pelo equivalente seriam necessárias não só para manter o dogma da "neutralidade" do juiz, como também para manter em funcionamento os mecanismos de mercado. [50] É que no "mercado" pouco importam as qualidades do sujeito ou as dos bens, de modo que a tutela pecuniária, ao expressar apenas o custo econômico do valor da lesão, mantinha íntegros os mecanismos do próprio mercado, sem alterar a sua lógica. [51]

Sendo o princípio da igualdade formal imprescindível para a manutenção da liberdade e do bom funcionamento do mercado, não há como pensar em uma forma de tutela que tome em consideração determinados interesses socialmente relevantes, ou em uma forma de "tutela jurisdicional diferenciada", a revelar a necessidade de conferir "tratamento diferenciado" a diferentes situações e posições sociais.

Porém, é interessante perceber que o que igualizava as necessidades, no caso, não era a forma processual (procedimento), mas a tutela jurisdicional – pelo equivalente ou perdas e danos – que era entregue ao lesado. A partir dessa forma de tutela, perfeita dentro da lógica do direito liberal, é que o procedimento e, inclusive, as sentenças, eram desenhadas.

Essa forma de tutela não toma em consideração as diferentes necessidades e espécies de bens, ou mesmo pressupõe qualquer programa de proteção das posições sociais mais frágeis. Tal espécie de tutela jurisdicional, desejando apenas manter em funcionamento o mercado na perspectiva do princípio da igualdade formal, ignorava as características e as necessidades socialmente diversificadas dos contratantes, limitando-se a exprimir a equivalência das mercadorias. [52]

Se as pessoas são iguais, e não precisam ser tratadas de forma diferenciada, não há razão para pensar na tutela na forma específica, que assume importância apenas em um contexto de Estado preocupado em tratar de forma diferenciada determinadas situações já tomadas em consideração pelo direito material, garantindo àqueles que são proclamados titulares de determinados direitos o seu efetivo gozo.

Recorde-se que os direitos fundamentais, no constitucionalismo liberal-burguês, eram vistos somente como direitos de defesa contra o Estado. O direito liberal se importava com a defesa da liberdade do cidadão contra as eventuais agressões da autoridade estatal e não com as diferentes necessidades sociais do grupo. O Estado não dirigia uma política destinada a garantir determinadas necessidades sociais, não interferindo na sociedade e no processo econômico de modo a tutelá-las. [53]

Porém, a transformação da sociedade e do Estado fizeram surgir, ao cidadão, direitos fundamentais a prestação sociais, a proteção e à participação. Isso é resultado da incorporação da idéia de que a liberdade formal não basta, pois não é capaz de dar conta de uma sociedade complexa e conflitual. Para a liberdade ganhar valor, o Estado passa a proteger as posições sociais menos privilegiadas e a promover "medidas necessárias à transformação da sociedade numa perspectiva comunitariamente assumida de bem público". [54]

O direito do consumidor, por exemplo, pode ser visto como um direito fundamental a proteção. Ou seja, como um direito às prestações normativas capazes de impor condutas e proibir ações para a proteção do consumidor. Do lado dessa espécie de direito de proteção – concretizado em parte do CDC -, assume relevo, para a efetiva proteção do consumidor, a estruturação de técnicas processuais idôneas à sua efetiva proteção – também idealizadas no CDC.

Para que os direitos a proteção sejam respeitados, assume especial relevo a tutela específica, como meio de dar aos cidadãos o que efetivamente as normas lhes proporcionam. Perceba-se que o direito ambiental, ainda por exemplo, pode ser pensado – dentro da multifuncionalidade dos direitos fundamentais – como um direito a proteção. Ou melhor, o bem ambiental, visto como bem fundamental para a organização social, deve ser protegido por meio de normas autorizadoras e proibitivas. Mas, além disso, é preciso que o processo se estruture para viabilizar a tutela do meio ambiente, a qual evidentemente não pode implicar em mera sanção pecuniária.

Como é evidente, para a proteção desses direitos e para a realização das normas que objetivam lhes dar proteção, não há como pensar na lógica da abstração dos bens e das pessoas. Aqui, há consciência de que os bens e as pessoas merecem tratamento diferenciado, e assim assume importância a tutela específica e, conseqüentemente, a forma procedimental capaz de proporcioná-la.

Mas, mesmo pensando em contrato, não há coerência em supor, dentro do atual contexto de Estado, que é indiferente ao contratante receber o bem ou o seu equivalente em dinheiro. Supor que não importa receber o bem contratado é o mesmo que imaginar que a razão de ser do contrato não tem importância, o que certamente não é verdade.

Basta recordar as normas dos arts. 18, 19 e 20 do CDC, referentes à aquisição de produtos e à contratação de serviços entregues e prestados com vícios de qualidade e quantidade. No caso de vícios do produto e do serviço, garante-se ao consumidor, como tutelas na forma específica, a substituição das partes viciadas do bem (art. 18, CDC), a complementação do peso ou da medida do produto (art. 19, CDC), a substituição do produto (arts. 18 e 19, CDC) e a reexecução do serviço (art. 20, CDC).

Na sociedade de massa, torna-se imprescindível garantir ao consumidor o bem contratado, de modo que ele não seja prejudicado pela livre escolha do empresário. Ora, se não existe garantia de adimplemento in natura, torna-se livre ao empresário escolher entre a entrega do bem ou de seu equivalente em dinheiro. Na lógica do mercado, então, ficaria aberta ao empresário a possibilidade de pagar dinheiro, ao invés de entregar o bem contratado, em razão das "variações do mercado", o que é absurdo diante das necessidades e do direito fundamental do consumidor.

Como está claro, a universalização da tutela pelo equivalente e da indenização em dinheiro reflete um ordenamento jurídico neutro em relação aos direitos e à realidade social. A tutela específica, por supor uma consideração articulada e diferenciada dos interesses e das necessidades pelos quais se pede a tutela, não se conciliava com os princípios da abstração dos sujeitos e da equivalência dos valores, próprios do direito liberal. [55]

De modo que, se o processo civil deve ser visto à luz da história e do Estado a que se liga, não há como adiar a análise do tema das tutelas específicas (a qual, lembre-se, são várias, conforme será visto adiante) e das formas procedimentais com elas compatíveis.

2.5 A sentença condenatória como mecanismo "igualizador" das diferentes necessidades do direito material

Para a tutela pecuniária ou ressarcitória em dinheiro foi escolhida uma técnica processual, qual seja, a sentença condenatória.

Atualmente, há o péssimo vezo de se ignorar que o conceito de sentença condenatória é um conceito doutrinário formado à luz de certos valores, em especial daqueles presentes no direito liberal clássico.

Para se compreender o conceito de sentença condenatória é preciso tomar em conta os valores do momento em que foi concebido. Como foi explicado no item que precedeu, o direito liberal, para dar concretude a um princípio completamente artificial – o da abstração das pessoas e dos bens –, limitava-se a exprimir a equivalência das mercadorias. Nesse sentido, bastava a tutela pelo equivalente ou ressarcitória em dinheiro, pois o processo objetivava apenas dar normal funcionamento ao mercado.

Porém, agora também assume importância lembrar que, para limitar a atividade do judiciário, e assim não permitir a interferência do Estado-Juiz em algo que, ao que se supunha, não lhe dizia respeito, proibiu-se ao juiz ordenar sob pena de multa. Ou seja, a condenação foi ligada apenas aos meios de execução previstos na lei. Em relação à correlação necessária entre a condenação e os meios de execução tipificados na legislação, já restou demonstrado o seu nítido objetivo de proteção da liberdade contra a possibilidade de arbítrio do juiz. Com isso, desejou-se evidenciar que a ação de execução somente poderia se valer dos meios de execução expressos na lei e, assim, que o juiz não poderia determinar – ao contrário do que agora acontece diante dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC – a modalidade executiva que se mostrasse necessária diante do caso concreto.

Porém, quando se fixa a correlação entre a condenação e os meios de execução, pretende-se, fundamentalmente, demonstrar a forma através da qual a sentença pode atuar para modificar os fatos. Se o judiciário estava proibido de impor um fazer ou um não fazer [56] - não apenas porque isso constituiria um atentado contra a liberdade, mas também porque, diante dos princípios da abstração dos bens e dos sujeitos, tal não era desejado – a sentença não precisaria se ligar a meios de execução capazes de viabilizar a tutela específica, bastando ser capaz de exprimir os valores da sua época. Contudo, a sentença que não é adequada à prestação da tutela específica, ou capaz de atender às diferentes necessidades das pessoas e dos direitos, acaba por "igualizar" a própria prestação jurisdicional, o que era desejo do liberalismo.

Note-se que a "abstração" dos bens e das pessoas reflete sobre a própria tentativa de "abstração" dos procedimentos e das sentenças. Se tudo é igual, e assim não há necessidade de tutela diferenciada ou específica, basta um único procedimento, uma única sentença, e logicamente apenas os meios executivos tipificados na lei.

Alguém poderia dizer, então, que o fator "igualizador" estaria nos meios de execução postos na lei, e não na sentença. Acontece que a condenação não pode ser compreendida à distância dos meios de execução. Daí a importância do histórico para a sua compreensão.


3. A unificação entre as categorias da ilicitude e da responsabilidade civil e sua projeção sobre o processo civil

3.1 Explicação inicial

Existe um dogma – de origem romana – no sentido de que a tutela ressarcitória é a única forma de tutela contra o ilícito civil. [57] Isso quer dizer que a unificação entre as categorias da ilicitude e da responsabilidade civil, já realizada no direito romano, percorreu a história do direito, inclusive do direito processual civil, sem suscitar maior inquietude por parte da doutrina. Pior do que isso: chegou-se a identificar o ilícito com o ressarcimento em dinheiro.

A razão desse item é tentar demonstrar os motivos que conduziram à unificação entre o ilícito civil, o fato danoso e o ressarcimento em dinheiro, e, ainda, como essa unificação repercutiu sobre o processo civil.

Embora a história de tal unificação seja bastante antiga, é oportuno considerar a questão – especialmente no que aqui interessa – a partir do direito liberal clássico. Como visto, nessa época, diante da idéia de equivalência das mercadorias, entendia-se que o bem podia ser visto como uma "coisa" dotada de valor de troca [58]. Por isso mesmo, o valor da lesão era passível de aferição em pecúnia e, dessa forma, supunha-se que os direitos podiam ser adequadamente tutelados através do ressarcimento em dinheiro.

Diante disso, a técnica cautelar poderia ser pensada, no máximo, como garantidora da frutuosidade da tutela ressarcitória e, assim - ainda que o seu objetivo fosse o de espancar o periculum in mora - era obrigada a aceitar a violação do direito que deu origem ao pedido de ressarcimento.

Isso significa que a técnica processual que atuava em face do periculum in mora não se destinava à prestação de tutela de inibição do ilícito [59]. O liberalismo clássico não tinha necessidade – diante dos direitos e bens que considerava – nem a possibilidade – em razão da maneira como enxergava as relações entre o Estado e os particulares – de conferir função realmente preventiva ao processo de conhecimento. Sendo assim, a ilicitude, diante do processo civil, podia ser reduzida à responsabilidade civil.

Porém, associar ato contrário ao direito, dano e dinheiro não significa somente negar a tutela inibitória, mas sobretudo não perceber que o dever de reparar não pode se confundir com as formas de reparação, e que há atos contrários ao direito que, ainda que não produzindo danos, não podem deixar de ser sancionados pelo processo civil.

O dever de reparar não pode ser identificado com uma obrigação de pagar soma em dinheiro. Não apenas porque a obrigação de reparar é, em regra, uma obrigação de fazer, mas sobretudo porque, se tal maneira de ver o dano era natural ao direito liberal, ela é completamente imprópria às novas situações de direito substancial. Pense-se, por exemplo, no direito ambiental, em que o ressarcimento em dinheiro jamais terá a mesma efetividade do que o ressarcimento na forma específica.

É preciso deixar claro, assim, que se a reparação constitui tutela contra o dano, existem duas formas para a sua prestação, uma vez que a tutela ressarcitória pode ser concedida em dinheiro ou na forma específica.

Contudo, se o dano abre ensejo à reparação, cabe investigar a tutela que deve incidir em relação ao ato contrário ao direito que não produziu dano. Perceba-se que a questão não pergunta sobre a tutela que seria efetiva para evitar o ato contrário ao direito ou para reparar o dano, mas sim sobre a tutela que seria adequada para remover o ato contrário ao direito e, por conseqüência lógica, impedir o dano.

O desenvolvimento do raciocínio, no caso, encontraria um obstáculo, que seria consistente em saber se realmente existe, no plano do direito substancial, um ilícito civil que não tenha repercussão danosa. Mas, a superação de tal obstáculo não é difícil.

Atualmente, diante da transformação do Estado, a tipificação de condutas contrárias ao direito também constitui decorrência do dever de proteção do Estado em relação a determinados bens e situações imprescindíveis para a justa organização social. É o caso, por exemplo, das normas de proteção à saúde, de proteção ao consumidor ou de proteção ao meio ambiente. Tais normas, em tese, poderiam ser sancionadas pelo processo penal. Contudo, não há como imaginar que o processo civil, diante da sociedade contemporânea, deva lavar as mãos em relação aos ilícitos - como se não tivesse o dever de contribuir para a efetividade das normas -, resignando-se à função de dar reparação aos danos.

Veja-se apenas um exemplo. No caso de norma que proíbe a venda de produto nocivo à saúde do consumidor, a exposição à venda de produto com essa qualidade constitui ato contrário ao direito, embora não configure dano. Diante da exposição ilícita, o legitimado à tutela dos direitos do consumidor (art. 82, CDC) certamente poderá propor ação coletiva de busca e apreensão dos produtos. Nesse caso, embora o ato contrário ao direito já tenha ocorrido, ninguém poderá pensar em tutela ressarcitória. Entretanto, a busca e apreensão, aí, também não será anterior ao ato contrário ao direito. A busca e apreensão, assim, será uma tutela de remoção do ilícito, tendo a capacidade de impedir, em razão da restauração do conteúdo da norma que havia sido inobservada, a produção do dano.

Quando o ilícito civil é identificado com o dano, conclui-se, de forma apressada, que não há ato contrário ao direito que, não provocando dano, deva ser sancionado civilmente. O dano é uma conseqüência meramente eventual do ato contrário ao direito, pois esse último pode, ou não, gerá-lo. O fato de uma transgressão não ter produzido dano, não permite que o processo civil possa deixá-la de lado, como se não mais importasse ou tivesse significação. Quando se toma em consideração a função de proteção das normas jurídicas não-penais, não é difícil perceber que, em determinados casos, um ilícito – ainda que configurando ação que se exaure em um único instante – pode possuir eficácia continuada, como no caso de exposição à venda de produtos nocivos à saúde do consumidor.

Aliás, mesmo no plano dos direitos individuais, não há como ignorar a necessidade de isolar uma tutela jurisdicional que se preocupe somente com o ato contrário ao direito. Imagine-se a tutela de busca e apreensão de produtos que evidenciam contrafação de marca comercial ou a tutela que determina a retirada de cartazes publicitários que configuram concorrência desleal [60]. Nesses dois casos, a tutela ressarcitória, ainda que viável em vista da possibilidade de os ilícitos terem gerado danos, não elimina a necessidade da busca e apreensão e da retirada dos cartazes, as quais constituem tutelas de remoção do ilícito.

O exemplo da concorrência desleal é importante para a demonstração do impacto da evolução da sociedade e do direito material sobre a dissociação entre ato contrário ao direito e dano. Diante da exposição de propaganda que configure concorrência desleal, é muito mais importante ao empresário obter a retirada de circulação da propaganda do que ser indenizado pelo dano ocasionado. Isso porque, a preservação de uma marca, de um invento ou mesmo da significação do trabalho de uma empresa, é fundamental para sua sobrevivência no mercado. Pouco adiantaria ao empresário obter indenização após sua empresa ter fechado as portas. Além disso, o valor agregado a uma marca, a um invento ou a vida de uma empresa, dificilmente poderá ser precisado e quantificado em dinheiro. Melhor: tal valor não se concilia com o ressarcimento e, assim, esse somente deve ser aceito quando impossível evitar o dano – ou seja, como última alternativa. Nesse caso, o ideal, diante do ato contrário ao direito, é a ação de remoção do ilícito. Essa ação conduzirá – obviamente que no caso de procedência – à remoção do ilícito, e não ao ressarcimento. Note-se que remover o ilícito é secar a fonte dos danos. [61] Essa ação, portanto, terá o objetivo de remover o ilícito e, por conseqüência, impedir que danos ocorram. Entretanto, se danos já ocorreram, nada impede que se peça remoção do ilícito mais ressarcimento dos danos ocasionados.

3.2.A função do processo de conhecimento clássico. Sua insensibilidade para a necessidade de prevenção do direito

O processo, como instrumento, serve a um fim. De modo que a sua função e estrutura dependem de seu objetivo. Isso quer dizer que a função e a estrutura do processo de conhecimento clássico são conseqüências da finalidade que lhe foi atribuída por aqueles que o moldaram.

Assim, a pergunta respeitante à função do processo civil clássico exige, como antecedente lógico, a análise dos objetivos do Estado liberal e, assim, o simples retorno aos valores que o inspiraram.

Cabe voltar a frisar, dessa forma, que o direito liberal clássico, além de eminentemente patrimonialista, era marcado pela preocupação fundamental de delimitar rigidamente os poderes de interferência do Estado na esfera jurídica dos particulares.

Pois bem, quando se parte da suposição que o bem jurídico a ser protegido pelo processo pode ser reduzido a uma "coisa" dotada de valor de troca, e que o juiz deve ter os seus poderes limitados - para não interferir na esfera jurídica privada -, o processo civil não só não precisa, como também não pode, exercer função preventiva.

A condenação foi pensada para o caso de violação, ao passo que a sentença que é suficiente por si só – como a declaratória -, e assim não precisa interferir na realidade dos fatos, é completamente incapaz de evitar o ilícito ou o dano. Para que a função preventiva fosse possível – se desejável, deixe-se claro – seria necessário dar ao juiz o poder de ordenar mediante coerção indireta – o que, como já foi demonstrado, foi expressamente vedado pelo Código Napoleão.

Mas, se as sentenças do processo de conhecimento clássico eram evidentemente incapazes de conferir prevenção, alguém poderia perguntar sobre a tutela cautelar, diante da sua conhecida relação com o periculum in mora. Tal pergunta exige breve exercício de lógica. A doutrina sempre viu na cautelar uma garantia de efetividade do processo de conhecimento. Daí ter afirmado sua natureza instrumental. Porém, se a tutela do processo de conhecimento não é preventiva, a cautelar não pode assumir tal função. Não apenas porque aí a cautelar estaria exercendo exatamente a função não desejada e permitida pelos valores liberais, mas também porque uma providência instrumental não pode ser usada para alcançar algo (prevenir) que a própria tutela final está impossibilitada de conceder.

A essa altura, certamente algumas dúvidas aparecerão, dada a associação da tutela cautelar com o perigo e a idéia de que tudo o que tutela contra o perigo possui função preventiva [62]. Assim, para que o discurso se torne mais claro, é imprescindível desfazer tal equívoco. A tutela cautelar, ainda que voltada contra o perigo, foi moldada para impedir que a demora do processo pudesse retirar a utilidade da tutela jurisdicional final. A tutela cautelar, quando concebida, não poderia ter o fim de evitar a violação do direito, pois nem mesmo o processo de conhecimento clássico foi pensado e estruturado para tanto. Ora, se o processo de conhecimento não tem como fim evitar a violação do direito, não há como admitir, por lógica, que uma tutela que a ele deve servir possa ultrapassar a sua função, outorgando tutela inibitória. Note-se, em primeiro lugar, que a tutela cautelar, ao servir a uma tutela ressarcitória, era obrigada a aceitar a ocorrência da violação do direito necessária para legitimar a própria ação ressarcitória. Após algum tempo, a tutela cautelar passou a ser usada para evitar que, durante o tempo do processo, a violação que abriu ensejo ao interesse de agir na tutela repressiva trouxesse outras conseqüências danosas ao autor. Mas, o que importa, é que a tutela cautelar sempre foi pensada em relação a uma ação de conhecimento que admitia a violação do direito.

Como diz Adolfo di Majo, a tutela cautelar inominada do art. 700 do CPC italiano (cuja redação é semelhante a do art. 798 do CPC brasileiro) pressupõe que uma violação já tenha ocorrido, e não que seja simplesmente objeto de ameaça ou que em relação a ela existam meros indícios. Segundo o jurista, a tutela cautelar não foi instituída para evitar a violação do direito, mas sim porque a violação pode trazer conseqüências que podem constituir prejuízos não reparáveis através da tutela final. [63]

Como está claro, diante dos valores que permearam o processo civil clássico, a função da tutela jurisdicional restou limitada à repressão – como era natural.

3.3 A dita função preventiva da ação declaratória, o liberalismo clássico e a escola sistemática

Das sentenças da classificação trinária, a sentença declaratória, por ser admitida antes da violação de um direito, e assim para a sua simples declaração, foi admitida como tendo natureza preventiva.

Porém, a afirmação de que a sentença declaratória possui função preventiva somente pode ser compreendida quando se constata que essa era a única sentença da classificação trinária que podia chegar perto da prevenção – embora não pudesse a exercer com efetividade, diante de suas limitações.

Barbosa Moreira, ao analisar de forma crítica a dita função preventiva da sentença declaratória, adverte que ela somente poderá exercer com efetividade essa função [64] "desde que a parte vencida saia também convencida e se resolva a cumprir a obrigação em tempo oportuno". [65] Tal sentença, porém, não tem por força para atuar sobre a vontade do réu para impedi-lo de praticar o ilícito. Conforme acrescentou Barbosa Moreira, como meio de intimidação, e pois de coerção, "o remédio é fraco: basta pensar que, na eventualidade do inadimplemento, o titular do direito lesado terá de voltar a juízo para pleitear a condenação do infrator, ao qual se concede assim uma folga em boa medida tranqüilizadora". [66]

Ou seja, a sentença declaratória é dependente do cumprimento voluntário do demandado, pois, em caso contrário, nada poderá impedi-lo de praticar o ilícito, quando restaria ao ofendido apenas a pífia possibilidade de propor ação condenatória contra o infrator.

Nesse momento, porém, não interessa apenas demonstrar a inefetividade da sentença declaratória para atuar diante da ameaça de violação, mas sobretudo perceber as razões que levaram à suposição de que tal espécie de sentença teria função preventiva.

Se a sentença mandamental não podia ser admitida pelo Estado liberal, a sentença declaratória era perfeita às suas intenções. Essa sentença possui laços visíveis com o modelo de Estado de Direito de matriz liberal [67], pois não incide sobre a vontade do réu – e assim o Estado-Juiz não interfere na esfera jurídica do particular -, limitando-se apenas a declarar algo sobre uma relação jurídica [68] – quando o Estado-Juiz atua sobre uma relação jurídica já formada pela autonomia das vontades. Se a sentença que ordena sob pena de multa (mandamental) faz com que o juiz atue sobre a vontade do réu para, por exemplo, assegurar o adimplemento da obrigação in natura, a sentença declaratória se limita a regular, formalmente, a relação jurídica que foi criada a partir da livre vontade dos particulares.

Contudo, ainda que destinada apenas a regular formalmente uma relação jurídica já formada pela autonomia das vontades, a sentença declaratória, por ser admitida antes da violação do direito, para dar certeza a uma relação jurídica incerta em sua existência ou conteúdo, passou a ser vista como tendo algo de preventivo, embora sua evidente falta de efetividade para impedir o ilícito - conforme já demonstrado.

Mas, a ligação da declaração com a prevenção não está relacionada apenas com os valores do liberalismo clássico, mas também com os pressupostos da escola chiovendiana. Com efeito, não há como negar que a necessidade de demonstração de que a ação não se confunde com o direito material teve importante papel para a identificação de um fim preventivo na ação declaratória. [69]

A teoria de Chiovenda, preocupada em demonstrar a autonomia da ação em relação ao direito material, encontrou na ação declaratória um ponto favorável para a consecução de seu objetivo. Sabe-se que Chiovenda discordou da teoria de Redenti sobre o fim sancionatório da justiça civil, exatamente porque, ao aceitar a tese de Wach, que demonstrava uma relação teórica entre a autonomia do direito de ação e a ação declaratória, concluiu que a ação declaratória não supõe a violação de um direito e não tem por fim aplicar uma sanção. [70]

A ação declaratória, além de permitir a demonstração da autonomia da ação, destacou, definitivamente, a ação da violação do direito. Já que aqui interessam as bases da escola sistemática, cabe recordar, para demonstrar a relação entre essa escola e a prevenção, a "prolusione" proferida por Chiovenda na Universidade de Bolonha em 3 de fevereiro de 1903: "É verdade que a ação pode ser coordenada à satisfação de um direito subjetivo, mas não necessariamente. Aqui interessa expor sumariamente os casos nos quais o poder de pedir a atuação da lei aparece coordenado a um simples interesse, portanto como um direito em si mesmo, independente de algum outro direito (...) O mesmo ocorre nas ações declaratórias positiva e negativa, admitidas também em nossa lei, seja em casos particulares, seja como figura geral, em virtude do art. 36 do CPC, e que constituem figuras distintas seja dos ‘giudizi preventivi’, seja dos abolidos ‘giudizi di giattanza’. Quando alguém pede que se declare a existência de uma relação jurídica, sem aspirar a outros efeitos jurídicos, que não aqueles imediatamente derivados da declaração, não afirma algum direito subjetivo contra o adversário que não o próprio direito de ação, coordenado a um interesse de declaração; qualquer tentativa de dar um outro conteúdo a esse direito é inútil, porque precisamente a declaração judicial a que se tende não é prestação que se possa pretender do réu. E isso por razões mais fortes, quando a ação é coordenada a um interesse de declaração negativa, isto é, à declaração da não existência de uma relação jurídica". [71]

A sentença declaratória tem uma nítida relação com o Estado de Direito de matriz liberal e com a escola sistemática, especialmente com a sua preocupação de isolar a ação do direito material, resultado para o qual foi decisiva a demonstração de que a declaração pode ser pedida independentemente da violação do direito. Ou melhor, a afirmação da natureza preventiva da sentença declaratória derivou da necessidade de se destacar a ação da violação do direito, para se demonstrar a autonomia da ação frente ao direito material e, assim, para se inserir a ação em uma perspectiva publicista.

3.4.A inidoneidade do processo civil para a prestação da tutela ressarcitória na forma específica

Não é possível confundir o dever de ressarcir – que é o reflexo do dano – com as formas que podem ser utilizadas para viabilizar o ressarcimento. O ressarcimento pode ser prestado mediante equivalente em dinheiro ao valor do dano ou na forma específica.

É natural que o regime que supõe que os bens jurídicos podem ser reduzidos a pecúnia assimile ressarcimento com dinheiro ou não se preocupe com formas processuais capazes de permitir a efetividade do ressarcimento na forma específica.

Como adverte Jorge Mosset Iturraspe - um dos mais respeitados civilistas da Argentina -, não admitir o ressarcimento na forma específica significa supor que, com dinheiro, "tudo seja possível", o que traduziria uma concepção "materialista em excesso" e apegada a uma infundada defesa da liberdade individual do devedor, a qual então poderia se vincular à tese do "dever livre". [72] Essa tese, atribuída a Brunetti, sustenta que o devedor, no caso de inadimplemento, tem a faculdade de adimplir a sentença na forma específica ou deixar que o credor se satisfaça com seus bens, o que seria um "dever livre", e não um verdadeiro "dever jurídico". [73]

Embora o processo civil mais recente tenha admitido uma forma para a realização coativa da sentença que impõe um fazer – a chamada ação de execução da sentença que condena a um fazer -, e sendo certo que reparar implica, em regra, em fazer, o fato é que, na prática forense, ninguém se aventurava a pedir reparação na forma específica através de sentença condenatória. Se essa sentença, no caso de inadimplemento, tem que ser executada por meio de ação de execução, e essa última, no caso de persistir a inércia do devedor, abre oportunidade – após a realização de uma complicada e demorada concorrência – para que um terceiro faça aquilo que deveria ter sido feito pelo devedor - e é lógico que ninguém irá fazer nada sem ser pago -, chega mesmo a ser absurdo pensar que tal forma processual tenha sido instituída para viabilizar o ressarcimento na forma específica.

Na realidade, tal forma processual, embora ao menos ligada à importância do ressarcimento na forma específica, manteve-se presa à idéia de que o uso da multa poderia violar a liberdade individual do devedor.

Não é possível identificar responsabilidade de reparar com obrigação de pagar. Se a vontade do infrator continuar a ser concebida como incoercível, ou se a multa não puder ser utilizada para convencê-lo a reparar ou a custear o valor da reparação, ele prosseguirá com a faculdade de reparar na forma específica ou deixar que o lesado procure o ressarcimento do dano em seu patrimônio, como se tivesse um "dever livre", e não um dever de reparar.

Há casos em que o infrator possui condições técnicas para proceder a reparação, embora a reparação possa ser feita por terceiro. Nessas hipóteses, a multa obviamente pode ser utilizada para obrigá-lo a reparar. Em outras situações, diante da incapacidade técnica do infrator, a reparação necessariamente terá que ser feita por terceiro. Porém, o fato de a reparação ter que ser feita por terceiro, não extingue o dever de reparar do infrator, que assim deve custear o valor da reparação. Como essa obrigação de custeio – eminentemente acessória – somente pode ser cumprida com efetividade se o juiz puder agir sobre a vontade do infrator, aí a multa também não pode ser dispensada.

Há hipóteses, ainda, em que o ressarcimento depende de atuação do ofensor, ou melhor, que o ressarcimento (na forma específica, é claro) somente pode ocorrer se o infrator for convencido a fazer. No caso em que o lesado por notícia veiculada em jornal precisa de retificação para que o seu direito seja reparado, a sentença somente terá razão de ser se tiver força suficiente para constranger o demandado a fazer (retificar), quando a imprescindibilidade do uso da multa para dar efetividade ao ressarcimento na forma específica é evidente.

Como está claro, a única forma processual para se dar concretude ao direito ao ressarcimento na forma específica é a multa – também conhecida como astreintes. Ela somente foi deixada de lado, preferindo-se outras formas processuais, em virtude de valores que não enxergavam a importância do ressarcimento na forma específica e viam no uso da multa algo que atentava contra a liberdade individual do infrator.

3.5 A inadequação da ação cautelar para a prestação das tutelas inibitória e de remoção do ilícito

A inadequação da ação cautelar para inibir ou remover o ilícito, se possui nítida relação com os fundamentos do direito liberal clássico, pode ser facilmente evidenciada diante da constatação de que a inibição ou a remoção do ilícito jamais constituirão tutelas instrumentais ou assecuratórias de qualquer outra modalidade de tutela, muito menos da ressarcitória.

A ação cautelar não é adequada para a inibição do ilícito, eis que a tutela inibitória não pode ser considerada instrumento de nenhuma das tutelas que podem ser prestadas ao final do processo de conhecimento. [73]

É pouco mais do que absurdo imaginar que a tutela inibitória possa ser um instrumento da tutela ressarcitória, pois essa última aceita a violação do direito. O que é preciso, para uma efetiva tutela inibitória, é uma ação de conhecimento que possa prestá-la. Para tanto, é necessário um procedimento com técnica antecipatória e sentença a ela adequada (mandamental ou executiva), que pode ser construído com base nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC. E, mais do que isso, uma elaboração dogmática voltada a essa realidade.

Por outro lado, como o direito brasileiro jamais isolou uma tutela voltada a remover o ilícito, imaginou-se que a sua natureza fosse cautelar. Mas, não é difícil perceber, isso é conseqüência da ausência de distinção entre o dano e o ilícito. Como a remoção do ilícito impede, por conseqüência da restauração do conteúdo da norma violada, a produção do dano, confundiu-se tutela contra o ilícito (remoção do ilícito) e tutela contra o dano. Note-se, por exemplo, que a ação de busca e apreensão, ao tomar em consideração ato contrário ao direito, constitui ação de remoção do ilícito, que satisfaz por si mesma. Se essa ação, ao remover o ilícito, acaba colaborando com a prevenção, a verdade é que o seu fundamento não está na probabilidade do dano, mas sim na prática do ilícito. O autor, nessa ação, deve afirmar que foi praticado um ilícito de eficácia continuada que deve ser removido, e não simplesmente que há ameaça de dano. Frise-se, ainda que no presente momento apenas para esclarecer, que a produção de prova da ocorrência do ilícito é muito mais fácil do que a produção de prova da probabilidade do dano.

Se algumas cautelares foram chamadas de "ações cautelares satisfativas", isso ocorreu pelo motivo de que, muitas vezes, eram "satisfativas" do direito à inibição ou a remoção do ilícito. A expressão "satisfativa", aí, pode ser compreendida no sentido leigo, de satisfação. Tais tutelas eram "satisfativas" porque "bastavam", ou eram "suficientes", ao autor. Somente exigiam "ações principais" porque rotuladas de cautelar, ou melhor, porque somente podiam ser buscadas com esse rótulo, o qual indicava a necessidade da propositura da "ação principal" (cf. art. 806 do CPC).

É claro que a tutela de remoção do ilícito, ao se voltar contra um ato contrário ao direito já ocorrido, e assim evitar os danos que poderiam decorrer do ilícito removido, acaba exercendo função preventiva. Mas, essa tutela, assim como a tutela inibitória, nada tem a ver com um processo principal.

Não há dúvida, assim, de que o uso satisfativo, e assim desvirtuado, da ação cautelar, decorreu do fato de que tal ação, tendo sido pensada em outro contexto, não foi imaginada para inibir ou remover o ilícito.

As ações inibitória e de remoção do ilícito são autônomas, e assim devem ser veiculadas através do processo de conhecimento, especificamente por intermédio de um procedimento dotado de técnica antecipatória e das sentenças mandamental e executiva. Atualmente, diante de uma leitura adequada dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, não há como ignorar que os direitos à inibição e à remoção do ilícito podem ser efetivamente exercidos através de ação de conhecimento, o que não mais justifica o uso distorcido da ação cautelar.

Frise-se que, se a ação cautelar foi utilizada de forma distorcida – como será visto de maneira mais clara a seguir -, isso ocorreu pelo motivo de que o processo de conhecimento clássico era inidôneo para prestar as tutelas inibitória e de remoção do ilícito. Ou seja, o problema do uso anômalo da ação cautelar está na própria estrutura do processo de conhecimento, marcada – como amplamente já demonstrado – por valores incompatíveis com a necessidade de prevenção dos direitos.


Notas

1 Ver Giovanni Tarello, Storia della cultura giuridica moderna, Bologna, Il Mulino, 1976, p. 278 e ss.

2 Montesquieu, Do espírito das leis, São Paulo, Abril Cultural, 1973, p. 160.

3 Montesquieu, Do espírito das leis, cit., p. 158.

4 Montesquieu, Do espírito das leis, cit., p. 160.

5 Cf. Giovanni Tarello, Storia della cultura giuridica moderna, cit., p. 280.

6 Disse ainda Montesquieu: "não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do poder executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor" (Montesquieu, Do espírito das leis, cit., p. 157).

7 Montesquieu, Do espírito das leis, cit., p. 160.

8 Montesquieu, ao explicar o funcionamento de uma Constituição na qual o poder controla o poder, além de indicar os poderes, estabelece quais e quantos são os poderes que, em uma Constituição voltada a garantir a liberdade do cidadão, devem estar delineados de modo a propiciar um mútuo controle. Afirma, então, que os poderes não devem ser diversos nos diferentes Estados, mas sempre e somente três: o Poder Legislativo, o Poder Executivo das coisas que dependem do direito das gentes e o Poder Executivo das coisas que dependem do direito civil. O poder "executivo das coisas que dependem do direito civil" é chamado de "poder de julgar". Nesse momento, aliás, a expressão "poder de julgar", ou "poder judiciário", incorpora-se ao vocabulário jurídico-político. O "poder de julgar" é exercido através de uma atividade puramente intelectual, e não produtiva de "direitos novos". Essa atividade não é apenas limitada pela legislação, mas também pela atividade executiva, que, objetivando a segurança pública, abarca igualmente a atividade de execução material das decisões que constituem o conteúdo do "poder de julgar". Não é por razões diversas que Montesquieu acaba por afirmar que o "poder de julgar" é, "de qualquer modo, um poder nulo" (Cf. Giovanni Tarello, Storia della cultura giuridica moderna, cit., p. 288).

9 Como os magistrados anteriores à Revolução Francesa eram considerados aliados da nobreza e do clero, a burguesia nutria justificada desconfiança em relação aos juízes. Daí mais uma razão para se pretender manter o judiciário submisso ao legislativo e destituído de poderes de execução.

10 Montesquieu, Do espírito das leis, cit., p. 157

11 Cf. Giovanni Tarello, Storia della cultura giuridica moderna, cit., p. 288

12 José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), Coimbra, Almedina, 1988, p. 274.

13 Angelo Chianale, Diritto soggettivo e tutela in forma specifica, Milano, Giuffrè, 1993, p. 56.

14 Na Lei 91-650, de 9 de julho de 1991, o ordenamento francês traça com precisão os contornos das astreintes, esclarecendo as suas características e a forma de sua atuação. No primeiro artigo da Seção 6 – do Capítulo II, da Lei 91-650, de 9 de julho de 1991 –, intitulada "L’astreinte", afirma-se que "todo juiz pode, mesmo de ofício, ordenar uma astreinte para assegurar a execução de sua decisão" (art. 33). No artigo seguinte, evidencia-se que a "astreinte é independente da indenização".

15 Ver Henri Mazeaud, León Mazeaud e André Tunc, Traité théorique et pratique de la responsabilité civile délictuelle et contractuelle, Paris, Éditions Montchrestien, 1960, v. 3, p. 640-641.

16 Crisanto Mandrioli, L’azione esecutiva, Milano, Giuffrè, 1955.

17 Gian Antonio Micheli, Corso di diritto processuale civile. Milano : Giuffrè, 1959, v. 1, p. 48.

18 Crisanto Mandrioli, L’esecuzione specifica dell’ordine di reintegrazione nel posto di lavoro, Rivista di Diritto Processuale, 1975, p. 23.

19 Vittorio Denti, Il processo di cognizione nella storia delle riforme, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1993, p. 808.

20 Giuseppe Chiovenda, Le forme nella difesa giudiziale del diritto, 1901.

21 Vittorio Denti, Il processo di cognizione nella storia delle riforme, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1993, p. 808.

22 Piero Calamandrei, Verità e verosimiglianza nel processo civile, Rivista di Diritto Processuale, 1955, p. 166.

23 Luiz Guilherme Marinoni, Novas linhas do processo civil, São Paulo, Malheiros, 2000, 4ª. ed., p. 43.

24 Luiz Guilherme Marinoni, Novas linhas do processo civil, cit., p. 44.

25 Como dizia Carnelutti, "la preordinazione della cognizione all’esecuzione" se exprime "con la formula della condanna" (Diritto e processo. Napoli : Morano, 1958, p. 49).

26 O objetivo do princípio da nulla executio sine titulo foi o de evidenciar não apenas que a execução não poderia ser iniciada sem título, mas também que esse deveria conter em si um direito declarado, sem deixar margem para qualquer situação de incerteza. Veja-se, por exemplo, a doutrina de Furno: "A impossibilidade de recorrer diretamente à via executiva e a necessidade conseqüente de obter um título executivo judicial através de um processo de conhecimento se explicam facilmente pela existência de uma situação jurídica substancial caracterizada pelo elemento de incerteza. Com base neste segundo pressuposto, dada a necessidade de se eliminar a incerteza sobre a situação jurídica substancial, a ação não pode ser exercida senão em via declaratória, a fim de que o antecedente lógico-jurídico da execução, que é a aptidão da ação para ser exercida in executivis, encontre sua base na declaração e sua realização na criação do título que condiciona a instauração da via executiva" (Carlo Furno, Teoría de la prueba legal, Madrid, Editorial Revista de Derecho Privado, 1954, p. 190).

27 Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil. São Paulo : Saraiva, 1965, v. 1, p. 234-235.

28 "La certezza del diritto eseguibile infatti non è in alcun modo in relazione necessaria con la stabilità, la immutabilità dell’accertamento che condotto sul diritto ha portato alla conclusione che esso veramente esiste tra quei dati soggetti e con quel dato contenuto e oggetto. Non lo è per i titoli giudiziali, e ancor meno lo è per i titoli stragiudiziali. Quanto ai primi, la sola esistenza dell’istituto della esecuzione provvisoria (sempre meno fondata sull’alta probabilità di esattezza del giudizio di merito da quando la si va estendendo ex lege a provvedimenti di primo grado o di prima sommaria fase) già mostra in luce meridiana l’esattezza di quanto qua osservato" (Sergio La China, Esecuzione forzata, Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 13, p. 3).

29 Como já afirmamos há quase dez anos, nada impede que o legislador atribua eficácia executiva a uma decisão fundada em verossimilhança, pois o título não deve ser visto como algo que decorre da existência do direito, mas sim como uma simples opção pela sua realização concreta (Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela, cit., p. 231)

30 Vittorio Denti, La giustizia civile, Bologna, Il Mulino, 1987, p. 32.

31 Ver Piero Calamandrei. Lodovico Mortara. Studi sul processo civile. Padova : Cedam, 1957, v. 4, p. 211 e ss; Francesco Carnelutti, Scuola italiana del processo, Rivista di Diritto Processuale, 1947, p. 233-247; Giovanni Tesorieri, Appunti per una storia della scienza del processo civile in Italia dall’unificazione ad oggi (I pre-chiovendiani). Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1972, p. 1.340-1.348; Michele Taruffo, La giustizia civile in Italia dal’700 a oggi. Bologna : Il Mulino, 1980, p. 187; Elio Fazzalari, Lodovico Mortara nella cultura processualistica italiana. Rivista di Diritto Processuale, 1997, p. 303 e ss; Vittorio Colesanti, Lodovico Mortara e le riforme processuali. La prima fase (1901-1912). Rivista di Diritto Processuale, 1997, p. 675 e ss; Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 14 e ss; Gabriella Rubino, L’Accademia dei Lincei celebra Lodovico Mortara. Rivista di Diritto Processuale, 1997, p. 573 e ss.

32 Piero Calamandrei, Gli studi di diritto processuale in Italia nell’ultimo trentennio, Opere Giuridiche. Napoli: Morano, 1965, v. 1, p. 525.

33 Como disse Carnelutti, "occorreva, a tal fine, non tanto modificare quanto addirittura capovolgere il metodo dello studio del processo in Italia, da un capo insegnando a collegare, attraverso l’indagine storica, la foce alla fonte dell’evoluzione processuale; dall’altra, attraverso la costruzione dogmatica, le norme con i principi. Il che a nessuno sarebbe riuscito, che non possedesse la mirabile cultura, storica e dogmatica, la infaticabile tenacia e la impareggiabile autorità, delle quali Chiovenda era dotato" (Francesco Carnelutti, Scuola italiana del processo, Rivista di Diritto Processuale, 1947, p. 240).

34 Giuseppe Chiovenda, Ludovico Mortara, Rivista di Diritto Processuale Civile, 1937, p. 101.

35 Ver Amedeo Giannini, Gli studi di diritto processuale in Italia, Rivista Trimestale di Diritto e Procedura Civile, 1949. p. 108 e ss.

36 Ver Salvatore Satta, Dalla procedura civile al diritto processuale civile. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1964, p. 29-30.

37 "l’azione non è piú una sorta di appendice del diritto sostanziale privato, ma un diritto autonomo di natura pubblica, che mira a produrre conseguenze giuridiche nella sfera della controparte (donde la nota definizione dell’azione come diritto potestativo), ma che soprattutto chiama in gioco l’autorità dello Stato come tramite e garante dell’attuazione della legge" (Michele Taruffo, La giustizia civile in Italia dal’700 a oggi, Bologna, Il Mulino, 1980, p. 188).

38 Michele Taruffo, La giustizia civile in Italia dal’700 a oggi, cit., p. 186.

39 Cf. Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 217.

40 Francesco Carnelutti, Sistema del diritto processuale civile, Padova, Cedam, 1939, v. 3, p. 9.

41 Salvatore Satta, Diritto Processuale Civile, Padova, Cedam, 1987, v. 1, p. 755

42 Ver Laércio A Becker, Contratos Bancários – Execuções Especiais, São Paulo, Malheiros, 2002, p. 206 e ss.

43 Ver Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, Napoli, Jovene, 1994, p. 6.

44 Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, cit., p. 6.

45 Como adverte Proto Pisani, "perché sia assicurata la tutela giurisdizionale di una determinata situazione di vantaggio violata, non basta que a livello di diritto processuale sia predisposto un procedimento quale che sia, ma è necessário che il titolare della situazione di vantaggio violata (o di cui si minaccia la violazione) possa utilizzare un procedimento (o più procedimenti) strutturato in modo tale da potergli fornire uma tutela effettiva e non meramente formale o astratta del suo diritto. Specificando, quindi, quanto detto poco fa, é possibile ora dire che il diritto sostanziale – sul piano della effettività, della giuridicità, non della sola declamazione contenuta nella carta stampata – esiste nella misura in cui il diritto processuale predispone procedimenti, forme di tutela giurisdizionale adeguate agli specifici bisogni di tutela delle singole situazioni di vantaggio affermate dalle norme sostanziali" (Andrea Proto Pisani, Lezioni di Diritto Processuale Civile, cit., p. 6).

46 Andrea Proto Pisani, Appunti sulla giustizia civile, Bari, Cacucci, 1982, p. 24.

47 Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, Napoli, Jovene, 1978, p. 36.

48 Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 37.

49 "I soggetti dello scambio sono liberi di autodeterminarsi attraverso il contratto e debbono soltanto rispettare le regole del giuoco, le quali sono concepite nel presupposto della parità formale dei contraenti e non impongono di adequare il regolamento d’interessi a parametri di valutazione sociale. I limiti posti dall’ordinamento all’autonomia dei privati appaiono come limiti squisitamente negativi. Così è per il divieto di conformare il negozio in contrasto con le norme imperative e per la corrispondente sanzione della nullità. Ma così è anche per la misura del risarcimento del danno che consegue all’inattuazione dello scambio" (Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 37-38).

50 Como escreve Adolfo di Majo: "le dottrine giuridiche dell’Ottocento, dopo la parentesi medioevale, recuperano appieno il principio romanistico (della prevalenza) della condemnatio pecuniaria, dovendo apparire, questa prevalenza, come la più funzionale alle esigenze del mercato. Nel mercato, com’è noto, non contano le qualità dei soggetti né quelle dei valori od interessi in esso presenti (astrattezza dei valori). In presenza di atti e/o di fatti che comportano inadempimento di obblighi e/o violazioni di diritti, la linea tendenziale è di imporre al responsabile il mero ‘costo economico’ di sifatti comportamenti, tendendosi in tal modo a riprodurre i meccanismi di mercato alterati" (La tutela civile dei diritti, Milano, Giuffrè, 1993, p. 156).

51 Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, cit., p. 38.

52 Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, São Paulo, Ed. RT, 2003, 3ª. ed., p. 337-338.

53 José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), cit., p. 273.

54 Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, cit., p. 156.

55 Uma vez que, como lembrado, o art. 1.142 do Código Napoleão era claro no sentido de que toda obrigação de fazer ou não fazer, resolve-se em perdas e danos e juros, em caso de descumprimento pelo devedor.

56 Cristina Rapisarda, Inibitoria (azione), Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 1.

57 Ver Cesare Salvi, Legittimità e "razionalità" dell’art. 844 Codice Civile, Giurisprudenza Italiana, 1975, p. 591 e ss.

58 A técnica cautelar – diante de sua finalidade meramente instrumental – ficava subordinada à tutela ressarcitória, uma vez que não poderia conceder mais do que essa poderia outorgar.

59 A respeito da tutela contra a concorrência desleal, ver, no direito italiano, Edoardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale, Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 563 et seq.; Marco Saverio Spolidoro, Le misure di prevenzione nel diritto industriale, Milano, Giuffrè, 1982; Tulio Ascarelli, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali, Milano, Giuffrè, 1957; Geraldo Santini, Concorrenza sleale ed impresa, Rivista di Diritto Civile, 1959, p. 125 et seq.; Pier Giusto Jaeger, Valutazione comparativa di interessi e concorrenza sleale, Rivista di Diritto Industriale, 1970, p. 38 et seq.; Gustavo Ghidini, La repressione della concorrenza sleale nel sistema degli artt. 2598 et seq. cod. civ. Le sanzioni, Rivista di Diritto Civile, 1970, p. 329 et seq.; Remo Franceschelli, Studi sulla concorrenza sleale. La fattispecie, Rivista di Diritto Industriale, 1963, p. 269 et seq.; Giuseppe Auleta, Divieto di concorrenza e divieto di concorrenza sleale, Diritto e giurisprudenza, 1956, p. 279 et seq.; Gustavo Minervini, Concorrenza e consorzi, Milano, Vallardi, 1965, p. 51 et seq.; Marco Sertorio, Illecito civile, concorrenza, prescrizione, Archivo della responsabilità civile e dei problemi generali del danno, 1964, p. 122 et seq.; Luigi Mosco, La concorrenza sleale, Napoli, Jovene, 1956, p. 188 et seq.

60 Nesse sentido, ver João Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, Coimbra, Almedina, 1987, p. 411 e ss; João Calvão da Silva, Responsabilidade civil do produtor, Coimbra, Almedina, 1999.

61 Compreensível em razão da desfiguração da tutela cautelar diante das pressões sociais por tutela jurisdicional adequada.

62 Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, Milano, Giuffrè, 1993, p. 144.

63 Evidentemente que no caso em que a ação for ajuizada antes da violação do direito, e não após, como admite o art. 4º, parágrafo único, do CPC brasileiro.

64 José Carlos Barbosa Moreira, Tutela sancionatória e tutela preventiva, Temas de direito processual, Segunda Série, São Paulo, Saraiva, 1980, p. 27.

65 José Carlos Barbosa Moreira, Tutela sancionatória e tutela preventiva, Temas de direito processual, Segunda Série, cit., p. 27.

66 Nesse sentido, Vittorio Denti, Diritti della persona e tecniche di tutela giudiziale, L’informazione e i diritti della persona, Napoli, Jovene, 1983, p. 267; Cristina Rapisarda, Premesse allo studio della tutela civile preventiva, Rivista di Diritto Processuale, 1980, p. 128 e ss; Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 70-72.

67 Lembre-se, porém, que de acordo com o art. 4º, caput, do CPC, "o interesse do autor pode limitar-se à declaração: i) da existência ou da inexistência de relação jurídica; ii) da autenticidade ou falsidade de documento".

68 Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 52.

69 Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria p. 53.

70 Giuseppe Chiovenda, L’azione nel sistema dei diritti. Saggi di diritto processuale civile, Roma, Società Editrice Foro Italiano, 1930, p. 16.

71 Jorge Mosset Iturraspe, Responsabildad por daños, t. 1, Parte General, Buenos Aires, Rubinzal-Culzoni, 1998, p. 380.

72 Cf. Jorge Mosset Iturraspe, Responsabildad por daños, t. 1, Parte General, cit., p. 380.

73 Se o art. 700 do CPC italiano passou a servir de base, em razão das necessidades concretas da sociedade, à tutela inibitória, isso não quer dizer que a tutela cautelar, na sua gênese, constituía um gênero a que pertencia a inibitória. Ao contrário, a tutela cautelar certamente não podia abranger a inibitória, pois é ilógico conceber uma tutela preventiva como instrumento de um processo que não foi desenhado para exercer essa função. É completamente absurdo imaginar que, em um sistema que trabalha apenas com as sentenças declaratória, constitutiva e condenatória (as quais não viabilizam a concessão de tutela inibitória), a técnica cautelar – criada para dar efetividade à jurisdição – poderia ir além da sua função de segurança do processo, extrapolando dos seus limites para dar tutela ao próprio direito material e, assim, não só tornar sem sentido a própria "ação principal", como eliminar a própria característica da instrumentalidade que lhe foi concedida (Cf. Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, 3ª. ed., cit., p. 256).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINONI, Luiz Guilherme. Do processo civil clássico à noção de direito à tutela adequada ao direito material e à realidade social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 335, 7 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5046. Acesso em: 26 abr. 2024.