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Judicialização social, autopoiese e pluralismo

Judicialização social, autopoiese e pluralismo

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O empoderamento dos subsistemas sociais no iter decisório é, sem dúvida, atualmente, a ponte de comunicação mais válida e eficaz para oxigenar o Estado e a comunidade como amicus curiae político.

Resumo: O trabalho tem como núcleo a conexão entre judicialização, autopoiese e pluralismo. Sob essa perspectiva reorienta a discussão da judicialização de políticas públicas, que se estabelece no ambiente exclusivamente restrito às funções estatais, para um contexto onde a análise é a ação comunicativa entre o Judiciário e a sociedade. Esta relação caminha muito além do positivismo inerente à atuação conservadora do Estado-juiz. A partir do caso do aborto de feto anencéfalo decidido pelo Supremo Tribunal Federal, com a participação de segmentos da sociedade no processo, a investigação verifica que a autopoiese expande efeitos aos subsistemas sociais. O pluralismo participativo no processo decisório convalida o senso de cidadania e de democracia, tendo como substrato um mínimo ético de valorização da comunidade.  

Palavras-chave: neoconstitucionalismo judicialização, autopoiese, pluralismo, democracia.

SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Metodologia. 3. Judicialização e ativismo judicial. 4. Autopoiese. 4.1. Autopoiese: Luhmann e a Biologia. 4.2 Autopiese: Luhmann e o Direito. 5. Judicialização e pluralismo como acoplamentos autopoiéticos estruturais. 5.1 Judicialização e pluralismo: o mínimo ético. 5.2 Judicialização e pluralismo: validade e eficácia. 5.3 Judicialização e pluralismo: ética, direito e política. 6. O caso concreto: o Supremo Tribunal Federal e a questão social da anencefalia. 6.1. Análise do julgamento da anencefalia: autopoiese ou alopoiese?. 7. Conclusão. 8. Referências bibliográficas.  


1 – INTRODUÇÃO.[1]

A comunicação tem como núcleo apresentar uma percepção sobre a denominada judicialização de políticas públicas e sua dinâmica frente ao sistema jurídico e à estrutura social. De fato, no ambiente brasileiro as constantes e incisivas intervenções do Poder Judiciário, em todos os níveis de atuação, invocam, em regra, a análise hermenêutica direcionada à relação entre as três funções estatais de legislar, administrar e julgar. Verificamos, entretanto, que além dessa perspectiva de entropia limitada ao conjunto de governança estatal e que aborda eventuais disfunções nas atribuições definidas pela teoria tripartite, a atuação proativa do Judiciário também desenvolve um outro sistema, agora direcionado para a validade e eficácia perante a sociedade, o que se poderia denominar de judicialização social. Para a fundamentação desse viés, cingido à relação entre o Poder Judiciário e os segmentos sociais, cuja eficácia se apresentará como condição de possibilidade para a consolidação instrumental do pluralismo participativo, a experiência jurídica atualmente manejada pelo principal órgão judiciário e constitucional, o Supremo Tribunal Federal, será correlacionada com o estudo do Direito sob a cifra autopoética como a elaborou Niklas Luhmann. Melhor dizendo, o comportamento do Judiciário, que integra a participação da sociedade como input nos indícios da motivação de suas decisões, aglutina instrumentos de valores éticos na composição de comandos estatais, apesar de suas características predominantemente monopolizadoras e coercitivas. A expressão de poder estatal pela sentença (lato sensu) é decorrente da intersubjetividade do processo binário Estado-juiz e sociedade. A validade do processo participativo é condição de possibilidade para a eficácia decisória que, por sua vez, legitima o sistema jurídico, como monopólio estatal, e o subsistema de valores democráticos no pluralismo social.


2 – METODOLOGIA.

A par dessas considerações, o presente trabalho tem como metodologia a concentração de considerações que identifiquem conteúdos conceituais mínimos da judicialização, dos critérios de como um sistema pode ou não se autoalimentar e, assim, pela autopoiese, oxigenar o pluralismo no interior do sistema hermético de justiça no Brasil. Munidos desses conceitos, o núcleo será a análise em caso concreto onde o Supremo Tribunal Federal desempenhou suas atividades, e, apesar de seu poder de dizer o Direito e do monopólio de sua jurisdição, a decisão final foi o resultado da participação popular na própria instrução e cognição em processo de grande repercussão convivial – a permissão da interrupção da gravidez de feto anencéfalo. Como referencial teórico apresentaremos a autopoiese, a judicialização e o ativismo judicial como antecedentes à formulação de nossa tese e à conclusão, a fim de municiar o leitor com dados hábeis a estabelecer senso crítico em relação às apostas no aperfeiçoamento do neoconstitucionalismo.


3 – JUDICIALIZAÇÃO E ATIVISMO JUDICIAL.

Com a Constituição Brasileira de 1988, o Brasil passou a ter um marco histórico em relação à separação dos três Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. A mesmo tempo em que esses poderes têm suas atribuições típicas legalmente definidas, discute-se, desde então, o exercício de suas funções atípicas, em particular na denominada judicialização de políticas públicas. O relevante papel do Estado quanto aos seus objetivos de garantia de direitos coletivos e individuais não estaria limitado às funções governamentais hermeticamente consideradas, e, por consequência, nem mesmo à restrita interpretação formal baseada na Constituição, ou a racionalidade jurídica para além da dicotomia entre o direito natural e o positivismo (PERELMAN, 1996, p. 361). 

A linha da judicialização[2] das políticas públicas, legislativa e executiva, está diretamente condicionada às mudanças de ruptura social. A sociedade é impelida para a intensa busca na concretização de direitos, ganhando amplo destaque hoje a repercussão dos chamados direitos das minorias, caracterizando, assim, novo direcionamento ao sistema jurídico em relação às relações que hoje se encontram em transição pela carga histórica de omissão estatal.

Constatamos, nesse bordo, que a judicialização está diretamente ligada à postura do Poder Judiciário diante dessa transição e, da inércia institucional das demais funções estatais e crise de legitimidade, transmuda a concepção jurídico-política de modo a permitir um questionamento quanto ao próprio papel do Estado, que seria o de promover o alcance assentado da cidadania, como equilíbrio dos parâmetros da necessidade e adequação da atuação estatal e sua governabilidade.[3]

Evidencia-se, nesse contexto, a atuação do Judiciário. O sistema jurisdicional brasileiro formatando a judicialização com o papel do Supremo Tribunal Federal em relação à questões que norteiam normas constitucionais pelo controle abstrato e com o controle difuso exercido por todos os órgãos jurisdicionais.[4]  

Hoje, com o fenômeno do neoconstitucionalismo, muitos doutrinadores defendem que a Constituição é um texto em aberto, cabendo não apenas aplicação da norma puramente dita.[5] Em outras palavras, se o positivismo kelsiano induz a uma interpretação hermética do sistema jurídico e, ao cabo, do Direito, a atuação judiciária indicada pela judicialização social de participação no processo de motivação permite a manutenção circular das expectativas de comunicação entre Estado e sociedade, como proposto pela contextualização da teoria autopoética, como pretendemos demonstrar.

O ativismo judicial[6] pode ser entendido, por sua vez, como a capacidade de o Judiciário julgar conforme melhor interpretação da norma, de modo a suscitar questões omitidas pela norma, e até mesmo reinterpretar a norma consoante a situação fática presente, dar solução à conflitos individuais suscitados na jurisdição, não apenas pela lei, mas sob a luz dos princípios e da relevância sociológica aos ditos conflitos.[7] É, em suma, o controle difuso perante às normas e princípios constitucionais e o controle da legalidade e da legitimidade da atuação legislativa e executiva.[8]

É da realidade que se cunha a atuação estatal, e não ao contrário. Esse dado impõe a efetiva distinção entre a judicialização de políticas públicas, enquanto política estatal, e, de outro lado, o ativismo, ou, enfim, do controle abstrato e o difuso. Não há, propriamente dita, uma disfunção ou preponderância entre os três Poderes, mas a necessidade imposta pelos fenômenos quanto a intensidade e densidade de atuação entre eles e deles sobre a realidade que se manifesta como fenômeno social, como precedente de novo diálogo dentro do sistema estatal e os subsistemas comunitários.[9]

Esse modo de condução jurisdicional se amolda, de forma instrumental, às noções liberal e republicana incorporadas no sistema normativo de democracia, como qualificado por Jürgen Habermas, na medida em que a política seria “constitutiva do processo de coletivização social como um todo” (HABERMAS, 2002, p. 283), e não tão somente uma instância mediadora de interesses privados. A comunicação pública teria o objetivo de construir consensos. A solidariedade ganha o status de uma das dimensões sociais, ao lado do mercado e do Estado. Os direitos subjetivos, ao invés de servirem como um mapeamento da esfera de soberania individual, permitem ao cidadão participar no processo de construção da sociedade que integra, sendo o Estado o instrumento desta construção. Não são direitos negativos, mas positivos (HABERMAS, 2002, p. 272-3), como patamar crítico cujo objetivo seria, ao final, a política deliberativa como resultado da conexão entre Estado e sociedade.

Pela nossa compreensão, esse caminho pode ser explicado pela autopoiese.


4 – AUTOPOIESE: CONSIDERAÇÕES INICIAIS.

O sociólogo Niklas Luhmann (apud RAMOS, 2014, p. 1) desenvolveu uma teoria dos sistemas sociais, com base no conceito de autopoiese, extraído da ciência da Biologia. A partir desta teoria, o autor aprofundou-se no que considerava ser a função do Direito, sua condição de subsistema social e sua relação com o todo da sociedade, ou pluralismo segundo a tese formulada nesta empreitada. Tais considerações permitirão analisar, do início ao fim da presente comunicação, os fenômenos da judicialização social e da participação cidadã no manejo do Direito pelo Poder Judiciário e qual o papel resultante dessa operação num eventual modelo instrumental-deliberativo de democracia e de república.

4.1 – AUTOPOIESE: LUHMANN E A BIOLOGIA.

Inicialmente, cabe definir o que seria autopoiese e qual sua relação com os sistemas sociais. Autopoiese, na Biologia, é o termo que define os sistemas vivos capazes de se autoproduzir. Esta autoprodução consistiria na detenção exclusiva do papel de determinar os próprios rumos operacionais e estruturais. Não se quer dizer que o sistema é independente ou indiferente a seu meio ambiente (sua fonte de insumos para as operações), porém que há uma relação de autonomia (MATURANA apud MARIOTTI, p. 1), na qual o ambiente não pode substituir o sistema na sua posição de decisor interno, entretanto pode produzir estímulos externos significativos sobre ele, os quais Luhmann nomeia “irritações” (LUHMANN apud PEREIRA, 2011, p. 5).

Luhmann (apud PEREIRA, 2011, p. 4), transcendendo o campo biológico e buscando o universal, constrói então uma visão de mundo binária, constituída por sistema e entorno: o sistema dá a própria definição, e tudo que não se encaixa nela é o entorno, em uma relação de identidade circular. No contexto social, a diferença não é espacial, mas operacional, ou seja, o sistema define quais as operações que lhe são pertinentes e, por exclusão, define seu ambiente externo (Bechmann; Stehr, apud PEREIRA, 2011, p. 4). A maior característica deste ambiente é a complexidade no grau mais elevado. Isto se dá porque os elementos que o compõe comportam inúmeras combinações entre si, porém a concretização de algumas destas combinações implica na escolha por elas e consequente negação de outras. A convivência de possibilidades alternativas, isto é, de combinações que não se podem realizar simultaneamente, compõe o conceito de contingência. O número de contingências indica o grau de complexidade do ambiente. (CORSI; ESPOSITO; BARALDI, apud RAMOS, 2014, p. 1)

O sistema, ao se definir, diminui a complexidade pois concretiza várias possibilidades e, neste mesmo ato, exclui outras. As reduções de complexidade operadas pelos sistemas efetivam escolhas suficientes para estabilizar a situação dos elementos de uma maneira suficiente a permitir um aumento de complexidade posterior ordenado. A ordenação é regulada pelo sentido. Este movimento de diminuição da complexidade do ambiente para aumento da complexidade dentro do sistema é chamado de evolução (LUHMANN apud RAMOS, 2014, p. 1).

O sistema se define e constrói seu sentido (valor de identidade) por meio de suas operações e estruturas. As estruturas existentes determinam as operações possíveis, e as operações realizadas transformam as estruturas existentes, caracterizando uma relação dinâmica e circular. As operações e estruturas são internas e exclusivas a cada sistema, conforme sua própria determinação (já que o sistema define o que é sistema e o que é entorno), traduzindo-se isto no conceito de encerramento operativo (LUHMANN apud PEREIRA, 2011, p. 4). O sentido, para Luhmann (apud RAMOS, 2014, p. 1), é uma construção do sistema, não algo que exista previamente e possa ser inferido pelo uso da razão. Para relacionarem-se com o ambiente de modo coerente com seu sentido e sua função, os sistemas desenvolvem os próprios códigos binários, sempre compreendendo valor/valor oposto, como forma de classificação dos insumos (LUHMANN apud PEREIRA, 2011, p. 6). Paralelamente, os programas da estrutura servem para refinar o sistema de valor e valor oposto do código binário, regulamentando de forma mais completa sua classificação (LUHMANN apud RAMOS, 2014, p. 1).

4.2 – AUTOPOIESE: LUHMANN E O DIREITO.

Após estas considerações iniciais de sistemas, cabe passar à descrição de Luhmann (apud RAMOS, 2014, p. 1) dos sistemas sociais propriamente ditos. O autor define a sociedade como um sistema autopoiético cujo núcleo operacional é a comunicação, ficando o homem em seu entorno. Os homens são considerados sistemas psíquicos, tendo como operação básica os pensamentos. Logo, ainda que os homens possam influenciar a sociedade e seus subsistemas por meio da comunicação[10], eles não a compõem.

Luhmann (apud RAMOS, 2014, p. 1) define o Direito como um subsistema da sociedade, ou seja, ele tem existência autônoma e considera a sociedade como seu entorno, porém, todas suas operações ocorrem dentro desta sociedade que o enxerga o Direito como parte de si.

É portanto imprescindível para o Direito ter o domínio sobre as próprias operações, enquanto sistema autopoiético, bem como o controle sobre quais operações sociais (comunicações) deverão influenciá-lo, sendo certo que este controle se resume à pertinência para com seu sentido, e ainda à capacidade proporcionada por suas estruturas internas. Sob este prisma, Luhmann (apud PEREIRA, 2011, p. 6) define o Direito como “um sistema normativamente fechado e cognitivamente aberto”, pois é permeável a influxos cognitivos enquanto mantém sua autonomia funcional.

Ao tratar o dever-ser no Direito, Luhmann (apud RAMOS, 2014) nega sua imanência como ideal do Universo, considerando-o um construto derivado das comunicações aceitas pelo sistema jurídico, em raciocínio análogo ao aplicável ao conceito de sentido de forma genérica. O código binário básico do Direito é o lícito/ilícito e seus programas de tratamento e reprodução da informação jurídica são a Constituição, as leis, a jurisprudência etc. (NEVES apud PEREIRA, 2011, p. 6). Sua função enquanto subsistema seria a de “consolidação das expectativas normativas”, ou seja, a defesa das estruturas e de sua capacidade contínua de autopoiese (LUHMANN apud RAMOS, 2014, grifo nosso).

O Direito, como todo sistema ao relacionar-se de modo mais íntimo com outros sistemas específicos, estabelece com eles acoplamentos estruturais, que são ligações aprofundadas e duradouras que permitem a intensificação da transformação circular e do sincronismo entre os sistemas (MATURANA apud PEREIRA, 2011, p. 5).[11]


5 – JUDICIALIZAÇÃO E PLURALISMO COMO ACOPLAMENTOS AUTOPOIÉTICOS ESTRUTURAIS.

Judicialização, autopoiese e pluralismo. Existe um ambiente muito além da motivação e da decisão que conformam os decretos da justiciabilidade estatal da lavra do Poder Judiciário sob a única perspectiva de autoalimentar o sistema técnico-jurídico, como captado por Michele Taruffo, pois

“Ultimamente a atividade do juiz tem sido examinada em uma pluralidade de perspectivas, não sempre rigorosamente jurídicas. Com a emergência na jurisprudência do problema dos valores, o juiz deixa de ser uma máquina neutra e se apresenta como portador de valores ético-políticos e como protagonista de conflitos sociais, o que exige a abordagem da atividade do juiz em duas novas direções: a sociológica e a política” (GRECO, 2005, p. 01).

Aliás, sob a perspectiva autopoética do Direito (Niklas Luhmann define o Direito como “um sistema normativamente fechado e cognitivamente aberto”), o jurista italiano ao reorientar a atividade jurisdicional de alimentação fechada do sistema instrumental processual para uma dimensão de espaço democrático, percebe que o próprio conceito de jurisdição deve ser reformulado para absorver a motivação, e não apenas o decisum como requisitos contemporâneos do núcleo de legitimação da justiciabilidade frente a sociedade (GRECO, 2005, p. 21), na medida em que ela, a motivação, não é definível como demonstração e nem como argumentação retórica, mas como “uma justificação racional, através de um discurso de estrutura aberta e de natureza homogênea” (GRECO, 2005, p. 12), tendo em vista quem o sistema jurídico eleja como destinatário da voz estatal.  Para tanto, a par dessa classificação acerca do conteúdo da motivação, podemos claramente perceber onde se afina com a proposta autopoética de validade e eficácia arguidas nesta comunicação, ao definir a dignidade e autoridade, respectivamente:

“O conteúdo da motivação também se diferencia em função de quem o sistema jurídico considere seu destinatário ideal: as partes, a classe dos juristas ou a opinião pública em geral. No primeiro caso, a preocupação prevalente é com a coerência em relação às circunstâncias do caso concreto; no segundo, com a dignidade e autoridade da decisão no plano jurídico-científico; no terceiro, com os aspectos valorativos de natureza ético-política” (GRECO, 2005, p. 13).

Judicialização, autopoiese e pluralismo. Muito além, também, do próprio ambiente técnico-jurídico que, à primeira vista é fechado à participação da comunidade, a atividade jurisdicional sob o enfoque autopoético (autopoiese/sistema e entorno) permite influxos dos vários segmentos convivais realçando a legitimidade do desempenho da instituição e do espaço de cidadania, como exigido pela ação comunicativa participativa e deliberativa (autopoiese/encerramento operativo).

Essa exigência não passou despercebida a Jürgen Habermas ao propor uma formatação instrumental das instâncias político-administrativas que permita a comunicação e deliberação quanto aos assuntos de interesse público, prescindindo de imposições normativas presumidas sobre o caráter ético dos cidadãos e dos próprios assuntos em debate. Os graus fáticos de participatividade dos cidadãos seriam recebidos pelo sistema, com a oportunização do envolvimento, de forma dispersada (autopoiese/irritações). Da mesma forma, os temas cujo tratamento político não se subsumisse completamente à definição de um consenso de caráter ético seriam enfrentados de maneira satisfatória tendo em vista a consolidação de acordos entre interesses divergentes. A política deliberativa proporcionaria racionalização a este acordo, por meio da democratização e transparência dos ambientes de discurso que o compõem (autopoiese/evolução). O foco, chamado instrumental (autopoiese/operações e estruturas), é na constituição jurídico-estatal (direitos fundamentais e princípios do Estado) como possibilitadora da comunicação ubíqua (pulverizada), democrática e realista entre sociedade e Estado (HABERMAS, 2002, p. 283).

Nesse diapasão, a teoria da ação comunicativa habermasiana é estrutural em relação ao espaço democrático, enquanto a teoria autopoética de Luhmann consolida o aspecto organicista dessa estrutura (autopoiese/sentido).[12]

5.1 – JUDICIALIZAÇÃO E PLURALISMO: O MÍNIMO ÉTICO.

Judicialização, autopoiese e pluralismo. Ao manejar, sob outra esfera, os aludidos fenômenos, Edmundo Lima de Arruda Júnior e Marcus Fabiano Gonçalves idealizam um mínimo ético, ou a possibilitação da ética pelo Direito, sob o recorte da questão da representatividade versus participação e a necessidade de um novo pacto social (ARRUDA JÚNIOR e GONÇALVES, 2002, prefácio, p. V). Se a perspectiva do sistema de relação entre os poderes do Estado induz, na atualidade brasileira, disfunções carreadas pela doutrina no que se refere à judicialização de políticas públicas, tampouco merece menos atenção a questão dos ruídos da judicialização social, pois “as demandas dirigidas ao Estado são assim sintomas de um estágio primordial de socialização cooperativa ainda não plenamente conquistado” (ARRUDA JÚNIOR e GONÇALVES, 2002, p. 21).

Além da judicialização, o mínimo ético abraçado às diretrizes autopoéticas e ao pluralismo, como queremos fazer crer, propõe que o Direito possibilite a experiência ética, o que significa o mesmo que possibilitar a própria sociedade e “isso não pode significar imediatamente a adesão a nenhuma concepção particular de justiça, senão antes mesmo a construção de um espaço social onde essas justiças possam circular” (ARRUDA JÚNIOR e GONÇALVES, 2002, p. 32-3). Assim, atuação judiciária se identifica com os processos sociais de produção e circulação da sociabilidade (ARRUDA JÚNIOR e GONÇALVES, 2002, p. 34). A apresentação da ética como um problema eficacial perfaz as “condições fundamentais de viabilização da estrutura social sobre a qual ele mesmo se edifica” (ARRUDA JÚNIOR e GONÇALVES, 2002, p. 65). Ao relembrar a tese de Luhmann, o valor de identidade se dá pelo fenômeno de que as estruturas realizam operações que transformam as estruturas existentes (autopoiese/sistema e entorno) por uma relação dinâmica e circular.

5.2 – JUDICIALIZAÇÃO E PLURALISMO: VALIDADE E EFICÁCIA.

Validade e eficácia. Na mesma linha do caráter propositivo social de Michele Taruffo antes examinado, os hermeneutas Arruda Júnior e Gonçalves conclamam que os problemas da aplicação normativa sejam reunidos às questões de análise da observância e da motivação de maneira a tornar-se viável reflexões sobre os fundamentos éticos e hermenêuticos dos aspectos comportamentais supostos na base de toda a experiência convival (ARRUDA JÚNIOR e GONÇALVES, 2002, p. 66). Na medida em que o positivismo ou mesmo a atividade jurisdicional técnico-jurídica, dirigida ao seu próprio e fechado ambiente de produção, não satisfazem os anseios da crescente complexidade das sociedades modernas. Não dão conta da regulação social de toda a comunidade e não apenas parcela dela (ARRUDA JÚNIOR e GONÇALVES, 2002, p. 93). Em suma, “o compromisso do Poder Judiciário com esse mínimo ético não é nada mais senão o próprio compromisso do Estado com a sociedade” (ARRUDA JÚNIOR e GONÇALVES, 2002, p. 104).

Na medida em que a legitimidade do Judiciário não deflui de mecanismos delegatórios da democracia representativa (ARRUDA JÚNIOR e GONÇALVES, 2002, p. 172), substrato para as críticas contundentes à judicialização das políticas públicas e do ativismo judicial[13], enquanto problemática voltada restritamente à relação entre os Poderes – teoria da tripartição das funções estatais de poder – “seu cultivo” (da legitimidade) “deve estar atento à responsabilidade consequencial na eficácia que suas decisões produzem no acautelamento das possibilidades de funcionamento da sociedade” (ARRUDA JÚNIOR e GONÇALVES, 2002, p. 172). Visto pelo manto do macro sistema Estado/pacto social/comunidade, “esse mínimo eficacial depende inclusive a possibilidade de funcionamento autopoético de todos os subsistemas sociais enquanto sociais” (ARRUDA JÚNIOR e GONÇALVES, 2002, p. 173).

5.3 – JUDICIALIZAÇÃO E PLURALISMO: ÉTICA, DIREITO E POLÍTICA.

Em suma, não se pretende a abstração utópica de rotular que os subsistemas sociais, cada qual com seu conceito de justiça, se substituam ao poder decisório do Estado. Hoje e como tendência das sociedades o ideal é que ao Direito, enquanto ordenamento jurídico dotado de poder coercitivo e sanção, seja reservada a tarefa de garantir a estabilidade social, administrando os conflitos e definindo regras do processo democrático (CITTADINO, 2000, p. 138). Essa concepção é reconhecida pelos liberais, comunitários e crítico-deliberativos, como conclui Gisele Cittadino ao depurar as doutrinas de Joseph Raz, de John Rawls, de Charles Larmore, de Michael Walzer e de Jürgen Habermas no estudo do pluralismo, do Direito e da Justiça Distributiva (CITTADINO, 2000, cap. II, p. 75-137). Ora, se o poder decisório cabe, como monopólio incontestável, ao Estado-juiz, a questão do pluralismo, considerado como multiplicidade de valores culturais, religiosas de mundo, compromissos morais, concepções de vida digna (CITTADINO, 2000, p. 78), a conexão entre ética, Direito e política, enfim, todos os entornos da atividade jurisdicional devem ser contextualizados sob a perspectiva do processo instaurado em cada esfera do Judiciário para permitir o espaço de participação – de cidadania comunitária e/ou individual.


6 – O CASO CONCRETO: O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A QUESTÃO SOCIAL DA ANENCEFALIA.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS e, como ato do Poder Público contestado, propôs, por competência originária da Excelsa Corte, Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental impugnando como lesivo o conjunto normativo dos arts. 124, 126, caput, e 128, incisos I e II, do CP, conforme sua interpretação jurisprudencial para proibir a antecipação terapêutica do parto nos casos de fetos anencéfalos.

O Relator Ministro Marco Aurélio acolheu, em caráter monocrático, o pedido de liminar para suspender os processos e decisões que impossibilitavam a realização do aborto e para reconhecer o direito da gestante a submeter-se à operação. No Plenário da Suprema Corte, a liminar foi parcialmente cassada, para manter somente a referida suspensão dos processos em tramitação. Proporcionou-se a participação em audiência pública a entidades representativas dos diversos segmentos sociais, religiosos e científicos interessados. O resultado foi assim ementado: “FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.”[14]

A relatoria coube ao Ministro Marco Aurélio que se pautou nas seguintes teses para o deferimento da pretensão constitucional: (i) A República Federativa do Brasil como Estado laico: sustentou que concepções morais religiosas não devem influenciar decisões da esfera pública, mantendo-se circunscritas ao âmbito privado, salvo se devidamente reinterpretados na forma de “razões públicas”; (ii) Características excepcionais da anencefalia: apelou ao argumento de autoridade, na forma de evidências de caráter científico, para caracterizar a anencefalia como doença incurável, diagnosticável com 100% de certeza, o que afastaria a presunção de vida extrauterina, por ser inequivocamente letal e apresentar quadro clínico correspondente à morte cerebral; (iii) Rechaça a manutenção da gestação visando a doação de órgãos: argumentou que a eventual obrigatoriedade da gestação, para futura doação de órgãos do nascituro anencefálico, coisificaria a gestante e de que são quase nulas as chances de aproveitabilidade dos órgãos de um feto anencéfalo; (iv) Impossibilidade de invocação do direito à vida: por se tratar de feto sem potencialidade de vida (“natimorto cerebral”) e ainda pela proteção do direito à vida não ser absoluta  no ordenamento jurídico; (v) Direito à saúde, à dignidade, à liberdade, à autonomia, à privacidade:  privilegiou o bem-estar da gestante, a prevenção de riscos e seu direito de escolha, conforme a evolução histórica dos valores da sociedade.

A discordância vencida foi capitaneada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, cuja dissidência foi calcada nos seguintes itens: (i) Limitações da interpretação conforme a Constituição: afirmou existirem obstáculos objetivos à interpretação criativa da Carta Maior para modificar o âmbito de aplicação do texto legal, sob pena de o Supremo legislar positivamente e usurpar funções de outros Poderes; (ii) Características Clínicas da Anencefalia: por não configurarem ausência total do encéfalo, mas somente parcial, acrescido pela circunstância de que o feto é capaz de sentir dor, e que há uma lista de doenças fetais que também ensejam chances de sobrevivência baixas ou nulas para os gestados e que acabariam por merecer a extensão, por analogia, do tratamento jurídico dado à anencefalia, rejeitou a pretensão; (iii) – Da existência de Projetos de Lei versando sobre o tema, os quais estabeleceriam requisitos mais rígidos para o reconhecimento da condição de feto anencéfalo. Argumentou ainda que a indefinição no Poder Legislativo era reflexo da profunda cisão, em termos de opinião pública, a respeito do tema.

6.1 – ANÁLISE DO JULGAMENTO DA ANENCEFALIA: AUTOPOIESE OU ALOPOIESE?

É possível verificar no voto condutor que levou à procedência da Ação Constitucional à vitória que sua argumentação se dá em torno de princípios constitucionais e do apelo à autoridade (médica e científica), tanto para construir o próprio ponto de vista como para enfraquecer o contrário. A motivação engloba tanto aspectos de fundamentação técnico-jurídica (caracterização da laicidade do Estado) como de justificação por valores e fatos sociais (uso de dados científicos; interpretação histórica da relação entre direitos), com uma prevalência desta última. No voto condutor contrário, por sua vez, valeu-se também de argumentos de autoridade (a partir dos mesmos dados, os Ministros extraíram conclusões distintas, em especial no que tange à sensação de dor pelo feto), sendo seu carro-chefe, porém, a arguição da falta de legitimidade do Supremo para apreciar a matéria, frente à separação dos Poderes (prevalência da fundamentação técnico-jurídica), convalidando a noção alopoiética da exclusividade do sistema do Direito e da prestação jurisdicional como sistemas fechados e excludentes.

Por fim, sob a ótica de investigação de nosso estudo, é possível identificar nos votos do componentes da Colenda Corte, a incidência autopoética ou da alopoiética. Os votos vencedores, ladeados pela motivação técnico-jurídica, realçaram os aspectos valorativos de natureza ético-político em decorrência da instrução com participação popular, ou seja, cognitivamente aberto (as entidades sociais admitidas em audiência pública estão relacionadas na decisão da relatoria parcialmente transcrita em nota de rodapé[15] e o conteúdo de suas manifestações registradas no relatório da Ação de Preceito Fundamental nº 54/DF as fls. 19-28[16]). Por seu turno, os votos vencidos optaram por um sistema normativo fechado, pois, apesar de a fundamentação ser a preservação da teoria tripartite, preservou a manutenção hermética do Direito.


7 – CONCLUSÃO.

No Brasil contemporâneo a judicialização de políticas públicas é fenômeno cáustico para o sistema jurídico. Entretanto, enquanto todo o senso crítico se dirigir ao resultado decorrente da atuação jurisdicional, estaremos a fomentar um processo instrumental de exclusão recíproca alopoiéticos entre o Estado e a comunidade, ou seja, reproduzindo operações e sentidos alheios uns aos outros. Negligenciar a intersubjetividade dos segmentos sociais e seus respectivos motes pluralistas no amálgama circular de integração participativa com o Estado-juiz é desprover o sistema de sua capacidade evolutiva.

Na dinâmica e complexa alimentação do sistema democrático e republicano pelos subsistemas do Direito e da sociedade, a judicialização de questões sociais, por sua vez, deve ser avaliada à vista de seu caráter propositivo. São inúmeros situações fáticas que demandam a intervenção dos juízes ante a crise de legitimidade entre governantes e governados visto pelo âmbito eleitoral-representativo.

Todavia, pouco a pouco, formas mais sofisticadas de participação popular como substrato dos indícios da motivação do decisum se irradiam pelos tribunais, cuja expressão mais relevante são as audiências públicas no decorrer da instrução processual, a teor do exemplo do Supremo Tribunal Federal no conflito da anencefalia. O empoderamento dos subsistemas sociais no iter decisório é, sem dúvida, atualmente, a ponte de comunicação mais válida e eficaz para oxigenar o Estado e a comunidade como amicus curiae político.

A judicialização social, nesses termos, arrefece as disfunções entre os três Poderes republicanos e cobre sob o manto de um mínimo ético as relações entre as pulverizadas tribos sociais, dando-lhes sentido comunitário de consolidação de expectativas normativas, de valor de identidade e de responsabilidade social com o devir do Estado e da cidadania.


8 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

AMADO, Juan Antonio. Derechos e pretextos. Elementos de crítica del neoconstitucionalismo. In: Carbonell, Miguel. Teoría Del neoconstitucionalismo. Madrid: Trotta, 2007. 

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Notas

[2] Entende-se por judicialização, conforme Ministro Barroso: “Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro. A seguir, uma tentativa de sistematização da matéria” (BARROSO, 2008, p. 02).

[3] “Utilizando-se da sua competência regulamentar, o Executivo antecipa-se à intervenção judicial que, em muitos casos, impõe à Administração a obrigação de realizar certa prestação a determinado indivíduo e, com isso, termina ao fim e ao cabo por retardar outras prestações sociais tão ou mais relevantes devidas em favor da coletividade. Não se pode dizer que sempre a ponderação de interesses realizada pelo juiz será melhor que a do Legislador ou do Executivo. O juiz apenas realizará uma determinada política social distinta, ás vezes, concebida sem que o órgão judicial tenha tido acesso a todas as informações necessárias sobre as reais necessidades e os recursos efetivamente disponíveis para supri-las” (AMADO, 2007, p. 263).

[4] “Nos dois casos relatados, o Supremo Tribunal Federal adotou uma posição de vanguarda no direito brasileiro. No primeiro caso, o STF considerou que o exercício do direito de greve conferido ao servidor público foi previsto pelo Constituinte de 1988, mas o submetia aos limites de lei complementar (inciso VII). Posteriormente, a Emenda Constitucional 19/1988 revogou a exigência de Lei complementar e autorizou o exercício do direito de greve por meio de lei específica (art. 37, VII). Porém, o legislativo permaneceu em mora e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considerava que o mandado de injunção se limitaria apenas a declarar o poder competente em mora, mas falecia competência ao próprio Supremo, poderia fazer se substituir ao legislador. No segundo caso, a Corte Suprema emitiu sentença normativa porque não havia normas legais garantidoras da preservação do sistema político legítimo para que o mandatário parlamentar pudesse submeter-se aos ditames programáticos e institucionais do partido político com o qual se elegeu. Reconheceu o julgado do STF que é condição sine qua non a existência de partidos políticos para que as candidaturas pessoais sejam apresentadas. Aliás, é condição de elegibilidade, segundo o parágrafo 3º do artigo 14 da CF/88, a filiação partidária” (PEIXINHO, 2008, p. 13).

[5] “Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis” (BARROSO. Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Publicado em 05/2005). Disponível em https://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito. Acesso em 20/06/2016.

[6] Segundo o Ministro do STF, Teori Zavasky: “Há dois espaços importantes para o ativismo judiciário: 1. Insuficiência da atividade legislativa, que pode se dar por várias causas, uma delas porque o legislador trabalha com o futuro. E também pressupõe consensos mínimos, que no legislativo nem sempre é possível se obter com facilidade. É uma realidade internacional; 2. A Constituição brasileira conferiu ao Judiciário mecanismos importantes para preencher esses vazios, princípios gerais, de analogia. E, a partir de 1988, o mandado de injunção e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), para preencher as lacunas do legislador. O mandado de injunção é uma ação constitucional, para casos concretos, através da qual o STF informa o Legislativo sobre a ausência de normas em relação à aplicação de direitos constitucionais.  Já a ADIN é uma ação para declarar inconstitucional uma lei ou parte dela” (NASSIF. Luis.  A aula de Teori Zavaski sobre o ativismo judicial. Publicado em 20/03/14). Disponível em http://jornalggn.com.br/noticia/a-aula-de-teori-zavaski-sobre-o-ativismo-judicial. Acesso em 02/07/2016.

[7] Conforme Luís Flávio Gomes: “O ativismo judicial foi mencionado pela primeira vez em 1947, pelo jornalista norte-americano Arthur Schlesinger, numa interessante reportagem sobre a Suprema Corte dos Estados Unidos. Para o jornalista, caracteriza-se ativismo judicial quando o juiz se considera no dever de interpretar a Constituição no sentido de garantir direitos que ela já prevê, como, por exemplo, direitos sociais ou econômicos” (GOMES, Luiz Flávio. STF – ativismo sem precedentes? Fonte: O Estado de São Paulo, 2009, espaço aberto, p. A2). Disponível em:< http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/339868/noticia.htm?sequence=1>. Acesso em: 28/06/2016.

[8] Confira-se o posicionamento de Paulo Paiva, em relação ao conceito de juristocracia, para o qual “uma mudança nos parâmetros político-decisórios da democracia e teria como característica principal dar curso a uma progressiva restrição da discricionariedade dos órgãos políticos majoritários” (PAIVA, Paulo. Juristocracia?, As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2011. Orgs. André Fernandes Fellet; Daniel Giotti de Paula; Marcelo Novelino. p. 499-528).

[9] “A organização do Estado contemporâneo, tal como expressa em alguns documentos constitucionais mais recentes, é claramente teleológica, aos poderes públicos são, cada vez mais, assinados objetivos fundamentais, que devem nortear a sua ação. As novas constituições já não se limitam a definir a competência estrita dos órgãos do Estado, sem fixar nenhum rumo à sua ação em conjunto, como faziam as Constituições do modelo liberal, as quais partiam do pressuposto de que o Estado deve assegurar a cada indivíduo a livre definição de suas metas de vida, não podendo fixar nenhum rumo objetivo geral para a sociedade. Em decorrência dessa orientação marcadamente teleológica do direito público contemporâneo, a função primordial do Estado já não é apenas a edição de leis, ou seja, a fixação de balizas de conduta, como pensaram os autores clássicos, mas também, e, sobretudo, a realização de políticas públicas ou programas de ação governamental em todos os níveis e setores. E no desempenho dessa função, como sublinhamos, o povo deve assumir papel relevante. [...] O juízo de constitucionalidade que foi uma das grandes invenções dos norte-americanos, deve ser estendido, das leis e atos administrativos, às políticas públicas” (COMPARATO, apud WATANABE, 2011, p. 13-4).

[10] A operação do tipo comunicação baseia-se na estrutura do tipo semântica. A semântica é definida como o produto passível de alimentar a comunicação, isto é, a reserva condensada de sentido resultante das operações do sistema às quais se pode recorrer para construir um ato comunicativo que seja coerente dentro daquele sistema. Dentro da sociedade, cada subsistema pode operar comunicações com base na sua própria estrutura semântica (CORSI; ESPOSITO; BARALDI, apud RAMOS, 2014, p. 1).

[11] Exemplos que Luhmann (apud PEREIRA, 2011, p. 5) dá destes acoplamentos estruturais são a Constituição, acoplamento entre Direito e Política, e a propriedade privada, acoplamento entre Direito e Economia. Apesar da autonomia operacional de cada sistema, há relações de interdependência estrutural entre eles que favorecem a manutenção de tais ligações, tal como a Economia que depende da segurança proporcionada pelo Direito (LÉON DEL RIO apud PEREIRA, 2011, p. 5). Finalmente, há quem ponha em dúvida a capacidade autopoiética do Direito quando imerso em sistemas sociais precários. Para Neves (apud PEREIRA, 2011, p. 5), a corrupção teria o condão de torná-lo alopoiético, isto é, determinado a partir de estruturas externas ao sistema e reproduzindo operações e sentido alheios. Para Villas Bôas Filho (apud PEREIRA, 2011, p. 5), o problema maior residiria no excesso de demandas, especialmente nos países periféricos, forçando o sistema jurídico a atuar além de sua capacidade, ocasionando distorções, e não a corrupção, que para este autor seria onipresente, mesmo em países com sistemas jurídicos autopoiéticos.

[12] “O sistema jurídico realiza a sociedade quando se diferencia dela. Dito de outra maneira, o direito com suas operações (que são operações sociais) introduz um corte na sociedade e com ele se configura um entorno específico do direito, interno à sociedade. Como resultado deste corte, pode-se perguntar como se exercem as influências desse entorno social específico sobre o direito, sem que isto conduza a que direito e sociedade já não se diferenciem” (LUHMANN apud RAMOS, 2014, p. 1).

[13] Na análise da situação brasileira, essa contextualização pode ser resumida da seguinte forma: (i) A ausência de senso de cidadania de base induz para o caminho minimalista das prestações a serem positivadas pelo Estado; (ii) Há a falta de confiança (disfunção) entre os três Poderes, ante às omissões do Legislador e do Administrador; (iii) Na relação estatal de política de governo nas três funções, a omissão legislativa infraconstitucional perpetra a judicialização das políticas públicas pelo Judiciário como legislador positivo e interpretativo dirigida às prestações positivas de forma generalizada; (iv) A omissão do administrador em executar leis de políticas públicas de prestações positivas e em exercer o poder regulamentar executivo para a execução de políticas públicas de prestações positivas previstas na constituição e dela extraídas diretamente, na ausência de lei, perpetra o ativismo judicial de caráter defensivo aos direitos fundamentais sociais nos casos concretos; (v) Além da macro judicialização das políticas públicas e do pontual ativismo dos juízes, respectivamente, as omissões do legislador e do administrador disseminam a recorrência dos cidadãos em busca de direitos fundamentais sociais junto ao Judiciário, institucionalizando a massificação das demandas que passa a ser, por si só, a própria política pública.

[14] A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental foi tombada sob o nº 54/Distrito Federal. O acórdão é composto por 433 páginas. Por 8 votos a 2 a Suprema Corte decidiu pelo deferimento. Os Ministros Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ayres Britto, Gilmar Mendes e Celso de Mello acompanharam o voto vencedor do Min. Rel. Marco Aurélio quanto à procedência; ficaram vencidos os Min. Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso. O Ministro Dias Toffoli se declarou impedido. Data da publicação do acórdão no DJE: 30/04/2013, com o seguinte resultado oficial: “Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal, contra os votos dos Senhores Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello que, julgando-a procedente, acrescentavam condições de diagnóstico de anencefalia especificadas pelo Ministro Celso de Mello; e contra os votos dos Senhores Ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso (Presidente), que a julgavam improcedente. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Joaquim Barbosa e Dias Toffoli. Plenário, 12.04.2012”. O Acórdão foi lavrado nos seguintes termos: “Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em julgar procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal, nos termos do voto do relator e por maioria, em sessão presidida pelo Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas.” Disponível: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2226954. Acesso em 02/08/2016.

[15] “(...) A matéria em análise deságua em questionamentos múltiplos. A repercussão do que decidido sob o ângulo precário e efêmero da medida liminar redundou na emissão de entendimentos diversos, atuando a própria sociedade. Daí a conveniência de acionar-se o disposto no artigo 6º, § 1º, da Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999: (...) ‘Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.’ Então, tenho como oportuno ouvir, em audiência pública, não só as entidades que requereram a admissão no processo como amicus curiae, a saber: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Católicas pelo Direito de Decidir, Associação Nacional Pró-vida e Pró-família e Associação de Desenvolvimento da Família, como também as seguintes entidades: Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Sociedade Brasileira de Genética Clínica, Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, Conselho Federal de Medicina, Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sociais e Direitos Representativos, Escola de Gente, Igreja Universal, Instituto de Biotécnica, Direitos Humanos e Gênero bem como o hoje deputado federal José Aristodemo Pinotti, este último em razão da especialização em pediatria, ginecologia, cirurgia e obstetrícia e na qualidade de ex-Reitor da Unicamp, onde fundou e presidiu o Centro de Pesquisas Materno-Infantis de Campinas - CEMICAMP.” Disponível: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2226954. Acesso em 10.08.2016.

[16] Disponível: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2226954. Acesso em 10.08.2016.


Autor

  • Marco Falcão Critsinelis

    Mestrando Profissional em Justiça Administrativa na Universidade Federal Fluminense/UFF (Brasil), Especialista em Políticas Públicas e de Governo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ (Brasil), Especialista em Direito Comunitário Europeu e Mercosul/Faculdade Universo (Brasil) em parceria com a Faculdade de Coimbra (Portugal), Juiz Federal (Rio de Janeiro, Brasil). http://lattes.cnpq.br/6271225868002463.

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Informações sobre o texto

O presente artigo foi adaptado a partir do trabalho de conclusão da disciplina “Argumentação, Lógica e Fundamentação das Decisões Judiciais”, coordenada pelo professor doutor Wilson Madeira Filho, no Programa de Mestrado Profissional em Justiça Administrativa da Universidade Federal Fluminense- NUPEJ/PPGJA/UFF, em Niterói, ano 2016.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRITSINELIS, Marco Falcão. Judicialização social, autopoiese e pluralismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4836, 27 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51429. Acesso em: 28 mar. 2024.