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A interpretação doutrinária e jurisprudencial acerca da inelegibilidade reflexa

A interpretação doutrinária e jurisprudencial acerca da inelegibilidade reflexa

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I. Introdução:

O presente estudo, de cunho estritamente acadêmico, não tem o condão de exaurir a matéria relativa à inelegibilidade reflexa. Busca-se, a partir de questionamentos surgidos em sala de aula e devido à leitura da Constituição Federal, examinar o instituto da inelegibilidade advinda do parentesco mediante a análise de sua origem, seus objetivos, sua efetividade e sua evolução jurisprudencial nos Tribunais pátrios.

Desse modo, muitas vezes, far-se-á necessário um estudo sistemático com as demais inelegibilidades presentes entre os Direitos Políticos, elencados no artigo 14 da Carta Maior.

Salienta-se que essa pesquisa não tem o fim precípuo de eliminar as interpretações contrárias. Almeja, no entanto, demonstrar as bases teóricas, bem como os subsídios embasadores da interpretação aqui escolhida.

Tentar-se-á demonstrar a vasta gama de interpretações decorrentes da leitura do dispositivo que aborda a inelegibilidade do cônjuge, parentes e afins do titular de cargo Executivo Federal, Distrital, Estadual ou Municipal. Ainda, abordar-se-á a impossibilidade da influência da Emenda Constitucional n° 16/97 na interpretação da norma constitucional presente § 7° do artigo 14.

Por fim, far-se-á uma interpretação da inelegibilidade reflexa em consonância com os princípios constitucionais fundamentadores de um Estado Democrático de Direito.


II. Histórico das Inelegibilidades e seu Surgimento nas Constituições Federais Brasileiras:

As inelegibilidades são uma série de circunstâncias impeditivas do exercício do sufrágio passivo criadas pelo texto constitucional.

Conforme disposição de Paulino Jacques (1983, p. 384-385), as inelegibilidades são impedimentos à capacidade eleitoral passiva (de ser eleito), que visam a assegurar a independência e a dignidade do eleitorado. Diz ele que "as inelegibilidades são impedimentos de ordem pública, cujo principal objetivo é proteger o eleitorado e o mandato e não, os votantes e os votados. É o interesse social que está em jogo, e o qual a lei ampara".

A fim de defender a democracia contra prováveis e possíveis abusos, surgiu o instituto das inelegibilidades. Em sua origem, as inelegibilidades surgiam como

medida preventiva, ideada para impedir que principalmente os titulares de cargos públicos executivos, eletivos ou não, se servissem de seus poderes para serem reconduzidos ao cargo, ou para conduzirem-se a outro, assim como para eleger seus parentes. Para tanto, impediam suas candidaturas, assim como a de seus cônjuges ou parentes, por um certo lapso de tempo. (FILHO, 1996, p. 101).

Deve-se observar, no entanto, que as inelegibilidades não se confundem com as inalistabilidades, pois estas são impedimentos à capacidade eleitoral ativa (direito de ser eleitor), nem mesmo com as incompatibilidades, uma vez que estas são impedimentos ao exercício do mandato.

Enfim, para que alguém, entre nós, possa concorrer a uma função eletiva, é necessário que preencha certos requisitos gerais, denominados condições de elegibilidade, e não incida em nenhuma das inelegibilidades, examinadas adiante, que precisamente constituem impedimentos à capacidade eleitoral passiva. (SILVA, 2002, p. 365).

Consoante dispõe Alexandre de Moraes (2003, p. 239), sua finalidade é proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso de exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, conforme expressa previsão constitucional (art. 14, § 9°).

As inelegibilidades possuem, assim, um fundamento ético evidente, tornando-se ilegítimas quando estabelecidas com fundamento político ou para assegurarem o domínio do poder por um grupo que o venha detendo, como ocorreu no sistema constitucional revogado. Demais, seu sentido ético correlaciona-se com a democracia, não podendo ser entendido como um moralismo desgarrado da base democrática do regime que se instaure. (SILVA, 20002, P. 387).

Analisando-se o histórico das inelegibilidades, tem-se que elas nasceram simultaneamente às elegibilidades, pois desde que havia indivíduos elegíveis, devia haver os inelegíveis, ou seja, aqueles que não satisfaziam as condições de elegibilidade.

Na Grécia e em Roma, observa Glotz (La cite grecque, p. 254) e Momsen (Le Droit public Romain, vol. II, p. 247), os requisitos do eleitorado eram em menor número que os da representação, não só quanto à idade, como quanto à classe social (os senadores romanos, p. ex., haviam de ser "patrícios", como os arcontes atenienses, "eupátridas"). Os Estados Gerais (nobreza, clero e burguesia) tinham os seus requisitos, não só de classe, mas de bens materiais (Funck-Brentano, Ancient Regime, vol. II, p. 165 e s.). A própria Grande Revolução manteve, em parte essas distinções; impunha a condição de contribuinte dos cofres públicos, não só para eleger, mas para ser eleito (M. Duverger, Cours de Droit Constitutionnel, p. 150 e s.). As Constituições de 1848, 1852, 1870 e 1875, entretanto, instituíram o sufrágio universal e as inelegibilidades sem restrição, a não ser a da idade. (apud JACQUES, 1983, p. 385).

Estudou Henry Nézard (Éléments de Droit Public, p. 188 apud JACQUES, 1983, p. 385) duas espécies de inelegibilidades: as absolutas e as relativas. As primeiras consistem no impedimento eleitoral para qualquer cargo eletivo e independem de qualquer condição para que se verifiquem. Esta espécie refere-se à determinada característica da pessoa que pretende pleitear algum mandato eletivo, e não ao pleito ou mesmo ao cargo pretendido. Ensina Alexandre de Moraes (2003, p. 240) que a inelegibilidade absoluta é excepcional e somente pode ser estabelecida, taxativamente, pela própria Constituição Federal. Destacam-se os inalistáveis e os analfabetos como casos de inelegibilidades absolutas no ordenamento jurídico pátrio.

Enquanto isso, as inelegibilidades relativas sujeitam-se à condição resolutiva.

As inelegibilidades relativas, diferentemente das anteriores, não estão relacionadas com determinada característica pessoal daquele que pretende candidatar-se, mas constituem restrições à elegibilidade para certos pleitos eleitorais e determinados mandatos, em razão de situações especiais existentes, no momento da eleição, em relação ao cidadão. (MORAES, 2003, p. 240).

Podem ser examinadas quanto à natureza: funcionais, as oriundas de função pública; familiais, as resultantes de casamento, parentesco ou afinidade; militares e, ainda, as decorrentes de previsões de ordem legal.

Desse modo, seguindo as divisões acima estampadas, as inelegibilidades foram introduzidas na esfera jurídica nacional. Na Constituição Brasileira do Império de 1824 já se encontrava tanto a inelegibilidade absoluta como a relativa, o que também estava determinado nas leis eleitorais da época.

Entretanto, apesar de a legislação imperial introduzir casos de inelegibilidades, deixou a desejar quanto ao fato de não aludir em seus artigos a inelegibilidade por parentesco. Ou seja, os parentes gozavam de uma "doce vida política no Império". (FERREIRA, 1998, 9ª ed., p. 182).

A primeira Constituição republicana, promulgada em 1891, estabeleceu o princípio da inelegibilidade absoluta ao determinar que "são inelegíveis os cidadãos não alistados", determinando a inelegibilidade relativa de natureza familial para o presidente e o vice-presidente da República. Após esta Constituição, consta como a primeira lei eleitoral da República, a Lei n. 35, de 26-01-1892, Lei Cesário Alvim, Ministro da Justiça, que previa as demais inelegibilidades relativas para os membros do Congresso. Já existia, no entanto, antes da promulgação da Constituição de 1891, o decreto n. 511, de 26-06-1890, que era destinado a regular as inelegibilidades.

Em 1932 foi publicado o Código Eleitoral. Até então, inúmeras leis, regulamentos e instruções eleitorais, em caráter federal e estadual, foram promulgadas sem maiores inovações. Esse Código previu que a inelegibilidade fosse promulgada por lei especial. Posteriormente, surgiu o Decreto n. 22.364, de 17-01-1933, objetivando regular as eleições para a Assembléia Nacional Constituinte de 1933. Sua essência assemelhava-se à da Lei n. 35, pois tinha como fito impedir que os altos agentes do Poder Executivo, civis e militares, ou os do Judiciário, se prevalecessem de sua autoridade para constranger ou seduzir eleitores.

A Constituição de 1934, bem como o Código Eleitoral de 1935, constante da Lei n. 48, de 04-05-1934, regulou casos de incompatibilidade e inelegibilidade, que não eram outros senão que os das leis anteriores.

Em 1937, a carta Magna previu um caso de inelegibilidade absoluta – a inalistabilidade e não mais a qualidade de eleitor, como também o queria a Constituição de 1934.

A Constituição de 1946 e a de 1967, com a respectiva Emenda n. 1/69, também aludiam ao problema da inelegibilidade, ainda prevista em lei complementar.

Quanto à proibição em determinadas condições de cessação de funções e de jurisdição, a inelegibilidade dos parentes vem de longa data. Quanto à Velha República, tinha-se a Lei n. 3.208, de 27-12-1916, e o Decreto n. 3.423, de 19-12-1917, ambos regulavam o processo eleitoral e tratavam das inelegibilidades, inclusive a decorrente do parentesco, e tiveram a sua vigência à época do Presidente Venceslau Brás.

Menciona-se também o Decreto Legislativo n. 4.215, de 20-12-1920, bem como o Decreto Legislativo n. 4315, que regulavam o problema das inelegibilidades à época do Presidente Epitácio Pessoa.

Observa-se que a Constituição de 1946 restaurou, em relação às inelegibilidades relativas ao parentesco, o já tradicional entendimento da doutrina brasileira, reduzindo o grau de parentesco por consangüinidade ou afim, ao 2° grau, salvo para deputado ou senador, se já tivessem exercido o mandato, ou fossem eleitos simultaneamente com o presidente ou vice-presidente da República, quando desapareceria o impedimento, conforme se infere das lições de Paulino Jacques. (1983, p. 390).

Por sua vez, a Constituição de 1967, estabeleceu o parentesco até o 3° grau quanto às inelegibilidades dele decorrentes, tendo-se incluído a adoção, inclusive para deputados, senadores e governadores. Na mesma esteira seguiu a Constituição de 1969, a qual manteve essas prescrições, porém enumerou as normas que a "lei complementar de inelegibilidades" deveria observar.

Por fim, a partir da vigência da Constituição Federal de 1988, restou estabelecido no artigo 14 e seus parágrafos as condições de elegibilidade e as hipóteses de inelegibilidade. Esta regulamentação visou, indubitavelmente, à preservação do regime democrático, da probidade administrativa e da normalidade e legitimidade das eleições, bem como surgiu contra o abuso de poder econômico e do exercício dos cargos ou funções públicas.


III. A Eficácia das Normas sobre Inelegibilidades:

A aplicabilidade das normas constitucionais pode ser vista como "a qualidade da norma de poder ser aplicada". (DINIZ, 1998, p. 227).

Para Jorge Miranda, por sua vez, as normas constitucionais classificam-se em auto-executáveis ou não-auto-executáveis.

Analisando-se sob o critério da intangibilidade e da produção dos efeitos concretos, pode-se, sob a ótica da aplicabilidade, distinguir as normas constitucionais em normas de eficácia plena, contida e limitada, seguindo a tradicional classificação de José Afonso da Silva. (1982, p. 89-91).

Conforme preconizam os ensinamentos do aludido autor, as normas constitucionais de eficácia plena são:

aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular.

Maria Helena Diniz (1998, p. 227) preconiza que as normas com eficácia plena

são as que podem ser imediatamente aplicadas, por serem idôneas, desde sua entrada em vigor, para disciplinar as relações jurídicas ou o processo de sua efetivação, uma vez que contêm todos os elementos imprescindíveis para que haja a possibilidade da produção dos efeitos previstos.

Por sua vez, as normas de eficácia contida ou, segundo a classificação adotada por Diniz, as normas com eficácia relativa restringível, podem ser aplicadas imediatamente, porém sua eficácia pode ser reduzida, nos casos e na forma que a lei estabelece. O legislador constituinte deixou uma margem de atuação ao legislador ordinário quando da elaboração dessas normas a fim de que elas possam ter seu alcance restringido por atividade legislativa futura.

Há, também, as normas constitucionais de eficácia limitada. São normas que possuem aplicabilidade indireta ou reduzida, pois somente incidem totalmente sobre esses interesses, após serem objeto de normatividade que lhes desenvolva o poder de aplicabilidade.

Normas com eficácia relativa complementável são aquelas que "têm aplicação mediata, por dependerem de norma posterior, ou seja, de lei complementar ou ordinária, que lhes desenvolva a eficácia, permitindo o exercício do direito ou do benefício consagrado". (DINIZ, 1998, p. 228).

Por fim, há normas com eficácia absoluta, segundo o critério de classificação adotado por Maria Helena Diniz (1998, p. 227). São as denominadas de inatingíveis pelo fato de contra elas não haver o poder de emendar, pois contêm uma "força paralisante total de toda a legislação que, explícita ou implicitamente, vier a contrariá-las".

As hipóteses de inelegibilidade previstas na Carta Maior, artigo 14, § 4° a 7°, são de aplicabilidade imediata e eficácia plena. Significa que não precisam de lei complementar posterior a fim de regularizá-las. Desse modo, dispensam a elaboração de lei complementar, prevista no § 9° do referido artigo para que possam incidir.

Nada impede, no entanto, que lei complementar posterior estabeleça outros casos de inelegibilidades com a mesma finalidade das acima descritas. Dessa maneira, a lei complementar referida no § 9°, do artigo 14, da Lei Maior, está autorizada a regulamentar outros casos de inelegibilidades e os prazos de sua cessação, a fim de que sejam protegidos os valores originários do regime democrático.

Entretanto, deve-se salientar que não apenas essas futuras normas acerca das inelegibilidades é que terão como intuito proteger os valores previstos no § 9°, do artigo 14, da Lei suprema, mas também as inelegibilidades já dispostas no corpo do texto constitucional.

Embora sempre se tenha preconizado a inserção das inelegibilidades no texto original da constituição federal pelo fato de elas serem restritivas de direitos fundamentais, ou seja, do direito de ser eleito (direito à elegibilidade), parece que o constituinte assim não desejou. "Optou por deixar à lei complementar a possibilidade de criação de outros casos com o só limite de indicativos não muito definidos". (SILVA, 2002, p. 388).

Observa-se que se já foi expressamente disciplinada na Carta Maior as condições de elegibilidade, deveriam também estar insertas no seio da atual constituição, de modo exaustivo, as hipóteses de inelegibilidades, pois estas são mais importantes que aquelas. Isso se deve ao fato de as inelegibilidades conter restrições ao direito político de cidadão, como dispõe José Afonso da Silva (2002, p. 388) ao analisar a eficácia das normas acerca das inelegibilidades.

No entanto, cumpre ressaltar que eventuais normas que venham a disciplinar outros casos de inelegibilidades não poderão alterar as regras já disciplinadas pelos parágrafos do artigo 14. Nesse caso, elas poderão somente inserir novos casos, mantendo os existentes intactos, uma vez que são vistos como normas de eficácia plena e aplicação imediata.

Unicamente através de emenda à constituição, desconsiderando-se, nesse caso, os direitos políticos como garantias e direitos fundamentais, é que poderão ser modificadas as hipóteses de inelegibilidades disciplinadas no texto constitucional. Ocorre que, dentre a classificação das constituições, a Constituição Brasileira de 1988 é classificada como rígida. A rigidez e, portanto, a supremacia constitucional, repousam na técnica de sua reforma (ou emenda), que importa em estruturar um procedimento mais dificultoso para modificá-la, conforme as lições de José Afonso da Silva. (2002, p. 63). Significa dizer que requer, para sua alteração, procedimento diverso do adotado pelas demais normas jurídicas do ordenamento estatal.


IV. As Normas Constitucionais e sua Interpretação:

Ao se estudar a Constituição Federal Brasileira, não se deve esquecer de apontar os precedentes que a conduzem quando da análise interpretativa, como seus princípios fundamentais que balizam a forma de governo adotada, qual seja, a República Federativa, bem como a enunciação dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Aponta, com precisão, Raul Machado Horta (1995, p. 239-204)

(...) A precedência serve à interpretação da Constituição, para extrair dessa nova disposição formal a impregnação valorativa dos Princípios Fundamentais, sempre que eles forem confrontados com atos do legislador, do administrador, do julgador (...)

A interpretação da Constituição Federal sempre deve ocorrer de modo que se proceda à confrontação do que dispõe a letra fria (grifo nosso) da lei com as características históricas, políticas e ideológicas do momento, a fim de que se encontre o melhor sentido da norma jurídica, em confronto com a realidade sociopolítico-econômica e se obtenha sua plena eficácia.

Dentre alguns princípios e regras interpretativas das normas presentes na constituição, destaca-se a justeza ou a conformidade funcional, segundo critério de classificação de Canotilho.

Significa que os órgãos encarregados de interpretação da norma constitucional não poderão chegar a uma posição que subverta, altere ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido pelo legislador constituinte originário. (CANOTILHO, 1994)

Não se poderia se deixar de enunciar a força normativa da constituição entre os princípios de sua interpretação. Dessa forma, deve-se adotar, entre as interpretações possíveis, aquela que seja capaz de garantir maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais.

Deve-se, assim apontar a "necessidade de delimitação do âmbito normativo de cada norma constitucional, vislumbrando-se sua razão de existência, finalidade e extensão". (CANOTILHO e MOREIRA, 1993, p. 136). Assim, faz-se necessário observar que as normas constitucionais desempenham uma função útil no ordenamento jurídico, vedando-se, dessa maneira, qualquer interpretação que lhes suprima ou reduza a finalidade, ou melhor, o objetivo almejado.

Por fim, destaca Moraes (2003, p. 45):

a aplicação dessas regras de interpretação deverá, em síntese, buscar a harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas, adequando-as à realidade e pleiteando a maior aplicabilidade dos direitos, garantias e liberdades públicas.


V. A Inelegibilidade por Motivo de Casamento, Parentesco ou Afinidade na Constituição Federal de 1988:

Ocorre que a matéria relativa às inelegibilidades está prevista no texto fundamental da Constituição Brasileira de 1988, além de, também, estar sujeita à disciplina de lei complementar.

Confrontar-se-ão, neste tópico, as possíveis interpretações dadas ao disposto constitucionalmente no artigo 14, § 7°, e sua melhor forma de inserção no ordenamento jurídico nacional, após a Emenda Constitucional n. 16/97, a fim de que não sejam ampliados direitos nem suprimidas garantias por vias não legais ou inconstitucionais.

A grande questão, surge da averiguação minuciosa do disposto na Constituição Federal, em seu artigo 14, § 7°, que estabelece o seguinte:

São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. (grifo nosso)

Perquire-se, num primeiro momento, o que se entende por parentesco, uma vez que configura como causa de inelegibilidade na Constituição Federal Brasileira.

Parentesco, para Cunha Gonçalves (apud FERREIRA, 1998, 9° ed., p. 10), "É uma relação entre pessoas que descendem umas das outras ou todas de autor comum: funda-se, pois, na comunidade de geração". Não deixa de ser, por sua vez, a relação que vincula pessoas que descendem do mesmo tronco ancestral.

Como se não bastasse, colaciona-se a definição trazida por Maria Helena Diniz (1998, v. 3, p. 519), conforme a sociologia jurídica, significa "relação entre pessoas, baseada em ascendência comum, real ou suposta, ou em certa forma de afinidade que liga um dos cônjuges aos parentes do outro". Continua relacionando que, conforme o direito civil, é "relação vinculatória existente não só entre pessoas que descendem umas das outras ou de um mesmo tronco comum, mas também entre o cônjuge e os parentes do outro e entre adotante e adotado".

Dentre as formas possíveis de parentesco, tem-se: civil; em linha colateral, oblíqua ou transversal; em linha reta e por afinidade. A Constituição Federal vigente alude, ao tratar das inelegibilidades derivadas do parentesco, também aquela que é derivada da afinidade. Cabe, portanto, definir-se tal expressão.

Segundo Cunha Gonçalves (apud FERREIRA, 1998, 9ª ed., p. 181), "afinidade é laço que se estabelece, por efeito do matrimônio, entre um dos cônjuges e os parentes do outro, em linha reta ou colateral". Ele ressalta que entre os cônjuges não há afinidade.

A afinidade é um vínculo estritamente pessoal, e não se estende além dos limites fixados na lei, por isso: 1°. os afins de um cônjuge não são afins entre si, embora na linguagem vulgar se usem as expressões co-sogros e concunhados; 2°. quem é afim de um cônjuge, por força do seu primeiro matrimônio, não fica sendo afim da pessoa com quem aquele contraiu segundas ou terceiras núpcias; 3°. os parentes de um cônjuge e os do outro não ficam ligados entre si por afinidade. (GONÇALVES apud FERREIRA, 1998, 9ª ed., p. 181).

Destarte, tem-se que a viúva do Chefe do Poder Executivo não está submissa à inelegibilidade por casamento, uma vez que com a morte ocorre a dissolução da sociedade conjugal.

Da mesma forma, será inelegível para o mandato de Chefe do Poder Executivo alguém que viva maritalmente com o Chefe do Executivo, ou mesmo com seu irmão (afim de segundo grau). Isso se deve ao fato de a Constituição Federal estender o conceito de entidade familiar, nos termos do artigo 226, § 3°. (TSE – Consulta 12.626 – DF – Classe 10ª - Rel. Min. Marco Aurélio – Diário da Justiça, Seção I, 12 jun. 1992).

Ainda, observa-se que essa inelegibilidade também atinge o casamento eclesiástico, pois neste

há circunstâncias especiais, com características de matrimônio de fato, no campo das relações pessoais e, às vezes, patrimoniais, que têm relevância na esfera da ordem política, a justificar a incidência da inelegibilidade. (RTJ 148/844-845. Precedentes do STF – RE n.° 106.043-BA; RE n.° 98.935-8-PI e RE n.° 98.968-PB).

Uma vez esclarecida as possíveis questões em torno de o que é parentesco e como ocorre o parentesco por afinidade, não se poderia olvidar de esclarecer que o padrasto e a madrasta são parentes em primeiro grau dos enteados e, caso o cônjuge de primeiras núpcias faleça, não terá parentesco com o filho do segundo casal do outro cônjuge.

Assim, tem-se que a inelegibilidade por parentesco visa a impedir a formação de oligarquias vinculadas ao parentesco, ao sangue e à afinidade, conforme dispõe Ferreira (1998, 9ª ed., p. 180).

Antes do advento da Emenda Constitucional n. 16/97, a inelegibilidade por parentesco não suscitava dúvidas, como agora também não deveria suscitar, pois essa emenda não alterou a previsão do § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal Brasileira.

Percebe-se, diante da análise dos fatos que, após o advento da referida Emenda Constitucional, criou-se um problema desnecessário, ou seja, foram levantados questionamentos acerca de questões já pacificadas jurisprudencial e doutrinariamente.

Vislumbra-se, com a publicação da mesma, a não alteração da previsão contida § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal. Ocorre que tal emenda veio a possibilitar o instituto da reeleição, que é considerado um prêmio àquele que exerceu uma boa administração durante os quatro anos em que esteve à frente do Executivo.

Quando da análise do dispositivo, tem-se, àqueles que assim almejam, a hipótese de eleição dos cônjuges, parentes consangüíneos e afins do titular do Poder Executivo se este houver renunciado ao cargo até os seis meses anteriores ao pleito. (grifo nosso)

Tal assertiva não pode prosperar, pois, independentemente do tempo que o chefe do Executivo exerceu seu mandato, as pessoas próximas a ele, seja pelo casamento ou pelo parentesco, não poderão se candidatar ao mesmo cargo que aquele ocupa ou ocupava. Essa desincompatibilização, em consonância com as exigências expressas em outros dispositivos, em nada implica na possibilidade de eventual candidatura do cônjuge ou parente.

Quando a lei menciona "ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito" estipula não a necessidade de renúncia ou desincompatibilização dos chefes do Executivo nesse interregno, mas prevê que possam querer candidatar-se a outros cargos diversos do executivo Federal, Distrital, Estadual ou Municipal.

Infere-se da leitura do dispositivo que não há como haver desincompatibilização pelo chefe do Poder Executivo para que o parente se candidate e, possa, futuramente, se eleger. Tal desincompatibilização surge em função de sua própria eleição (ocupação de cargo diverso do anteriormente ocupado) ou, se ainda preferir, pois a Constituição pátria não exige, para sua própria reeleição (recondução ao mesmo cargo).

Ainda, as regras constantes no artigo 14, da Constituição Federal, são destinadas a garantir a normalidade e a legitimidade das eleições, contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. No § 7° do referido artigo, a Constituição prevê a inelegibilidade reflexa que surgiu de modo a evitar que ocorresse o chamado "continuísmo familiar".

Além disso, ao contrário do que muitos preconizam, parece não ser possível a extensão do instituto da reeleição àqueles vedados pela inelegibilidade reflexa, uma vez que este "instituto carrega a idéia de continuidade administrativa". (ARAÚJO, 1998, p. 150).

Diante da inelegibilidade reflexa surgem duas regras: a primeira, como norma geral e proibitiva, e a segunda, como norma excepcional e permissiva. Como expõe Alexandre de Moraes (2003, p. 251), a norma geral e proibitiva traduz-se na expressão constitucional

...no território da jurisdição significa que o cônjuge e parentes consangüíneos e afins até segundo grau do prefeito municipal, por exemplo, não poderão candidatar-se a vereador e/ou prefeito do mesmo município. O mesmo ocorrendo no caso do cônjuge, parentes ou afins até segundo grau do governador, que não poderão candidatar-se a qualquer cargo no Estado (vereador ou prefeito de qualquer município do respectivo Estado; deputado federal e senador nas vagas do próprio estado, pois conforme entendimento do TSE ‘em se tratando de eleição para deputado federal ou senador, cada Estado e o Distrito Federal constituem uma circunscrição eleitoral’, por sua vez, o cônjuge, parentes e afins até segundo grau do Presidente, não poderão candidatar-se a qualquer cargo no país. Aplicando-se as mesmas regras àqueles que os tenham substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito.

Observa-se que não se perquire o tempo de mandato exercido pelo Chefe do Executivo anteriormente, podendo variar entre meses a anos. O que se perquire, acertadamente, é se na legislatura anterior houve o exercício do mandato por pessoa casada, parente consangüíneo ou afim de quem, no pleito subseqüente, pleiteie o mesmo cargo.

Ainda, a inelegibilidade reflexa se faz presente quando há a criação de Município por desmembramento, conforme dispõe a Constituição Federal em seu artigo 18, § 4°, pois o irmão do prefeito do Município-mãe não poderá candidatar-se a Chefe do Executivo do Município recém-criado.

O Supremo Tribunal Federal salientou, como se pode vislumbrar:

O regime jurídico das inelegibilidades comporta interpretação construtiva dos preceitos que lhe compõem a estrutura normativa. Disso resulta a plena validade da exegese que, sorteada por parâmetros axiológicos consagrados pela própria Constituição, visa a impedir que se formem grupos hegemônicos nas instâncias políticas locais. O primado da idéia republicana – cujo fundamento ético-político repousa no exercício do regime democrático e no postulado da igualdade – rejeita qualquer prática que possa monopolizar o acesso aos mandatos eletivos e patrimonializar o poder governamental, comprometendo, desse modo, a legitimidade do processo eleitoral. (STF – RE 158.314-2 – PR – 1ª T. –Rel. Min. Celso de Mello – Diário da Justiça, Seção I, 12 fev. 1993. Nesse mesmo sentido: Súmula n° 12 do TSE).

Seguindo-se a distinção adotada por Moraes, encontra-se a segunda regra presente na inelegibilidade por casamento ou parentesco, que se traduz na norma excepcional e permissiva.

Ocorre que se o cônjuge, parente ou afim já for detentor de mandato eletivo, não haverá qualquer impedimento para que ele pleiteie a reeleição, mesmo que dentro da circunscrição de atuação do Chefe do Poder Executivo. A exceção prevista constitucionalmente refere-se à reeleição para o mesmo cargo na mesma circunscrição eleitoral.

Caso não se trate de reeleição, haverá a incidência da inelegibilidade reflexa. Ou seja, ocorrendo nova e primeira eleição por uma nova circunscrição, o cônjuge, parente ou afim ficará sob a égide da norma constitucional proibitiva. Constata-se igual entendimento em decisão prolatada pelo Egrégio Tribunal Superior Eleitoral ao afirmar que:

O conceito de reeleição de Deputado Federal ou de Senador implica renovação do mandato para o mesmo cargo, por mais um período subseqüente, no mesmo Estado ou no Distrito Federal, por onde se elegeu. Se o parlamentar federal transferir o domicílio eleitoral pra outra Unidade da Federação e, aí, concorrer, não cabe falar em reeleição, que pressupõe pronunciamento do corpo de eleitores da mesma circunscrição, na qual, no pleito imediatamente anterior se elegeu. Se o parlamentar federal, detentor de mandato por uma Unidade Federativa, transferir o domicílio eleitoral para Estado diverso ou para o Distrito Federal, onde cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, até o segundo grau, ou por adoção, seja Governador, torna-se inelegível, no território da respectiva jurisdição, por não se encontrar, nessas circunstâncias, em situação jurídica de reeleição, embora titular de mandato. (TSE – Resolução n° 19.970 – Consulta n° 346/DF – Rel. Min. Costa Porto – Relator designado: Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 21 out. 1997, p. 53.430).


VI. Inelegibilidade Reflexa e Renúncia do Detentor de Mandato Executivo:

Primeiramente, rezava o Tribunal Superior Eleitoral em sua súmula n° 6, "É inelegível para o cargo de prefeito, o cônjuge e os parentes indicados no § 7° do artigo 14 da Constituição, do titular do mandato, ainda que este haja renunciado ao cargo há mais de seis meses do pleito".

Essa foi a primeira posição que o TSE adotou, optava pela inelegibilidade absoluta. Segundo seu entendimento jurisprudencial, não importava o tempo em que havia ocorrido a desincompatibilização do titular do cargo executivo, pois seu cônjuge e parentes eram inelegíveis. Não produzia qualquer efeito a renúncia do titular do mandato Executivo para fins de afastamento da inelegibilidade reflexa.

Percebe-se que, anteriormente ao ano de 1997, data em que foi promulgada a Emenda Constitucional n. 16, o Tribunal Superior Eleitoral manifestava-se no sentido de não acolher a possibilidade de registro de candidatura de parentes do titular do chefe do Poder Executivo.

Observa-se, por conseguinte, as decisões proferidas em sede de Resolução por este colendo Tribunal.

Inelegibilidade. Prefeito eleito. Parentesco consangüíneo ou afim (CF, art. 14, parágrafo 7°). Reiterada a jurisprudência do tribunal no sentido da inelegibilidade dos parentes a cargo de Prefeito, no território de jurisdição do titular, ainda que tenha ocorrido afastamento definitivo do cargo, por qualquer motivo, a qualquer tempo, antes das eleições. (RESOLUÇÃO n.° 17.783, a 17-12-1991). (Precedentes. Resoluções n.° 13.693, 14.077, 14.288 e 14.494).

Inelegibilidade: O cunhado do Prefeito, parente por afinidade em segundo grau, é inelegível à sucessão dele. (CF, art. 14, parágrafo 7°). (RESOLUÇÃO n.° 17.901, a 10-03-1992).

Inelegibilidade absoluta e inafastável do cônjuge e parentes até o segundo grau dos Chefes do Poder Executivo, desde que candidatos aos mesmos cargos, no mesmo território de jurisdição do titular. (RESOLUÇÕES TSE n.° 15.120, de 21-03-89; 17.574, de 05-09-91; e 17.725, de 28-11-91).

Inelegibilidade absoluta que não se afasta ainda que tais parentes, consangüíneos ou afins, sejam filiados a diferentes partidos. (RESOLUÇÃO TSE n.° 11.319, de 15-06-82).

Inelegibilidade de cunhado de Governador (art. 14, § 7°, da Constituição). Condição a ser objetivamente verificada, sem caber a indagação subjetiva, acerca da filiação partidária das pessoas envolvidas, da animosidade ou rivalidade política entre elas prevalecente, bem como dos motivos que haveriam inspirado casamento gerador da afinidade causadora da inelegibilidade. (STF - RE n° 236.948/MA – Maranhão, RExtraordinário, Relator: Ministro Octávio Gallotti, Julagamento 24-09-98 – Tribunal Pleno).

Na Resolução n.° 18.117, relator Sr. Ministro Sepúlveda Pertence, explicitou que não importava, para os efeitos de inelegibilidade de parentes ao mesmo cargo, a motivação do afastamento de quem exerceu o cargo, anotando-se: "O exercício da função, por qualquer tempo, no período imediatamente anterior às eleições, é o suficiente para o impedimento". (Precedente: Consulta n.° 8.689/87).

Colaciona-se recente decisão, proferida posteriormente à Emenda Constitucional n. 16/97. Assim, o TSE proclamou, porém hoje não mantém, na resolução n.° 19.973 (Consulta n.° 331-DF), a 23-09-1997, relator Ministro Maurício Corrêa, por unanimidade, que

O advento da Emenda Constitucional n. 16/97, que alterou o art. 14, § 5°, da Constituição Federal, para permitir a reeleição do titular do mandato de chefe do Poder Executivo, não produz modificação na disciplina constitucional referente ao seu cônjuge e parentes, que continuam inelegíveis no território de sua jurisdição.

Essa decisão foi proferida nos termos do § 7°, do art. 14, da Lei Maior, acolhendo-se entendimento quanto a não se haver, a evidência, revogada a norma em foco, com a superveniência da Emenda Constitucional n° 16/97.

A Emenda da reeleição em nada alterou a inelegibilidade decorrente do parentesco. Portanto, o filho de Governador, ao postular cargo eletivo, sujeita-se à inelegibilidade prevista no art. 14, parágrafo 7°, da Constituição Federal. (RESOLUÇÃO n.° 19.992, de 09-10-1997, relator Ministro Costa Leite).

Entretanto, o TSE não mais aplica a Súmula n° 6. Conforme destaca Alexandre de Moraes, o Tribunal optou pela afastabilidade da mesma e igualou a situação da renúncia do Chefe do Executivo seis meses antes do término do mandato para todas as eventuais candidaturas de seu cônjuge, parentes ou afins até 2° grau.

Posteriormente à Emenda Constitucional n° 16/97, é visível a mudança de pensamento dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral brasileiro. Ao que tudo indica, este tribunal vem pronunciando entendimento contrário aos preceitos estabelecidos pelo legislador constituinte originário, além de parecer legislar em matéria eleitoral, o que não se configura como de sua competência.

Diferentemente das lições que consagravam a inelegibilidade de cônjuges e parentes do Chefe do Poder Executivo, o Tribunal Superior Eleitoral reformulou seu pensamento, abrandando-o e consagrando que: "Mantinha-se a impossibilidade da candidatura de seu cônjuge e parentes consangüíneos ou afins até 2° grau para o idêntico (grifo nosso) cargo de chefe do Executivo". (TSE – Resolução n°20.114, de 10-3-1998 – Consulta n° 366 – Classe 5ª - Distrito Federal – rel. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 3 jun. 1998, p. 63; TSE – Acórdão n° 192, de 3-9-98 – Recurso ordinário n° 192 – Classe 27ª - Tocantins – Palmas – Rel. Min. Edson Vidigal).

Conforme se verificou, essa proibição não alcançava todas as candidaturas para outros mandatos eletivos, mas apenas aquelas que pleiteavam o mesmo cargo de Chefe do Executivo.

Como decorrência de tais decisões, consagrou-se a possibilidade de candidatura do cônjuge ou parentes se o titular do cargo executivo renunciar até os seis meses anteriores ao pleito, porém para cargo diverso do que este ocupava. Começa-se, então, a interpretar de modo diverso o disposto constitucionalmente no artigo 14, § 7°.

Contudo, apesar de a rigorosidade acerca da inelegibilidade por parentesco ter sido abrandada pelo Tribunal Superior Eleitoral, não há como acatá-la em virtude de ter nascida eivada do vício inconstitucionalidade, uma vez que carrega interpretação contrária aos princípios e norma, expressa e proibitiva, constitucionais.

Colaciona-se jurisprudência do Colendo Tribunal Eleitoral que consolidaram este entendimento, dito intermediário, após a Emenda Constitucional n° 16/97.

I. O senador por um Estado pode, no curso do mandato, concorrer ao Senado por outro Estado, desde que satisfaça, no prazo legal, as condições de elegibilidade nesse último. II. É inelegível, para Senador, no Estado respectivo, o cidadão parente consangüíneo até o segundo grau do governador; não o livra da inelegibilidade – conforme a parte final do art. 14, § 7°, da Constituição - fato de ser Senador por Estado diverso, pois a hipótese não seria de reeleição; essa inelegibilidade cessa, contudo, se o governador renuncia ao mandato até seis meses antes das eleições para o Senado Federal. III. A circunstância de poder identificar-se, pelos dados da consulta, a situação individual que, no momento, corresponda com exclusividade à hipótese formulada, não impede o Eleitoral. IV Não é da Justiça Eleitoral – segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal – decidir sobre a perda de mandato eletivo por fato superveniente à diplomação: não cabe, assim, conhecer da consulta a respeito de ser ou não causa da perda do mandato de senador por um Estado a transferência do domicílio eleitoral para outro. (Consulta n° 706, Resolução n° 20.864, Sessão de 10-03-98)

CONSULTA. DEPUTADO FERAL. CÔNJUGE E IRMÃO DE GOVERNADOR REELEITO CUJO 2° MANDATO FOI CASSADO. POSSIBILIDADE DE CANDIDATURA A CARGO DIVERSO NA MESMA CIRCUNSCRIÇÃO. É possível a candidatura de cônjuge ou parente do titular de cargo executivo, a cargo diverso na mesma circunscrição, desde que este tenha sido, por qualquer razão, afastado do exercício do mandato, antes dos seis meses anteriores às eleições. (Consulta n° 748, Resolução n° 21.059, Sessão de 10-03-98).

Dessa maneira, parece terem surgido respostas e argumentos esdrúxulos, através dos votos proferidos pelos ministros eleitorais, a fim de que se garanta a presença de oligarquias familiares no poder.

À primeira vista, tais concessões parecem ser inofensivas, pois a Emenda Constitucional aludida foi publicada e vigora há pouco tempo. Mas daqui a alguns anos, tal entendimento poderá conceder uma espécie de "coronelismo moderno", onde as famílias se perpetuarão no poder mediante amparo da Constituição nacional.

Precedentes e julgados, hoje inócuos, podem fazer com que se multipliquem "Silvas, Souzas, Ferreiras..." e tantos outros grupos familiares no poder.

O TSE, como se não bastasse a avalanche de concessões que vinha fazendo a fim de perpetuar famílias no poder, consagra, atualmente, um terceiro entendimento. O que para este colendo tribunal é tido como "moderno", nada mais é do que um verdadeiro retrocesso.

O entendimento preconiza que, caso o chefe do Executivo renuncie até seis meses antes das eleições, seu cônjuge e parente ou afins até 2° grau, poderão, desprovidos de quaisquer óbices, candidatar-se a qualquer cargo eletivo, inclusive à chefia do Executivo até então por ele ocupada, desde que esse pudesse concorrer a sua própria reeleição. Opta, por conseguinte, pelo afastamento total da inelegibilidade reflexa.

Ocorre que, a reforma de 1997 modificou o § 5° - o da reeleição – mas em nada mudou o § 7° - o do nepotismo, deixando-o intacto. Este posicionamento foi consagrado em vários acórdãos, inclusive do Supremo Tribunal Federal. E intacto estava, por exemplo, nas eleições para prefeitos municipais ocorridas em 2000. Porém em agosto de 2001, o Tribunal Superior Eleitoral, mediante um recurso relatado pela Ministra Ellen Grecie, optou por ajustar um parágrafo ao outro.

Entendeu que, se o titular pode se reeleger, seus parentes também podem. Subscreveu o Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, "o cônjuge e os parentes do titular do cargo são inelegíveis apenas nas hipóteses em que o titular também for".

A Constituição Federal, de modo imperceptível, sofreu uma alteração informal e inconstitucional por parte do Tribunal Superior Eleitoral. Entretanto, mantinha-se viva a esperança de este entendimento vir a ser rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal, o que parece não ter se concretizado.

Baseiam-se eles, quando da aplicação do instituto das inelegibilidades por parentesco, na seguinte argumentação: Se os titulares de cargos executivos podem pleitear a reeleição, por que não poderiam seus parentes se candidatar ao mesmo cargo que aqueles ocupam?

Consideram, dessa forma, que não havendo óbices à reeleição para um único mandato subseqüente para aqueles que são chefes do Executivo Federal, Distrital, Estadual e Municipal, não haveria também entraves à candidatura de seus cônjuges e parentes consangüíneos ou afins até 2° grau.

Houve, portanto, por parte de muitos juristas e ministros dos tribunais pátrios uma interpretação ampliativa, extensiva do § 5° do artigo 14 da Constituição Federal, de modo a lhes permitir que alterassem o disposto no § 7° do citado artigo constitucional.

Ponto importante para que se entenda os institutos da reeleição e da inelegibilidade por parentesco é a averiguação da interpretação dada pelo Tribunal Superior Eleitoral à ressalva "salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição", disciplinada no § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal.

Salvo melhor juízo, essa interpretação foi equivocada, conforme se depreende da Instrução n° 55 do Tribunal Superior Eleitoral para as eleições de 2002, em seu artigo 9°, §§ 3° e 4°. Nota-se que o teor desses parágrafos não é encontrado em nenhuma legislação eleitoral, nem mesmo na Constituição Federal.

O equívoco dessa interpretação reside no fato de que tal ressalva refere-se ao candidato que é parente do chefe do Executivo. É àquele inerente, e não ao próprio titular ou suplente do cargo ao qual quer se candidatar o cônjuge ou parente.

Frise-se: a inelegibilidade reflexa é afastada com a renúncia do Chefe do Poder Executivo dentro do prazo legal de até seis meses antes do pleito cumulada com a possibilidade de reeleição desse mesmo Chefe, segundo jurisprudência dominante do Tribunal Superior Eleitoral.

Elegibilidade. Cônjuge. Chefe do Poder Executivo. Art. 14, § 7° da Constituição. O cônjuge do chefe do Poder executivo é elegível para o mesmo cargo do titular, quando este for elegível e tiver renunciado até seis meses antes do pleito. (TSE – Acórdão n° 19.442, decisão: 21-8-01).

ELEGIBILIDADE. CÔNJUGE E PARENTES. GOVERNADOR. ART. 14, §7°, DA CONSTITUIÇÃO. O cônjuge e os parentes de governador são elegíveis para sua sucessão, desde que o titular tenha sido eleito para o primeiro mandato e renunciado até seis meses antes do pleito. (Consulta n° 788, Resolução n° 21.099, Sessão de 10-03-98).

CONSULTA. FILHA DE PREFEITO REELEITO. DEPUTADA ESTADUAL. CANDIDATURA AO MESMO CARGO DO PAI NAQUELA JURISDIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Inadmissível à filha, deputada estadual, reeleita, concorrer ao cargo de prefeito municipal na jurisdição em que o pai é prefeito reeleito. (Consulta n° 848, Resolução 21.322, Sessão de 10-03-98).

Parece ser este o entendimento que possibilitou a candidatura, e subseqüente vitória, de Rosangela Barros Assed Matheus de Oliveira. À primeira vista desconhece-se tal vencedora, seu nome parece não fazer parte do cotidiano dos brasileiros. Mas se fosse proclamado o nome de Rosinha Matheus, todos, inegavelmente, reconheceriam a ex-primeira-dama que passou ao cargo de titular do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro.

Pergunta-se onde Rosinha Garotinho, que hoje além de ter levado o cargo do marido carrega também seu apelido, teria conseguido subsídios jurídicos capazes de embasar o registro de sua candidatura. No entanto, vê-se que sua candidatura à sucessão de seu marido foi facilmente registrada, conforme se confirma no Acórdão n° 20.239, 01-10-2002 em decisão ao Recurso Especial Eleitoral n° 20.239 – Classe 22ª - RJ, que assim concluiu:

ELEGIBILIDADE. CÔNJUGE E PARENTES. GOVERNADOR. ART. 14, § 7°, DA CONSTITUIÇÃO. O cônjuge e os parentes de governador são elegíveis para sua sucessão, desde que o titular tenha sido eleito para o primeiro mandato e renunciado até seis meses antes do pleito.

O principal argumento utilizado a fim de possibilitar a candidatura da esposa de Anthony Garotinho, foi o de que ele havia cumprido apenas um mandato eletivo, além do já consagrado entendimento de ter ele se desincompatibilizado do cargo antes dos seis meses que antecedem ao pleito.

Parece ser essa a asserção mais condizente de modo a embasar o registro da candidatura de Rosinha Matheus e, no mesmo ano eleitoral, impugnar a candidatura de Ricardo Murad, cunhado de Roseana Sarney, ao governo do Estado do Maranhão. Ocorre que esta, apesar de ter sido governadora do Estado do Maranhão, desincompatibilizou-se dentro do prazo legal dos seis meses que antecedem às eleições, como manda o Tribunal Superior Eleitoral, porém seu cunhado teve sua candidatura impugnada.

A objeção à candidatura de Ricardo Murad deu-se devido ao fato de que sua cunhada já havia cumprido dois mandatos eletivos executivos por dois períodos subseqüentes. Significa que, uma vez tendo sua cunhada esgotado o instituto da reeleição, não poderia ele, irmão do esposo da governadora, pleitear sua candidatura.

Entretanto, deve-se observar que a impossibilidade de os cônjuges e parentes postularem uma primeira e nova eleição surge em conseqüência da inelegibilidade reflexa prevista no § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal Brasileira, e não devido à invocação do § 5° desse mesmo artigo constitucional, que aborda o instituto da reeleição. Este, por sua vez, possui caráter personalíssimo. É considerado um prêmio, um bônus ao bom administrador e não é estendido aos cônjuges e familiares do titular do Chefe do Poder Executivo.

Ainda, deve-se salientar de maneira a justificar este último posicionamento que, se o Tribunal Superior Eleitoral não entendeu como necessária a renúncia do titular do Chefe do Poder Executivo do cargo que ocupa caso pleiteie a reeleição, também não poderá exigir tal renúncia caso o cônjuge ou parentes pleiteiem eleição para o mesmo cargo do titular do Executivo. Essa seria a interpretação mais acertada, caso se abarcasse o entendimento de que o instituto da reeleição não é intuitu personae.

Parece haver incongruência entre a exigência feita pelo Tribunal Superior Eleitoral se o chefe do Executivo for postular a reeleição e se cônjuge ou parente for pleitear a eleição ao cargo por aquele ocupado. Assim como a Carta Maior não exige desincompatibilização do Chefe do Poder Executivo caso queira se reeleger, também não poderá exigir que este renuncie para que seu parente possa se candidatar.

Afasta-se, desse modo, os dois principais argumentos utilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral nacional ao permitir a eleição do cônjuge e parentes consangüíneos ou afins do Chefe do Executivo ao mesmo cargo que este ocupava, pois o instituto da reeleição é próprio e destinado ao bom administrador.

Ainda, se fosse condizente tal argumento, não haveria necessidade de desincompatibilização do chefe do Executivo para que seu cônjuge ou parente pudesse se candidatar. Uma vez entendo-se que a reeleição os abrange, poderia o Chefe do Executivo permanecer no exercício de seu mandato até o termo final de sua legislatura. Se há o desejo por parte dos representantes do Poder Executivo de concorrerem ao mesmo cargo, não há, por conseguinte, necessidade da renúncia, pois a Constituição Federal não a exige expressamente. Aplica-se, desse modo, analogicamente, às candidaturas em que há casos de inelegibilidade reflexa. Por fim, vislumbra-se que o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral carece de subsídios legislativos, além de grave contradição, a fim de que possa prosperar.

Em ambos os casos mencionados algures, observa-se que houve desincompatibilização não com o intuito de que aqueles que eram submetidos à inelegibilidade reflexa, dela fossem desonerados, mas para que os titulares dos cargos executivos pudessem concorrer a cargos diversos dos que ocupavam anteriormente.

Seria uma mera coincidência tal argumento, pois a Constituição Federal, em seu artigo 14, § 6°, assim exige expressamente quando a candidatura pleiteada for para cargo diverso do ocupado anteriormente. Como essa assertiva foi insuficiente para impugnar a candidatura de Ricardo Murad, conforme mencionado, o Tribunal Superior Eleitoral foi além e legislou. Elaborou e consolidou, jurisprudencialmente, esses argumentos, convicto de que estava desempenhando seu papel, quando na verdade estava legislando, função precípua do legislativo enquanto ao TSE, integrante do Poder Judiciário cabe, tão-somente, proferir decisões aplicando corretamente a lei.

Diante de tais decisões judiciais que impugnaram a candidatura de Ricardo Murad e legitimaram a de Rosinha Garotinho, resulta evidente o desrespeito à atual Constituição Federal. O TSE, a fim de legitimar candidaturas até então tidas como proibidas, entendeu que a Emenda acerca da reeleição teve reflexos na norma constitucional que aborda a inelegibilidade decorrente do matrimônio e do parentesco.

Segundo o pronunciamento muito bem elaborado de Roberto Pompeu de Toledo (VEJA, Seção Ensaio), tem-se que

A emenda da reeleição, eis a chave da história, segundo o TSE. Ao permitir que presidente, governadores e prefeitos postulassem um segundo mandato, ela lhes deu um direito que, se não exercido, não pode ser negado aos parentes. Ou seja: se o titular de um desses cargos pode candidatar-se à reeleição, e não o faz, nada impede que um parente o faça.

Infere-se, destarte, a inconsistência de tais decisões, pois fizeram com que o direito à reeleição pudesse ser repassado de uma pessoa a outra, assim como, continua Toledo, se repassa um cheque, endossando-o atrás.

Contudo, deve-se ter presente que o § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal continua plenamente em vigor, servindo como meio de luta "contra o nepotismo ou a perpetuação no poder por meio de interposta pessoa", segundo a definição que o Supremo Tribunal Federal deu a este centenário princípio republicano.

Relata-se, conforme Caldeira (INSIGHT, 2002), que "o TSE interpretou o que era incontroverso".

...sob a presidência do Ministro Nelson Jobim, o TSE está mudando a Constituição, coisa que tribunal nenhum pode fazer. É tarefa para o legislativo e assim mesmo por três quintos dos votos, o quorum da reforma constitucional. Está em andamento uma mutação constitucional pela interpretação do TSE contra disposição expressa da Constituição Federal de 1988.

Diante dos fatos articulados, deve-se impedir que cônjuge de Chefe do Executivo seja votado, anulando o registro do candidato. Caso haja demora na decisão final, deve-se tornar insubsistente o mandato que já tenha sido expedido, excluindo-se da legenda os votos que tenham sido destinados ao candidato impugnado. Esclarece, ainda, Caldeira (REVISTA INSIGHT, 200) "a inelegibilidade sendo obstáculo à reeleição, anula-a por certo".

Muitos autores tomaram como exemplo os casos transcritos e salientaram que, no jogo eleitoral, Rosinha Garotinho derrotou a Constituição no TSE por um a zero.

Entretanto, esperava-se que o Supremo Tribunal Federal, como guardião maior da Constituição procedesse à revanche. Mas o que se verifica é que de sua parte houve acomodação ao resultado da "partida", parecendo confirmar as "técnicas do jogo" adotadas pelos Ministros do Tribunal Superior Eleitoral.

Muito embora, por longo período o Supremo tenha consolidado entendimento de que não era possível a elegibilidade de cônjuges e parentes do Chefe do Poder Executivo ao mesmo cargo que este ocupava, atualmente, em recente decisão, rendeu-se aos argumentos do Sr. Ministro Nelson Jobim e parece adotar diferente entendimento.

A esperança que se alimentava acerca da possibilidade de mudança de entendimento por parte do STF não durou muito tempo. Ocorre que este Egrégio Tribunal veio a consolidar uma espécie de "coronelismo moderno" e a regrá-lo conforme as normas da Constituição Federal. Aquilo contra o qual se lutou durante décadas, surge, agora, amparado pela Lei Maior. Há vários anos, os cidadãos, mediante o Poder Legislativo, tentam pôr fim à presença de oligarquias no poder, principalmente quanto às familiares, que efetuam "rodízios executivos" nos salões da República. Lutou-se, ao que parece, em vão.

Se possível a posição adotada por ambos os Tribunais, poderá haver situações em que, por exemplo, um governador eleito num Estado qualquer desse país, pela primeira vez no ano de 2002, seis meses antes das eleições de 2006, renuncia. Quem assume é o vice. Ocorre que este é de sua confiança, podendo ser facilmente manipulado pelo ex-governador, uma vez que se postularam a candidatura juntos, gozam de igual ou parecida ideologia e princípios.

Logo, candidata-se ao cargo de governadora a filha do ex-governador. Este, conforme o TSE, renunciara no tempo legal. Como o ex-governador era reelegível se não renunciasse, pois somente havia cumprido um único mandato, sua filha, segundo entendimento do TSE, poderia se candidatar ao mesmo cargo anteriormente ocupado pelo pai, desprovida de óbices legais. Vence as eleições, provavelmente impulsionada pela máquina administrativa, que está nas mãos do atual governador, e homem de confiança do ex-governador, com evidente vantagem em relação para os demais competidores e para a lisura do processo de escolha democrática. Toma posse, então. Como é o seu primeiro mandato, é também reelegível para o próximo.

Observe-se a inconsistência de tal entendimento. A filha pode postular a eleição porque o pai somente havia cumprido um único mandato eletivo. Porém o instituto da reeleição a ela também é válido, podendo postular uma recondução ao cargo no período subseqüente. Veja-se que, nesse exemplo, haveria a possibilidade de se pleitear um terceiro mandato subseqüente, o que é expressamente vedado pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 14, § 5°.

Ainda, como se não bastasse, poderá essa então governadora chegar ao ano de 2006 e renunciar seis meses antes das eleições. Ocorre que a governadora renuncia para candidatar-se a outro cargo de maior relevância. Quem se candidata, não importando nesses casos se por igual ou diferente partido político, para sucedê-la? Ninguém mais, ninguém menos do que seu irmão. Como também poderia ter sido seu pai, aquele que começou a dinastia da família no poder, como também sua irmã ou seu marido.

Tem-se, dessa maneira, a possibilidade de, por vários anos seguidos, uma família gozar do poder livremente, desprovida de obstáculos legais, segundo interpretação do TSE e do STF. Logo, haveria a possibilidade de um "continuísmo familiar", alternando-se gerações familiares no poder.

Ao contrário do que se esperava, o STF não cumpriu sua tarefa de resguardar e proteger a Constituição da República Federativa do Brasil. Deveria ele, no exercício de sua função precípua, ter anulado os Acórdãos proferidos pelo TSE, em sede de inelegibilidades, que feriam dispositivos constitucionais.

Ocorre que o STF, resolveu adotar a interpretação do disposto no artigo constitucional 14, § 7°, em consonância com o preconizado no § 6° desse mesmo artigo. Parece ter tido seus olhos vendados quando da escolha de tal interpretação, pois procedeu a uma interpretação sistemática de somente esses dois dispositivos constitucionais, abandonando preceitos fundamentais que servem de base à constituição pátria e ao perfeito funcionamento de um Estado Democrático de Direito.

Salientou que se interpretado isoladamente o disposto no § 7°, do artigo 14, da Constituição Republicana de 1988, ter-se á a inelegibilidade absoluta de cônjuge e parentes dos Chefes do Executivo para o mesmo cargo por este ocupado ou para cargo diverso quando for candidato a primeira e nova eleição. Disse haver, nesse caso, uma interpretação literal da Constituição Federal, de modo que lhe pareceu mais condizente proferir uma análise constitucional sistemática.

No entanto, o STF ao consolidar seu entendimento no Recurso Especial n° 344.882 – BA, de 27-11-01, referiu-se ao recurso especial eleitoral n° 19.442 (Ibiraçu – ES), de 21-08-01, no qual se colhe

...Referiu S. Exa. ao temperamento que foi dado por este TSE ao § 7° do art. 14, quando o tribunal decidiu pela elegibilidade de cônjuge e parentes dos chefes do Executivo para outros cargos, desde que o titular tivesse renunciado até seis meses antes do pleito. Entendeu S. Exa., com rigor de lógica, que a inspiração para este tempero o tribunal buscou, sem dúvida, no § 6°, pois, se a renúncia viabiliza a candidatura do próprio titular a outro cargo, essa mesma renúncia deveria viabilizar a candidatura dos seus parentes.

O argumento principal para a solução da presente controvérsia, porém, emerge, de fato, da alteração das normas de inelegibilidade, introduzida pela EC n° 16/97, a qual, ao alterar a redação dada ao parágrafo 5° do mesmo art. 14, permitiu a reeleição dos chefes do Poder Executivo por um único período subseqüente. A interpretação sistêmica da nova realidade constitucional leva à necessária compatibilização desse dispositivo com aquele constante do § 7° do mesmo artigo.

Já a preocupação com o mau uso da máquina pública para finalidades eleitoreiras fica resguardada pelo afastamento daquele que, eventualmente, poderia desviar, em benefício de seu parente ou cônjuge, serviços ou recursos públicos. A regra de licenciamento, anterior a pelo menos seis meses do pleito, resguarda, como quis o constituinte, a lisura das campanhas.

Uma interpretação literal do § 7°, como se vê, gera situação paradoxal, na medida que impede a eleição dos parentes e do cônjuge para o cargo do titular, quando ele mesmo, por sua vez, pode candidatar-se para esse mesmo cargo.

Daí concluir que a única solução razoável é a que conjuga os ditames dos §§ 5° e 7° e lhes dá leitura condizente com os princípios que informaram a redação das normas constitucionais, sem desconsiderar a nova realidade, introduzida pela EC n° 16/97. A interpretação dada pelo tribunal Regional Eleitoral atende à finalidade da norma, que é evitar o uso da máquina administrativa pelo titular, por seu sucessor ou por seu substituto em benefício de seus familiares.

Seria uma falácia crer, como querem os Colendos Tribunais, que a máquina administrativa não irá trabalhar em prol do candidato parente do ex-chefe do Executivo. Ainda que não trabalhe, a imagem do ex-titular e do atual candidato sempre estará ligada, o eleitorado não a dissocia e, invariavelmente, elege o substituto em função de seu antecessor. Não é dada margem a novos pensamentos e novas ideologias que, muitas vezes, estão escondidas devido à falta de publicidade e conhecimento acerca daqueles que as defendem.

Apesar de rezar pela possibilidade da candidatura do cônjuge e parentes do Chefe do Poder Executivo, relata o Sr. Ministro Nelson Jobim, então acompanhado pelo Sr. Ministro Fernando Neves, no Recurso Especial n° 17.199 (Itapemirim) que a solução condizente para o "continuísmo familiar" não ter prosseguimento, em atendimento à finalidade das normas constitucionais, está na limitação imposta pela nova redação do § 5°, do artigo 14, da Constituição Federal, que estabelece o limite de eleição para "um único período subseqüente".

Diz ele, "esse é o limite constitucional para o ‘continuísmo’". Continua salientando que deve ser aplicado, também, em relação aos parentes e cônjuges. Ressalta-se esta vedação, pois foi por ele legislada, não estando contida na Constituição de modo expresso, ou seja, diz que "o parente eleito, nessas circunstâncias, não poderá concorrer á reeleição. E os parentes deste não poderão concorrer ao mesmo cargo, pois o titular não poderá concorrer à reeleição. Impede-se o continuísmo".

Solução bastante controvertida essa adotada pelo ex-Presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Primeiro, prevê a possibilidade de se ampliar o que a Constituição Federal expressamente proibiu. Logo, veda a possibilidade de reeleição dos parentes e cônjuge, após ter permitido que se elegessem em sucessão a seu marido, esposa e parentes, uma vez que não se permite a reeleição para um terceiro período subseqüente.

No entanto, observa-se que se o Constituinte assim desejasse, teria previsto constitucionalmente. Ou ainda, teria o constituinte derivado alterado essa norma constitucional, mas não os Tribunais nacionais, cuja única função é a aplicação da Constituição de modo a julgar os casos que lhes são colocados sob exame. Têm a função máxima de órgãos julgadores e não de legisladores. Ainda, vieram a legislar contrariamente à Constituição. Logo, transparece a falta de subsídios jurídicos em tais decisões preconizadas tanto pelo Tribunal Superior Eleitoral quanto pelo Supremo Tribunal Federal.

Podem eles, contudo, desejarem que assim seja tratada a inelegibilidade reflexa, mas daí a aplicarem o que bem entenderem na prática, há uma larga diferença. Devem esperar por uma nova Emenda Constitucional que venha a alterar expressamente o disposto no § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal, de modo a permitir a elegibilidade de cônjuge e parentes e disciplinar o instituto da reeleição quanto a eles. Ainda, que seja aprovada, por no mínimo, três quintos dos membros da Câmara dos deputados e do Senado Federal, como dispõe o § 4°, do artigo 60, da Constituição Federal, e não pela vontade dos Senhores Ministros do TSE ou do STF.


VII. Conclusão:

Infere-se diante da análise feita, o extravasamento dos Tribunais pátrios em relação a suas funções, bem como uma atividade legislativa contrária aos fundamentos preconizados por um Estado Democrático de Direito. Ainda, é visível a ocorrência de um retrocesso quando da análise do instituto da inelegibilidade reflexa.

Reitera-se, mais uma vez, que a emenda Constitucional pertinente à reeleição alterou tão-somente o artigo 14, § 5°, não se estendendo para o § 7° como preconizam os Tribunais nacionais. Caso assim desejassem, os legisladores o teriam alterado de modo expresso e não teriam deixado tal tarefa aos órgãos judicantes.

O que se percebe, após averiguação dos fatos, é a conjugação da renúncia do titular de cargo Executivo com a possibilidade de sua reeleição a fim de se dar prosseguimento ao registro de candidatura de cônjuge, parentes e afins daquele.

Surgiu, desse modo, uma atividade legislativa por parte dos Tribunais brasileiros, acolhendo preceitos e modificando normas constitucionais como melhor lhes convinha. Assim, parecia pouco importar, p/ o STF, a guarda da Constituição e sua efetiva aplicabilidade, visto que são seus deveres no mister jurisdicional. Nessa esteira, deu-se a aplicação distorcida das regras acerca das inelegibilidades.

Apresenta-se, hoje, aos cidadãos brasileiros, uma espécie de coronelismo, dita "moderna" ou "às avessas", onde não é imposta a força física de modo a eleger-se alguém ao Poder, mas é imposta a força constitucional, o que é mais grave. Percebe-se que a alteração informal da Constituição passou a legitimar novas formas de poder e aLei Suprema, muitíssima bem elaborada, recheada de direitos e garantias a fim de consolidar um Estado Social e de Direito, passou a perder sua eficácia diante do retrocesso do julgador.


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