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O significado da reforma trabalhista

O significado da reforma trabalhista

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Não há como reformar verdadeiramente as relações de trabalho sem reformar e modernizar o Estado brasileiro. A CLT, com todos os seus defeitos, é ainda melhor do que a reforma que se pretende fazer sobre ela.

I – Introdução

O assunto da reforma trabalhista, tema ruminado há muitos anos, [1] não tem sido tratado de modo suficientemente claro, [2] existindo uma espessa névoa de confusão em torno do assunto. [3] Há, de fato, diferentes perspectivas em torno das intenções pretendidas pela reforma trabalhista que tramita no legislativo nacional. [4] Muitos há que entendem ser, a reforma que se anuncia para a legislação trabalhista, um grande embuste que deriva das exigências da globalização. [5] Outros pensam que a reforma trabalhista vai ampliar os direitos dos trabalhadores, mesmo porque, impensável a promoção de retrocessos e recuo nos direitos já conquistados. [6]

De qualquer modo, a reforma trabalhista, apesar de propor alterações na estrutura sindical, também não tem sido tímida em relação ao texto consolidado e as mini-reformas ao texto são exemplos patéticos da escuridão em que vive o pessoal encarregado da legislação.

Um exemplo sintomático do que estamos dizendo aplica-se aos tais minutos de tolerância [7] previstos no artigo 58 da CLT, § 1º. Neste caso, a alteração legislativa acabou por cristalizar o mais singelo ode à insignificância. [8]

Dado o fato da Reforma Trabalhista estar em processo o qual, até o presente, nem sempre se conduziu da melhor maneira, nada mais justo que aguçar os ouvidos para captar o que vem (ou, melhor, já veio) por aí, ou seja, é preciso captar os interesses que se escondem atrás da Reforma Trabalhista.


II – Reforma Trabalhista "Easy Rider"

[9]

A primeira nota obrigatória que deve ser feita na reflexão sobre a reforma trabalhista é o problema do trabalho ou, noutros termos, o problema da ausência do trabalho. Quando falamos em legislação trabalhista, é preciso compreender o trabalho dentro do escopo das relações capitalistas. No mundo, trabalho existe, evidentemente, mesmo porque, o trabalho como modo próprio de alteração da realidade, é inerente à humanidade. Mas, não é qualquer trabalho que interessa. É o trabalho empregado, aquele que ocorre dentro da normalidade das relações capitalistas, que interessa à nossa reflexão e tem muitos e graves problemas. [10]

O trabalho dentro do mundo do emprego está em situação crítica. [11] Contra ele há muitos conspiradores, desde a informática, os custos sociais, o empobrecimento, a falta de crescimento da economia até a péssima distribuição de renda brasileira além do nível de dependência econômica. [12] Mas, a pior conspiração de todas parte do desconhecimento; da mascaração ideológica em torno do que seja realmente necessário fazer. Nesta ótica, um dos temas mais recorrentes sobre o assunto e que gera as maiores paixões, é o da flexibilização das relações trabalhistas. [13]

Será que é realmente necessário reformar, por meio da flexibilização, [14] as relações de trabalho? Estarão estas inflexíveis a ponto de se considerar a Justiça do Trabalho e todas as instituições correlatas espécimes dinossáuricas no tempo presente? Flexibilizar seria algo como tornar flexíveis os controles da jornada de trabalho? Seria algo contrário à defesa da redução legal da jornada de trabalho? [15] Suprimir o terço constitucional das férias e o 13º salário ou coisa que o valha? [16]

Não é apenas a reforma flexibilizadora das relações de trabalho que caminha sem destino certo. [17] Também o governo petista, por seu turno, entende que a reforma trabalhista é necessária para modernizar as relações de trabalho, mesmo que não esteja muito claro o que significa modernização das relações de trabalho. Do lado do empresariado, a reforma trabalhista é necessária para diminuir o potencial passivo trabalhista. De forma mais concreta, a proposta de reforma, até o momento, apenas tratou de discutir o problema do sindicalismo brasileiro, mesmo porque, a reforma da CLT já vem ocorrendo ao longo dos anos. [18]

Analisamos, pois, os principais pontos contidos na reforma que pretende modernizar as relações trabalhistas no Brasil. [19]

1.Banco de Horas:

Extensão do sistema de compensação de horas extras, no prazo de um ano. Sem prejuízo aos empregados, permite à empresa adequar as jornadas de seus trabalhadores às variações de sua atividade. [20]

2.Suspensão do contrato de trabalho:

Em vez de demitir, a empresa suspende o contrato de trabalho por 2 a 5 meses, oferecendo curso de qualificação ao trabalhador. Durante o curso, o trabalhador recebe uma bolsa do FAT.

3.Extinção dos juízes classistas:

Representa uma economia de R$ 200 milhões por ano. A medida contribui para a definição de um novo perfil da Justiça do Trabalho. [21]

4.Piso estadual de salário:

Cada Estado pode decidir seu piso de salário, desde que seja maior que o salário mínimo nacional. O valor do piso estadual é proposto pelo governador e transformado em lei pela Assembléia ou Câmara Legislativa.

5.Isenção de benefícios de Contribuições Sociais:

Estimula a concessão de benefícios pelas empresas aos seus empregados. O valor dos benefícios concedidos para educação, transporte e saúde ficam livres da incidência de contribuições sociais.

6.Apoio para deficientes físicos:

Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social, ampliando oportunidades de capacitação e colocação no mercado de trabalho (em apreciação no Senado).

7.Trabalho por tempo determinado:

Quando a empresa precisa de mais funcionários para acelerar a produção, pode contratar pessoas por prazo determinado com redução de custos trabalhistas, gerando novos postos de trabalho. [22]

8.Comissão de conciliação prévia:

Formada por representantes de sindicatos de empregados e de empregadores, soluciona em 10 dias os conflitos trabalhistas que poderiam levar até 10 anos. Mais de mil comissões já foram constituídas. [23]

9.Rito sumaríssimo:

Reduz prazos e desburocratiza procedimentos em causas de até 40 salários mínimos, que equivalem a  45% de todas as ações trabalhistas. A solução pode sair em apenas uma audiência. [24]

10.Condomínio de empregadores:

União de produtores rurais com a finalidade de contratar trabalhadores, que prestarão serviços exclusivamente para seus condôminos. Cerca de 62 mil trabalhadores rurais já foram contratados.

11.Lei da aprendizagem:

Estimula as empresas a contratar como aprendizes jovens de 14 a 18 anos. [25]

Dos pontos acima mencionados, muitos já se concretizaram ao longo do tempo, a exemplo da extinção dos juízes classistas e criação da comissão de conciliação prévia. Vamos detalhar um pouco mais o significado das reformas trabalhistas.

As medidas de número 6 e 11 não se referem, especificamente, a reformas da legislação trabalhista. São medidas que visam aumentar o nível de proteção e adequação social de jovens e portadores de deficiências físicas. Não se trata, portanto, de alteração da legislação trabalhista nem podem pretender o status de medidas reformatórias da legislação trabalhista.

Há, todavia, um ponto crucial subjacente às proposições de reforma trabalhista que precisa ser bem compreendido. Diz respeito à jornada de trabalho que afeta, em decorrência, a composição de custo das empresas. Este ponto, que engendra temas essencialmente conexos, perfaz uma unidade de sentido sem a qual não é possível compreender corretamente os rumos da reforma trabalhista. Aliás, se a classe trabalhadora importar-se apenas com o seu salário e não com a redução da jornada de trabalho, deixou para trás a sua própria missão histórica dentro do modelo capitalista de produção.


III. A Jornada de Trabalho

A questão da jornada de trabalho enfrenta muitos percalços. O mais sério deles diz respeito à redução da jornada de trabalho. [26] O empresariado é contra tal redução de jornada, alegando, em sua maioria, que a manutenção dos mesmos salários representa um aumento dos custos que não tem condições de ser suportado pelas empresas. [27]

A análise do problema da jornada de trabalho não é, todavia, a mesma para os diferentes capitais industriais e comerciais porque a redução da jornada de trabalho não significa a mesma coisa para o capital comercial e industrial.

A indústria adequa o horário de trabalho a metas previamente estabelecidas de produção e venda. De fato, a indústria somente vai trabalhar o tempo necessário à produção dos bens que podem ser vendidos. Não adianta laborar 44 horas semanais se os bens produzidos nestas 44 horas não puderem ser vendidos. É o caso que pode ser notado, de modo mais evidente, na indústria de automóveis.

De que adianta produzir uma quantidade maior de novos carros se os que forem produzidos não puderem ser vendidos, servindo apenas para lotar os pátios das montadoras? O que se aponta aqui resulta dos enormes ganhos de produtividade do trabalho dados pela introdução da tecnologia como fator fundamental da produção. O capital morto (a maquinaria) potencializa o trabalho humano de modo realmente assombroso. Ou seja, não é a elevada carga horária que produz elevados resultados de aumento da produção, mas, sim, a introdução do maquinário tecnologicamente apropriado e desenvolvido para o aumento da produção.

O trabalho humano já deixou o jardim de infância do capitalismo. Agora, quem faz a maior parte do trabalho industrial são as máquinas. E, contrariamente ao que pretendeu Jean Baptist SAY [28] existe a criação de excedente de capital em toda cadeia produtiva sem que haja consumo correspondente. [29]

Não adianta, no horizonte de reflexão da economia industrial, aumentar a carga horária de trabalho porque o problema econômico não se resolve pelo agigantamento da produção. A crise superprodutiva é parte integrante do sistema capitalista de produção e o aumento da carga horária de trabalho apenas potencializa o problema. [30] O processo de produção capitalista, neste sentido, é essencialmente contraditório. [31]

De outro lado, as regras da competição capitalista abrangem o mundo todo. É a chamada globalização. Pelos padrões mundiais, ditados, evidentemente, pelos países capitalistas mais adiantados, é que são mensurados os esforços produtivos dos diferentes países. O que manda no mundo globalizado é o preço (eventualmente, também a qualidade) das mercadorias produzidas. [32] Mas, e aqui vem o problema, o preço das diferentes mercadorias é determinado pelo nível de produtividade [33] mais elevada.

Com a fixação da produção dada em torno do preço das mercadorias, ocorre uma imposição, uma ditadura do preço por quem consegue produzir sob a condição de preço dada. Não importam os custos, mas, sim, o preço dado para a produção das mercadorias. Entender este problema é fundamental e, sem esta compreensão não é possível ir adiante.

Não tem qualquer importância, na ótica do mundo globalizado, a existência de diferentes estruturas de custo de um país em relação a outro. Importa, não o custo, mas sim, o preço fixado pelo líder. Então, as economias que pretendem competir devem reduzir seus custos para adequar-se ao preço dado pelo mercado.

Isso parece ser muito bom e vantajoso para o consumidor. Porém, isto é apenas aparência. É comum, no Brasil, as pessoas imaginarem ser possível competir de modo justo e equilibrado com os países capitalistas mais avançados. A verdade é que tal competição é injusta e desproporcional. O Brasil, como resto, a grande maioria dos países do mundo, não tem as mínimas condições de competir em muitos setores essenciais, nos quais a tecnologia é fator preponderante, com os países capitalistas mais avançados. [34]

Ademais, o melhor preço para o consumidor não significa que o consumidor tenha, de fato, condições de adquirir o bem. Se a economia do país for de pequeno vulto, a importação ou mesmo a produção a preço dado pelo mercado corre o risco de se transformar em um esforço produtivo que não justifica o eventual ganho para o consumidor. Ou seja, o sacrifício de adaptação dos custos aos preços dados pode ser alto demais. [35]

Esta situação de enfrentamento do mundo globalizado é dramática, em especial para as economias com baixos níveis de produtividade, como é o caso da economia brasileira. E aqui, é importante esclarecer um assunto sujeito a muitas confusões. O Brasil tem uma grande produção industrial. Entrementes, a produtividade brasileira é muito baixa em comparação com as economias capitalistas mais avançadas. Confundir produção (PIB elevado, por exemplo) com produtividade leva a grandes equívocos.

Sob a ótica traçada até aqui, a produtividade caminha quase na contramão do aumento da carga horária de trabalho de sorte que é possível estabelecer um elevado grau de correlação entre jornadas de trabalho elevadas e baixa produtividade.

Mas, diferentemente do que poderia ser alegado, não se pode esperar que primeiro existam condições tecnológicas favoráveis para, então, proceder-se a redução na carga horária de trabalho. De fato, o processo ocorre de modo inverso. O principal fator que força e engendra o aumento da produtivade é, exatamente, a redução da carga horária de trabalho. A diminuição da exploração do trabalho vivo (força de trabalho) força o deslocamento do capital para o trabalho morto (maquinaria). [36]

O capitalista não compra máquinas porque as acha mais bonitas do que os funcionários ou, por uma profunda mágoa em relação ao trabalho artesanal. A compra de máquinas decorre dos ganhos proporcionados pelo aumento da produtividade (maior produção no mesmo espaço de tempo e com o mesmo número de funcionários).

Mas, até aqui falamos do capital industrial. O capital comercial tem outra lógica. O comércio, diferentemente da indústria, nada produz. O comércio é prestação de serviços de distribuição dos bens gerados pela indústria. Mas, é uma atividade improdutiva. Não se pode ver neste conceito qualquer demérito; a classificação de atividade produtiva e improdutiva é necessária para que possam ser melhor compreendidos os fenômenos de natureza econômica.

Atividades improdutivas, a exemplo do comércio, fazem movimentação do capital a partir da variável tempo. O fato de determinada loja do comércio estar aberta enquanto a sua concorrente estiver fechada acaba por gerar lucro excedente pela captura da clientela que estaria sendo absorvida pela concorrência. [37] Estando todas lojas de comércio abertas, divide-se, entre todas, a clientela.

Na ótica do comerciante, é preciso estar com as portas abertas o maior tempo possível porque é, exatamente, deste tempo de atendimento que o lucro comercial pode acontecer. O ideal, para o comércio, é que não houvesse qualquer necessidade de fechar as portas. E, o melhor dos mundos, ideal mesmo, existiria caso não houvesse qualquer aumento de custo na manutenção das portas abertas 24 horas por dia.

Este é um dos importantes argumentos em favor da abertura do comércio aos domingos. O fato de algumas lojas abrirem as portas aos domingos (enquanto outras permanecem fechadas) aumenta o lucro de alguns (os que ficam abertos) pela supressão da concorrência. Mas, se todas as lojas abrirem aos domingos, nenhum ganho adicional haverá porque a concorrência que ocorre nos dias de semana continuará a existir aos domingos. E, devemos lembrar com insistência, a maior jornada de trabalho no comércio não gera qualquer aumento de produção das riquezas disponibilizadas socialmente. Então, de fato, a abertura do comércio aos domingos aumenta o emprego apenas no curto prazo. [38]

Por isso, muito mais importante do que a abertura de todo comércio aos domingos é a gradativa setorialização e acordo geral de horários em que determinados setores permanecem funcionando. A abertura do comércio em mais um dia da semana não gera mais produtos para o consumo. É isso que distingue a atividade produtiva da atividade improdutiva.

Mas, exatamente os pequenos ganhos setorializados do comércio e a natureza do trabalho comercial (prestação de serviços) é que leva os capitalistas do comércio (comerciantes) a pensar que o seu lucro decorre da maximização do tempo à disposição do cliente comprador.

Então, para estes capitalistas, a diminuição da jornada de trabalho representa, além de uma diminuição na receita, um aumento direto de custos pelo aumento da massa salarial. Os salários ficam os mesmos, mas, o tempo de trabalho diminui.

A Reforma Trabalhista tem a ver com a estrutura de custos das empresas. De fato, uma das causas subjacentes à Reforma Trabalhista encontra-se no assim chamado "custo Brasil". Este conceito alberga diferentes fatores, entre eles, as enormes deseconomias de escala, os diferentes custos sociais lançados à conta de produção e a enorme carga tributária brasileira.

Numa conta simplificada, o custo de manutenção de um emprego é um ultraje. Vejamos as contas, conforme enviadas pelo amigo Lourival Silva Pimentel, [39] do Macapá, que admitiu um salário fixo de R$ 600,00.

Verba

valor

Percentual

Salário

600,00

 

FGTS 8,5%

51,00

8,5%

Vale Transporte (descontado 6%)

126,90

21,5%

INSS

166,80

27,80%

13º salário 1/12

49,98

8,33%

Férias 1/12

49,98

8,33%

1/3 das Férias

16,67

2,77%

Aviso Prévio 1/12

49,98

8,33%

Multa rescisória (50 x 8%)

24,00

4,00%

CUSTO REAL

1.135,30

 

Encargos sobre provisões

   

INSS s/ 13º (27,80 x 8,33)

13,92

2,32%

INSS s/ férias

13,92

2,32%

FGTS sobre 13º (8,50% x 8,33)

4,25

0,71%

FGTS sobre férias sem terço

4,25

0,71%

TOTAL GERAL

1.171,64

 

Tabela 1: Custo de Empregado com salário fixo de R$ 600,00

A Reforma Trabalhista, na ótica do empresariado, deve minimizar o problema que está retratado na Tabela 1. Este problema, para as empresas, tem o nome de custo social ou passivo trabalhista (dependendo da ótica) e se cristaliza num custo aproximado de 100% em relação ao salário contratual que é pago ao empregado. [40] Não nos esqueçamos de que, além de todo custo social, o empregador tem de sustentar o seu sócio maior que é o Estado.

A diminuição da jornada de trabalho, principalmente para os setores do capitalismo comercial, representa, não propriamente aumento de custo, mas, diminuição da receita (pela diminuição do tempo de trabalho) para a paga dos mesmos salários. O mesmo problema afeta todos os setores da produção nacional.

Todavia, o que realmente precisa ficar claro é que o maior problema de custos no Brasil deriva da ineficácia generalizada do Estado Brasileiro. É o assim chamado custo Brasil. O Estado tem uma voracidade fiscal infinita e pensa, [41] erroneamente, que a solução dos problemas nacionais está ligado ao aumento da arrecadação. [42]

Então, diante do Estado, o qual se entende a si mesmo como responsável pela solvência dos problemas nacionais, é que a Reforma Trabalhista precisa ser colocada. É o gigantismo do Estado que onera as relações de trabalho. O Estado, digamos a verdade, nada resolve e nada produz, apenas trata de regulamentar e arrecadar para manter-se vivo.

Uma verdadeira reforma trabalhista requer a supressão do Estado como dirigente das relações trabalhistas. Isso não quer dizer a total supressão da normatividade legal; quer dizer, supressão do Estado como sócio indesejado da relação trabalhista. Uma reforma trabalhista em que o Estado se preocupa apenas em botar o nariz na conversa (reforma easy rider), realmente não interessa ao mundo do capital e trabalho.

Um dos ingredientes mais importantes de uma Reforma trabalhista bem sucedida é a formação e estruturação adequada de quadros sindicais competentes. O sindicalismo brasileiro precisa ser, não apenas bom combatente na defesa dos interesses dos trabalhadores, mas, também, esboçar uma atuação política clara em relação aos alvos que têm em vista. Sindicalismo pontual é um verdadeiro descalabro. Somente havendo sindicatos fortes e bem organizados é que se pode falar em Reforma Trabalhista bem feita.

Pretender que a Reforma Trabalhista aconteça por força da legislação é repetir os mesmos equívocos que vem sendo criticados em relação à CLT. [43] Vide o exemplo dos minutos de tolerância, assunto já abordado anteriormente. Ou seja, se a Reforma Trabalhista for deixada sob o encargo do pessoal encarregado da legislação, é melhor preparar-se para muitas coisas mal-feitas.

A Reforma Trabalhista precisa ser feita por quem é agente da relação trabalhista. Depois de feita é possível agregar à CLT, os resultados que foram obtidos. E o sinal de alerta deve partir, exatamente, da falta de avanço, de modernidade em relação ao texto da CLT dos anos 40. Ou seja, não é tanto a CLT, mas, as relações de trabalho no Brasil é que estão petrificadas e obsoletas. Mudar a CLT por força da legislação não moderniza as relações de trabalho, [44] da mesma forma como caiar o sepulcro não modifica o seu conteúdo.


Conclusão e Moral da História

A Reforma Trabalhista requer a articulação de um Estado simplificado e ágil, que saiba o seu lugar social e que possa estabelecer uma política de médio e longo prazos para o bem estar de sua população. Além disso, requer sindicatos fortes e bem estruturados. No entanto, as idéias em torno da Reforma Trabalhista continuam sendo tratadas em sede legislativa, como se a Reforma fosse problema legal. Enquanto o Estado brasileiro for o dinossauro que é, não tem jeito da Reforma trabalhista ser melhor do que está sendo.

Não tem como reformar verdadeiramente as relações de trabalho sem reformar e modernizar o Estado brasileiro. A CLT, com todos os seus defeitos, é ainda melhor do que a reforma que se pretende fazer sobre ela. [45] Como o Estado brasileiro não vai, realmente, se modernizar, [46] continuaremos a viver a hipocrisia da modernização das relações trabalhistas via legislação. Mudar as leis não é importante, mas é fácil fazer. É preciso mudar a sociedade, mas, apesar de isso ser muito mais importante, é muito mais difícil fazer. Por isso, os governos ficam satisfeitos em mudar as leis.


Notas

1.De fato, já em 1991, o I Congresso Internacional de Direito do Trabalho no Paraná, promovido pelo TRT 9ª Região já tratava de apresentar conferências e painéis que discorriam sobre o problema da flexibilização e obsolescência do Direito do Trabalho face às novas tecnologias e inserção no mundo globalizado. No contexto do Congresso, Valentim CARRION, A Obsolescência do Direito do Trabalho, como Indagação, e a Flexibilização, In: Estabilidade, Flexibilidade e Formas de Solução dos Conflitos do Trabalho (Anais do Congresso), Curitiba: Juruá, 1991, p. 140 já salientava que "o Direito do Trabalho não consegue acompanhar a rapidez do sistema econômico, que pela sua própria função, tem que ser altamente competitivo, dentro da nação e, de forma ainda mais aguda, internacionalmente." Isso já deve advertir o leitor de que o que está em jogo quando se fala em reforma trabalhista, de fato, é o próprio convulsionar do sistema capitalista de produção. Não se trata, propriamente, de uma modernização; trata-se, isto sim, de reclamos provenientes da normatividade do sistema produtivo capitalista.

2 Originalmente, o projeto de Reforma Trabalhista foi proposto por Francisco Dornelles, ex-ministro do trabalho e traz uma série de expedientes que visam flexibilizar a legislação no intuito de modernizar a relação empregatícia. O conceito de modernidade, neste caso, cinge-se ao que ocorre no sistema capitalista mais avançado. Cf. Claudia Campas BRAGA, O Projeto de Lei de Flexibilização diante do novo perfil do Senado, In: Fiscosoft on Line, 2002/0067 [internet]. Não se esconde que o objetivo maior é colocar o Brasil em consonância com a realidade dos países do primeiro mundo. Conforme tal ótica, observa BRAGA, "a maior preocupação dos trabalhadores nos dias atuais está na manutenção de seus postos de trabalho e não na obtenção de maiores salários."

3 Como já salientaram, entre muitos, Altamiro BORGES & João Guilherme VARGAS NETTO, Os Riscos da Reforma Trabalhista, In: http://www.galizacig.com/actualidade/200312/ab_os_riscos_da_reforma_trabalhista.htm [internet]. A Reforma Trabalhista, todavia, não é um assunto que deva ser considerado como problema exclusivo do horizonte temporal futuro. De fato, o sistema legislativo trabalhista já vem sendo modificado em muitos aspectos como aponta Luís Fernando Lavigne de SOUZA, Alterações na Consolidação das Leis do Trabalho. Avanços e Retrocessos. (trabalho aos domingos, controle da jornada de trabalho e horas ‘in itinere’), In: Jus Navigandi, 52, jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2433">http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=2433 [internet].

4 Osiris ROCHA, A Verdadeira Reforma Trabalhista, In: Estudos de Direito do Trabalho, Curitiba: Juruá, 1992, pp. 241-245 entende que a Justiça do Trabalho precisa ser célere. Entre as medidas necessárias que sugere menciona a criação de leis bem assessoradas; a interpretação geral da lei (algo como súmula vinculante); extinção dos juízes classistas e criação de uma instância administrativa prévia, de ordem sindical. Dentres as medidas então sugeridas como necessárias, algumas já se operacionalizaram.

5 Guilherme Alves de Mello FRANCO, Flexibilização dos Direitos Sociais: Remédio para a Cura do Desemprego no Brasil ou Simples Placebo Jurídico? In: Jus Navigandi, Teresina, nº 60, internet.

6 O PRAVDA de 27.11.2003 (In: http://port.pravda.ru/brasil/2003/11/27/3647.html [internet]) apresenta entrevista de Vicentinho da CUT em que o sindicalista e parlamentar defende a reforma trabalhista como forma de ampliação dos direitos trabalhistas. De fato, diz o parlamentar petista "nós não podemos permitir, de maneira nenhuma, que se discuta leis sobre direitos dos trabalhadores para piorá-los. Isso seria um grave erro. É abrir portas para a escravidão. Nós temos é que melhorar. Nenhum país do mundo está mal das pernas, porque o trabalhador tem direitos. Quando o direito do trabalhador está assegurado, tudo vai bem no País".

7 A respeito dos minutos de tolerância, Luís F. L. de SOUZA, Op. Cit., entende que "tal determinação significa o uso do bom senso, uma vez que reconhece a dificuldade, de milhares de empresas, com relação ao registro de ponto de seus colaboradores, apesar de investirem nas mais altas tecnologias de controle de jornada de trabalho.Os minutos de tolerância são uma impertinência." Faz o autor enorme confusão. Chega a dizer que as leis da física (que impedem 2 corpos de ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo) podem fundamentar a adoção dos minutos de tolerância. A questão, de fato, prende-se a outras e bem diferentes questões. Em primeiro lugar, a tolerância prevista na consolidação diz respeito à tolerância do empregado para com o empregador. É o empregado quem está tolerando a contagem do tempo em favor do empregador. Mas, deseja o empregado conceder tal tolerância no cômputo da jornada de trabalho? Deseja, o empregador, desconsiderar tal tempo da jornada de trabalho? Em caso de resposta afirmativa à segunda pergunta, mesmo assim, a alteração é insossa porque prevê uma tolerância mensal de, no máximo, 300 minutos (30 dias x 10 minutos diários), inclusos os DSRs. Ou seja, trata-se de, no máximo, o empregado tolerar a ausência de cômputo de 5 horas que poderiam ser extras durante um mês. A tolerância que talvez pudesse atender interesses do empregador, é irrisória; não resolve problema algum. Ademais, a estrutura de pensamento jurídico nacional sempre privilegiou o tempo à disposição do empregador. A adoção da tolerância acaba por introduzir outros conceitos que realmente não vem ao caso e são incoerentes com os fundamentos do cômputo da jornada. De fato, a idéia da tolerância veio por influência alienígena (mormente espanhola) para o judiciário nacional. A grande responsável pelo primor legislativo em relação aos minutos de tolerância deve-se à jurisprudência que acabou copiando a regra adotada em outro país sem qualquer critério além do modismo. Por fim, a adoção dos minutos de tolerância são um desatino ao bom senso. Basta fazer as contas para se entender o real insignificado de tal alteração legislativa.

8 Outra modificação inconseqüente foi o permissivo legal da Lei 10.101 em torno do labor dominical. O que interessa neste momento, é a lógica do argumento em favor do labor dominical. Conforme argumenta SOUZA, Op. Cit., "tal autorização foi um alívio, para o comércio, e um avanço. Alívio, por que a margem de lucro do comércio vem caindo ano a ano, apesar dos recordes de venda; e avanço, por que o comércio poderá, com o aumento no volume de vendas, e mesmo com baixas margens de lucro aumentar o quadro de funcionários, aumentando a oferta de empregos." Não estamos entrando no mérito da questão (se o domingo deve ou não ser livre). Estamos analisando a pertinência do argumento que fundamenta a análise da alteração legislativa. No caso, a alteração, conforme SOUZA, foi um alívio para o comércio e um avanço. O alívio estaria dado pela contínua queda na margem de lucro do comércio. Falacioso tal argumento porque a abertura aos domingos não vai aumentar a margem de lucro do comércio; se o comércio trabalhar aos domingos, não haverá qualquer aumento no volume das vendas nem, tampouco, aumento da oferta de empregos. Isso somente poderia ocorrer se e somente se, determinadas empresas do comércio abrissem no domingo enquanto outras concorrentes ficassem fechadas, a exemplo do que ocorre com os Shoppins Centers. Se todos os comerciantes abrissem aos domingos, de onde viria o aumento no volume de vendas? Acaso gera, o comércio, qualquer aumento da produção de bens? De modo algum; o comércio trata de distribuir a produção que já foi disponibilizado, grosso modo, pela indústria. Então, nada de aumento de lucros ou mesmo aumento da oferta de empregos. Ou seja, se for para defender a abertura do comércio aos domingos, é preciso encontrar argumentos melhores e de maior substância do que os indicados por SOUZA Na verdade, a Reforma Trabalhista vem se processando sem qualquer sério aprofundamento temático. Trata-se de reformar por força dos modismos. Eis aí o nó de significado da epopéia reformista.

9 Easy Rider é o título original do filme de 1969 do diretor Dennis Hoper que também participa do elenco ao lado de Peter Fonda e o então pouco conhecido Jack Nicholson. Em português, o filme ficou traduzido como sem destino. É um grande filme de época. Representa um sonho, o de poder viajar, experimentando a verdadeira liberdade do American Way of Life (tudo isso, de motocicleta, é claro). Pois bem, a Reforma Trabalhista brasileira caminha easy rider.

10 Manuel Alonso OLEA, Introdução ao Direito do Trabalho, Curitiba: Gênesis, 1997, pp. 42 ss.

11 Mário Antônio Lobato de PAIVA, Flexibilização e Desemprego, In: Fiscosoft, Artigo - Previdenciário/Trabalhista - 2002/0017, [internet] acaba apresentando um artigo que analiza os reflexos da flexibilização sobre o emprego. Todavia, de forma algo resignada, entende ser necessário promover a adaptação do Direito do Trabalho aos novos tempos. Cf. também, Mário Antônio Lobato de PAIVA, Flexibilização e Desregulamentação, In: Fiscosoft, Artigo - Previdenciário/Trabalhista - 2002/0136, [internet].

12 Manuel Alonso OLEA, Op. Cit., p. 330 ss.

13 Márcia Novaes GUEDES, Em Busca da Fidelidade Perdida com a Flexibilização, In: Jus Navigandi, 58 [internet].

14 A flexibilização tem, como causalidade última, a continuidade de inserção do Brasil no sistema global de produção e troca de mercadorias ditada pelos países do assim chamado Primeiro Mundo. Esta questão também é apontada por Alcídio SOARES JÚNIOR, A Flexibilização no Direito do Trabalho enquanto Instrumento de Mudanças nas Relações de Trabalho, In: Revista Jurídica da UEPG, http://www.uepg.br/rj/a1v1suma.htm [internet].

15 José PASTORE, Redução de Jornadas de Trabalho: Qual Delas? In: O Estado de São Paulo, 01.08.2000 entende que a jornada legal serve apenas de marco regulamentador geral da jornada de trabalho e que a redução efetiva do labor decorre da negociação e acordos de contratação da jornada semanal, tal qual ocorre na Europa. PASTORE assume, de fato, uma posição que reflete uma determinada maneira de entender o mundo. Conforme ele, "A jornada legal é um mero marco de orientação, e tende a ficar estável por muito tempo. Na maioria dos países, a jornada de trabalho tem sido reduzida ou ampliada por meio de negociação coletiva, o que tem permitido os ajustes de custo, do lado da empresa, e o aumento do emprego, do lado dos trabalhadores. A jornada de trabalho semanal começa a ser substituída pela jornada anual. Do ponto de vista da pesquisa, esta é melhor para captar o uso de horas extras. Do ponto de vista prático, é mais útil para acomodar as flutuações sazonais, picos de demanda ou esfriamento das recessões." Todavia, no caso brasileiro, a jornada legal é aquela que pauta as relações de trabalho. A flexibilização ou supressão dos limites legais simplesmente não provocam um acordo de redução na jornada. Pelo contrário, ainda está muito forte a idéia de que a abundância de riqueza provém das grandes jornadas de trabalho. De igual modo, a pactuação, tal qual ocorre na Europa, não traz qualquer garantia de aumento de emprego. Aliás, a pactuação de jornadas de trabalho em limites inferiores ao máximo legal é perfeitamente possível, mas, não é usualmente praticada no Brasil.

16 Isto porque tais parcelas aumentam os assim chamados custos sociais do trabalho assalariado.

17 Para uma análise detalhada das conseqüências das políticas adotadas por conta da modernização e flexibilização legislativa, cf. Marcelo Dias CARCANHOLO, Abertura Externa e Liberalização Financeira: Impactos sobre o Crescimento e Distribuição no Brasil dos Anos 90, UFRJ, 255 pp [tese de doutorado].

18 O assunto da flexibilização das relações de trabalho vem de longa data como observa Francisco Edivar CARVALHO, A CLT já foi Flexibilizada com o Passar dos Anos, In: Fiscosoft on Line, 2002/0050 [internet]. Cf. ainda Guilherme Alves de Mello FRANCO. Flexibilização dos Direitos Sociais:Remédio para a Cura do Desemprego no Brasil ou Simples Placebo Jurídico? Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 60, nov. 2002.

19 Sistematização conforme notifica a bolsa de negócios no endereço de site http://www.bolsadenegocios.com/bolsanews.htm#noticia1 [internet].

20 Sobre o assunto do banco de horas, cf. Paulo Haus MARTINS, Banco de Horas, In: http://www.rits.org.br/legislacao_teste/lg_testes/lg_tmes_mai2002. [internet].

21 Ismael Marinho FALCÃO, Fim do Juiz Classista, [internet]. O artigo de FALCÃO inicia com a seguinte frase: "O bom senso prevaleceu!".

22 Cristiane ROZICKI, Contrato por Prazo Determinado: Inconstitucionalidade, Significado, Efeitos, In: Jus Navigandi, nº 34 [internet]; Rodolfo M. V. PAMPLONA FILHO & Danielle Anne PAMPLONA, ‘Nós Górdios’ da Lei nº 9.601/98, In: Jus Navigandi, Teresina, nº 51, [internet].

23 Para uma avaliação positiva do instituto, cf. Francisco de Assis Carvalho e SILVA, Comissões de Conciliação Prévia – Um Enfoque face à Justiça do Trabalho, [internet].

24 Para uma visão crítica do Sumaríssimo, cf. Eduardo VON ADAMOVICH, A Nova Lei do Rito Sumaríssimo: Uma Primeira Visão Crítica, [internet]

25 Sobre o assunto, cf. Tarcio José VIDOTTI, Breves Anotações a Respeito das Alterações Promovidas pela Lei nº 10.097/2000 no Contrato de Aprendizagem, In: Jus Navigandi, nº 54 [internet].

26 A reflexão em torno da jornada de trabalho não pode ser minimizada. Atualmente, o cálculo das verbas trabalhistas praticamente restringe-se ao cálculo das horas extras. Qualquer movimento para flexibilizar ou mesmo extinguir o rigor em torno da jornada de trabalho vai acabar, também, com a própria demanda trabalhista.

27 Sérgio COUTINHO, Da CLT ao Modelo Flexível de Produção, In: Jus Navigandi, nº 56, [internet], apresenta um artigo interessante sobre o problema da flexibilização como conseqüência da nova readaptação mundial aos paradigmas do capitalismo avançado. A contribuição do autor é oportuna. O que gostaria de destacar em relação ao artigo, é uma diferente perspectiva em relação à organização dos trabalhadores face à reorganização do sistema capitalista. Os trabalhadores, exatamente por não terem independência em relação ao capital, são mera massa de manobra. Não parece haver, no horizonte da massa trabalhadora, a capacidade de uma grande reorganização mundial em torno de interesses comuns, apesar dos movimentos isolados e, por vezes, combatidos pelos próprios trabalhadores, contrários ao estabelecimento das novas políticas globais dos grandes mercados comuns.

28 Jean Baptist Say é um dos assim chamados clássicos da economia política. Conforme ele, a produção de bens produziria, por si só, a demanda necessária ao seu consumo. Desta forma, estaria fora do horizonte econômico, uma crise de superprodução. Os fatos do mundo econômico já contradisseram vigorosamente esta expectativa econômica que veio a ser chamada Lei de Say.

29 Cf. Paulo SANDRONI. Say, Jean-Baptiste, In: Dicionário de Economia e Administração, São Paulo: Nova Cultural, 1996.

30 E, o paradoxo, é que esta crise de superprodução, percebida do ponto de vista macroeconômico, não é percebido no nível da microeconomia. Ou seja, os empresários, individualmente considerados, não conseguem perceber, porque estão preocupados com a própria sobrevivência, que o aumento da produção pode não resolver o problema que se pretende resolver com a manutenção ou, quem sabe, aumento da carga horária de trabalho.

31 Como bem observado por Frederico MAZZUCCHELLI, A Contradição em Processo; O Capitalismo e Suas Crises, São Paulo: Brasiliense, 1985, 196 pp.

32 Márcio Túlio VIANA, A Proteção Social do Trabalhador no Mundo Globalizado – O Direito do Trabalho no Limiar do Século XXI, (Trabalho vencedor do Prêmio Orlando Teixeira da Costa (concurso nacional de monografias promovido pela ANAMATRA), In: Revista de Jurisprudência, nº 31, Porto Alegre, TRT 04ª Região, [internet].

33 E, produtividade não é a mesma coisa do que produção. Produção é um determinado quantitativo; produtividade é o quantitativo analisado em função de outra variável. Por exemplo, a produção de 20 pares de tênis pode ser analisada em função do tempo ou, em função da quantidade de funcionários necessária à produção. O índice de produtividade vai se refletir conforme sejam necessários mais ou menos funcionários ou mais ou menos tempo para a confecção. A tendência mais moderna é estabelecer os índices de produtividade em função de diferentes variáveis.

34 Tome-se, por exemplo, o caso da China. Certamente, não se trata de um país de capitalismo avançado. Não é possível competir em pé de igualdade com a China? A competição é possível se não houver coincidência de fatores de produção entre os dois países. Por exemplo, o clima brasileiro permite a existência de frutas tropicais que podem não ser viáveis na China. Mas, quando falamos em produção industrial, um dos fatores mais relevantes é a escala de produção. Como pode, o Brasil, competir com a escala de produção da China, no mínimo, 8 vezes maior? O preço do calçado, neste caso, é ditado pela gigantesca escala de produção chinesa. Para que o Brasil possa competir, deve diminuir custos de produção.

35 Esse sacrifício pode ter muitas facetas, a exemplo da redução da massa salariail, aumento da jornada de trabalho, diminuição dos custos sociais, minimização do assim chamado passivo trabalhista.

36 E está é, grosso modo, a grande contradição do sistema capitalista de produção. O contínuo deslocamento do capital produtivo para a maquinaria retira, do componente vivo do capital, a possibilidade de obter acúmulo. O aumento da produtividade por uso de máquinas convive com a diminuição progressiva das taxas de lucro além de gerar um sério problema de subconsumo porque máquinas não consomem as riquezas produzidas.

37 Daniel BATISTA, Abertura do Comércio nos Dias de Repouso e as Normas de Proteção ao Trabalho, In: Jus Navigandi, Teresina, nº 50 [internet] apresenta um trabalho interessante do ponto de vista jurídico em torno das normas e possibilidades de abertura do comércio em dias destinados ao descanso. A compreensão ampla do problema exige, além da ótica jurídica, a ótica econômica. A abertura aos domingos e feriados não é um problema que possa ser resolvido a contento por uma alteração legislativa.

38 A manutenção dos empregos comerciais criados por tal demanda artificial depende do efetivo aumento de produção das riquezas geradas pelo país. Se as lojas não venderem mais (quantidades maiores), fica inviabilizada a manutenção dos empregos que tenham sido gerados por conta da demanda do atendimento em domingos (e feriados).

39 Lourival é um dos participantes dos cursos de cálculos cíveis e trabalhistas que ocorreu no ano de 2004 na cidade de Macapá. Profissional contador, observou corretamente, que os custos reais de manutenção de um emprego são desproporcionais em relação ao que, efetivamente, o empregado recebe como salário.

40 Há pequenos detalhes de cálculo a serem notados na Tabela 1. Uma delas aparece no divisor usado para o cálculo do impacto mensal das férias. Normalmente, é utilizado o divisor 12. Todavia, é preciso adotar o divisor 11 porque somente os meses de trabalho podem pagar o mês de ócio das férias.

41 O Estado, evidentemente, não pensa. Mas, é preciso adotar este tipo de terminologia porque o Estado acaba funcionando como ente autônomo; tem lógica própria, luta incansavelmente pela própria sobrevivência e é maior do que a somatória de seus componentes (funcionalismo público). O Estado é a criatura que se tornou maior do que seu criador, a exemplo da novela do Dr. Frankenstein. O melhor juízo sobre o Estado foi dado por Fridedrich W. NIETZSCHE, Assim Falou Zaratrustra, São Paulo, Círculo do Livro, [1885], 331 pp. . Disse ele: "chama-se Estado o mais frio de todos os monstros frios. E, com toda frieza, também mente: e esta mentira sai ratejando da sua boca: ‘Eu, o Estado, sou o povo!’ (...) nele, tudo é falso. Morde com dentes roubados, esse mordedor; falsas são, até, suas entranhas.(...) onde cessa o Estado, somente ali começa o homem que não é supérfluo – ali começa o canto do necessário, essa melodia única e insubstituível. Onde o Estado cessa – olhai para ali, meus irmãos! Não vedes o arco-íris e as pontes do super-homem? Assim falou Zaratustra." pp. 65-67.

42 Problema já extensamente abordado por economistas partidários de ideologia de esquerda quanto de direita.

43 Há muitos exemplos emblemáticos da total falta de sintonia entre legislação e realidade social. Não basta existir uma legislação contrária ao escravagismo. De fato, o sistema escravagista teve que estar economicamente esgotado para que a legislação pudesse ser aprovada. Ou seja, o fim do escravagismo não decorre da lei, mas, sim, dos fundamentos econômicos. O escravagismo somente é viável quando existe forte e constante demanda de produto que requeira trabalho braçal contínuo. Ou seja, enquanto existe demanda pelo açúcar e, depois, pelo ouro, os escravos são viáveis. O café requer trabalhadores livres porque a manutenção dos escravos nos períodos em que não há produção, é muito cara. Quem acabou com a escravidão no Brasil foi o café. A Princesa Isabel fez, apenas, as vezes de Rainha da Inglaterra. Aliás, qualquer análise histórica que se preste também não pode ignorar que o fim do escravagismo estava vinculado aos interesses ingleses. Sobre o assunto, cf. as imperdíveis obras de Caio PRADO JÚNIOR, História Econômica do Brasil, São Paulo: Brasiliense, pp. 123 ss e Celso FURTADO, Formação Econômica do Brasil, Brasília: EUB, pp. 111 ss.

44 Aliás, o sistema jurídico brasileiro, derivado do modelo romano-germânico tem a idéia de que as reformas de fato ocorrem por meio da legislação. O atraso não está na lei, está na forma das relações trabalhistas.

45 Não se pode esquecer que a CLT não foi resultado do império getulista. A CLT é uma consolidação de normatividade que já existia. O que estamos dizendo neste artigo, com letras garrafais, é que as relações de trabalho no Brasil não evoluiram desde então. É este, e não o problema legal, o verdadeiro cancro que precisa ser equacionado se o objetivo é, de fato, vivenciar uma verdadeira Reforma das relações de trabalho.

46 Nesse sentido, o governo petista tem se mostrado uma enorme decepção por representar o continuismo em relação ao governo do PSDB.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KRUSE, Marcos. O significado da reforma trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 298, 1 maio 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5184. Acesso em: 28 mar. 2024.