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A teoria da vontade na formação dos contratos e a autonomia do Direito Comercial em relação ao Direito Civil face ao projeto do novo Código Civil

A teoria da vontade na formação dos contratos e a autonomia do Direito Comercial em relação ao Direito Civil face ao projeto do novo Código Civil

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Sumário: 1. Introdução. 2. Pressupostos Conceituais - A vontade. 3. A autonomia da vontade na perspectiva filosófica. 4. A autonomia da vontade no campo do direito. 5. A autonomia da vontade na formação dos contratos. 6. Do surgimento do Código Civil. 7. O negócio jurídico no Projeto. 8. Alterações no Projeto original do livro III. 9. O campo do direito comercial. 10. A autonomia do direito comercial. 11. A empresa no Projeto do Código Civil. 12. Conclusões e Críticas. 13. Bibliografia Básica.


INTRODUÇÃO:

O presente trabalho tem por escopo preliminarmente falar sobre a vontade em sentido amplo de significação, ou seja, tentar através da significação posicionar este termo conceitualmente.Em seguida, dar a visão filosófica da vontade e da autonomia da vontade, bem como os reflexos na doutrina antiga, hodierna e estrangeira, dentro e fora do direito.

Posteriormente, tratar da autonomia da vontade na formação dos contratos que são, na realidade, institutos basilares dos negócios jurídicos.

A reforma do Código Civil será abordado, primeiramente apresentando-se um histórico do seu surgimento e posteriormente entrando mais especificamente nas modificações ocorridas nesse Código.

Depois se abordará a autonomia do direito comercial em relação ao direito civil, seus reflexos na doutrina e na legislação.Finalmente será apresentado uma conclusão pessoal do trabalho com relação a reforma do Código Civil, com a respectiva crítica ao projeto que pretende unificar o direito civil e o direito comercial.O presente estudo trata de vasto tema e por esse motivo pretende fazer uma investigação científica que fomente a discussão, quanto ao futuro do Código Civil Brasileiro que tramita no Congresso Nacional.


PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS:

A VONTADE:

Antes da definição conceitual da palavra vontade, devemos entender o que é volição. Do latim escolástico volitione, calcado em "vol", raiz do latim "volo" - (querer), indica o ato pelo qual a vontade se processa a manifestação da vontade, abrangendo suas três etapas: deliberação, decisão e execução.

Vontade, segundo o Dicionário Aurélio, é a faculdade de representar mentalmente um ato que pode ou não ser praticado em obediência a um impulso ou a motivos ditados pela razão. É sentimento que incita alguém a atingir o fim proposto por esta faculdade; aspiração; anseio; ou desejo.

Do latim "voluntate" (significa consentimento, vontade, ato de querer), genericamente exprime a faculdade de querer, a manifestação exterior de um desejo, o propósito em fazer alguma coisa, a intenção de proceder desta ou daquela forma.Segundo Walter Brugger(1), "conhecer e querer são dois modos fundamentais da atividade espiritual. Assim como a ação não é necessariamente mutação, nem o conhecimento intelectual é necessariamente pensamento discursivo, assim a vontade não denota necessariamente tendência a um bem que se deva adquirir ou realizar. Seu ato fundamental é a afirmação de um valor, ou seja, o amor. Por isso, é também vontade a efetuação espiritual, não tendencial, do valor infinito. A vontade em geral tem como objeto característico o valor em geral ou o bem como tal. A vontade aparece como apetite só onde o bem não se identifica com a vontade ou onde não está originariamente ligado a ela."Segundo Nietzsche(2), "impulso fundamental inerente a todos os seres vivos, que se manifesta na aspiração sempre crescente de maior poder de dominação".

Por isso, a vontade humana pode ser designada como a faculdade espiritual, que o homem possui de afirmar os valores intelectualmente conhecidos ou de tender para eles. Seu objeto característico é o da vontade em geral; o ser como valor, mas apresentado segundo o modo peculiar do conhecimento e do entendimento humano.Enquanto o apetite sensitivo (tendência) se restringe ao estreito domínio de bens sensivelmente aceitáveis, a vontade tem um domínio objetivo ilimitado. Com efeito, pode dirigir-se somente àquilo que de algum modo aparece como bom, mas também a tudo quanto possua esta qualidade; ora isto é o que constitui o domínio ilimitado do ente em geral, porque todo ser é, de algum modo, valioso.

Como causa final que atua por mediação do conhecimento intelectual, a bondade atrativa do objeto é, ao mesmo tempo, motivo de vontade. O querer está, assim, arraigado imediatamente no motivo conhecido, mas mediatamente em tudo o que, por parte das diversas disposições e "camadas" da alma, coopera para a constituição dos juízos de valor. Quer dizer que para o complexo de vivência valorativa contribuem igualmente todos os estados afetivos psíquicos, como a disposição de ânimo, o temperamento, as bases sensoriais do pensamento, o caráter, o tipo de personalidade e a profusão de complexos inconscientes.Pela vivência valorativa são provocados os primeiros movimentos da vontade, os quais, por sua parte, podem repercutir-se sobre a ulterior configuração da vivência motival. Todavia, dentro de certos limites, a orientação última da vontade continua sendo, nas lutas suscitadas pelos motivos, dentro de certos limites, um ato voluntário livre (Liberdade da Vontade).

Juridicamente, a vontade revela a própria intenção, ou desejo em se fazer alguma coisa. Corresponde, pois, à deliberação, ou à resolução, intencionalmente tomada pela pessoa, a fim de que se tenha como consentimento na prática, ou na execução de um ato jurídico, de que se geram direitos, ou nascem obrigações.

Assim, a vontade identifica-se com o próprio consentimento, sendo o ato de volição que atribui às ações do homem o valor jurídico, de que necessitam para serem legítimas e produzirem os efeitos desejados.

Somente a livre vontade, isto é, a livre manifestação dessa vontade tem a eficácia legal, para que se produzam efeitos jurídicos. Vale dizer que a vontade, além de consciente, deve estar livre dos vícios, ou defeitos, que a possam anular.


A AUTONOMIA DA VONTADE NA PERSPECTIVA FILOSÓFICA:

Etimológicamente, autonomia significa capacidade de reger-se por si mesmo, ou capacidade de agir espontâneamente. Outrossim, a autonomia pode ser entendida num sentido mais amplo, como a condição de uma pessoa ou coletividade que determina por si mesma a lei a que se submete.

Kant emprega o termo para significar que a razão humana é livre em matéria de moral e que as leis que ela impõe à vontade são universais e absolutas. É neste ponto que se insere a tão conhecida distinção estabelecida pelo referido filósofo entre o uso público e o uso privado do entendimento - que irá servir de eixo para toda a sua argumentação.A moral kantiana se rege por três princípios: a universalidade da lei, a dignidade absoluta do indivíduo humano e a autonomia da vontade.

Referido filósofo(3), estabelece que a autonomia da vontade é a constituição da vontade, pela qual é para si mesma uma lei - independentemente de como forem constituídos os objetos do querer. - O princípio da autonomia é, pois, não escolher de outro modo mas sim deste: que as máximas da escolha, no próprio querer, sejam ao mesmo tempo incluídas como lei universal.

Ferrater Mora chama autonomia o fato de uma realidade estar regida por lei própria distinta de outras leis, porém, não forçosamente incompatível com elas, admitindo que, no vocabulário filosófico em geral, o termo se emprega no sentido ontológico e ético.

Uma lei moral é autônoma quando tem em si mesma seu fundamento e a razão própria de sua legalidade. Esse é principalmente o sentido kantiano que procura indicar a autonomia da vontade como "uma propriedade mediante a qual a vontade constitui uma lei por si mesma, independentemente de qualquer propriedade dos objetos do querer".Como ocorreu na antiga Grécia, é na ética, que o vocábulo autonomia adquire sua significação, devendo-se a Sócrates a conceituação dessa categoria filosófica como algo que identifica a independência do homem em relação à parte animal de sua natureza. A autonomia do ser racional ao estabelecer as leis morais se apoia numa autarquia, ou auto-suficiência, isto é, numa pureza de intenção desvinculada das influências exteriores.


A AUTONOMIA DA VONTADE NO CAMPO DO DIREITO:

O papel da vontade no direito já foi objeto de numerosos estudos ao mesmo tempo por parte de juristas e filósofos, sendo certo que várias foram as posições assumidas e, principalmente, na fase de predominância do direito natural.

Vicente Rao(4) em obra clássica sobre os atos jurídicos identifica a vontade em todos seus pontos como constituindo matéria básica da teoria do direito e da realidade jurídica.Segundo Rao, "a vontade, manifestada ou declarada, possui no universo jurídico poderosa força criadora: é a vontade que através de fatos disciplinados pela norma, determina a atividade jurídica das pessoas e, em particular, o nascimento, a aquisição, o exercício, a modificação ou a extinção de direitos e correspondentes obrigações, acompanhando todos os momentos e todas as vicissitudes destas e daquelas".

No campo do direito, segundo Ihering(5), a vontade para os seguidores de Kelsen não passa de simples metáfora, visto que no plano das normas não há nada que se assemelhe à vontade, porquanto somente há imputação, isto é, uma estrutura lógica que é o modo de enlace característico de dois fatos numa norma, ou de um fato a uma pessoa. Neste caso, ocorre que na vida jurídica, muitas vezes um fato é imputado a um sujeito que efetivamente o tenha querido e o realiza, mas, em outros, pode ocorrer que um comportamento é realmente o efeito voluntário do sujeito, sem que lhe seja imputado, quando uma pessoa faz uma declaração de vontade sob o influxo de um medo insuperável, essa declaração, apesar de real e voluntária, porquanto "coactus tamen voluit", como diziam os romanos, apesar de ser efeito real do comportamento de alguém, juridicamente não lhe é imputado, não produz conseqüências.


A AUTONOMIA DA VONTADE NA FORMAÇÃO DOS CONTRATOS:

Segundo a doutrina clássica, o contrato é sempre justo, porque, se foi querido pelas partes, resultou da livre apreciação dos respectivos interesses pelos próprios contratantes, o que teoricamente presumir-se-á como o equilíbrio das prestações.

Sendo justo o contrato, segue-se que aos contratantes deve ser reconhecida ampla liberdade de contratar, só limitada por considerações de ordem pública(6) e pelos bons costumes(7). Assim enquanto forem observados esses limites, podem as partes convencionar aquilo que lhes aprouver, o que, de resto, constitui um aspecto da liberdade individual, consubstanciada no princípio de que é permitido tudo que não é proibido.

Podem, portanto, discutir livremente todas as condições contratuais, celebrar contratos regulados por lei, ou quaisquer outros inéditos que imaginem, escolher a melhor forma de declaração de vontade, fixar os efeitos, etc.Nos dissídios que acaso se formem, a missão do juiz terá de se circunscrever à apuração da vontade dos contratantes, em um processo de pura reconstituição.

Em contraposição às chamadas normas obrigatórias existem as facultativas que compreendem as normas supletivas e as interpretativas. O contratante, via de regra, preocupa-se, especialmente, com os efeitos principais do contrato. Descuida-se dos pormenores e das conseqüências secundárias. Poderia, precisamente porque as normas são facultativas, regula-las por forma diversa da preferida pelo legislador e sustentada na experiência universal. Contudo, em decorrência da omissão, subordina-se aos seus efeitos.

Colin et Capitant, brilhantemente opinam que essa submissão importa em tornar a autonomia da vontade mais aparente do que real.

Efetivamente e sem embargo da ficção jurídica de que "todos conhecem a lei", os contratantes serão, freqüentemente surpreendidos, em virtude da aplicação de regras supletivas, com efeitos e conseqüências estranhas à sua previsão e até contrárias à vontade silenciada.Sob esse aspecto, sofre a autonomia da vontade. A solução a posteriori de questões não previstas no contrato só poderá ser estabelecida pelas partes se estiverem de acordo. Não chegando a acordo, porém, a norma, em princípio, facultativa, torna-se obrigatória para os contratantes em dissídio. Isto é imprescindível, para que se solucione o conflito.

A liberdade de contratar, então, deve ser entendida em termos. As partes podiam contratar o contrário do que dispunha a norma facultativa. Mas, se não usaram essa faculdade, a sua imprevisão poderá tornar necessário que ela se transmude em preceito obrigatório.O exame da jurisprudência revela que, por vezes, o juiz adota solução não convencionada pelas partes, nem fornecida pela lei supletiva. Por uma imprevisão dos contratantes e do legislador, não se traçou a regra para a questão superveniente. O juiz de ordinário, simples aplicador ou intérprete de sua vontade, vê-se na necessidade de constituir uma solução estranha ao consentimento. Procede por suposições, imaginando uma solução que, no seu entender, seria a que as partes teriam adotado se o caso lhes tivesse ocorrido por ocasião da elaboração do contrato e, por ficção, a admite como condição subentendida ou tácita.

Esta é a teoria das condições subentendidas em que Patterson, recolheu como exemplos, numerosos casos da jurisprudência americana. Menciona, o caso do construtor que se desvia dos planos e plantas aprovadas pelo dono da obra, mas o faz somente no interesse desta e por ter verificado que o detalhe planejado não deve, ou não pode, ser executado. Alude, também, às condições tácitas de cooperação, indispensável à execução de certos contratos(8).Para outros autores, porém, trata-se de simples interpretação do contrato, isto é, de apuração da vontade dos contratantes, por não estar expressa a solução que deve ser subentendida.De qualquer modo, porém, não há certeza de que a condição que o juiz considere subentendida corresponde à real vontade dos contratantes, ou à vontade que teriam declarado se houvessem previsto a dificuldade superveniente. A falta dessa certeza basta para justificar o asserto de que, em muitas oportunidades, não corresponderá e, por conseqüência, será afetada a autonomia da vontade.

Problema ligado ao da autonomia da vontade é o de saber se, na divergência entre a vontade real e a vontade declarada, deve prevalecer esta ou aquela.

Segundo a teoria da vontade, a preponderância caberá à vontade real(9). Segundo a teoria da declaração, prevalecerá a vontade declarada(10).

A verdadeira solução, porém, é a intermediária(11). Se, em regra, é de preferir-se a vontade real, casos há em que, por conveniências sociais de segurança nas relações jurídicas, a vontade declarada deve prevalecer, porque, sendo a declaração o meio normal de revelação da vontade interna, não devem os que nela confiarem sofrer prejuízo pela divergência entre uma e outra(12).

As legislações, em geral, esposam critério eclético(13). Em todas as oportunidades, porém, em que a vontade real for sacrificada em favor da declaração, a autonomia da vontade receberá novo golpe.


DO SURGIMENTO DO CÓDIGO CIVIL AO ATUAL ANTEPROJETO DO CÓDIGO:

Antes de entrarmos especificamente na reforma do Código Civil aprovada pela Câmara dos Deputados (Redação final do Projeto de Lei n. 634-B, de 1.975, publicada no Diário do Congresso Nacional de 17/05/84 - Suplemento ao nº 047), faremos uma breve exposição dos caminhos que tomaram a codificação civil até o presente momento.

1) Lei de 20 de outubro de 1.823, confirmou as "Ordenações" - enquanto não se organizava um novo Código;2) Constituição de 1.824 "Constituição Imperial", artigo 179, inciso XVIII: "Organizar-se-á, o quanto antes, um Código Civil e um Criminal...";

3) 1.845, o Barão de Penedo apresenta ao "Instituto Ordem dos Advogados Brasileiros", o trabalho: "Da Revisão Geral e Codificação das Leis Civis e do Processo, no Brasil";

4) Nessa época Euzébio de Queirós, queria que fosse adotado o "Digesto Português de Correia Telles";

5) O "Instituto" deu parecer contrário;

6) 15 de fevereiro de 1.855, Teixeira de Freitas foi contratado para elaborar a "Consolidação das Leis Civis";

7) Em 1.858 a "Consolidação" ficou pronta com 1.333 artigos anotados;

8) Em 22 de dezembro de 1.858, foi aprovada pelo Imperador, a consolidação e determinada a "confecção de um projeto de Código Civil do Império";

9) Em 10 de janeiro de 1.859, Teixeira de Freitas firma contrato com o Governo do Império, para elaborar o "Projeto do Código Civil", a ser entregue até o dia 31 de dezembro de 1.861;

10) Em agosto de 1.860, Teixeira de Freitas, traz a público o famoso "Esboço";11) Contrato foi prorrogado até 30 de junho de 1.864;

12) Pelo Decreto 2.318 de 1.858, foi nomeada uma Comissão, fazendo parte o Conselheiro Antonio Ribas e Nabuco de Araújo;13) Em 20 de abril de 1.865, os trabalhos da Comissão tiveram início e foram suspensos em 31 de agosto de 1.865 (discutiram apenas, 15 artigos do Esboço);14) Em 20 de novembro de 1.866, Teixeira de Freitas renuncia os trabalhos, mas não foi aceita pelo novo Ministro da Justiça Martin Franscisco Ribeiro;

15) Em 20 de setembro de 1.867, Teixeira de Freitas queria dividir o Código em dois (Parte Geral e Parte Especial);

16) Em 1.871 a Argentina, através de Dalmácio Velez Sarsfiled, publica o Código Civil, baseando-se no Esboço;17) Em 05 de fevereiro de 1.872, o Visconde de Seabra envia um outro Projeto do Código Civil;

18) Em 11 de setembro de 1.872, é publicado o Dec. n. 5.164, que contratou Nabuco de Araújo para a redação do Projeto do Código Civil pelo prazo de 3 anos;

19) Em 18 de novembro de 1.872, o Governo Imperial rescinde o contrato com Teixeira de Freitas;

20) Em 19 de março de 1.878, ocorreu a morte de Nabuco de Araújo, que deixou 300 artigos já elaborados;

21) O Senador Joaquim Felício dos Santos, com o aval do Conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira, então Ministro da Justiça, ofereceu-se para sem contrato ou qualquer espécie de ganho, elaborar o projeto do Código Civil;

22) Em 1.881, Felício dos Santos apresentou "Apontamentos para o Projeto do Código Civil brasileiro", com 2.602 artigos;23) Em julho de 1.881, o atual Ministro da Justiça Conselheiro Souza Dantas, nomeou uma Comissão para examinar o Projeto com a participação de Lafayette, Ribas e Coelho Rodrigues;24) Em 25 de março de 1.882, Felício dos Santos apresentou o Projeto à Câmara dos Deputados;

25) Em 1.884 são publicados 5 volumes do Projeto do Código Civil Brasileiro e Comentários, com 2.692 artigos;26) Em 06 de junho de 1.889, a Comissão d 1.881 foi reorganizada (integrante Coelho Rodrigues e presidida por D. Pedro II);

27) Em 15 de novembro de 1.889 houve a Proclamação da República;

28) Em 12 de julho de 1.890 foi contratado Antônio Coelho Rodrigues e o Projeto foi apresentado ao Governo em 23 de fevereiro de 1.893 (baseado no Código de Zürich de 1.853);

29) Em 1.891 o Projeto Felício dos Santos foi republicado com 2.762 artigos por ordem do Ministro da Fazenda Alencar Araripe;

30) O Marechal Floriano Peixoto dava preferência ao Projeto Felício dos Santos;

31) Em 1.895 o Senador Coelho Rodrigues influía o Congresso nacional para nomeação de uma Comissão para a escolha entre o Projeto Felício e o Projeto Coelho (sai vitorioso este último);32) Em 1.897 foi publicado com 2.734 artigos;33) Em 25 de janeiro de 1.899 o Ministro Epitácio Pessoa convidou Clóvis Beviláqua para elaborar o novo projeto;34) Em março de 1.899 Rui Barbosa faz sua "Crítica" ao projeto, apoiado por Inglez de Souza;

35) o Projeto teve início em abril, e em outubro de 1.899 foi entregue ao Governo;

36) Foi nomeada uma Comissão tendo como integrante Lacerda de Almeida, que apreciou o Projeto de 23/03 à 02/11 de 1.900;

37) Em 17 de novembro de 1.900, foi encaminhado à Câmara dos Deputados;

38) Em 26 de maio de 1.901 a Câmara formou uma Comissão tendo como integrante o Professor Azevedo Marques e como relator geral o Professor Sílvio Romero;

39) De 27 de junho de 1.901 à 26 de fevereiro de 1.902 foram realizadas várias reuniões e entregue ao Plenário da Câmara o Projeto Final;

40) O Projeto antes de ser apresentado em Plenário, foi revisto por Carneiro Ribeiro que em 04 dias fez a revisão gramatical;41) Em 21 de março de 1.902 a Câmara envia o Projeto ao Senado;42) Em 22 de março de 1.902 o Senado constitui uma Comissão para estudar o Projeto com a participação de Martinho Garcez e tendo como presidente o Senador Ruy Barbosa;

43) Em 03 de abril de 1.902 foi apresentado o "Parecer" da Comissão do Senado, atacando duramente as correções de Carneiro Ribeiro (esta "briga" durou 14 anos, e seu clímax durou 03 anos);44) Em 25 de setembro de 1.902 Carneiro Ribeiro respondeu às críticas nas "Ligeiras Observações sobre as Emendas do Dr. Ruy Barbosa, feitas à redação do Projeto do Código Civil";45) Em 10 de outubro de 1.903 foi publicado a "Réplica" de Ruy Barbosa e em 1.905 Carneiro Ribeiro apresenta a "Tréplica";46) Em 1.906 Clóvis Beviláqua publica "Em defesa do projeto do Código Civil brasileiro", com 540 páginas;

47) Em 31 de dezembro de 1.912 a Câmara recebeu o Projeto de volta;

48) Em 1.913 foi publicado o Projeto final, com emendas do Senado e foi retirado da ordem do dia;

49) Em 01 de julho de 1.915 o Projeto volta à votação na Câmara;

50) Em 22 de julho de 1.915 o Projeto volta ao Senado;51) Em 22 de agosto de 1.915 o Projeto volta à Câmara;52) Em 01 de janeiro de 1.916 o Projeto é sancionado pela Lei 3.071, pelo então Presidente da República Wenceslau Brás, para entrar em vigor a partir de 01 de janeiro de 1.917;

53) O Código Civil brasileiro influiu profundamente o Código Civil Chinês e o Português de 1.966;54) O Presidente Jânio Quadros nomeia Comissão para reforma do Código Civil;

55) Esta Comissão era composta pelo Professor Haroldo Valladão, Orlando Gomes, Caio Mário da Silva Pereira, Sylvio Marcondes Machado e Theófilo de Azeredo Santos. Neste primeiro momento foi encaminhado ao Congresso Nacional, através da Mensagem 804 de 12.12.65, Projeto de Código Civil(14) (calcado em anteprojeto desta comissão) e um Projeto de Código de Obrigações(15);56) Basearam-se na unificação do direito privado (Teixeira de Freitas) e no Código das Obrigações suíço;

57) Os referidos Projetos não lograram aprovação, sobretudo, pela forte oposição registrada nos meios jurídicos, tais projetos foram retirados por Mensagens de 1.966 e 1.967, respectivamente;

58) A iniciativa foi retomada pela Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, nomeada pelo Ministro da Justiça em 1.969;

59) Essa Comissão foi formada sob a supervisão do Professor Miguel Reale e integrada pelos juristas José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Vianna Chamoun, Clóvis Couto e Silva e Torquato de Castro, contando ainda com a colaboração do Professor Mauro Brandão Lopes;

60) O Anteprojeto do Código Civil brasileiro foi apresentado e publicado em 1.972, incluindo a unificação do direito obrigacional, que revisado em 1.973, após as críticas e sugestões recebidas, foi republicado em 1.974;

61) Finalmente foi encaminhado ao Congresso pela Mensagem do Poder Executivo 160/75, que lá deu origem aos Projetos de Lei 635/75;

62) O Projeto de lei n. 634-B de 1.975 (já aprovado pela Câmara dos Deputados), foi publicado como acima noticiamos no Diário do Congresso Nacional de 17 de maio de 1.984 - Suplemento ao nº 047) (16).


O NEGÓCIO JURÍDICO NO PROJETO ORIGINAL E ATUAL DE CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO:

É na disciplina dos negócios jurídicos que o projeto de Código Civil brasileiro apresenta maiores alterações em face do Código Civil vigente.Ao redigir seu projeto, no final do século XIX, não contava Clóvis Beviláqua com os subsídios que, alguns anos mais tarde, viria a ministrar a doutrina germânica para a distinção, em categorias, dos atos jurídicos lícitos. Em 1.899, a diferença entre negócio jurídico e ato jurídico em sentido estrito ainda se apresentava, até na obra dos mais eminentes romancistas e civilistas alemães, de maneira pouco precisa.Regelsberger, que nessa época se destaca, no particular, não vai além das seguintes palavras:

          "...Eles se dividem, de novo, em duas espécies, conforme se aspira positivamente ao efeito jurídico, ou este ocorre ainda fora da vontade do agente. Os atos da primeira espécie são os negócios jurídicos. Para os outros falta uma denominação reconhecida. Pode-se dar-lhes o nome de atos semelhantes a negócios jurídicos..." (17)Não havia, ainda, estudo mais aprofundado dessas espécies de atos jurídicos lícitos. Faltava maior precisão à linha divisória entre essas duas figuras, em conseqüência, careciam de exame.É certo, porém, que hodiernamente a construção doutrinária da categoria não está ainda afastada de imprecisões e de incertezas. Atento a essa circunstância, o Anteprojeto de Código Civil brasileiro (Projeto de Lei no. 634, de 1.975), no livro III de sua Parte Geral, substituiu a expressão genérica ato jurídico, que se encontra no Código em vigor, pela designação específica negócio jurídico, pois é este, e não necessariamente àquele, que se aplicam todos os preceitos ali constantes. E, no tocante aos atos jurídicos lícitos que não negócios jurídicos, abriu-lhes um título, com um artigo único (artigo 183, e que atualmente - projeto de lei 634-B de 1.975 - artigo 185) em que se determina que se lhes apliquem, no que couber, as disposições disciplinadoras do negócio jurídico. Seguiu-se nesse terreno, a orientação adotada, a propósito, no artigo 295 do Código Civil Português de 1.967.Assim, deu-se tratamento legal ao que já se fazia, anteriormente, com base na distinção doutrinária que corresponde à natureza das coisas. Ambas as normas - a do artigo 295 do Código Civil português de 1.967 e a do artigo 186 do projeto do Código Civil brasileiro (Lei 634-B) - esgotam a disciplina das ações humanas que, por força do direito objetivo, produzem efeitos jurídicos em consideração à vontade do agente, e não simplesmente pelo fato objetivo dessa atuação. Quando ocorre esta última hipótese, já não há que se falar em ato jurídico, mas sim - e é dessa forma que o considera o direito - em fato jurídico em sentido estrito (são os atos-fatos jurídicos da doutrina germânica(18).


ALTERAÇÕES DO PROJETO ORIGINAL NO LIVRO III:

A única alteração que o Projeto final (634-B) aprovado introduziu com relação ao projeto anterior, no que se refere a negócio jurídico, foi a inclusão, no atual artigo 108 da expressão "modificação ou renúncia" (artigo 108: "Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País"). Tratava-se, realmente, de omissão, no projeto original, a ser sanada.Rejeitou-se, porém, emenda - a de nº 207 - que pretendia substituir, no capítulo concernente à invalidade do negócio jurídico (o que implicaria a generalização da providência proposta), a expressão "negócio jurídico" contrapõe-se a ato jurídico.

Também não foi acolhida a emenda nº 156, que pretendia dar a seguinte redação ao artigo 109 do Projeto original (é o artigo 111 do Projeto aprovado pela Câmara) referente ao silêncio: "o silêncio importa anuência nos casos em que a lei o indique, quando as circunstâncias ou os usos comprovadamente o autorizarem e não seja necessária a declaração da vontade expressa".


O CAMPO DO DIREITO COMERCIAL:

Em linhas gerais, podemos afirmar que: "o conteúdo e objeto do direito comercial é a matéria comercial e as relações jurídicas que dela se originam, quer em relação às pessoas e aos bens, quer quanto aos contratos, vínculos ligadores das pessoas entre si e das pessoas aos bens, disciplinados pelas leis comerciais"(19).

Waldemar Ferreira diz que: "como direito substantivo que é efetivamente à luz de seus princípios, define-se o comerciante, disciplinando-se-lhe o estado, caracterizando-se o ato do comércio como protoplasma da matéria comercial. Regulam-se os direitos e obrigações em torno ou por efeito dele oriundos. Traçam-se as normas criadoras das sociedades mercantis e dos títulos de crédito em sua imensa variedade"(20).Fran Martins destaca alguns princípios que orientam a atividade comercial distinta dos princípios do Direito Civil e que são traços característicos do Direito Comercial, quais sejam:A onerosidade de suas operações; a especulação; os meios rápidos de provas despidos das formalidades que em geral revestem o Direito Civil; a boa-fé; a simplicidade de suas formalidades; a elasticidade de seus princípios(21).

Tulio Ascarelli cita como características que habitualmente se encontram nas instituições mais típicas (sociedades, falência e títulos de crédito), a internacionalidade; a importância do costume; a sobriedade de forma em linha geral, que entretanto, em algumas instituições, não exclui o rigoroso formalismo (ex. a cambial); a preocupação da tutela do crédito e da circulação da riqueza com conseqüente criação de novas instituições correspondentes (títulos de crédito, cambial); uma maior proteção ao interesse do credor; a atitude mais favorável aos juízos arbitrais; dentre outras(22).


A AUTONOMIA DO DIREITO COMERCIAL NO ESTADO ATUAL DA CIÊNCIA E DA LEGISLAÇÃO:

O problema da autonomia do direito comercial é uma das questões mais discutidas no direito. Alguns estudiosos do assunto, consideram o direito Comercial, direito excepcional e supletório do Direito Civil, a ele se subordinando, e dele recebendo influxo dos princípios gerais.Por outro lado, a grande maioria dos estudiosos reconhecem sua autonomia do Direito Civil, apontando-a e explicando-a, existindo copiosa e notável literatura que trata do tema, não obstante os pontos de contato, eis que ambos são ramos do Direito Privado. Tulio Ascarelli, inclusive, reconhece esta autonomia com "categoria histórica".Inglez de Souza, um dos maiores defensores da unificação do Direito Comercial e do Direito Civil, reconhece o seguinte: "Se a unificação do Direito Privado é ideal, não resta dúvida, que, por enquanto, o Direito Comercial é autônomo e independente, quer pelo lado científico, quer pelo lado da legislação(23)"

Carvalho de Mendonça diz que "paulatinamente o direito comercial vai-se constituindo num sistema cientificamente autônomo que se revelou capaz de satisfazer a ele próprio" Esclarece ainda, que "o problema da autonomia está resolvido legislativamente, conforme ficou assentado na Constituição Federal". Ressalta que "o Direito Comercial é autônomo, pois tem fontes próprias, e na interpretação de suas normas aplicam-se todos os métodos de hermenêutica e não somente os restritivos"(24).Tulio Ascarelli e Waldemar Ferreira são partidários de que o Direito Comercial não é apenas distinto do Direito Civil, mas também autônomo, isto é, autônomo na sua fonte como na jurisdição e contraposto ao Direito Civil.

Ambos ressaltam que em decorrência de sua autonomia, o Direito Comercial elaborou sua própria substantividade tecendo com os princípios e os vários institutos que se aglutinaram a sua matéria - a matéria comercial.

Na realidade o que se percebe é que o direito comercial se reveste de certo particularismo, pela existência de princípios próprios, impostos pelas exigências econômicas, e, que a atividade mercantil se reveste de contornos próprios e de sentimento institucional específico que o distingue da atividade civil comum.

Portanto, não se pode negar que em seu atual estágio de desenvolvimento dentro da legislação brasileira vigente, o Direito Comercial é direito autônomo e independente do Direito Civil, possuindo regras próprias contidas no velho Código Comercial e nas leis extravagantes posteriores que lhes são afins.Separação de campos de ação do Direito Civil e Comercial:

Existem alguns pontos comuns entre a matéria civil e comercial que é o direito das obrigações. Todavia, como pertencentes ao Direito Privado, o Direito Comercial não é ramo de Direito Civil, que por sua vez, é um ramo de direito em geral. É ele um direito Especial, que regula as atividades profissionais dos comerciantes por leis consideradas mercantis.Se o direito Comercial não é um ramo do direito Civil, existem em ambos, setores que atuam isolada e soberanamente, não existindo interferência entre os mesmos.

Nota-se perfeitamente, por esta situação, que algumas legislações alienígenas, procuram regular conjuntamente as relações civis e comerciais, como é o caso da Suíça, em seu Código das Obrigações de 1.881, e mais recentemente da Itália, em seu Código Civil de 1.942 (as matérias civil e comercial podem ser perfeitamente isoladas em suas regras).

Portanto, o que se nota é que existem relações jurídicas estritamente regidas pelo Direito Civil e outras especificamente regidas pela lei comercial. Temos como princípios especializados do direito comercial o Direito Marítimo, o Direito de Transportes, os Títulos Cambiários a matéria relativa a Falência, entre outras.

Dito isto, percebemos a perfeita caracterização da dicotomia existente no Direito Privado, possuindo cada um desses ramos, um campo de ação própria. Neste diapasão, "afasta-se sensivelmente o Direito Comercial do Direito Civil que em regra é formalístico, nacional, lento e restrito"(25).

O Direito Comercial regula as atividades profissionais do comerciante e atos, por lei, considerados comerciais, permanecendo fora da esfera do direito mercantil, as relações jurídicas referentes à família, à sucessão e ao estado da pessoa, que são disciplinados pela lei civil. Nesta perspectiva, o Direito Comercial é um direito de tendência profissional, enquanto o direito civil é de tendência individual, procurando disciplinar as relações jurídicas das pessoas como tais e não como profissionais.Pontos de contato entre a matéria civil e a matéria comercial:Embora não possamos confundir o direito comercial com o direito civil, não resta dúvidas, que ambos mantém estreita relação de afinidade. Tanto é assim que razoável número de estudiosos do assunto, propugnam pela absorção pura e simples do Direito Comercial pelo Direito Civil.

Para Carvalho de Mendonça, estabelecer os limites entre ambos os ramos do direito, é um dos pontos mais difíceis no estudo do Direito Comercial. Segundo ele, "entre os vastos domínios do Direito Civil e do Direito Comercial haverá sempre um terreno misto, de certo modo neutro, algo tanto incerto, que não se poderá afirmar à primeira vista a qual pertence"(26).O ponto de contato entre ambos ocorre nos Contratos e Obrigações, cujas regras gerais são aplicáveis tanto ao Direito Civil como ao Direito Comercial. Exemplo: a compra e venda mercantil, que difere da compra e venda civil, pelo de participar daquela, o comerciante no exercício de sua profissão. O mesmo ocorre com o penhor, regido pelos princípios do direito civil, que se tornam comerciais, caso a obrigação seja comercial.Pontes de Miranda entende que, em decorrência, do ponto comum que é a matéria obrigacional, poder-se-ia unificar o direito das obrigações, tendo em vista que dos princípios desse direito emanam todo direito privado.

Waldemar Ferreira salienta que embora cada ramo do direito tenha seu código específico, o que orienta a ambos é a Teoria Geral, referente a matéria das Obrigações e Contratos. Assevera ainda, que "as águas aqui e ali, as vezes se misturam e se interpenetram comercializando-se o direito civil ou civilizando-se o comercial".


A EMPRESA NO PROJETO DO CÓDIGO CIVIL:

O Projeto que teve direta influência do Código Civil italiano, de 1.942, não define empresa, mas apenas empresário, ou seja " quem exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada com o fim de produção ou de troca de bens e serviços ". Esse conceito foi transferido para o Anteprojeto do Código de Obrigações pátrio, constando do artigo 1.106, sob a seguinte redação: " É empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços ".

Considerava-se empresário comercial aquele que praticasse determinadas atividades indicadas no artigo 1.108 do referido Anteprojeto, entre as quais atividade intermediária na circulação de bens.

Os legisladores italianos, reconhecendo que o Direito não havia ainda conseguido formular o conceito jurídico de empresa, contentaram-se em figurar o empresário como uma pessoa que desempenha uma atividade econômica. Atividade essa organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Houve, assim, no artigo 969, o transplante puro e simples do conceito de empresário do Código italiano para o Projeto do Código Civil brasileiro.

A questão pode parecer estranha, quando se percebe que foi adotado instituto não tão bem delineado ou definido pela ciência jurídica. Mas assim tem sido, sobretudo no direito comercial, pois até hoje não se definiu o "ato do comércio", que continua como um conceito nebuloso. Acontece, porém, que esse conceito serviu como pedra angular de todo o sistema do Código napoleônico, de 1.807, que inspirou o nosso atual Código Comercial.

Segundo as palavras do Emérito Professor Rubens Requião, o Projeto não fala se o empresário pode ser civil ou comercial. Para os seus autores a expressão "comercial" é tabu, diante da preocupação unificadora. Fato é que teremos na linguagem comum do mercado o "empresário comercial" e o "empresário civil". Empresário civil é precisamente aquele definido no artigo 969, parágrafo único: "Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa".

          Pode-se, desde já, prever as dificuldades em caso de profissão intelectual ou científica, com dezenas de funcionários, em não se lhe aplicar a noção de empresa. Ainda mais quando a legislação trabalhista assim expressamente a considera.

          Toda organização que contar com uma quantidade de colaboradores, deveria ser tratada como empresa. Nela haverá a organização do trabalho alheio. Difícil é conceber-se uma organização, mesmo intelectual ou científica, que pelo menos não se dedique à pesquisa, esta sempre de utilidade econômica.

Diz ainda, Além do mais o Projeto, incoerentemente, reconhece a existência do empresário rural, quando exclui da obrigação de se inscrever no registro da empresa. Ora, isso não tem razão de ser, pois desde que, na indústria agrícola ou pastoril, se organizem capitalisticamente os fatores de produção, merece esse organismo o tratamento de empresa. Assim o Projeto deveria sem receios estender à atividade agrícola e pastoril, organizada, e com certo número de colaboradores, o conceito de empresa, sendo dispensável, como faculdade contida no artigo 974, de se registrar no Registro das empresas.

Finalmente o Emérito Professor sugere que, O Capítulo I, Título I, do Livro II, merece, pois, ser objeto de muita meditação, a fim de que o conceito de empresa dele surja bem nítido. Ademais não devemos nos esquecer de que o direito falimentar não sofre os efeitos da unificação, se destinando exclusivamente às empresas comerciais..."

Inobstante as afirmações e as dúvidas doutrinárias existentes no Professor Requião, quanto a eficácia e aplicabilidade do instituto em exame, verifica-se que atualmente mesmo sem uma normação moderna, o gênio jurídico pátrio tentou ajustar os velhos preceitos às novas realidades. São tão profundas porém as transformações geradas pelo impacto da empresa que os esforços de superação parecem não ser suficientes, em conseqüência do que se notam e se apontam iniciativas visando quer a reformulações parciais(27), quer a uma renovação total.

Foi seguindo essa trilha renovatória que a partir de 1.961, como já mencionamos, os trabalhos de reformulação dos códigos privados se iniciaram para desdobrar-se no Projeto de Código Civil aprovado no dia 17/05/84.

Na realidade essa é uma profunda, séria e última tentativa de implantar um novo ordenamento jurídico no âmbito privado, o que certamente, insere o Projeto na constante tendência unificadora observada desde Teixeira de Freitas(28), Ingles de Souza e tantos outros(29).

O Projeto, como já dissemos, em resumo, marca o abandono do sistema tradicional consagrado pelo Código de Comércio atual, baseado no comerciante e no exercício profissional da mercancia, trocando-o pela adoção do sistema do empresário e da atividade empresarial e, ainda, formalizando a unificação das obrigações e, portanto, extinguindo a dualidade ora existente(30).

Não é difícil apurar-se os efeitos que a reforma acarretará. A profundidade das alterações pretendidas, diz respeito não só à unidade do Direito Obrigacional, sem distinção entre atos civis e mercantis, mas também, ao fato de que o comerciante deixará de ser o centro nuclear do sistema, igualando-se os tipos de atividades econômicas produtivas (principalmente os da indústria e de serviços), passando todos a figurar em um mesmo plano. O Direito não mais considerará o comerciante e os atos do comércio como peças angulares, como ocorre no sistema atual, pois o fundamento da qualificação do empresário não será, como agora, "o exercício profissional da mercancia" (artigo 4º do Código Comercial), e, sim, a empresa como noção referível à atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços para o mercado, exercida profissionalmente.

As conseqüências serão, sem dúvida, de grande monta, a principiar pelo abalo na estrutura tradicional do Direito Comercial, alcançando inclusive sua própria denominação, que futuramente não tratará esse direito como comercial, mas sim como "direito de empresa", ou "direito empresarial", que sem dúvida possui abrangência de significação maior.

No ambito didático, tanto o Direito Civil como o Direito Econômico, absorverão o novo ramo do direito, contudo, devemos nos questionar se o novo Código Civil marcará o enquadramento definitivo, que se vem esboçando ao longo dos últimos tempos, das normas comerciais ao sistema geral de direito(31).

Quando da entrada em vigor do novo Código Civil, ter-se-á que conceituar e qualificar com precisão os novos institutos, como o empresário, a empresa e o estabelecimento, assim como ajustar o novo sistema ao regime da proteção legal (integrado basicamente pelas normas sobre locação mercantil, concorrência, concordata, etc.) ao de ônus e obrigações (como exigências de registro, publicidade, livros e escrituração) e ao de responsabilidade (como as normas sobre a falência, liquidação extrajudicial coacta, fusão, incorporação, cisão, repressão ao abuso do poder econômico, proteção ao consumidor e à comunidade).

Estas questões, em outras circunstâncias, poderiam parecer hipotéticas, contudo, são reais e se impõem naturalmente, como decorrência das reformas pretendidas, e, tanto assim é, que têm sido alvo das preocupações da doutrina jurídica não só dos países em que já se processou a unificação do direito privado, com ou sem a adoção do empresário como centro do sistema(32), mas também em outros que ficaram estranhos à existência desses problemas, mesmo que só no plano do Direito constituendo(33).


CONCLUSÃO:

COMENTÁRIOS CRÍTICOS AO PROJETO EM FACE DA EXPOSIÇÃO:

Passamos aqui a fazer sinteticamente uma breve conclusão do tema da unificação dos códigos civil e comercial, tendo em vista o projeto. Na medida em que o presente estudo trata da relação existente entre o direito comercial e o direito civil, segue-se abaixo algumas considerações:

Ao analisarmos genericamente os dispositivos do Projeto do Código Civil, devemos focalizá-los com certas ressalvas e considerarmos passíveis de crítica e de aperfeiçoamento, inclusive na questão da unificação dos Códigos. Quis o legislador, na realidade, que o Código Civil absorva e regule, também, toda matéria comercial.

Nossa crítica inicial, por isso, se dirige à estrutura básica do Projeto. A unificação de que se trata, como bem esclareceu o Coordenador da Comissão Revisora, Professor Miguel Reale, não é a do direito privado. Muita matéria privatista, com efeito, escapa de seu plano(34).Critica-se a forma de unificação consistente na justaposição formal da matéria civil ao lado da matéria comercial, regulada num mesmo diploma. Ratifica-se que se constitui em simples unificação formal.Isso, na verdade, nada diz de científico e de lógico, pois como se disse anteriormente, o Direito Comercial, como disciplina autônoma, não desaparecerá com a codificação, pois nela apenas se integra formalmente.

Segundo o Emérito Professor Rubens Requião(35), "o artificialismo do critério de unificação formal adotado, criou no Projeto a preocupação de prescrever o adjetivo "comercial" ou "mercantil". Essas expressões são tabus..."

No que se refere às sociedades milenarmente conhecidas por sociedades comerciais se passa a apelidar de "sociedades empresárias" e "a representação" secularmente designada por comercial, constrangedoramente fora de nossa linguagem de mercado, se chama "agência". Ficamos apenas nestes dois significativos exemplos. Cria-se, inventa-se uma linguagem arbitrária aos nossos costumes, à nossa tradição, para ajustar a uma codificação de certo modo irreal e artificiosa.Alguns Autores entendem que seria mais razoável e funcional se permanecêssemos no sistema de codificação dualista, como nos projetos de 1.965, inspirado no modelo suíço, de um Código Civil e de um Código de Obrigações, e não com o sistema colado dos italianos. Acontece, porém, que a autonomia da codificação dualista na Suíça, só ocorreu graças a dispositivo constitucional que determinava essa dualidade. É um erro, no nosso entender, acreditar e sustentar essa tese como fundamento de negativa da unificação.Contudo, como bem assevera Requião, a evolução atual do direito, tem desaconselhado os sistemas unificados. Por isso as ponderações de que a ciência jurídica brasileira, seria melhor servida se se limitasse, o futuro Código Civil, à Parte Geral, ao Direito de Família, ao Direito das Coisas e ao Direito das Sucessões e as obrigações, estas sim, unificadas, sem distinção entre obrigações civis e comerciais, como hoje ocorre, teriam um Código especial, não são de tudo falhas.

Por outro lado, tem-se sustentado, e disso fez eco a Comissão Revisora, que o pensamento jurídico nacional propende, tradicional e historicamente, para a unificação, dita, impropriamente do direito privado.É verdade que desde o "Esboço" de Teixeira de Freitas, nos meados do século passado, como no "Projeto", de 1.912, de Inglez de Souza, a unificação dos códigos tem sido preferida. Isso é fato e não é constatado por nós.

O que se faz necessário contestar, entretanto, é que se assim foi outrora, os tempos modernos não só ditam como impõe a fragmentação legislativa. A codificação foi um ideal de síntese, bem própria do idealismo do século passado, compatível com uma sociedade aparentemente estática e imóvel, de que foi Stuart Mill um dos mais convencidos enunciadores.O progresso e as transformações sociais rápidas, tendo em vista o acesso a informação mundial, via internet, quando não violentas, atingindo a fundo as instituições jurídicas, fazem com que a unificação seja uma ilusória pretensão(36).Nas duas últimas décadas, a renovação legislativa no mundo ocidental não seguiu o critério formal da unificação. Tome-se, alguns sugestivos exemplos, que merecem, sim ser seguidos: a Alemanha Ocidental em 1.965, manteve a codificação dualista, reelaborando em lei especial modelar as sociedades anônimas, revendo fragmentariamente outros institutos de direito privado; a França refez, inteiramente, em 1.966, o direito societário, com sua moderna lei de reforma das sociedades comerciais, sem se falar é claro da nova lei francesa relativa à proteção do consumidor, trata-se da Lei 92-60, de 18.01.92, que serve de embrião para a criação de um Código sobre Consumo ("Code de la Cosommation")(37); e Portugal sancionou seu novo Código Civil e se adianta em estudos para rever o vetusto Código Comercial. Entre nossos vizinhos sul-americanos, apontamos a Argentina, que refez, anos atrás, seu Código Civil, sem revogá-lo, e promulgou uma Lei Geral das Sociedades Comerciais; a Colômbia, em 1.971, surgiu com novo Código do Comércio, e o México se revela com excelente Lei Geral dos Títulos de Crédito e uma Lei Geral de Sociedades Comerciais.

Com a retirada da matéria relativa às sociedades anônimas do Projeto, presenciamos a confirmação da tese de que o direito moderno almeja, antes de mais nada, uma legislação fragmentária, distribuída em vários Códigos especializados, como pregou corretamente Wademar Ferreira e como se percebe da atual Lei 8.078/90.

Posteriormente às sociedades anônimas, deve-se legislar, também, em sentido de modernização, sobre o direito cambiário que, tendo em vista as leis uniformes de Genebra, exige uma completa reelaboração. O Projeto, nessa matéria, se furtou, remetendo-a para a "legislação especial"(38).

Diante de todo exposto, chegamos a conclusão de que os juristas e estudiosos do direito, a bem da verdade, deverão preocupar-se com o novo desafio a que serão submetidos, quando da unificação e por conseqüência, das novas denominações ditas modernizantes, visto que um novo mundo, dentro do campo de direito comercial e de direito civil, estará se abrindo. Há que se estudar com profundidade os novos institutos e os efeitos perante os já existentes.


NOTAS

  1. Brugger, Walter, in "Dicionário de Filosofia", 2ª ed., São Paulo, 1.969, editora Herder, página 438.
  2. Nietzsche, Friedrich Wilhem, filósofo alemão (1.844 - 1.900).
  3. Kant, Immanuel, in "Fundamentos da Metafísica dos Costumes", 1ª ed., Rio de Janeiro, 1.975, editora Edições de Ouro, tradução Lourival de Queiroz Henkel, página 109.
  4. Rao, Vicente, in "Ato Jurídico", ed. Max Limonad, 1.961, São Paulo, 3ª tiragem.
  5. Ihering, Rudolf von, in " Der Zweck im Recht" (L´évolution du droit) tradução de Meulenaere, 1.901, 3ª ed., Paris, Dalloz, página 224.
  6. Não há acordo sobre o conceito de ordem pública. De um modo geral, afirma-se, com manifesta imprecisão e sem contribuição útil à elucidação do tema, que a ordem pública é o bem público, ou que é o interesse social. Carlos Maximiliano, in "Hermenêutica e aplicação do direito", ed. Freitas Bastos, Rio, 1.957, pág. 269 e seguintes, faz a seguinte colocação: "Toda disposição, ainda que ampare um direito individual, atende também, embora indiretamente, ao interesse público; hoje até se entende que se protege aquele por amor a este: por exemplo, há conveniência nacional em ser a propriedade garantida em toda a sua plenitude. A distinção entre prescrições de ordem pública e de ordem privada consiste no seguinte: entre as primeiras o interesse da sociedade coletivamente considerada sobreleva a tudo, a tutela do mesmo constitui o fim principal do preceito obrigatório; é evidente que apenas de modo indireto a norma aproveita aos cidadãos isolados, porque se inspira antes no bem da comunidade do que no do indivíduo; e quando o preceito é de ordem privada sucede o contrário: só indiretamente serve o interesse público, à sociedade considerada em seu conjunto; a proteção do direito do indivíduo constitui o objetivo primordial. Os limites de uma e de outra espécie têm algo de impreciso; os juristas guiam-se, em toda parte, menos pelas definições do que pela enumeração paulatinamente oferecida pela jurisprudência. Quando, apesar de todo esforço de pesquisa e de lógica, ainda persiste razoável, séria dúvida sobre ser uma disposição de ordem pública ou de ordem privada, opta-se pela última; porque esta é a regra, aquela, a limitadora do direito sobre as coisas, etc., a exceção. "
  7. Opinam alguns autores que os bons costumes identificam-se com a moral geralmente observada e representativa das idéias dominantes entre as pessoas honestas (Ripert, A regra moral nas obrigações civis, nºs 23 e seguintes).
  8. Judicial freedom of implying conditions in conditions in contractes, in Récueil d´études sur les sources du Droit en l´honneur de François Gény, 6 ª ed., volume I, página 379.
  9. A teoria da vontade goza de grande favor na França. A vontade é produtiva de obrigações por sua própria força orgânica. A declaração formulada sem vontade real, como quando resulte de erro ou dolo, não tem eficácia, não gera vínculos. Ocorrendo dissídio, o papel do juiz consiste, modestamente, em simples pesquisa da vontade real, preferindo-a à sua expressão material, se porventura não coincidirem (Bonnecase, Supplément cit., II, nºs 402 a 411, páginas 500 a 501).
  10. A teoria da declaração, é de origem germânica. Os seus propositores criticam a teoria da vontade, dizendo que a vontade real é de caráter interno ou subjetivo. Se a declaração não a revelar, a sua apuração terá de valer-se de meios inseguros e perigosos, como são as suposições, nem sempre bem fundadas. A teoria, se proporciona a segurança estática, apresenta a desvantagem de não garantir a segurança dinâmica (Démogue, Traité des Obligations en général, 5ª ed., Paris, Récueil, volume I, nº 30), vale dizer, a segurança das movimentadas relações jurídicas que, no meio social contemporâneo, vão-se formando sucessivamente, com base em atendíveis aparências. Sempre haverá o risco de não coincidir a vontade real com a declarada. No entanto, com base nesta, por confiança na declaração, é que se firmou a relação contratual, à qual podem prender-se interesses de terceiros, resultantes de negócios subseqüentes. Propõe, então, a teoria da declaração, em substituição à da vontade. Justificando-a, doutrinam que a vontade se constitui não apenas internamente, mas por momentos integrativos sucessivos, dos quais o último é a declaração. Do ponto de vista jurídico ou social, não oferecem interesse especial as etapas volitivas internas, incapazes, precisamente pela falta de externação, da criação de vínculos ou relações exteriores. O que conta, sob esse aspecto, é somente a vontade declarada, porque é a declaração que gerando vínculos, produz o ato jurídico (Chironi e Abello, in "Trattato di Diritto Civile italiano", página 338; Démogue, ob. cit., volume I, nº 32; Dereux, in "Supplément, de Bonnecase, páginas 484, 485, 490, 495, 498 e 499; Jonasco, in "De la volonté dans la formation des contrats, Recueil d´Etudes, volume II, página 368).
  11. Diz-se que o senso comum atribui ao homem alma e corpo, o ato jurídico se compõe de um elemento espiritual - a vontade - e um elemento material - a declaração. Nem estariam, portanto, com a razão os franceses, quando optam pelo primeiro, nem os alemães quando preferem o último. Realmente, só a solução eclética no nosso entender satisfaz. Se é precedente a crítica que se opõem à teoria da vontade, também a teoria da declaração é alvo de sérias objeções. Levada às suas últimas conseqüências, a nova teoria implica na inteira abstração da vontade interna, para só se tomar em consideração, no plano social ou jurídico, a sua expressão material. Então, não importará que a declaração não corresponda à vontade real, ou que esta falte efetivamente, por haver o ato sido produzido por erro, dolo, ou sem causa, e as prestigiosas teorias do erro, do dolo e da causa, perdendo o próprio fundamento, sucumbiriam.
  12. No nosso entender, não parece que a declaração seja uma das etapas do processo constitutivo da vontade. É evidente, por certo, que a vontade que permaneça "in pectus", sem ser externada, não produz efeitos. O reconhecimento dessa verdade não basta, porém, para transformar a declaração em momento de sua constituição, nem mesmo do ponto de vista social ou jurídico. A declaração é simples execução da vontade. Se a obrigação convencional é um limite voluntariamente imposto a si mesmo por quem se vincula, não pode ser constituída por uma declaração sem correspondência com a vontade real. Cumpre, porém, por outro lado, considerar que o Direito tem por finalidade precípua regular as relações dos homens, vivendo em sociedade. Não pode, portanto, ponderar apenas os interesses do emitente da declaração. É necessário que tenha em linha de conta, por igual, os da pessoa a quem é dirigida e, sobretudo, os de terceiros, acaso ligados a elas. A declaração é o meio normal de revelação da vontade e, portanto, é legítimo que se confie na vontade declarada, cuja discordância com a vontade real só poderia ser apurada através de maior indagação, imcompatível com a rapidez exigida pelas necessidades da vida contemporânea. Resulta, assim, um conflito de interesses. De um lado, os do emitente, consistentes em não ser obrigado senão na medida do vínculo resultante de sua vontade real. De outro, os das pessoas que hajam confiado em sua declaração. Não há conciliação possível: ou será prejudicado o emitente, ou se-lo-ão estas pessoas.
  13. O Código Civil francês, antes mesmo de ser tentada a nova construção, já abrira brechas na doutrina então vigente, quando reconheceu que os efeitos da contre lettre ou da simulação de vontade interna não poderiam afetar direitos de terceiros, constituídos por confiança na declaração. O BGB, elaborado sob a influência imediata das novas idéias, não as acolheu senão parcimoniosamente. É verdade que dedicou todo um título à "declaração de vontade" e o abriu com a regra de que a reserva mental da vontade real não prejudicará a vontade declarada (artigo 116). Mas, logo esposou o tradicional princípio de que, para a interpretação da declaração, se deve procurar a vontade real, de preferência ao sentido literal da expressão (artigo 133), consagrando, por essa forma, um dos principais corolários da clássica teoria da vontade. Acolheu, também, as teorias do erro, do dolo e da causa. O nosso Código Civil (artigo 85) consagra o princípio de que, nas declarações de vontade, se atenderá mais à intenção do declarante que ao sentido literal da linguagem. Abriga as referidas teorias do erro e do dolo. Mas, por outro lado, faz prevalecer a declaração sobre a vontade, quando dispõe, por exemplo, que "tendo havido intuito de prejudicar a terceiros, ou infringir preceitos de lei, nada poderão alegar, ou requerer, os contratantes em Juízo quanto à simulação do ato, em litígio de um contra o outro, ou contra terceiros" (artigo 104).
  14. O Projeto do Código Civil teve como relator o Professor Orlando Gomes, sendo revisto pela Comissão constituída pelo autor e pelos professores Orozimbo Nonato e Caio Mario da Silva Pereira. O Código de Obrigações desdobrou-se em três partes: a primeira (Negócio Jurídico, Parte Geral, Contratos e outros títulos de ordem geral) teve como relator o Professor Caio Mario da Silva Pereira; a segunda (Títulos de Crédito) foi relatada por Theófilo de Azeredo Santos; e da terceira (Empresários e Sociedades) incumbiu-se o Professor Sylvio Marcondes. Constituiram a Comissão revisora, além dos relatores, os Professores Orozimbo Nonato, Orlando Gomes e Nehemias Gueiros.
  15. A publicação oficial dos Anteprojetos e Projetos, foi feita pela Sub-Secretaria de edições técnicas do Senado, em edições de 1.989, ao ensejo do início da tramitação naquela Casa do Projeto 118/84: Anteprojeto de Código de Obrigações, de 1.941, cit. na nota 3 (vol. 1); Anteprojeto do Código Civil de 1.963, com revisão em 1.964, convertido no Projeto referido no texto (vol. 2); Anteprojeto de Código de Obrigações de 1.964, elaborado por Caio Mário da Silva Pereira, Sylvio Marcondes e Theófilo de Azeredo Santos (vol. 3); Projetos de Código Civil e de Código de Obrigações, de 1.965 (vol. 4); Anteprojeto de Código Civil de 1.972 (vol. 5, Tomo 1); Anteprojeto de Código Civil, revisto em 1.973 (vol. 5, Tomo 2).
  16. Este histórico foi pesquisado junto ao "Manual de Direito Civil" de Rubens Limongi França, 4a. ed., vol. 1, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1.980, páginas 118 à 132.
  17. Apud, José Carlos Moreira Alves, Pandekten, erster Band, parágrafo 129, página 475.
  18. Expressão divulgada no Brasil especialmente por Pontes de Miranda, in "Tratado d Direito Privado", tomo II, 3a. ed., Rio de Janeiro, 1.970, parágrafo 209, 1, página 372.
  19. Mendonça, Carvalho de, in "Tratado de Direito Comercial", página 16; Ferreira, Waldemar, in "Curso de Direito Comercial", página 62; Garrigues, Joaquim, in "Revista de Direito Mercantil" - vol. 27, nº 71, páginas 12 à 14.
  20. Ferreira, Waldemar, in "Instituições de Direito Comercial, página 100; Tratado de Direito Comercial - vol. I, páginas 147e 148.
  21. Martins, Fran, in "Curso de Direito Comercial, páginas 50/52 e Contratos e Obrigações Comerciais, página 19.
  22. Ascarelli, Tulio, Revista Forense, volume 149, página 24.
  23. Souza, Inglêz de, in "Curso de Direito Comercial", 8a. ed., pág. 29.
  24. Mendonça, Carvalho de, in op. cit., páginas 28 à 31.
  25. Martins, Fran, in op. cit., página 50.
  26. Mendonça, Carvalho de, in "Tratado de Direito Comercial", vol. I, página 21.
  27. Como a reforma da lei das sociedades por quotas, das leis sobre títulos de crédito, da adoção da empresa individual de responsabilidade limitada, da instauração de um regime jurídico para o estabelecimento comercial, da reforma da lei falimentar, podendo-se, também, incluir nesta corrente as reivindicações para a unificação das obrigações, através de um código único.
  28. Conforme Código Civil, Esboço. Ministério da Justiça.
  29. Como os projetos de Philadelfo Azevedo, Orozimbo Nonato e Hahnemann Guimarães; o Desembargador Florêncio de Abreu e o de Franscico Campos.
  30. O que nos parece satisfatório é que grande parte da doutrina brasileira entende que de certa forma, a unificação já se teria realizado ao teor dos artigos 121 e 428 do Código Comercial e em decorrência da unificação da justiça e do processo.
  31. Cesare Vivante pensava ser uma das causas da pobreza científica do Direito Comercial a sua autonomia.
  32. Caso, por exemplo, da Itália, da Suíça e dos países do Common Law.
  33. O que se constata prima facie, através da ampla bibliografia a respeito, em países como a Espanha, França, Alemanha e Argentina, para não ir muito longe na imagem comparativa.
  34. Na exposição de motivos do Projeto de Código Civil, o Professor Miguel Reale destaca o seguinte: " Penso, Senhor Ministro, ter sido acertado o processo de estudo e pesquisa firmado em nossas reuniões iniciais, no sentido de se proceder à revisão por etapas, a primeira das quais consistiu na feitura de projetos parciais, acordados os princípios fundamentais a que deveria obedecer o futuro Código, a saber: a) Compreensão do Código Civil como lei básica, mas não global, do Direito Privado, conservando-se em seu âmbito, por conseguinte, o Direito das Obrigações, sem distinção entre obrigações civis e mercantis, consoante diretriz consagrada, nesse ponto, desde o Anteprojeto do Código de Obrigações de 1.941, e reinterada no Projeto de 1.965; b) Considerar elemento integrante do próprio Código Civil a parte legislativa concernente às atividades negociais ou empresárias em geral, como desdobramento natural do Direito das Obrigações, salvo as matérias que reclamam disciplina especial autônoma, tais como as de falência, letra de câmbio, e outras que a pesquisa doutrinária ou os imperativos da política legislativa assim o exijam..."
  35. Requião, Rubens, in "Aspectos Modernos de Direito Comercial", Saraiva, São Paulo, 1ª ed., 1.977, página 207 à 209.
  36. Com efeito, dois exemplos de unificação apenas, se apresentam: a Suíça, no século passado, unificou o Direito das Obrigações, tão-somente; a arrogância e o orgulho fascista, na Itália, impôs o Código Civil unificado, de 1.942, abrangendo não só os preceitos de Direito Comercial com também os de Direito do Trabalho. Mas essa unificação se explicava pela preocupação ideológica e política do regime fascista, que via no comerciante um personagem ultrapassado do "decadente" mundo capitalista, sendo substituído pela figura da empresa, na qual se sobressai a participação do elemento trabalho. A unificação do direito privado ali, portanto, foi ditado por uma intenção declaradamente política e ideológica, sem natureza científica. O que acontece, contudo, é que esse exemplo não prosperou.
  37. Nota-se, pelo disposto no artigo 12 da Lei 92-60, que esse Código deverá recolher os textos legislativos e regulamentares fixando as regras relativas às relações individuais ou coletivas entre consumidores e profissionais.
  38. É curioso e merece ser destacado a diferente técnica do Projeto em relação à regulação dos títulos de crédito. Aqui se repele, no texto do Projeto, o ordenamento específico dos títulos cambiários e dos que a ele se assemelham, para se cingir apenas ao esboço de preceitos gerais. Precisamente o contrário do que se fez em relação às sociedades comerciais, onde cada uma delas mereceu do Projeto um tratamento minuncioso e específico. Isso demonstra a falta de unidade técnica na estruturação do Projeto. Tanto quanto as sociedades comerciais os títulos de crédito estão, a partir da letra de câmbio, da nota promissória e do cheque, clamando por reelaboração legislativa. Há mais de uma década, renomados juristas, protestam contra as imprecisões e confusões que se estabeleceram no direito brasileiro em relação a esses instrumentos de crédito.

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Autor

  • Ecio Perin Junior

    Ecio Perin Junior

    Head of the Business Reorganization Team; Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar, Advogados e Consultores Legais; Doutor e Mestre em Direito Comercial pela PUC/SP; Especialista em Direito Empresarial pela Università degli Studi di Bologna; Presidente e sócio fundador do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial – IBRADEMP; Membro Efetivo da Comissão de Fiscalização e Defesa do Exercício da Advocacia da OAB/SP

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Informações sobre o texto

Monografia apresentada no âmbito da disciplina "Negócios jurídicos e a reforma do Código Civil", sob a orientação do Prof. Dr. Renan Lotufo, no Mestrado em Direito da PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERIN JUNIOR, Ecio. A teoria da vontade na formação dos contratos e a autonomia do Direito Comercial em relação ao Direito Civil face ao projeto do novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/518. Acesso em: 25 abr. 2024.