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Os títulos executivos no Código de Processo Civil de 2015

Os títulos executivos no Código de Processo Civil de 2015

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Exploram-se a natureza jurídica, o conceito e a legislação sobre títulos executivos considerando o NCPC/2015.

I – ESPÉCIES DE TÍTULOS

A lei processual civil ressalta que a execução pode basear-se em título executivo judicial ou extrajudicial. Seja como for o título  executivo há de conter liquidez, certeza e exigibilidade.

Art. 515 do novo CPC: . São títulos executivos judiciais:

Passamos aos títulos judiciais que, no passado, ensejam a antiga ação executória.

 I - as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa;

II - a decisão homologatória de autocomposição judicial;

III - a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza;

IV - o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal;

V - o crédito de auxiliar da justiça, quando as custas, emolumentos ou honorários tiverem sido aprovados por decisão judicial;

VI - a sentença penal condenatória transitada em julgado;

VII - a sentença arbitral;

VIII - a sentença estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justiça;

IX - a decisão interlocutória estrangeira, após a concessão do exequatur à carta rogatória pelo Superior Tribunal de Justiça;

Há os chamados títulos executivos extrajudiciais.

Cada um dos títulos enumerados pelo artigo 784 do CPC de 2015  é título particular ou público , autorizando a execução forçada, dentro do que chamamos de antiga ação executiva:

I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque. Fica nítido o caráter da abstratividade, autonomia e literalidade expostos na circulação  nesses títulos. Porém, a duplicata, Lei 5474/68 tem nítido caráter causal advindo de uma operação comercial.

1) Letra de câmbio: é uma ordem de pagamento em que alguém chamado sacador (credor) se dirige a outrem denominado sacado (devedor) para pagar a terceiro (beneficiário da ordem). Em outros termos, é a ordem dirigida ao devedor para que pague a dívida em favor de terceiro. 2) Nota promissória: é promessa de pagamento emitida pelo próprio devedor em favor do credor. 3) Cheque: é uma ordem de pagamento à vista em favor do credor emitido por uma pessoa (devedor) contra uma instituição bancária. O cheque e a nota promissória independem de protesto. O protesto será necessário apenas para tornar a promissória exigível frente a endossadores e respectivos avalistas. 4) Debênture: é título de crédito emitido porsociedade anônima a fim de obter empréstimos junto ao público, expandindo seu capital. Gozam de privilégio geral em caso de falência. Cada debênture é título executivo pelo valor que indica, dando oportunidade para a execução por quantia certa. 5) Duplicata: trata-se de título de crédito emitido em favor do vendedor ou prestador de serviço contra o adquirente da mercadoria ou do serviço. A duplicata é circulável via endosso. O endosso é uma forma de transmissão dos títulos de crédito. O proprietário do título faz o endosso lançando sua assinatura no verso do documento. A duplicata precisa ser aceita pelo sacado para ter força executiva. O aceite é o reconhecimento da validade da ordem, mediante a assinatura do sacado, que passa então a ser o aceitante. Se não for aceita, deve estar protestada e acompanhada do comprovante de entrega da mercadoria. O protesto é a apresentação pública do título ao devedor, para o aceite ou para o pagamento. A apresentação é o ato de submeter uma ordem de pagamento ao reconhecimento do sacado. Pode significar também o ato de exigir o pagamento. A duplicata não terá força executiva se houver a recusa do aceite pelos meios e nas condições legais. Os títulos de crédito devem ser apresentados no original em juízo para a cobrança executiva.

Pela reforma, o inciso II passou a abarcar várias espécies de documentos. Atualmente, pode-se considerar título executivo extrajudicial todo ato jurídico (documento) escrito, que contenha os requisitos da liquidez e da certeza (art.586).

II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores.

O documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas também tem força executiva. Na realidade, trata-se do ato praticado pelo devedor assumindo uma obrigação e a promessa de cumpri-la. Entretanto, o CPC condicionou a eficácia executiva de tais documentos à assinatura de duas testemunhas. A esse respeito, ARAKEN DE ASSIS colaciona jurisprudência no sentido de que "em julgado da 3ª. Câm. Cív. do TARS, estatuiu-se que rubrica não é assinatura, nem ‘avalista’ substitui testemunha" (p. 141). Teori Albino ZAVASCKI ainda revela que a chamada assinatura a rogo não é assinatura do devedor e sim de terceiro e, portanto, não vale para os fins desse dispositivo (p. 227). Por outro lado, têm-se entendido de que não se exige o reconhecimento das firmas.

Observe-se que a transação penal O artigo 76 da Lei 9.099/95, a chamada Lei dos Juizados Especiais, prescreve que, tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, ou havendo representação no de ação penal pública condicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta.

O instituto se insere num modelo conciliatório, onde a Justiça Penal orienta-se pela oralidade, informalidade e celeridade, objetivando a reparação dos danos sofridos pela vítima, sempre que possível, e a aplicação de pena não privativa de liberdade(artigo 62).

A transação se inclui dentro do que se chama de espaço de consenso em que o Estado, respeitando a autonomia de vontade das partes, limita, voluntariamente, o acolhimento e o uso de determinados direitos.

Estamos diante de um modelo penal despenalizador, que atua não só quando a pena deixa de ser aplicada, como ainda no perdão judicial, ocorrendo ainda quando a sanção é atenuada quanto a qualidade ou a quantidade da sanção criminal. Tal a lição que se tem da doutrina.

O compromisso do Estado nesses casos é tal que o artigo 69 da Lei 9.099/95 estabelece que ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá a prisão em flagrante, não se exigirá a fiança. Dispensa-se a documentação da prisão em flagrante, a lavratura do auto de prisão. Em razão disso, outra espécie de prisão cautelar, a prisão preventiva(artigo 312 do CPP), não tem aqui utilidade.

A transação se soma à suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei 9.099/95) e a recomposição de danos civis(artigo 74 da Lei 9.095), que será homologada pelo juiz, mediante sentença irrecorrível e terá eficácia de titulo executivo judicial,  observando-se que, como se vê do parágrafo único, tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou de representação. 

Em obra essencial na matéria, Márcio Franklin Nogueira aduz que através da transação, de um lado, o Ministério Público, na qualidade de dominus litis, abre mão de exercer o seu ius persequendi pela forma tradicional e, de outro, o autor do suposto fato abre mão de seu direito ao devido processo decorrente de ação própria, para que se atinja a decisão rápida, consensual e satisfatória para o caso.

Por sua vez, Damásio E. de Jesus vê na transação uma forma de despenalização. 

São títulos extrajudiciais os contratos de hipoteca, de penhor, de anticrese e de caução, bem como seguro de vida e de acidentes pessoais que resulte morte ou incapacidade.

Para Átila Da Rold Roesler, Os contratos de caução ou de garantia previstos nesse dispositivo configuram o ajuste que visa dar ao credor uma segurança de pagamento. Desdobram-se em duas classes: os de garantia real e os de garantia pessoal. Hipoteca, penhor e anticrese são direitos reais de garantia sobre coisas alheias previstos no Código Civil. São meios do credor da obrigação assegurar a responsabilidade patrimonial de certos bens do devedor. A hipoteca tem como garantia um bem imóvel; no penhor se dá em garantia um objeto móvel mediante a efetiva entrega ao credor; e a anticrese consiste na entrega ao credor um imóvel para que este perceba os frutos e rendimentos dele provenientes para compensação da dívida.[2]

Dentro da lista taxativa está  o crédito decorrente de foro, laudêmio, aluguel ou renda de imóvel, bem como encargo de condomínio, desde que comprovado por contrato escrito;

Consoante Araken de Assis, o inciso IV abarca as rendas imobiliárias e o encargo de condomínio.[3]

V- O CONTRATO DE SEGURO DE VIDA EM CASO DE MORTE é titulo executivo extrajudicial. o consumidor que contrata um seguro de vida e arca, mensalmente, com o pagamento das mensalidades, denominadas prêmios, acredita estar totalmente coberto, quando da ocorrência do sinistro ou que seus beneficiários assim estarão, no caso do seu óbito.

Entretanto, isso nem sempre acontece, porque as seguradoras interpretam as cláusulas contratuais de forma muito rígida e, para dirimir conflitos, os casos são levados à Justiça.

No contrato de seguro de vida as coberturas mais comuns são:

– morte: pagamento de indenização ao beneficiário em caso de morte do segurado;

– invalidez laborativa permanente total por doença (ILPD): pagamento de indenização em caso de invalidez para a qual não se pode esperar recuperação ou reabilitação, com os recursos terapêuticos disponíveis no momento de sua constatação, para a atividade laborativa principal do segurado;

– invalidez funcional permanente total por doença (IFPD): pagamento de indenização em caso de invalidez consequente de doença que cause a perda da existência independente do segurado, na forma estabelecida no plano de seguro;

– doenças graves: pagamento de indenização em decorrência de diagnóstico 76 77 de doenças devidamente especificadas e caracterizadas no plano de seguro.

Paralelamente, temos como principais negativas oferecidas pelas seguradoras:

– doença pré-existente: não é uma terminologia médica, não existe uma definição médica. Caracteriza-se como pré-existente a doença que já existia no momento da contratação do seguro e não foi devidamente declarada no cartão-proposta de adesão ao contrato de seguro.

O Judiciário entende que a simples pré-existência da moléstia não exclui o direito ao recebimento do capital segurado, mas sim, a ausência de boa-fé do segurado que, ciente de sua existência, omite a doença no momento da contratação do seguro, mais especificamente, no preenchimento do cartão-proposta, o que impede o Segurador de calcular o risco que estará assegurando naquele momento.

Importante que as informações sejam prestadas de forma completa e que sejam condizentes com a verdade dos fatos.

– agravamento do risco: refere-se ao aumento da probabilidade de ocorrência da lesão ao interesse garantido, ou da severidade dessa lesão. Normalmente é alegada nos óbitos decorrentes de embriaguez.

O judiciário entende que o agravamento do risco deve ser comprovado, sob pena de a seguradora não efetuar o pagamento do capital segurado. Assim, a perda da cobertura está condicionada à efetiva constatação de que o agravamento de risco foi condição determinante na existência do sinistro. Referida prova é bastante difícil de ser produzida e o beneficiário tem grande chance de ganho.

– suicídio: o novo Código Civil passou a tratar acerca desse assunto e o entendimento já se encontra pacificado, conforme súmula 105 do STF: “Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro”. O período de carência é de dois anos.

– negativa de invalidez: tanto a invalidez funcional como a laborativa devem ser permanentes, para que o segurado tenha direito ao recebimento da indenização contratada.

Entretanto, o Judiciário interpreta o contrato de forma mais branda, afinal, exigir a perda da existência independente do segurado significa dizer que este sequer conseguirá fazer uso do valor da indenização.

Normalmente, nessas ações, é produzida a prova pericial, não sendo suficiente a declaração de invalidez concedida pelo INSS.

– prescrição: é a extinção de uma ação judicial possível, em virtude da inércia de seu titular por um certo lapso de tempo.

No contrato de seguro, o direito que o segurado possui de receber a indenização prescreve em um ano, conforme disposição expressa no Código Civil, a contar da data que teve ciência inequívoca de sua invalidez. Entretanto, há juízes que entendem pelo prazo de cinco anos, fundamentando no Código de Defesa do Consumidor.

Já o beneficiário, ou seja, a pessoa indicada para receber o valor do capital segurado, na hipótese da ocorrência do sinistro, possui um prazo maior, de três anos, existindo entendimento do Judiciário (STJ) no sentido de ampliar para 10 anos, a contar do evento do óbito.

Súmulas do Superior Tribunal de Justiça já existem acerca desse tema:

229: “O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão”

278: “O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral”.

VI – o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial;

Entende-se por “serventuário de justiça”, os profissionais que auxiliam ao Judiciário, como p. ex. o escrivão, os oficiais de justiça, o contador, o perito etc. Assim, os créditos dos auxiliares, que trabalharam em determinado processo, possuem força executiva. É a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e demais de demais despesas devidas pelos atos praticados fixados em tabelas estabelecidas em lei.

VII – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, Estado, Distrito Federal, Território e Município, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;

 IX – o crédito referente ás contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio do edifício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral desde que documentalmente comprovadas;

"Aquela definida como tributária ou não tributária, cuja cobrança seja atribuída, por Lei, à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, ou às suas autarquias”.

VII – todos os demais títulos, a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.”

O inciso VII finda a matéria referente aos títulos executivos extrajudiciais remetendo às legislações extravagantes; isso porque, há inúmeros títulos executivos que são previstos em leis esparsas, que não serão objeto de estudo deste material.

Todavia, imperativo ressaltar, que por força do parágrafo 2º do artigo 585, o CPC reconhece a validade do título executivo extrajudicial originário de país estrangeiro; contudo, a jurisprudência (Resp. 4819-RJRSTJ27/313) assevera que o título deverá ser traduzido para a língua portuguesa, convertendo-se o valor da moeda estrangeira para a nossa moeda, no momento da propositura da ação, visto que é nulo o título que determine o pagamento em moeda que não seja a nacional.

O inciso VII fecha o estudo dos títulos executivos extrajudiciais remetendo à legislação extravagante. Entretanto, resta reafirmado o princípio da tipicidade dos títulos executivos, conforme visto no início. Há dezenas de títulos executivos previstos em leis esparsas, conforme citado por WAMBIER (p. 62/63): "as cédulas de crédito rural (Dec.-lei 167/67, art. 41), industrial (Dec.-lei 413/69, art. 10) e comercial (Lei 6.840/80 c/c o Dec.-lei 413/69); os créditos dos órgãos de controle de exercício de profissão (Lei 6.206/75, art. 2.º); a decisão que fixa ou arbitra e o contrato que estipula honorários advocatícios (Lei 8.906/94, art. 24); as decisões do TCU que resultem na imputação de débito ou multa (CF, art. 71, §3.º; o instrumento de contrato garantido por alienação fiduciária (Dec.-lei 911/69, art. 5.º); cédula de crédito bancário (MP 2.160-25/2001, art. 3.º) etc". Ainda poderíamos citar o prêmio de seguro (Dec.-lei 73/66, art. 73); as decisões do CADE (Lei 8.884/94, art. 60); os adiantamentos em contrato de câmbio (Lei 4.728/65, art. 75), entre outros.


II – AS PRINCIPAIS TEORIAS SOBRE OS TITULOS EXECUTIVOS

Parto da doutrina, á partir de Costa e Silva(Da jurisdição executiva e dos pressupostos da execução civil), do Ministro Teori Zavascki(Processo de execução, Parte Geral) e ainda da obra celebrada de Carnelutti, sem esquecer as lições de Theodoro Jr. em seu Processo de Execução. Homenagem especial faço, pelo poder de síntese na matéria, a Danillo Chimera Piotto (A natureza jurídica do titulo executivo), onde são expostos apontamentos instalados nas doutrinas de Liebman e Carnelutti e nas teorias que se seguiram. Daí a longa citação que faço de sua obra exemplar.  

A TEORIA DE FRANCESCO CARNELUTTI – O  título executivo como documento

De fato, é mais a simplicidade aliada a logicidade do que a acuidade científica que seduz alguns intérpretes do Direito a se aliar a teoria da natureza jurídica documental do título executivo aperfeiçoada6 por CARNELUTTI. Ele  constrói sua teoria sob o singelo exemplo do passageiro na estação de trem, in verbis: O objeto que tem a função recém-delineada é um documento que o credor, com o fim de obter a execução forçada, deve apresentar ao ofício judicial, assim como o viajante deve apresentar o bilhete ao pessoal ferroviário; que o título executivo seja, portanto, um documento e não um ato, como por muito tempo se acreditou, está esclarecido por essa simples comparação (CARNELUTTI: 1999 p.317).

Salienta  que CARNELUTTI não cria, tão somente recepciona a concepção de título como documento já encontrada em processualistas como MORTARA, RICCI e MANFREDINI. Assim, tal qual a apresentação do bilhete propiciaria ao agente da plataforma certeza acerca do pagamento da passagem pelo viajante, dando-lhe direito à viagem, para CARNELUTTI, o título permitiria ao magistrado a construção de um juízo de certeza acerca da existência de uma obrigação, possibilitando-se ao jurisdicionado o acesso direto à retilínea via executiva, sem que se afigurasse necessário antes percorrer o sinuoso caminho do processo cognitivo. Teria, portanto, o título executivo, função de prova, mas não qualquer prova, seria espécie de prova legal – aquela à qual dá o legislador força suficiente para possibilitar ao julgador reputar existente determinado fato sem que, contudo, haja necessidade de perquirir acerca da real existência dele. Expõe ZAVASCKY (1999 p.57) que após as críticas de LIEBMAN à sua teoria, CARNELUTTI reviu alguns conceitos, mas não deixou de defender a natureza jurídica documental do título executivo, limitando-se a reconhecer que a expressão prova legal antes empregada era, de fato, insuficiente à definição do fenômeno que objetivava circunscrever. Expôs, então, CARNELUTTI em sua obra Derecho y Processo, que o título seria mais que uma prova legal; representaria aquele documento não só a existência de uma obrigação, como também implicaria no reconhecimento de que aquela obrigação era detentora de uma eficácia mais intensa, uma eficácia transcendente daquela que uma mera prova lograria ensejar (apud ZAVASCKI: 1995 p.58). Embora de repercussão retumbante no universo jurídico, essa teoria que via no título executivo a mera documentação de um ato foi severamente objurgada por LIEBMAN, no que foi seguido depois por diversos outros juristas.

. A TEORIA DE ENRICO TULLIO LIEBMAN – o título executivo como ato jurídico

Por ao menos duas oportunidades  LIEBMAN criticou CARNELUTTI no que tange à teoria da natureza jurídica do título executivo. São obras em que LIEBMAN se dedica ao tema: Manual de Direito Processual Civil e Embargos do Executado .

Para o Mestre que tanto influenciou a escola processualista pátria, o título executivo tem natureza de ato jurídico, não de documento, sendo que a própria parábola de CARNELUTTI para fundamentar sua teoria documental já conteria em si mesmo o germe da antítese. É que para LIEBMAN (1968 p.112) se o bilhete que possibilitaria ao viajante ingresso ao trem serve como prova do pagamento da passagem, provando o viajante ao bilheteiro, de qualquer outra forma, que a viagem fora paga, o embarque lhe seria deferido. De forma análoga, ainda que de posse do bilhete, fosse provada a ilegitimidade de sua aquisição pelo viajante, obstar-se-ia lhe o embarque.

 A doutrina da natureza documental do título, nesse viés, teria o incômodo problema de lidar com a figura de uma execução dependente de prova (o embarque no trem condicionado à mostra do pagamento), ou pior, explicar a existência de uma ação executiva previamente à conformação do título (retirada do viajante do trem pela descoberta da obtenção do bilhete por modo ilegítimo), circunstâncias contraditórias ao escopo do título executivo. O horizonte desenhado por CARNELUTTI, na visão  de LIEBMAN, seria justamente o oposto daquele vislumbrado pela sociedade quando elaborada a teoria do título executivo, urgindo se advertir acerca do risco de confusão entre fonte da prova com o fato a provar, tal qual o de se atribuir ao documento a eficácia correspondente ao ato. Ao receber o título e dar início aos provimentos executivo, ao Juiz não interessaria a efetiva existência do crédito (objeto de prova).

O título, só por si, enseja a via executiva (eficácia do ato): Título executório é, em conclusão, um ato jurídico dotado de eficácia constitutiva, porque é fonte imediata e autônoma da ação executória, a qual, por conseguinte, é, em sua existência e em seu exercício, independente do crédito [...] É assim que não somente se torna dispensável, mas supérflua e irrelevante qualquer prova do crédito: o título basta para a existência da ação executória (LIEBMAN: 1968 p.135). ZAVASCKI (1999 p.61) entende que o título executivo é mais de que um ato jurídico, sendo seu conteúdo verdadeira norma individualizada. Para o ministro do Superior Tribunal de Justiça, entender o título como mero ato, onde se acerta a sanção comprometeria o monopólio estatal do domínio da perinorma, dentro de uma linha pautada em Carlos Cóssio, na teoria do direito egológico.

Esta posição é rejeitada por DINAMARCO (2002 p.496) que explica que a crítica é infundada já que, se por um lado LIEBMAN cometeu a imprecisão terminológica de referir-se invariavelmente ao título com ato jurídico, por outro, foi suficientemente explícito em esclarecer que é a lei e não a vontade particular, que liga a sanção a certos atos celebrados entre particulares.

Expõe também THEODORO JUNIOR (1999 p.53) que para LIEBMAN, portanto, o título executivo incorporaria a sanção; exprimiria a vontade do Estado de se proceder à determinada Execução, tendo verdadeira força constitutiva – o título faz nascer a ação executiva. A teoria do título executivo como ato documento encontra ainda críticas em solo pátrio nas obras de renomados juristas, dentre eles Cândido Rangel DINAMARCO, Humberto THEODORO JÚNIOR e José Alberto dos REIS. THEODORO JÚNIOR (1999 p.53), a seu turno, assevera que a superioridade da doutrina de LIEBMAN sobre a de CARNELUTTI se estabelece em virtude da teoria documental deslocar a fonte da ação executiva para o ‘ato de vontade do devedor’, situando-a no âmbito do direito material, o que vai flagrantemente contra a acepção autônoma do direito de ação. Estar-se-ia, em última análise, a seguir a lógica do título como documento, como mera retratação do ato, permitindo que o ato jurídico desse ensejo à ação executiva. Contudo, bastaria ter em mente que um mesmo negócio jurídico, mútuo, por exemplo, pode ou não dar ensejo a uma ação executiva, a depender da forma como este é firmado, e se logra demonstrar a falha do pressuposto teórico documental. Dessa celeuma – título executivo ora como documento ora como ato – abriu-se oportunidade do surgimento de outras teorias intermediárias, ditas ecléticas, que perscrutam encontrar, na conjunção dos postulados de LIEBMAN e CARNELUTTI, a verdadeira natureza jurídica do instituto processual.

TÍTULO EXECUTIVO COMO ACERTAMENTO DO DIREITO SUBJETIVO MATERIAL OU COMO ATO-DOCUMENTO

Teoria extremamente complexa que tenta explicar por uma terceira via a natureza jurídica do título executivo é atribuída ao italiano Crisanto MANDRIOLI8 .

Este autor identifica a natureza jurídica do título como sendo a de prova da eficácia executiva de um ato de acertamento do direito. Como explica DINAMARCO (2002 p.486) não seria o título executivo, por esta teoria, gerador da ação executiva, mas uma condição para o seu exercício; ‘o acertamento do direito é que faz aparecer a ação executiva pela transformação da ação pré-existente’.

Haveria pelo título executivo, segundo MANDRIOLI (apud GRECO: 2001 p.113) a prova do acertamento do direito substancial como existente e suscetível de execução forçada. Critica-se esta teoria pelo fato de que, seguindo-se seus pressupostos, dar-se-ia eficácia executiva a sentença meramente declaratória, capacidade que embora suscite na doutrina acalentados debates, ainda é tida majoritariamente como afronta ao direito positivo.

 A maioria dos estudiosos do processo civil9, por fim, acaba por adotar uma teoria mista acerca da natureza jurídica do título executivo, o definindo como ato documento, isto porque, como bem preleciona THEODORO JUNIOR (1999 p.54), acaba não sendo o ato jurídico material que enseja a oportunidade da execução, mas a sua incorporação formal em um documento com as feições específicas determinadas pelo direito processual. Seria o título, de fato, um documento, mas documento revestido de formalidades legais que lhe torna apto a possibilitar seu portador utilizar da via executiva para satisfação do crédito por ele representado.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Os títulos executivos no Código de Processo Civil de 2015. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4817, 8 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51032. Acesso em: 29 mar. 2024.