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A titularidade de direitos fundamentais pelas pessoas jurídicas de direito público

A titularidade de direitos fundamentais pelas pessoas jurídicas de direito público

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Em regra, não é possível admitir a possibilidade de as pessoas jurídicas de direito público serem titulares de direitos fundamentais, sob pena de subverter a sua essência (argumento da natureza dos direitos fundamentais).

1.INTRODUÇÃO

Uma das maiores preocupações do sistema jurídico ocidental é a proteção de uma esfera de direitos dos cidadãos contra a possibilidade de arbítrio de um ente político. Essa ideia está no cerne da noção não só dos direitos fundamentais como também da própria essência da Constituição, expressa no art. 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, quando afirma que “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.”

Os direitos fundamentais surgem a partir de uma visão jusnaturalista, com o objetivo de tutelar os direitos inerentes aos homens, à sua condição de ser humano, contra o abuso do poder estatal. Com o passar dos tempos, principalmente do desenvolvimento econômico e social, outros direitos, por serem considerados valores importantes para a sociedade, foram sendo reconhecidos como fundamentais, o que ocasionou um alargamento do núcleo desses direitos, sem perder, entretanto, a sua essência.

De certa forma, a ampliação dos direitos fundamentais e a isonomia entre as pessoas, físicas e jurídicas, e o consequente reconhecimento por algumas Constituições ocidentais da titularidade de direitos fundamentais por pessoas jurídicas, levou a um alargamento da abrangência dos direitos fundamentais, além de uma série de questionamentos.

Dentre esses questionamentos, um dos mais importantes para a atualidade consiste em saber se a pessoa jurídica de direito público – idealizada inicialmente como destinatário dos direitos fundamentais, tendo este o objetivo de limitar as funções daquelas – pode ser titular de direitos fundamentais ou não. Ora, se a pessoa jurídica de direito privado pode ser titular de direitos fundamentais, por que não as pessoas jurídicas de direito público?

A partir dessas considerações iniciais, pretendemos discutir se as entidades públicas podem (ou não) ser titulares de direitos fundamentais. Para isso, é necessário discorrer sobre a história e a natureza dos direitos fundamentais, de forma a entender em que consiste a sua fundamentalidade material, a sua própria essência; e fazer uma análise disto em comparação com a natureza jurídica das pessoas da administração pública; além disso, pretendemos discorrer sobre a estrutura normativa dos direitos fundamentais; diferenciar os direitos fundamentais de outros instrumentos, como as tarefas públicas, os poderes públicos e as garantias fundamentais e institucionais; estudar a razão de algumas pessoas jurídicas serem titulares de direitos fundamentais, e se tais razões podem ser aplicadas ao Estado e em quais casos; bem como qual o entendimento dos Tribunais Constitucionais em alguns países do ocidente sobre essa questão e a razão para tanto.


2. A NATUREZA JURÍDICA DAS ENTIDADES PÚBLICAS

2.1 O ESTADO, CONSTITUIÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

O Estado Constitucional, como um Estado qualificado pelo constitucionalismo moderno, deve ser um Estado Democrático de Direito.[2] O Estado Moderno[3], cuja base encontra-se no constitucionalismo moderno, surge como uma decorrência do fim do absolutismo, com uma nova concepção sobre o poder e o sistema jurídico. De outro modo, há o surgimento de um Estado que tem como ordens de valores a obediência ao Direito, ao princípio democrático e a um ordenamento baseado em uma Carta que tem que privilegiar certos direitos e estabelecer garantias para estes.[4]

O Estado Moderno é a conversão do Estado absoluto em Estado de direito democrático-constitucional; o poder já não é dos homens, mas de leis. O ordenamento social e o político passam a ser governado pelas leis, elaboradas por representantes do povo, e não por personalidades que acreditavam ter recebido o seu poder de forma transcendental. A legalidade assume valor supremo no ordenamento e é traduzida nos textos dos Códigos e das Constituições.

O Estado de Direito Democrático-Constitucional tornou-se um “paradigma de organização e legitimação de uma ordem política.”[5] A organização da comunidade política segundo as bases de um Estado de Direito Democrático, com base na Constituição, significa a rejeição de Estados estruturalmente totalitários, autoritários ou autocráticos.

O Estado de Direito tem como fundamento maior a ideia de que todos aqueles que compõem o Estado, inclusive os governantes, tem de estar adstritos à ordem jurídica, ao princípio da legalidade.

Conforme ensina Canotilho, a dimensão do Estado de Direito encontra expressão jurídico-constitucional num complexo de princípios e regras dispersos pelo texto constitucional. No seu conjunto, estes princípios e regras concretizam a ideia nuclear do Estado de Direito ─ sujeição do poder a princípios e regras jurídicos, garantindo às pessoas e cidadãos liberdade, igualdade e segurança.

O Estado Constitucional, por sua vez, iniciou com o constitucionalismo moderno,[6] cuja ideia principal é a criação de uma constituição escrita, no qual sejam garantidos os direitos fundamentais, a tripartição do poder e a sua racionalização, com a finalidade de limitar o poder político.[7] O art. 16 da Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão de 1789 afirmou que “a sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.[8]

De outra forma, o Estado constitucional é, assim, e em primeiro lugar, o Estado com uma constituição limitadora do poder através do império do direito. As ideias do “governo de leis e não de homens”, de “Estado submetido ao direito”, de “constituição como vinculação jurídica do poder”, foram tendencialmente realizadas por instituições como as de “rule of law”, “due process of law”, “Rechtsstaat”, “principe de Ia légalité”.[9]

Em suma, os direitos fundamentais, direitos do indivíduo humano (condição natural de humano), são o pilar essencial da revolução constitucionalista, que reconhece direitos, liberdades e garantias fundamentais para a defesa e a liberdade do cidadão em face do ente político.

2.2 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA NA DOUTRINA BRASILEIRA

A Administração Pública brasileira está organizada conforme o Decreto n.º 200/67. Conforme este, em seu art. 4º, a Administração Federal compreende a Administração Pública Direita e a Indireta. Aquela constitui “os serviços integrados na estrutura da Presidência da República e dos Ministérios” (inc. I), mais especificamente, os órgãos decorrentes dessa estrutura (fenômeno da desconcentração).[10] Já a Administração Indireta compreende certas categorias de pessoas jurídicas próprias (fenômeno da descentralização), mais especificamente as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

Na federação brasileira, a Administração Direta correspondem à União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Todos com personalidade jurídica de direito público, os quais atuam através dos seus Ministérios e Secretarias, bem como os órgãos correspondentes pela desconcentração dos poderes.

Já a Administração Indireta possui quatro categorias diferentes, as autarquias, as Fundações Públicas, as Sociedades de Economia Mista e as Empresas Públicas. A autarquia, por sua vez, é um gênero, do qual há 4 (quatro) espécies: autarquias em sentido estrito, fundações públicas de direito público, agências executivas e agências reguladoras.

A autarquia em sentido estrito[11] tem como objetivo prestar “o serviço autônomo, criado por lei,[12] com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada” (art. 5, inc. I, Decreto n.º 200/67).

As agências executivas e as agências reguladoras nascem no ordenamento jurídico brasileiro com o movimento desencadeado pela Reforma do Estado da década de 1990[13]. Elas nascem em um cenário em que se requer da Administração Pública maior eficiência dos seus órgãos e entidades e, para isso, confere-lhe maior autonomia.

As agências executivas têm base constitucional no art. 37, § 8º,[14] e estão disciplinadas no Decreto 2488/1998, cujo art. 1º dispõe

Art. 1º As autarquias e as fundações integrantes da Administração Pública Federal, qualificadas como Agências Executivas, serão objeto de medidas específicas de organização administrativa, com a finalidade de ampliar a eficiência na utilização dos recursos públicos, melhorar o desempenho e a qualidade dos serviços prestados, assegurar maior autonomia de gestão orçamentária, financeira, operacional e de recursos humanos e eliminar fatores restritivos à sua atuação institucional. (grifo nosso)

As agências executivas são qualificações que autarquias e fundações recebem ao realizar um contrato de gestão com a Administração Direta. Este contrato tem por objetivo ampliar a eficiência, melhorar o desempenho e a qualidade dos serviços prestados, através da garantia de maior autonomia e eliminação de fatores restritivos na sua atuação.

As agências reguladoras são autarquias em regime especial.[15] A especialidade das autarquias decorre de elas terem surgidos com a finalidade de o Estado atuar na regulação setorial de serviços públicos e atividades econômicas, após a privatização e desestatização de determinados serviços e atividades.[16] Assim, elas são entes descentralizados e especializados, com autonomia decisória em relação à administração direta, autonomia funcional, financeira e orçamentária, imune a ingerências                político- partidárias, e investidas em funções técnicas e poderes normativos para atender a sua nova forma de atuação como agente regulador da atividade econômica (em sentido amplo)[17], com base e finalidade no interesse público e na eficiência da prestação daquela atividade.

Nesse sentido, as autarquias estão adstritas ao regime jurídico-administrativo de direito público. Isso significa que elas gozam de todas as prerrogativas e privilégios, bem como obedecem a todas as sujeições que as pessoas jurídicas da Administração Direta possuem.

As Fundações Públicas estão previstas no art. 5º, IV, do Decreto n.º 200/67. In verbis:

a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes.

Conforme o disposto acima, a Fundação Pública tem personalidade jurídica de Direito Privado e, por isso, devia obedecer ao regime jurídico de direito privado. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, tal situação era uma forma de burlar o regime jurídico de direito público, de forma as fundações públicas serem constituídas pelo Estado, mas sem precisar estar adstritas às sujeições inerentes a esse regime.[18]

Não obstante a discussão doutrinária, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 101.126 – RJ, passou a entender que “Nem toda fundação instituída pelo Poder Público é fundação de direito privado. As fundações, instituídas pelo Poder Público, que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo previsto, nos Estados-membros, por leis estaduais são fundações de direito público, e, portanto, pessoas jurídicas de direito público. Tais fundações são espécies do gênero autarquia, (...)” (STF. RE 101.126-2-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 24.10.1984).[19]

Nesse sentido sedimentou-se o entendimento no Supremo Tribunal Constitucional que há dois tipos de Fundações Públicas, as de Direito Público, as quais são espécies do gênero autarquia e, por isso, regidas pelo regime jurídico de Direito Público, e as de Direito Privado, regidas pelo regime jurídico de Direito Privado.[20]

Há ainda as empresas estatais, que são as empresas públicas e as sociedades de economia mista. Aquela, conforme o art. 5º, inc. II, do Decreto n.º 200/67, é

a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. 

A sociedade de economia mista, disciplinada pelo art. 5º, inc. III, do Decreto nº 200/67, é 

a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.

As empresas estatais (empresa pública e sociedade de economia mista) tem a função de prestar serviços públicos ou atividade econômica. Mas se, a priori, elas obedecem a um regime jurídico de direito privado, é necessário observar que na realidade esse regime é misto, com prevalência do regime privatísticos, o qual deve observar o regime público em casos pontuais, como o concurso público e a licitação (alguns casos).

A exigência da obediência ao regime privatísticos tem como finalidade proteger a concorrência com as demais pessoas do mesmo setor. A Constituição vem a consagrar esse entendimento no art. 173, § 1º, II, ao dispor que as empresas estatais que prestem atividade econômica devem sujeitar-se ao mesmo regime jurídico das demais empresas privadas do mesmo ramo, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

Em sentido contrário, se a prestação é de serviço público, em regime de privilégio,[21] como é o caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), apesar de a empresa ser Pessoa Jurídica de Direito Privado, embora seja aplicado um regime jurídico misto, há uma incidência maior do regime jurídico de direito público.[22]

Após as constatações acima, percebemos que a Administração Pública pode obedecer dois regimes jurídicos: o regime jurídico de direito público e o regime jurídico de direito privado. Enquanto neste caso a Administração Pública atua como se particular fosse, na mesma posição que este (sentido horizontal), naquele (o regime jurídico de direito público ou regime jurídico administrativista), a Administração Pública atua em uma relação vertical em relação à sociedade: ao mesmo tempo em que a Administração terá certos privilégios, tal como o poder de polícia, de modo a alcançar seus objetivos e funções determinadas pelo ordenamento jurídico; ela terá, por outro lado, diversas sujeições, as quais são, ao mesmo tempo, uma garantia ao cidadão para que não haja abuso ou excesso de poder, tal como o princípio da legalidade e o devido processo legal.


3. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS: DISTINÇÕES E CARACTERÍSICAS

3.1 A FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais surgem como uma forma de limitar direitos naturais[23] dos homens contra o abuso do poder do ente político. No mundo ocidental sempre se buscou uma forma de proteger os direitos dos homens contra a tendência de o ente político abusar da sua força e, assim, a necessidade de o ordenamento jurídico prever tais direitos, bem como as garantias de proteção e os meios de concretização. Dessa forma, como já afirmado acima, a Constituição é entendida como a Carta Magna estatal que tem como objetivo limitar o poder do ente político e garantir os direitos dos cidadãos, conforme preceituado pelo art. 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão.

No entanto, o significado e conteúdo desses direitos tornam-se cada vez mais indefinidos e abrangentes. Se em uma perspectiva inicial, os direitos fundamentais surgem sob um viés jusnaturalista, de valores intrínsecos à qualidade do homem enquanto ser humano, com o decorrer do tempo esse espectro é alargado, de forma a perder, para muitos autores, o viés jusnaturalista e passar a ser entendido sob uma visão mais positivista: o direito fundamental é aquele reconhecido para a Constituição como tal. Não há, pois, um consenso na esfera conceitual e terminológica dos direitos fundamentais, a incluir o seu significado e conteúdo.

Jorge Miranda[24] entende que os direitos fundamentais são “os direitos ou as posições jurídicas activas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição”. De acordo com o constitucionalista português,[25] os direitos fundamentais implicam necessariamente duas condições ou pressupostos: uma relação imediata das pessoas com o poder e o reconhecimento de uma esfera própria das pessoas frente ao poder político.

Cristina Queiroz[26], por sua vez, afirma que os direitos fundamentais são direitos constitucionais que devem, antes de ser compreendido como uma dimensão “técnica” de limitação do poder do Estado, ser entendidos como um sistema de valores que irão definir e legitimar a ordem jurídica positiva.

José Afonso da Silva[28] entende os direitos fundamentais como as prerrogativas e instituições, reconhecidas pelo direito positivo e informada pela ideologia política, que concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo “fundamentais”, o constitucionalista brasileiro entende que se trata de situação jurídica para a realização e sobrevivência da pessoa humana, que devem ser reconhecidos formalmente e materialmente efetivados.

Para Uadi Lâmmego Bulos,[29] os direitos fundamentais são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos “inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social.”

Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis[30] conceituam os direitos fundamentais como “direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.”

Apesar de não haver consenso na doutrina sobre a abrangência e amplitude dos direitos fundamentais, o seu núcleo, a sua essência, não está em discussão. Se podemos discutir a abrangência, quais novos direitos são considerados direitos fundamentais, é certo que a sua origem e sua importância para o ordenamento têm pouco espaço para tanto. E a partir desses pontos podemos traçar alguns elementos básicos para a qualificação da fundamentalidade (material) desses direitos: a) a relação criada pelos direitos fundamentais tem como sujeitos o cidadão e o Estado; b) esses direitos têm por finalidade geral proteger e preservar os cidadãos contra o poder estatal. Ou seja, é inerente aos direitos fundamentais uma relação de poder (relação vertical);[31] c) esses direitos cumprem a finalidade específica de defesa e instrumentalização;[32] d) sua posição no sistema jurídico é definida pela supremacia constitucional (fundamentalidade formal).[33]

Além dos elementos básicos demonstrados acima, não se pode olvidar que os direitos fundamentais são uma concretização do princípio da dignidade da pessoa humana.[34] Conforme ensina Paulo Otero,[35] a evolução histórica da tutela da pessoa humana decorre da concepção de que o ser humano é um fim em si mesmo, bem como passa a ser a justificativa (legitimidade) e a razão do Estado e do Direito. Este Estado, pautado e legitimado pela proteção dos direitos do ser humano, é o resultado de três contributos filosóficos político-constitucionais: a) “a ordem axiológica judaico-cristã e os desenvolvimentos que têm sido efectuados pela Doutrina Social da Igreja”; b) a filosofia kantiana,[36] na qual o homem é um fim em si mesmo, não podendo ser visto como um objeto ou meio de algo; c) a influência da filosofia existencialista, “sublinhando que se trata sempre da dignidade de cada pessoa viva e concreta, e não do ser humano como categoria abstrata.”[37]

A positivação dos direitos fundamentais tem por objetivo incorporar a esfera axiológica dos direitos naturais e inalienáveis do indivíduo no ordenamento jurídico. Se o fundamento dos direitos fundamentais é a dignidade da pessoa humana, a Constituição passa a ser a sua fonte de validade. A positivação é essencial para garantir a proteção sob a forma de normas constitucionais (regras e princípios);[38] caso contrário, os direitos fundamentais serão apenas “esperanças, aspirações, ideias, impulsos, ou, até mesmo, mera retórica política.”[39] Contudo, se a positivação do direito fundamental é indispensável para garantir a sua proteção, bem como concretização, não se pode considerar como fundamental qualquer direito previsto em norma constitucional. É necessário observar se o seu conteúdo condiz com a fundamentalidade material dos direitos fundamentais, bem como o resultado da sua construção histórica.  E ainda: a fundamentalidade material será determinante para reconhecer os direitos fundamentais implícitos no ordenamento constitucional e admitidos expressamente a sua existência em razão da cláusula aberta, prevista no parágrafo 2º do art. 5º da Constituição Federal Brasileira.[40]

A previsão dos direitos fundamentais em normas constitucionais está associada à sua fundamentalidade formal e tem por consequência quatro dimensões: a) as normas consagradoras de direitos e garantias fundamentais situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico; b) elas passam a constituir limites formais e materiais da reforma constitucional; c) a sua vinculatividade imediata, prevista no art. 5º, parágrafo 1º, da CFB/88, e no art. 18º/1 da CRP, constituem parâmetros materiais de escolhas, decisões, ações e controle dos órgãos do legislativo, executivo e judiciário.[41] 

3.2 A ESTRUTURA NORMATIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

3.2.1 A dimensão subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais

De acordo com o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, a adoção desses direitos em uma esfera constitucional caracteriza-se por ser um dos elementos essenciais do próprio conceito de constituição. Do ponto de vista material,[42] todo direito fundamental tem natureza constitucional, possibilitando, assim, a abertura sistêmica da constituição.[43]

Em uma perspectiva inicial, os direitos fundamentais[44] podem ser entendidos como a relação de direitos públicos subjetivos de pessoas (cidadãos e pessoa jurídica) – e coletividade – oponíveis em face do Estado (perspectiva jurídico-subjetiva). Os direitos fundamentais objetivam conferir aos indivíduos uma posição jurídica de direito subjetivo, “em sua maioria de natureza material, mas às vezes de natureza processual e, consequentemente, limitar a liberdade de atuação dos órgãos do Estado.”[45] Ou seja, aquilo que para o cidadão constitui um direito, para o Estado constitui uma obrigação.

Como posição subjetiva[46] de titularidade dos cidadãos,[47] os direitos fundamentais reconhecem deveres jurídicos ao Estado que devem ser concretizados de acordo com as balizas estipuladas por aqueles direitos, seja ao não intervir em um espaço delimitado como direito subjetivo do cidadão seja através de prestações que irão beneficiar os cidadãos.[48]

O direito subjetivo, previsto pela norma de direito fundamental, se manifesta em uma relação trilateral: o titular do direito (cidadão, pessoa jurídica ou coletividade), o destinatário (Estado) e o objeto (bem tutelado). Dessa relação, caso o destinatário não cumpra com o seu dever em relação ao titular, nasce a pretensão de buscar no judiciário a sua tutela. Georg Jellinek formulou uma tripartição dessa relação: primeiramente, os direitos fundamentais podem ser entendidos como direitos de status negativus ou pretensão de resistência à intervenção estatal, que consistem no direito de resistência ou pretensão de resistência à intervenção estatal (direitos de 1ª dimensão). Segundo Ingo Sarlet, o "status negativus” de Jellinek deve, portanto, ser encarado mais propriamente como um status negativo dos direitos fundamentais, no qual a liberdade é concebida como liberdade de qualquer intervenção inconstitucional, em outras palavras, as liberdades e os direitos fundamentais em geral vinculam também o legislador. 

Em segundo lugar, direitos de status positivus ou a prestações, consistentes nos direitos sociais, possibilitando aos cidadãos exigirem do poder público um comportamento positivo que acarrete uma melhoria nas suas condições de vida, através de políticas públicas (direitos de 2ª e 3ª dimensão). Na dimensão objetiva dos direitos sociais ou direitos a prestações estatais há duas espécies: podem ser direitos a prestações materiais – que consistem no oferecimento de bens e serviços não prestados pela iniciativa privada e, também, no oferecimento universal de serviços monopolizados pelo Estado (segurança pública); e, por outro lado, podem ser direitos a prestações normativas (ações normativas positivas), ou seja, direitos a criação de normas jurídicas que tutelam interesses individuais, coletivos e difusos.

E, por último, os direitos de status activus ou políticos ou de participação, referente à possibilidade de participar na determinação da política estatal de forma ativa.

Na proposta formulada por Robert Alexy,[49] a perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais apresenta o seguinte tripé: a) direitos a qualquer coisa, o que englobaria tanto os direitos de defesa e os direitos a prestações; b) liberdades, no sentido de negação de exigências e proibições; c) os poderes estatais para concretizar os direitos fundamentais, mais especificamente se refere as competências e as autorizações.

Os direitos fundamentais não se limitam à posição jurídico-subjetiva do indivíduo em relação ao Estado, mas também constituem decisões axiológicas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, a fornecer diretrizes de atuação de todos os poderes e irradiar por todo o ordenamento jurídico. Podemos dizer, assim, que a perspectiva jurídico-objetiva confere função autônoma às normas que preveem direitos subjetivos fundamentais, em face de reconhecer (i) os direitos fundamentais como valores presentes na sociedade, bem como (ii) reconhecer os direitos fundamentais como princípios básicos da ordem constitucional. O Estado Democrático de Direito reconhece os direitos fundamentais como a sua base/essência, de forma a impor limites ao poder e ter a concretização desses direitos como a diretriz de atuação de todos os poderes. Dessa forma, do ponto de vista objetivo, os direitos fundamentais condicionam diferentes alcances aos destinatários quanto ao conteúdo e objeto.[50]

A perspectiva jurídico-objetiva dos direitos fundamentais apresenta os seguintes desdobramentos: a) eficácia irradiante dos direitos fundamentais: os direitos fundamentais, como valores consagrados na Constituição, fornecem impulsos e diretrizes para a atuação dos órgãos do Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como a necessidade de a interpretação das normas terem como base os direitos fundamentais, a qual é, pois, uma decorrência da técnica hermenêutica de interpretação conforme a Constituição; b) deveres de proteção: ao Estado incumbe zelar, inclusive preventivamente pela proteção dos direitos fundamentais contra agressões não só do Estado, mas também de terceiros, seja particulares seja outros Estados; c) função axiologicamente vinculada: os direitos fundamentais são normas que incorporam no ordenamento jurídico uma esfera de valores da sociedade e decisões essenciais do legislador constituinte originário, de forma a vincular não só o Estado mas toda a comunidade a essa esfera axiológica. Dessa forma, os direitos fundamentais atuarão também como parâmetro do controle de constitucionalidade das demais normas do ordenamento jurídico; d) função objetiva reflexiva de todo direito fundamental subjetivo: ao estabelecer um direito subjetivo de defesa do indivíduo em face do Estado, os direitos fundamentais, por outro lado, estabelece uma competência negativa ao Estado em relação ao seu objeto, de forma a subtrair do Poder Público a possibilidade de disposição sobre esse núcleo fundamental.[51]

3.3 DISTINÇÕES NECESSÁRIAS AO ESTUDO DO TEMA

3.3.1 Direitos fundamentais e deveres fundamentais

Os deveres fundamentais apresentam-se de forma simétrica aos direitos fundamentais, com o pressuposto de separação entre o Estado e a sociedade e uma relação direta e imediata de cada pessoa com o poder político.[52] Como já abordado, do ponto de vista da relação jurídica subjetiva, o reconhecimento de direitos fundamentais ocasiona, por outro lado, um reconhecimento de um dever para o Estado, qual seja, a concretização, positiva ou negativa, daquele direito.

Conforme ensina Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins,[53] cabe observar que a Constituição Federal brasileira de 1988 estabelece como dever fundamental do cidadão, o voto obrigatório (art. 14, § 1º, CF/88) e o serviço militar obrigatório (art. 143, CF/88).[54] Essas hipóteses não podem ser abrangidas além das previstas expressa e implicitamente na Constituição,[55] sob pena de realizar uma interpretação extensiva de forma a limitar direitos dos cidadãos. Isso porque, conforme ensina Jorge Miranda, a prescrição de deveres equivale em permitir a intervenção do Estado, o que implica em limites e restrições de direitos.[56]

Se pode, então, questionar se, na relação jurídica fundamental, a imposição de deveres constitucionais aos cidadãos corresponde, por outro lado, ao estabelecimento de direitos fundamentais ao Estado. Apesar do adjetivo “fundamental” estar atrelado ao vocábulo “direito e deveres”, não é possível, nestes casos acima, falar em direito fundamental do Estado, haja vista esses deveres fundamentais dos cidadãos serem deveres autônomos,[57] que criam, na mesma medida, uma obrigação ao Estado de fazer o particular cumprir o seu dever, e não um direito fundamental subjetivo ao Estado. Se não fosse assim, poder-se-ia entender que o Estado, como titular desse direito subjetivo, poderia exercer ou não o seu direito. No entanto, o princípio da indisponibilidade do interesse público[58] veda essa hipótese, de forma a obrigar o Estado a atuação em determinado sentido – seja na cobrança do tributo seja sancionando o particular que não votou ou não realizou o alistamento militar –, sem poder se imiscuir das suas obrigações legais.

3.3.2 Direitos fundamentais e tarefas públicas

Conforme explanado na dimensão objetiva dos direitos fundamentais, um dos desdobramentos dessa perspectiva objetiva é a eficácia irradiante dos direitos fundamentais. Esta consiste na penetração dos valores consagrados na Constituição por todo o ordenamento jurídico e no fornecimento de impulsos e diretrizes para a atuação dos órgãos dos poderes do Estado, Executivo, Legislativo e Judiciário.

Dessa forma, a vinculação do Estado aos direitos fundamentais tem por consequência o estabelecimento do dever de sua concretização, observado, dessa forma, no estabelecimento de tarefas públicas a serem executadas pelo ente político. As tarefas públicas têm portanto como destinatário o Estado e objetivam a vinculação dos seus órgãos à concretização de direitos fundamentais, notadamente em matéria de organização econômica ou social, política ou administrativa.

3.3.3 Direitos fundamentais e poderes administrativos

Os direitos fundamentais não se confundem com os poderes administrativos. Estes consistem em prerrogativas estatais indispensáveis para a persecução do interesse público. Ou seja, atuam como um instrumento, um meio, concedido pelo ordenamento jurídico, com vistas a que o ente público possa concretizar a sua finalidade específica prevista pelo ordenamento jurídico (ver Carvalho Filho).

Os poderes administrativos correspondem a prerrogativas inerentes ao exercício da atividade administrativa, dentro do limite legal (princípio da legalidade) com vistas a atingir uma finalidade específica. Não esquecer que os poderes administrativos só podem ser exercidos com observância ao princípio da legalidade, haja vista este corresponder a uma garantia fundamental do cidadão, que objetiva evitar o abuso do poder pelo ente político, no exercício do seu direito.

Não se pode, portanto, afirmar que o poder administrativo é um direito do ente político. Pelo contrário, ele consiste em um instrumento (meio) possibilitado pelo ordenamento para que este possa alcançar a sua finalidade. Dentre as finalidades está a concretização dos direitos fundamentais.[59]

Conforme Jorge Miranda, as situações funcionais correspondem as situações jurídicas, “ativas e passivas, dos titulares dos órgãos e, porventura, de certos agentes do Estado e de quaisquer entidades públicas enquanto tais,” bem como as situações jurídicas “em que se subjetivam os estatutos inerentes aos cargos desempenhados por essas pessoas no Estado e noutras entidades públicas.”[60]

As situações funcionais distinguem-se dos direitos fundamentais, em razão destes implicarem “diferenciação, separação e exterioridade” diante do Estado.[61] Segundo Jorge Miranda,[62] enquanto as situações funcionais são situações jurídicas de membros do Estado-poder e consequência da prossecução do interesse público, prevalecendo, inclusive, sobre o interesse dos particulares; os direitos fundamentais são situações jurídicas de membros do Estado-comunidade e só há onde exista um interesse das pessoas que “valha por si, autônomo, diferenciado.”

3.3.4 Direitos fundamentais, garantias fundamentais e garantias institucionais

Ao prever direitos, o ordenamento jurídico precisa estabelecer garantias como um meio de salvaguardar esses direitos ou recorrer ao judiciário na iminência da sua violação ou mesmo quando o mesmo já foi violado. Não basta que um direito seja declarado e reconhecido, é necessário garanti-lo, porque virão ocasiões em que será necessário protege-lo contra violações.  O reconhecimento de direitos fundamentais requer, portanto, a criação de garantias para a sua proteção, seja no direito de exigir dos poderes públicos a tutela dos direitos fundamentais seja na previsão dos meios processuais adequados a essa finalidade. Caso contrário, tais direitos teriam a mera função simbólica, declaratória ou discursiva, sem força para a sua efetiva proteção.[63]

As garantias fundamentais (ou garantias clássicas) não se confundem com os direitos fundamentais, pois enquanto estes consistem na própria finalidade do Direito, aquelas são apenas instrumentos, meios de proteção dos direitos. Embora as garantias possuam o caráter instrumental de proteção dos direitos fundamentais, elas também são direitos do cidadão (direito-garantia).[64]

Nesse sentido, o Título II da Constituição Federal brasileira de 1988 dispõe acerca “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Conforme Uadi Lammêgo Bulos,[65] “as garantias fundamentais são as ferramentas jurídicas por meio das quais tais direitos se exercem, limitando os poderes do Estado.” José Afonso da Silva classifica as garantias constitucionais em: (a) garantias gerais: elas formam a estrutura que permitem a existência dos direitos fundamentais, bem como formam a estrutura de uma sociedade democrática e contribui para a concepção do Estado Democrático de Direito. Elas são “destinadas a assegurar a existência e a efetividade (eficácia social) daqueles direitos, as quais se referem à organização da comunidade política, e que poderíamos chamar de condições econômico-sociais, culturais e políticas” que favorecem o exercício dos direitos fundamentais.[66] (b) e as garantias constitucionais: que consiste na própria tutela constitucional dos direitos fundamentais, através das suas instituições, determinações e procedimentos, para os casos de inobservância e de “reintegração”. Elas dividem-se em: (b.I) garantias constitucionais gerais: proíbem abusos de poder e todas as formas de violação, através dos mecanismos de freio e contrapesos dos poderes, tais como a legalidade (art. 5, II, CF/88) e o devido processo legal (art. 5, LIV, CF/88); e (b.II) as garantias constitucionais específicas: “são prescrições constitucionais estatuindo técnicas de mecanismos, protegem a eficácia, a aplicabilidade e a inviolabilidade dos direitos fundamentais de modo especial”. Notadamente, elas atuam como meio de defesa do cidadão quando um direito fundamental ou uma garantia constitucional geral é transgredida, tais como o mandado de segurança (art. 5º, LXIX, CF) e o habeas data (art. 5º, LXXII, CF).[67]

As garantias institucionais, por sua vez, é uma criação da doutrina alemã, a partir de Carl Schmitt, ao diferencia-la dos direitos fundamentais. Enquanto estes são atendem aos cidadãos em suas relações particulares, sem atingir a sociedade; as garantias institucionais incidem sobre toda a sociedade, e não ao homem considerado de forma particular.[68]

Ingo Sarlet[69] ensina que as garantias institucionais têm por finalidade tutelar determinadas instituições de direito público ou institutos de direito privado que, devido à sua importância, devem ser protegidos contra a ação erosiva do legislador. Podemos afirmar, como exemplo de garantias institucionais, a estabilidade, os privilégios processuais das garantias institucionais (como imprensa livre, a família, a propriedade, a autonomia das autarquias locais, etc.) que são sobretudo figuras jurídicas de natureza objetiva etc

A Corte Constitucional Brasileira, à luz da Constituição de 1969, decidiu que era “direito elementar das Universidades a não intervenção dos Poderes Públicos em sua organização interna (a autonomia universitária) (Rp 696/SP, em 10.06.70)”. A autonomia universitária consiste em um direito da Universidade, mas não um direito fundamental, e sim em um direito-garantia, haja vista consistir em uma garantia institucional.

3.3.5 Direitos fundamentais e direitos da personalidade

Conforme ensina Jorge Miranda, os direitos da personalidade[70]

São posições jurídicas fundamentais do homem que ele tem pelo simples fato de nascer e de viver; são aspectos imediatos da exigência de integração do homem; são condições essenciais ao seu ser e devir; revelam o conteúdo necessário da personalidade; são emanações da personalidade humana em si; são direitos de exigir de outrem o respeito da própria personalidade; têm por objetivo, não algo de exterior ao sujeito, mas modos de ser físicos e morais da pessoa ou bens da personalidade física, moral e jurídica ou manifestações parcelares da personalidade humana ou a defesa da própria dignidade.

O constitucionalista português complementa que, não obstante os direitos da personalidade terem adquirido relevância constitucional e terem várias zonas de coincidência com os direitos fundamentais, com estes não se confunde. Isso porque enquanto os direitos fundamentais pressupõem uma relação de poder (relação vertical), os direitos da personalidade, relação de igualdade (relação horizontal); os direitos fundamentais têm uma incidência publicística, ainda quando ocorram efeitos nas relações entre os particulares; os direitos da personalidade possuem uma incidência privatística, ainda quando sobreposta ou subposta a dos direitos fundamentais; os direitos fundamentais pertencem ao domínio do Direito Constitucional, enquanto os direitos da personalidade, ao Direito Civil.[71]

3.4 A “DEBILITAÇÃO” DA FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais são o resultado de um processo histórico social de reconhecimento de certos valores, com base na dignidade da pessoa humana, em que tem em seu cerne a proteção de valores inerentes à ao cidadão contra o abuso do poder de um ente político. A construção do constitucionalismo moderno tem nos direitos fundamentais e mais detidamente na dignidade da pessoa humana a sua base, justificação e a sua construção.

O legislador tende a buscar ampliar a noção de direitos fundamentais para a proteção de diversos outros valores e aspectos que consideram importante na sociedade. Não obstante a importância disto e da fundamentalidade formal, o adjetivo “fundamental” acresce ao vocábulo “direito” uma carga axiológica, construída por um processo histórico social do mundo ocidental. Ampliar o conceito de direito fundamental para incluir a criação de novos “direitos” que, embora a sua importância na sociedade, não condiz com a “fundamentalidade” decorrente de toda uma carga axiológica construída por esse processo histórico, apenas tende a enfraquecer a sua real proteção e esvaziar o seu núcleo, com a possibilidade de gerar “contra-direitos”.[73]

Ora, não há uma elasticidade ilimitada de direitos fundamentais. A criação e o surgimento de novos direitos fundamentais devem estar adstritos à sua fundamentalidade material, e não apenas à fundamentalidade formal. O legislador encontra-se, portanto, limitado à qualificação material dos direitos fundamentais, sob pena de esvaziar o próprio conceito de direitos fundamentais: “direito fundamental é tudo e não será nada.”[74].

O Estado é o destinatário dos direitos fundamentais, cuja função é limitar o poder daquele. Caso entenda-se a capacidade ilimitada de o Estado criar novos direitos fundamentais, sem uma necessária fundamentalidade material, ele passa a assumir o controle dos direitos fundamentais. De outra forma, aquilo que deveria ser entendido como uma esfera de proteção do cidadão contra o Estado, este passa a assumir o seu controle e a dispor sobre a sua noção, o qual acaba por diluir o objetivo inicial dos direitos fundamentais: a proteção da esfera de direitos dos cidadãos contra o abuso de um poder político.

A cláusula aberta, disposta no art. 5º, parágrafo 2º, da CF/88, por sua vez, não pode ser a tradução de arbitrariedade do Estado na introdução de novos direitos fundamentais, ausente de fundamentalidade material. Caso contrário, estar-se-ia criando um verdadeiro “cavalo de troia dos direitos fundamentais”: aquele que deveria ser controlado pelos direitos fundamentais, passa a controla-lo.

Paulo Otero, ao chamar a atenção para o fenômeno de “debilitação dos direitos fundamentais”, afirma, ainda, que muitos tendem a converter incumbência ou tarefas do Estado em direitos fundamentais, bem como tratar como direitos fundamentais os poderes funcionais ou deveres fundamentais. Conforme o autor português (p. 529), essa extensão ilimitada dos direitos fundamentais é passível de gerar uma concorrência limitativa ou, ainda, colisões e conflitos de operatividade (processo de progressiva debilitação ou erosão). 


4. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E AS ENTIDADES PÚBLICAS

4.1 O ESTADO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS PESSOAS JURÍDICAS

Apesar de os direitos fundamentais terem surgidos inicialmente apenas para as pessoas humanas, entende-se que as pessoas jurídicas, em alguns casos, podem ser titulares de direitos fundamentais. A Constituição da República Portuguesa, em seu art. 12º, n. 2[75], e a Constituição Alemã, em seu art. 19, inc. III,[76] dispuseram que as pessoas jurídicas podem ser titulares de direitos fundamentais, desde que compatíveis com a sua natureza (Constituição da República Portuguesa) e/ou essência (Lei Fundamental da República Federal da Alemanha).

Vieira de Andrade nega o caráter de fundamentalidade aos direitos dos entes coletivos previstos na Constituição, por não se conformarem com a ideia de homem e sua dignidade nem consagrarem posição jurídica subjetiva individual. Dessa forma, com base no princípio da especialidade,[77] entende que as pessoas jurídicas não podem ser titulares de direitos fundamentais, salvo em caráter instrumental, quando for uma decorrência dos direitos fundamentais das pessoas naturais.

Conforme J. J. Gomes Canotilho,[78] a expressão “compatíveis com a sua natureza” deve ser analisada sob dois aspectos: tanto em relação à natureza dos direitos fundamentais quanto à natureza das pessoas jurídicas em causa. A natureza dos direitos fundamentais decorre da sua própria fundamentalidade material, mais especificamente uma concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, a partir de um processo histórico pautado em três bases: a) a ordem axiológica judaico-cristã e as decorrências da Doutrina Social da Igreja; b) a filosofia kantiana, no qual o homem é um fim em si mesmo; c) a influência da filosofia existencialista.

Nesse sentido, a qualificação natureza dos direitos fundamentais tem de observar os seguintes aspectos: a) é inerente aos direitos fundamentais uma relação de poder vertical; b) a finalidade geral desses direitos é proteger e preservar os direitos dos cidadãos contra o abuso do poder; c) a sua finalidade específica é a defesa e a instrumentalização.

A Constituição Federal Brasileira de 1988, por sua vez, não têm dispositivo específico como a Constituição Portuguesa e a Alemã. A Carta Magna faz referência expressa as pessoas jurídicas como titulares de direitos fundamentais em alguns casos, especificamente o art. 5º, inc. XXI, art. 8º, inc. III, art. 17, parágrafo 1º e 3º, art. 170, inc. IX e art. 207.[79]

Pontes de Miranda afirma que os direitos dispostos no art. 5º da CF/88 destinavam-se exclusivamente às pessoas físicas, individualmente, com exceção do princípio da igualdade perante a lei (isonomia) e do direito de propriedade, eis que aplicáveis às pessoas coletivas ou jurídicas. Entretanto, o direito de propriedade, neste caso, seria uma garantia institucional.

No entanto, apesar da ausência de dispositivo expresso na Constituição Federal Brasileira quanto à possibilidade de as pessoas jurídicas serem titulares de direitos fundamentais, essa proteção pode ser extraída da “cláusula aberta”, prevista no art. 5º, parágrafo 2º, da CFB/88. Conforme esta cláusula, os direitos expressos nessa Constituição, “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados”. De outra forma, podemos entender que a Constituição Federal Brasileira consagra os direitos fundamentais das pessoas jurídicas, desde que compatíveis com a natureza (fundamentalidade material) dos direitos fundamentais, que deve ser observado caso a caso.

Ingo Sarlet[80] afirma que não devemos nos esquecer que a finalidade precípua da extensão da titularidade dos direitos fundamentais às pessoas jurídicas é proteger os direitos fundamentais das pessoas físicas, além de que, muitas vezes, é através da tutela das pessoas jurídicas que se realiza uma maior proteção dos indivíduos.

Nesse sentido, o constitucionalista argentino Bidart Campos entende que o reconhecimento da titularidade dos direitos fundamentais às pessoas jurídicas decorre do entendimento de que essas entidades são formadas e existem para homens que se agrupam nelas; sendo, portanto, uma decorrência destes.

Nesse sentido, devem ser garantidos às pessoas jurídicas de direito privado os direitos fundamentais compatíveis com a sua natureza, tal como o direito de propriedade, o sigilo de correspondência, a inviabilidade de domicílio, o da não interferência estatal no funcionamento da associação, o de não serem compulsoriamente dissolvidas, bem como as consequências do princípio da igualdade, nem o direito de resposta etc.[81]

Conforme parte da doutrina,[82] os direitos à honra e a imagem, com a reparação pecuniária caso haja dano, também podem ser titularizados pela pessoa jurídica. A Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça confirmaria a possibilidade de as pessoas jurídicas de direito privado serem titulares de direitos fundamentais, especificamente do direito fundamental à honra e à imagem. Essa súmula dispõe que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.[83] No caso em questão, parte-se da diferenciação entre o dano moral subjetivo e o dano moral objetivo para chegar ao entendimento que a pessoa jurídica de direito privado pode sofrer dano moral objetivo, em razão das influências financeiras negativas que a má reputação podem lhes causar.

Não obstante a importância do julgado, é necessário diferenciar direito fundamental de direito da personalidade. Caso entenda-se essa diferenciação tal como o faz Canotilho, no sentido de que há uma interdependência ou inter-relação entre esses direitos, poderíamos falar que essa súmula confirma a possibilidade de as pessoas jurídicas de direito privado serem titulares de direitos fundamentais.  

Por outro lado, caso o entendimento seja conforme a diferenciação exposta por Jorge Miranda, não estamos a falar propriamente de direito fundamental, senão de direito da personalidade. A influência financeira que uma propaganda negativa pode causar a uma empresa privada é uma relação horizontal, de incidência puramente privatística, ou seja, de direito civil. Dessa forma, não haveria no caso em questão uma relação de poder (vertical), publicística, que é inerente para caracterizarmos um direito como fundamental.

Cabe observar, ainda, que estamos a falar das pessoas jurídicas de direito privado, seja da iniciativa privada seja da Administração Pública. Apesar de as pessoas jurídicas de direito privado da Administração Pública indireta não visarem o lucro, podemos falar em honra objetiva, segundo a Súmula 227 do STJ, em razão do princípio da igualdade e do princípio da concorrência (art. 170, inc. IV, c/c art. 173, § 1°, inc. II, CF/88). Ao concorrer com as demais pessoas do mesmo ramo, há a observância do regime jurídico de direito privado, especificamente, neste caso, o direito civil, conforme preceitua o art. 173, § 1°, inc. II, CF/88. E como afirmamos no parágrafo anterior, a súmula diz respeito a um direito de personalidade, incidência puramente civilista, privatística. 

Entendimento diferente deve ser aplicado às empresas jurídicas de direito privado que prestam serviços públicos em regime de monopólio. Estas empresas, embora constituídas como pessoas jurídicas de direito privado, tem uma incidência maior do regime de direito público. E neste caso, por não incidir nem o princípio da igualdade nem o princípio da concorrência, haja vista o serviço ser exclusivamente prestado pela União (artigo 20, inciso X, CF/88), não há que se falar em influências financeiras negativas ocasionadas em razão da má honra objetiva.

Não obstante a discussão acima, a qual de certa forma há uma aceitação unânime na doutrina e jurisprudência, com discussões apenas pontuais, a possibilidade de as pessoas jurídicas de direito público serem titulares de direitos fundamentais é bastante polêmica.

Ao analisar a Constituição da República Portuguesa, Vital Moreira entende ser admissível às entidades coletivas públicas serem titulares de direitos fundamentais. Conforme o doutrinador português, a razão decorre (a) da não distinção da Constituição entre pessoas coletivas privadas e públicas, no art. 12º, n.º 2, o que impediria o intérprete de fazê-la; (b) a titularidade aceita é mais de acordo com a concepção plural da organização constitucional, baseada na descentralização e autonomia; e (c) dar às entidades públicas apenas um estatuto de direito público, negando-lhes, porém, a titularidade seria tirar-lhes a capacidade de gozo dos direitos fundamentais por mero ato de poder.

Canotilho,[84] de modo similar a Vital Moreira, entende que não se deve distinguir entre as pessoas jurídicas de direito privado e as de direito público, haja vista o legislador constituinte não feito essa diferenciação no art. 12º/2 da Constituição da República Portuguesa. Para o constitucionalista português, a relevância saber se o direito fundamental em questão é ou não compatível com a natureza da pessoa coletiva. E a compatibilidade com a natureza dessas pessoas deve ser observada a cada caso, devendo levar em consideração que na Constituição de 1976 as pessoas jurídicas de direito público perseguem interesses protegidos por direitos fundamentais específicos, além de poder estar em típica situação de sujeição.

Não obstante tais considerações, J. J. Gomes Canotilho[85] acaba por admitir a possibilidade de essas pessoas jurídicas de direito público serem titulares de direitos fundamentais, desde que tais direitos sejam compatíveis com a sua natureza, bem como com a natureza dos direitos fundamentais, além da a necessidade de essas pessoas estarem, na situação em concreto, em uma posição de sujeição em relação ao poder estatal (conflito vertical).

A doutrina adversa à possibilidade de as pessoas jurídicas de direito público serem titulares de direitos fundamentais se pautam em dois argumentos: (a) argumento da natureza dos direitos fundamentais: os direitos fundamentais possuem uma determinada natureza, decorrente de sua evolução histórica que resulta na sua fundamentalidade material; não sendo, portanto, possível as pessoas jurídicas de direito público gozarem da titularidade de direitos fundamentais no exercício das tarefas públicas; (b) argumento de identidade ou da confusão: é inconcebível considerar o Estado como titular e destinatários dos direitos fundamentais, ao mesmo tempo. Dessa forma, caso haja uma lesão de direitos de uma entidade pública por parte de uma outra entidade pública, estaríamos perante um conflito de competências, e não perante lesões a direitos fundamentais de pessoas jurídicas de direito público.

Quanto à natureza dos direitos fundamentais, é necessário observar que a sua fundamentalidade material está pautada na seguinte ideia: em uma relação vertical, no qual se busca proteger e preservar a esfera de uns contra o abuso de poder, com base na dignidade da pessoa humana, de forma a atuar como meio de defesa e instrumentalização.

Dessa forma Vieira de Andrade nega que as pessoas jurídicas de direito público possam ser titulares de direitos fundamentais, em razão de não consagrarem posição jurídica subjetiva individual, sem conformar-se com a ideia comum de homem e sua dignidade.

O constitucionalista argentino Bidart Campos,[86] ao entender que a titularidade de direitos fundamentais as pessoas jurídicas decorre do entendimento de que essas entidades são uma extensão do homem, afirma que esse fundamento não pode ser aplicado ao Estado para atribuir-lhe direitos fundamentais. 

Fica difícil compreender as pessoas jurídicas de direito público como titulares de direitos fundamentais, pois lhes falta a fundamentalidade material, mais especificamente, não há como afirmar que há direitos fundamentais (sob o aspecto material) compatíveis com a sua natureza, salvo casos extremamente pontuais.

Os votos dos Ministros do Tribunal Constitucional Espanhol Luis Maria Diez-Picazo, Ponce de Leon, Truyol Serra, Miguel Rodriguez Pinero e Bravo-Ferrer, no julgado n.º 64/1998,  afirmaram que “O Estado possui poderes e competências, mas de nenhum modo direitos fundamentais”. Neste mesmo julgado, o Tribunal Constitucional Espanhol afirma, no que se refere as pessoas jurídicas, que estas

só possam pleitear direitos fundamentais quando receban para si mismas âmbitos de libertad, de los que deben disfrutar sus membros, o la generalidade de los ciudadanos, como puede ocurrir singularmente respecto de los derechos reconocidos em el articulo 20, cuando los ejercitan corporaciones de derecho público.

O Tribunal Constitucional Espanhol tem negado o reconhecimento de as pessoas jurídicas de direito público serem titulares de direitos fundamentais, verbi gratia, STC 135/1985 – F.J. 3º; STC 237/2000 – F.J. 2º, ATC 205/1990 – F.J. 3º; STC 239/2001 e STC 69/2002. No entanto, tem reconhecido, de forma excepcional, verbi gratia os julgados STC 19/1983 – F.J. 2º, STC 129/2001 – F.J. 3º, STC 175/2001 – F.J. 8º, STC 173/2002 – F.J. 4º, a possibilidade de as pessoas jurídicas de direito público serem titulares de direitos fundamentais no referente à tutela judicial, das garantias processuais, consagrados no art. 24 da Constituição Espanhola,[87] especificamente a tutela jurisdicional efetiva, especificamente a ampla defesa e o acesso aos tribunais.

A doutrina contrária à titularidade de direitos fundamentais pelas pessoas jurídicas de direito público tende a admitir que estas pessoas gozam de direitos processuais fundamentais. Gilmar Mendes afirma essas pessoas gozam de direitos fundamentais do tipo processual, como o direito do juiz legal e o direito de ser ouvido. O Supremo Tribunal Federal brasileiro, por sua vez, no HC n.º 70.514/1997, reconhece a constitucionalidade de a defensoria pública usufruir do prazo em dobro para recorrer, conforme o disposto no § 5 do art. 1 da Lei n 1.060 , de 05.02.1950, acrescentado pela Lei n 7.871 , de 08.11.1989. Gilmar Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (p. 350), ao discorrer sobre esse julgado, afirma que foi reconhecida a “igualdade de armas” na acusação pública, entre a defensoria pública e o Ministério Público.

O Poder Público (especificamente a Fazenda Pública[88] e o Ministério Público), em questões processuais, tem uma série de privilégios, que não são extensíveis às pessoas naturais ou pessoas jurídicas de direito privado, como, verbi gratia, o prazo em quádruplo para recorrer e em dobro para contestar (art. 188 do Código de Processo Civil). No HC n.º 70.514/1997, o STF reconhece uma “igualdade de armas” entre a defensoria pública e o Ministério Público. No entanto, caso o polo passivo figurasse um cidadão, não haveria igualdade de armas, mas sim uma posição de privilégio do Ministério Público em relação ao cidadão. Isso porque em razão da natureza do Estado e da sua extensa gama de atividades e, por conseguinte, ações judiciais, é necessário alguns privilégios para não haver prejuízo para sociedade.

Dessa forma, não há como compreendermos esses “privilégios” processuais do ente político como direitos fundamentais, senão como garantias institucionais, as quais objetiva tutelar determinadas instituições, devido a sua importância. Ademais, carece, nestes direitos fundamentais processuais, de fundamentalidade material necessário para a caracterização como direito fundamental.

Além do mais, não se pode confundir a noção de direitos fundamentais e de garantias fundamentais. Estas, apesar de constituírem direitos-garantias, não são nem possuem a mesma natureza que os direitos fundamentais. Conforme afirmamos acima, as garantias fundamentais têm natureza instrumental, como meios de proteção dos direitos ou contra violação de outras garantias. Ou seja, se alguns privilégios processuais têm natureza de garantias institucionais, outros, por sua vez, têm a natureza de garantias fundamentais, tal como o devido processo legal e o princípio da ampla defesa.

Há, ainda, o argumento de identidade ou confusão e de que a lesão a direitos de uma entidade pública por outra entidade pública é questão de conflito de competência, e não de lesão a direitos fundamentais.

Quanto ao argumento de identidade ou confusão, cabe primeiro observar que não há como alterar os polos da relação dos direitos fundamentais. Desde já, se exclui a possibilidade de as pessoas jurídicas de direito público serem titulares de direitos fundamentais contra o cidadão, pois não só falta a fundamentalidade material nessa relação, como também inverte toda a noção de direitos fundamentais.

Entender o Estado como titular de direitos fundamentais em face dos demais cidadãos é desvirtuar por completo a sua natureza, a sua esfera axiológica e sua fundamentalidade, de modo a instituir um verdadeiro “cavalo de Troia” na dogmática dos direitos fundamentais. Segundo afirma Paulo Otero, isso pode gerar uma forte “concorrência limitativa, condicionante ou compressiva de direitos, liberdade ou garantia de particulares”, em benefício de tarefas estatais. Isso, na prática, poderia “subverter a razão de ser dos direitos em escopo e comprometer a ordem livre e democrática de um sistema constitucional.”[89]

Por outro lado, parcela da doutrina entende não ser possível a titularidade desses entes coletivos, em razão da impossibilidade de o Estado assumir uma dupla posição, sendo tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo em causa, ou seja, ser titular e destinatário dos direitos fundamentais ao mesmo tempo.

Entretanto, esta argumentação necessita ser melhor delineada. Na verdade, podemos afirmar que há uma igualdade entre os entes federativos do Estado brasileiro (princípio da igualdade das pessoas políticas)[90], cujas competências foram outorgadas de forma irredutível e impenetrável pela Constituição Federal, as quais devem ser exercidas com toda independência e autonomia (art. 18 da Constituição Federal Brasileira de 1988).

Nesse sentido, caso haja interferência de um determinado ente federativo sobre outro ente federativo, há, na verdade, um problema de usurpação ou violação de competência, a ser resolvido pelos mecanismos constitucionais. Não há que se falar, portanto, de violação de direitos fundamentais, haja vista faltar os elementos para a qualificação (fundamentalidade) material dos direitos fundamentais: a) relação de poder (vertical); b) a finalidade geral de proteção e preservação de direitos contra o abuso do poder; c) finalidade específica de proteção e instrumentalização.

O mesmo raciocínio já não pode ser aplicado por completo às pessoas jurídicas de direito público integrantes da Administração Indireta. Apesar de essas pessoas fazerem parte do Estado é perfeitamente possível elas serem titulares de direitos fundamentais, mais especificamente, em uma situação de sujeição (relação de poder) perante a administração direta e ter de proteger um determinado núcleo/esfera de direitos, ou seja, em um conflito vertical entre si e a administração direta, com o objetivo de defender os seus direitos e a sua autonomia contra intervenções indevidas na sua esfera de direitos.[91]

O Tribunal Constitucional Alemão reconheceu, no BVERFGE 21, 362 (SOZIALVERSICHERUNGSTRÄGER), Reclamação Constitucional contra decisão judicial 02/05/1967, que, apesar de o art. 19, III, da GG, dispor que as pessoas jurídicas são titulares de direitos fundamentais, não seria possível fazer a equiparação da pessoa jurídica de direito privado com a de direito público. Isso porque a própria essência dos direitos fundamentais (dignidade e liberdade) leva a uma diferenciação entre os dois grupos. Dessa forma, o art. 19, III, da GG deve ser interpretado com base na ideia de que os direitos fundamentais têm por finalidade precípua proteger a esfera de liberdade do indivíduo contra intervenções estatais, o que justifica a inclusão das pessoas jurídicas de direito privado nessa esfera de proteção “somente quando a configuração e atuação destas sejam expressão do livre desenvolvimento da pessoa natural”, mais especificamente “quando a ´abrangência´ dos indivíduos que se encontram por trás da pessoa jurídica possa ser considerada significativa e necessária [ao livre desenvolvimento da pessoa natural]. Dessa forma, em razão de os direitos fundamentais se referirem à relação entre os indivíduos contra o poder público, seria incompatível, o Estado ser, ao mesmo tempo, destinatário e titular dos direitos fundamentais. Essa raciocínio deve ser aplicado não só ao Estado enquanto ente federativo, mas também as pessoas jurídicas autônomas (de Direito Público) criadas para a realização de uma tarefa estatal específica. No entanto, apesar de não se possível falar em titularidade de direitos fundamentais pelo Ente Público na realização de suas tarefas, pode-se falar, de forma excepcional, quando “a titular do direito em questão tiver relação imediata com a área da vida protegida pelos direitos fundamentais”. Por isto, o Tribunal Constitucional Federal Alemão reconheceu a “capacidade de as universidades e as faculdades serem titulares de direitos fundamentais”, especificamente o art. 5º, inc. III, GG,[92] ou seja, a liberdade de opinião, pesquisa e da ciência. O Tribunal Constitucional Alemão ainda afirma que essa fundamentação pode ser aplicada às igrejas e outras sociedades religiosas criadas como o status de órgão de direito público.[93]

O Tribunal Constitucional Alemão, no BVERFGE 31, 314 (2. RUNDFUNKENTSCHEIDUNG), entendeu que as instituições de radiodifusão podem arguir uma violação ao seu direito fundamental à liberdade de radiodifusão. Isso porque elas, apesar de instituições do Estado, são independentes deste e, assim, não podem sofrer influência dominadora do Estado sobre elas. Caso haja intervenção do ente político sobre a sua esfera de liberdade de radiodifusão, estaríamos diante de um direito fundamental, por haver, desse modo, a fundamentalidade material.[94]

Ao analisar os julgados do Tribunal Constitucional Federal Alemão, observa-se que é afastada a possibilidade da titularidade pelas entidades públicas dos direitos fundamentais que digam respeito à própria entidade, pois, nesta circunstância, ou sob tal prisma, a entidade não age em direito próprio, mas na salvaguarda de direitos de outrem, dos seus cidadãos.

Conforme a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão sobre a da possibilidade de as pessoas jurídicas de direito público serem titulares de direitos fundamentais, podemos concluir que: a) em regra, mesmo que a pessoa jurídica de direito público pertença à administração indireta, não pode ser titular, haja vista a possibilidade de esvaziar o sentido/a fundamentalidade desses direitos, já que aquelas pessoas são destinatárias das normas de direito fundamental; b) excepcionalmente, pode-se admitir que sejam titulares em virtude da importância da autonomia dessas pessoas da Administração Indireta em face do ente político e da função específica desses direitos fundamentais, como, por exemplo, é o caso da liberdade de radiodifusão, liberdade científica etc.

Após tais considerações, retomando a discussão sobre a aplicabilidade da Súmula 227 às pessoas jurídicas de direito público,[95] o Superior Tribunal de Justiça entendeu, no REsp 1.258.389-PB (Informativo 534 – STJ),[96] que “a pessoa jurídica de direito público não tem direito à indenização por danos morais relacionados à violação da honra ou da imagem.” A base da fundamentação desse Tribunal Superior decorre da discussão sobre a possibilidade das pessoas jurídicas de direito público serem titulares de direitos fundamentais. Conforme o Tribunal, a essência dos direitos fundamentais é a esfera de proteção do cidadão contra o ataque do Estado. Caso reconhecesse a titularidade dos direitos fundamentais – ou faculdades análogas a eles – ao Estado, haveria uma subversão da essência desses direitos (argumento da natureza dos direitos fundamentais), além da “confusão ou do paradoxo consistente em ter, na mesma pessoa, idêntica pessoa jurídica de titular ativo e passivo, de credor e, a um só tempo, devedor de direitos fundamentais” (argumento da identidade ou confusão).

Em suma, em regra não é possível admitir a possibilidade de as pessoas jurídicas de direito público serem titulares de direitos fundamentais, sob pena de subverter a sua essência (argumento da natureza dos direitos fundamentais) e de ter, a um só tempo, o Estado como titular e o destinatário de direitos fundamentais (argumento da identidade ou confusão). Entretanto, em casos excepcionais, é possível admitir a possibilidade de pessoas jurídicas de direito público, integrantes da administração indireta, serem titulares de direitos fundamentais, quando se encontrarem em posição de sujeição em relação às pessoas da administração direta, em situação em que sua liberdade e autonomia estejam sendo transgredidas ou em via de sê-las.


5. CONCLUSÃO

O presente trabalho se propôs a discutir a possibilidade (ou não) de as pessoas jurídicas de direito público serem titulares de direitos fundamentais. Sem ter a pretensão de esgotar o tema, a título de conclusão faz mister destacar os seguintes aspectos:

  1. Os direitos fundamentais surgem como uma forma de limitar direitos naturais dos homens contra o abuso do poder do ente político. O Estado Contemporâneo possuem sua legitimidade nos direitos fundamentais e tem como objetivo a sua concretização. O núcleo dos direitos fundamentais é a dignidade da pessoa humana, que deve ser entendida como o resultado de três contributos filosóficos político-constitucionais: a) a ordem axiológica judaico-cristã e a doutrina social da Igreja; b) a filosofia Kantiana; c) a influência da filosofia existencialista;
  2. Os elementos básicos para a qualificação da fundamentalidade material/natureza dos direitos fundamentais são: a) a finalidade geral de proteger e preservar os cidadãos contra o abuso do poder estatal; b) a relação de poder (vertical), entre cidadãos e o Estado; c) finalidade específica de defesa e instrumentalização;
  3. Os direitos fundamentais podem ser observados sob a sua dimensão subjetiva e sob a sua dimensão objetiva. A dimensão subjetiva dos direitos fundamentais manifesta-se em uma relação trilateral: o titular do direito (cidadão, pessoa jurídica ou coletividade), o destinatário (Estado) e o objeto (bem tutelado). A dimensão objetiva consiste em os direitos fundamentais serem decisões axiológicas reconhecidas pela Constituição, de modo a fornecer diretrizes de atuação a todos os poderes e a irradiar seus valores por todo o ordenamento jurídico;
  4. Não se deve confundir direitos fundamentais com outros instrumentos e instituto do sistema jurídico, tais como tarefas públicas, competências, poderes administrativos, deveres fundamentais, garantias fundamentais e garantias institucionais;
  5. A Constituição da República Portuguesa, em seu art. 12º, n. 2[97], e a Constituição Alemã, em seu art. 19, inc. III,[98] dispuseram que as pessoas jurídicas podem ser titulares de direitos fundamentais, desde que compatíveis com a sua natureza (Constituição da República Portuguesa) e/ou essência (Lei Fundamental da República Federal da Alemanha), o que implica retomar a noção e a ideia sobre a fundamentalidade material dos direitos fundamentais;
  6. Apesar de alguns doutrinadores entenderem ser possível a titularidade dos direitos fundamentais pelas pessoas jurídicas de direito público, entendemos a sua impossibilidade em razão dos seguintes argumentos: a) não há como as pessoas jurídicas de direito público possuírem direitos com a natureza e/ou a fundamentalidade material dos direitos fundamentais (argumento da natureza dos direitos fundamentais). A afirmação de que as pessoas jurídicas de direito público podem usufruir de direitos fundamentais decorre de uma confusão de conceitos, tratando de direitos fundamentais o que tem a natureza de garantias fundamentais ou institucionais, tarefas administrativas, competências, deveres fundamentais etc; b) o Estado não pode, ao mesmo tempo, ser titular e destinatário de direitos fundamentais. A lesão de direitos de uma entidade pública a uma outra entidade pública é questão de conflito de competência, e não de lesão a direitos fundamentais;
  7. Excepcionalmente, pode-se admitir que os entes públicos da administração indireta sejam titulares de direitos fundamentais, em virtude da importância da autonomia dessas pessoas da Administração Indireta em face do ente político e da função específica desses direitos fundamentais, como, por exemplo, é o caso da liberdade de radiodifusão, liberdade científica etc.


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Notas

[2] CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina: Coimbra, 2003. p. 92.

[3] A fase pré-constitucional do Estado moderno, tal como o mesmo foi identificado por GEORG JELLINEK5, apresentava-se, neste sentido, como uma “época de todas as ausências”: - ausência de “direitos fundamentais” – não havia a consagração e, sobretudo, a presciência da necessidade da respectiva protecção contra o arbítrio do poder público; - ausência de “cidadania” – pois que as pessoas eram, na verdade, autênticos súbditos, que se submetiam às investidas arbitrárias do poder; - ausência de “representação” e de “democracia” – a forma de governo reinante era a monarquia e os parlamentos de então não tinham qualquer consistência democrática, tanto na teoria como na prática. Ver JELLINEK, Georg. Teoría General del Estado. BdeF: Buenos Aires, 2005.

[4] Ver CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina: Coimbra, 2003; MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 3ª Edição. Forense: Rio de Janeiro, 2011.

[5] CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª. Ed. Almedina: Coimbra, 1995. p. 327 e ss.

[6] André Ramos Tavares afirma que há pelos menos quatro sentidos para o constitucionalismo: a) movimento político-social com origens históricas bastante remotas que pretende limitar o poder arbitrário; b) em uma segunda acepção, confunde-se com a existência político de cartas constitucionais escritas; c) indica os propósitos mais latentes e atuais da função e posição das constituições nas diversas sociedades; d) reduzido à evolução histórico constitucional de um Estado. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 8º ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 34 e ss.

Uadi Lammêgo Bulos, por sua vez, entende que o constitucionalismo possui dois sentidos: um sentido amplo, que se prende ao fato de que todos os Estados, seja qual for a época de evolução da humanidade, possuem uma constituição, explícita ou tácita, que ordenavam, com supremacia e coercitividade, a vida de um povo; e um sentido estrito, que advém do movimento constitucionalista, que o alçou ao posto de técnica jurídica das liberdades públicas.

Nesse sentido, Bulos afirma que, desde os fins do século XVIII a trajetória do constitucionalismo tem sido a busca pela limitação do poder, aliada ao esforço de se estabelecer uma justificativa espiritual, moral, sociológica, política, filosófica e jurídica para o exercício da autoridade.  BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. Saraiva: São Paulo, 2010. p. 64 e ss.

Como movimento jurídico, político e cultural, o constitucionalismo só adquiriu consistência no fim do século XVIII, com o fortalecimento de certos princípios, que passaram a ser adotados na maioria dos Estados, sob a forma de declarações de direitos e garantias fundamentais. A partir de então, a ideia de constitucionalismo ficou associada à necessidade de todo Estado possuir uma constituição escrita para frear o arbítrio dos Poderes Públicos.

Observa-se, ainda que, segundo Loewenstein, o marco do nascimento do movimento constitucionalista – em sua fase primitiva – foi entre os Hebreus, que em seu Estado teocrático estabeleceram limites ao poder político pela imposição da Bíblia. LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constituición. Editorial Ariel: Barcelona, 1979.

[7] A ideia da Constituição como forma de limitar o poder estatal e garantir o direito dos cidadãos parte do seu entendimento normativo. No entanto, o constitucionalismo também pode ser entendido na concepção política e na acepção histórico descritiva. Naquela, significa uma técnica de limitação do poder estatal em face dos direitos fundamentais; já na acepção histórico descritiva, consiste em movimento político, social e cultural cujo questionamento incide sobre os esquemas tradicionais de dominação política, objetivando uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político. CANOTILHO, J.J. Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª Edição, Coimbra, 2000, pág. 51/52.

[8] Nesse período ocorreu uma “corrida constitucionalista” na Europa, sendo fortemente influenciado pelas Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos, de 1787, e da França, de 1791, assim como pelos ideais dos teóricos contratualistas (Montesquieu, Rousseau e Locke). TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 8º ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 34.

[9] CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina: Coimbra, 2003. p. 94 e ss.

[10] Conforme o parágrafo único do art. 4º, “As entidades compreendidas na Administração Indireta vinculam-se ao Ministério em cuja área de competência estiver enquadrada sua principal atividade.”

[11] As autarquias em sentido estrito e as Fundações Públicas de Direito Público possuem a mesma natureza jurídica e devem observar estritamente as mesmas regras. A diferença entre ambas é praticamente o nome. Farei uma abordagem mais precisa mais a frente, ao tratar das Fundações Públicas.

[12] As autarquias só podem ser criadas por lei em sentido forma. Ver informativo 658 do STF.

[13] O marco da “Reforma do Estado” foi a edição da Lei n.8.031, de 12 de abril de 1990, que instituiu o Plano Nacional de Desestatização (PND), reformulado pela Lei 9.491, de 9 de setembro de 1997 (com as alterações da Medida Provisória 2.161-35, de 23 de agosto de 2001). À nível constitucional foram editadas diversas Emendas Constitucionais  que afetaram especificamente os monopólios criados pela Constituição Federal de 1988 e a Emenda n° 6/2005, suprimindo o art. 171 daquela Carta, a qual trazia a proteção e benefícios especiais à empresa brasileira de capital nacional, desfazendo o conceito de empresa nacional. As reformas econômicas brasileiras envolveram 3 (três) transformações estruturais que se complementam. São elas: a) Extinção de determinadas restrições ao capital estrangeiro; b) a flexibilização dos monopólios estatais; e c) a privatização e desestatização, a qual teve como principais mecanismos a alienação, em leilão na bolsa, do controle das entidades estatais que prestavam atividade econômica (em sentido amplo) e a concessão de serviços públicos a empresas privadas. BARROSO, Luis Roberto. Constituição e Ordem Econômica e Agências Reguladoras. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 1, fevereiro, 2005. Ver também DUARTE JR, Ricardo. A deslegalização e o poder normativo das agências reguladoras. Revista Jurídica in verbis, Natal, a. 14, n. 26, jul./dez., 2009; ______. A legitimidade do Estado Regulador brasileiro: uma análise democrática. A&C Revista de Direito Administrativo & Constitucional. N. 43. Ano 11. Belo Horizonte: Editora Forum.. Janeiro/março. 2011;  ______ As Agências reguladoras e o procedimento normativo. In: Doutrinas Essenciais de Direito Administrativo. Org: Maria Sylvia Zanella di Pietro e Carlos Ari Sundfeld. Vol. VI. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

[14] CF, art. 37, § 8º, “A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre:

I - o prazo de duração do contrato;

II - os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes;

III - a remuneração do pessoal.”

[15] STF, ADI 1.668-DF, afirmou que “a natureza especial de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira”.

[16] A primeira agência reguladora foi criada nos Estados Unidos da América do Norte, em 1887, mas só passaram a ser adotadas - em escala mundial - com o advento do Estado Regulador. Nos Estados Unidos, as agências reguladoras foram idealizadas no intuito de o Estado participar mais ativamente da economia, haja vista sempre ter prevalecido, naquele país, uma cultura predominantemente liberal. Já as agências reguladoras idealizadas pelo modelo europeu e sul-americano, apesar de seguirem o modelo norte-americano, surgem como forma de atuação do Estado Regulador, como maneira do ente político atuar indiretamente na economia, na prevalência do princípio da subsidiariedade.

[17] MATTOS, Paulo Todescan Lessa. O novo Estado Regulador brasileiro: eficiência e legitimidade. São Paulo: Singular, 2006. p. 138.

[18] Celso Antônio Bandeira de Mello entende que, após a Constituição Federal de 1988, não é possível a criação de Fundações Públicas de Direito Privado, mas apenas as de Direito Público. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25ª Ed., 2 ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 185 e ss. Já José dos Santos Carvalho Filho entende que as Fundações Públicas são sempre de direito privado, em razão: a) disposição expressa no art. 5º, inc. IV, do Decreto nº 200/67; b) tanto a Constituição Federal, em seu art. 37, inc. XIX, quanto o art. 5º, parágrafo 3º, do Decreto nº 200/67, preveem que a lei apenas autoriza a sua criação, sendo esta uma forma de criação de pessoa jurídica de direito privado, que depende do registro; enquanto para as autarquias, a lei por si só já a cria; c) o Código Civil listou as pessoas de direito público e omitiu-se em mencionar as fundações públicas; além de a ter colocado no rol das pessoas de direito privado. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 494 e ss.

[19]  “Competência. Fundação Legião Brasileira de Assistência – LBA – Nos julgamentos plenários do Supremo Tribunal Federal, nos CJ 6650-RS e 6651 (sessões do dia 14 de maio de 1986) ficou decidido que era da competência da Justiça Federal o processamento e julgamento de reclamações trabalhistas em que fosse parte a LBA. É que, no julgamento do RE 101.126 (sessão de 24.10.1984) entendeu o STF que fundações instituídas pelo Poder Público que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo previsto, no âmbito federal, a leis federais, devem ser consideradas como fundações de direito público que integram o gênero autarquias, possuindo a LBA tais requisitos, como decorre de seu estatuto, aprovado pelo Decreto 83.148-79.” (STF. CJ 6.566-3-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Aldir Passarinho, 20.05.1987).

[20] Maria Sylvia Zanella di Pietro entende nesse mesmo sentido. Direito Administrativo. 27 ed. Atlas: São Paulo, 2014. p. 505.

[21] Conforme o Supremo Tribunal Federal (ADPF 46, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-01 PP-00020), o serviço público prestado exclusivamente pelo Estado é feito sob o regime de privilégio. O regime de monopólio se aplica apenas as atividades econômicas em sentido estrito. Ver também GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 13ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2008. 

[22] Conforme o Supremo Tribunal Federal, “EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO. I. - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a. II. - R.E. conhecido em parte e, nessa parte, provido. (RE 407099, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 22/06/2004, DJ 06-08-2004 PP-00062 EMENT VOL-02158-08 PP-01543 RJADCOAS v. 61, 2005, p. 55-60 LEXSTF v. 27, n. 314, 2005, p. 286-297)”

[23] Ver REALE, Migue. Direito Natural/Direito Positivo. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 21.

[24] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV: Direitos Fundamentais. Coimbra Editora: Coimbra, 2008. p. 9.

[25] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV: Direitos Fundamentais. Coimbra Editora: Coimbra, 2008. p. 10.

[26] QUEIROZ, Cristina. Direitos Fundamentais: Teoria Geral. 2ª Ed. Coimbra Editora: Coimbra, 2010. p. 49.

[27] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 120.

[28] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 178.

[29] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. Saraiva: São Paulo, 2010. p. 521.

[30] DIMOULIS, Dimitri; e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 2° ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 46

[31] Sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ver CANARIS, Claus-WILHELM. Direitos Fundamentais e Direito Privado. Tradução Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2009; SARLET, Ingo Wolfgang. Neoconstitucionalismo e Influência dos Direitos Fundamentais no Direito Privado: algumas notas sobre a evolução brasileira. Civilistica.com . Ano 1. Número 1. 2012; e CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Dogmática de direitos fundamentais e direito privado. In: Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Org. Ingo Wolfgang Sarlet. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. É necessário observar que há severas críticas à denominação “eficácia horizontal”, haja vista a eficácia entre particulares ocorrer em situações em que há uma desigualdade, uma relação de poder (vertical). Assim, alguns autores preferem utilizar a expressão “eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares” ou mesmo “vinculação dos particulares – ou entidades privadas – aos direitos fundamentais”.

[32] Conforme Uadi Lammêgo Bulos, os direitos fundamentais cumprem as finalidades de defesa e de instrumentalização. “Como direitos de defesa, permitem o ingresso em juízo para proteger bens lesados, proibindo os poderes públicos de invadirem a esfera privada dos indivíduos. (...) Nos postos de direitos instrumentais, consagram princípios informadores de toda a ordem jurídica (legalidade, isonomia, devido processo legal etc.), fornecendo-lhes os mecanismos de tutela). (...) A finalidade instrumental das liberdades públicas permite ao particular reinvindicar do Estado: a) cumprimento de prestações sociais; b) proteção de atos contra terceiros; c) tutela contra discriminações” BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. Saraiva: São Paulo, 2010. p. 513.

[33] DIMOULIS, Dimitri; e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 2° ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 46/47. Uadi Lammêgo Bulos afirma que “o fundamento “dos direitos fundamentais reside na proteção da dignidade da pessoa humana, sendo a constituição a sua fonte de validade.” BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. Saraiva: São Paulo, 2010. p. 521.

[34] A dignidade da pessoa humana tem origem na doutrina de Santo Tomas de Aquino, com a concepção de igualdade dos homens perante Deus. Ver MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV: Direitos Fundamentais. Coimbra Editora: Coimbra, 2008. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11ª Ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2012.

[35] OTERO, Paulo. Instituições Políticas e Constitucionais. Vol. I. Almedina: Coimbra, 2009. p. 526.

[36] Ver KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Coimbra: Textos Filosóficos, 2014.

[37] Paulo Otero afirma ainda que “Identificada a pessoa humana como o sujeito, o princípio e o fundamento do sistema jurídico e político da sociedade, encontrando-se na luta do homem pelo reconhecimento da sua humanidade e da humanidade dos seus semelhantes o sentido último da História, a expressão ´Estado de direitos fundamentais´ revela-se demasiado ampla e vaga: a essência do Estado não está em garantir ou permitir a efetivação de direitos a quem não é pessoa humana, tal como sucede com as pessoas coletivas (públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, internas ou externas), antes se encontra essa essência na garantia dos direitos do ser humano. É em torno da pessoa humana que a sociedade se estruturou, o Estado encontra justificação e o Direito tem o seu referencial axiológico.” OTERO, Paulo. Instituições Políticas e Constitucionais. Vol. I. Almedina: Coimbra, 2009. p. 526/527.

[38] Não podemos esquecer que o art. 5º, parágrafo 2º, da CF/88, estabeleceu uma cláusula aberta dos direitos fundamentais, de forma a proteger os direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição e pelos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

[39] CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina: Coimbra, 2003. p. 377.

[40] Nesse sentido, Ingo Sarlet conceitua direitos fundamentais como “todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Catálogo).” SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11ª Ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2012.  p. 77.

[41] CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina: Coimbra, 2003. p. 379. ; Ver também SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11ª Ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2012.

[42] Os direitos fundamentais podem ser entendidos como formal e materialmente constitucional. Os direitos formalmente constitucionais são aqueles que são enunciados e protegidos por normas com valor constitucional (normas que têm a forma constitucional). Por outro lado, os direitos fundamentais materialmente constitucionais são aqueles que apesar de não estarem formalmente na constituição, são reconhecidos e protegidos como direitos fundamentais através dos princípios, da própria concepção de Constituição dominante, da ideia de direito, do sentimento jurídico coletivo, ou seja, através do sentido da Constituição material do Estado.

[43] Ver CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina: Coimbra, 2003; SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2008; MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV: Direitos Fundamentais. Coimbra Editora: Coimbra, 2008.

[44] Segundo Jorge Miranda, os direitos fundamentais são “os direitos ou as posições jurídicas activas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja na Constituição formal, seja na Constituição material – donde, os direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material.” MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV: Direitos Fundamentais. Coimbra Editora: Coimbra, 2008. p. 9

[45] DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2008. p. 45.

[46] O estudo da teoria do direito subjetivo público está imbrincada com a noção de “relação jurídica”, que é relação intersubjetiva disciplinada pelo ordenamento jurídico, através de suas normas, em que há o estabelecimento de direitos e deveres para as partes. Ou seja, um fato social, que ao ser regulado (sentido amplo) pelo ordenamento jurídico, através de suas normas, estabelece uma relação intersubjetiva entre duas ou mais pessoas ao criar direitos e deveres. Conforme Migue Reale,  para a relação jurídica,  há dois requisitos: primeiro, “uma relação intersubjetiva, ou seja, um vínculo entre duas ou mais pessoas.”. Segundo, “que esse vínculo corresponda a uma hipótese normativa, de forma que defluam consequências obrigatórias no plano da experiência.” A relação jurídica, na qualidade de função, “é disciplina, regulamento dos interesses vistos na sua síntese: é a normatividade que constitui a harmonização das situações subjetivas. Ela apresenta-se como o ordenamento do caso concreto”. REALE, Migue. Lições Preliminares do Direito. 27ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 271.

[47] Conforme afirma Jorge Miranda, “a Teoria dos direitos subjetivos públicos é tanto um esforço de explanação sistemática dos direitos das pessoas perante as entidades públicas (e das próprias entidades públicas), adequada ao estádio de então do direito da Alemanha, como uma reação contra o Direito natural. (...) Segundo ela (A Teoria dos direitos subjetivos públicos), só o Estado tem vontade soberana e todos os direitos subjetivos públicos fundamentam-se na organização estatal. Mas enquanto Gerber considera esses direitos um mero reflexo do Direito objetivo e um limite do poder do Estado, já Jellinek os analisa a partir de uma ligação específica entre os indivíduos e o Estado, em termos do estatuto” (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV: Direitos Fundamentais. Coimbra Editora: Coimbra, 2008. p. 63/64). O autor português complementa, “para Jellinek, cada direito subjetivo atesta a existência de um ordenamento jurídico, pelo qual é criado, reconhecido e protegido. É, pois, o ordenamento objetivo de Direito público que constitui o fundamento do direito subjetivo público. Qualquer direito público existe no interesse geral, o qual é idêntico ao interesse do Estado. Só como membro do Estado o homem é, em geral, sujeito de Direito.” MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV: Direitos Fundamentais. Coimbra Editora: Coimbra, 2008. p. 64.

[48] É necessário observar que alguns autores entendem que não é possível falar em direitos sociais do ponto de vista subjetivo. O filósofo chileno Fernando Atria afirma que a noção de direito remonta à ideia de direito subjetivo. E, por isso, a noção de direito social é uma contradição em termo, bem como pautar essa ideia na solidariedade é desnaturalizar esta. Ver ATRIA, Fernando. Existem direitos sociais?.  Disponível em: < http://www.amprs.org.br/arquivos/revista_artigo/arquivo_1273603159.pdf >. Acesso em 20 de julho de 2015.

Outros autores entendem que os direitos sociais são apenas expectativas de direito que são conformadas através de normas infralegais, e que a criação destas é que criam os direitos subjetivos aos cidadãos. Ver COUTINHO. Os direitos sociais e a crise: algumas notas. Revista Direito e Política, Outubro-Dezembro 2012. ______. Os direitos sociais como compromissos. Disponível em: < http://e-publica.pt/pdf/artigos/direitos-sociais.pdf >. Acesso em 20 de julho de 2015;  ALEXANDRINO, José de Melo. Notas sobre uma concepção dos Direitos Fundamentais Sociais. Em Tópicos preparados para o Debate sobre Direitos Sociais realizado em 2 de Março de 2012.

[49] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

[50] Conforme Gilmar Mendes, a dimensão objetiva “reconhece deveres de proteção do Estado, de forma que a esse cabe zelar, pontual e preventivamente, pela proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos. Essa proteção, que não se limita ser contra os poderes públicos, se estende contra agressões advindas de particulares e, até mesmo, de outros Estados. Tal incumbência obriga o Estado a adotar medidas positivas das mais diversas naturezas, com o objetivo de proteger o real exercício dos direitos humanos.” MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 344.

[51] Ver SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11ª Ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2012. p. 144 e ss.

[52] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV: Direitos Fundamentais. Coimbra Editora: Coimbra, 2008. p. 84/85.

[53] DIMOULIS, Dimitri; e MARTINS, Leonardo. Deveres Fundamentais. In: Direitos, Deveres e Garantias Fundamentais. Org: George Salomão Leite, Ingo Wolfgang Sarlet e Miguel Carbonell. Salvador: juspodvim, 2011. p. 325 e ss.

[54] Casalta Nabais entende, ainda, que a obrigação de pagar tributos é um dever fundamental do cidadão. Ver NABAIS, Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Disponível em : < http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15184-15185-1-PB.pdf >. Acesso em 18 de julho de 2015.

[55] Conforme Casalta Nabais, há uma lista fechada dos deveres fundamentais: “Isto é, apenas podemos considerar como deveres fundamentais, entre os que o possam ser de um ponto de vista material ou substancial, aqueles que figurem, de maneira expressa ou implícita, na constituição.” NABAIS, Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Disponível em : < http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15184-15185-1-PB.pdf >. Acesso em 18 de julho de 2015.

[56] “Por isso, a sua interpretação e a sua aplicação não podem fazer-se em termos idênticos aos da interpretação e da aplicação das normas de direitos fundamentais e requerem particularíssimos cuidados” MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV: Direitos Fundamentais. Coimbra Editora: Coimbra, 2008. p. 85).

[57] Casalta Nabais qualifica os deveres fundamentais como “posições jurídicas passivas (não activas), autónomas (face aos direitos fundamentais), subjectivas (já que exprimem uma categoria subjectiva e não uma categoria objectiva), individuais (pois têm por destinatários os indivíduos e só por analogia as pessoa colectivas) e universais e permanentes (pois têm por base a regra da universalidade ou da não discriminação).” NABAIS, Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Disponível em : < http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15184-15185-1-PB.pdf >. Acesso em 18 de julho de 2015.

[58] Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da indisponibilidade do interesse público, ao lado do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, é o princípio basilar do regime jurídico administrativista. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25ª Ed., 2 ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 69 e ss.

[59] BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria de Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2 ª Ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

[60] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV: Direitos Fundamentais. Coimbra Editora: Coimbra, 2008. p. 70.

[61] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV: Direitos Fundamentais. Coimbra Editora: Coimbra, 2008. p. 72.

[62] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV: Direitos Fundamentais. Coimbra Editora: Coimbra, 2008. p. 72.

[63] CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina: Coimbra, 2003. p. 396.

[64] CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina: Coimbra, 2003. p. 396.

[65] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. Saraiva: São Paulo, 2010. p. 518.

[66] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 188.

[67] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 188/189.

[68] Conforme ensina Canotilho: “as chamadas garantias institucionais compreendiam as garantias jurídico-públicas e as jurídico-privadas. (...) o duplo caráter atribuído aos direitos fundamentais – individual e institucional – faz com que hoje, por exemplo, o direito de constituir uma família se deva considerar indissociável da proteção da instituição da família como tal. Sob o ponto de vista da proteção jurídica constitucional, as garantias institucionais não garantem aos particulares posições subjetivas autônomas e daí a inaplicabilidade do regime dos direitos, liberdades e garantias. (...) A proteção das garantias institucionais aproxima-se da proteção dos direitos fundamentais quando se exige, em face das intervenções limitativas do legislador a salvaguarda do ´mínimo essencial´ (núcleo essencial) das instituições”. CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina: Coimbra, 2003. p. 397.

[69] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11ª Ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2012. p. 148. E complementa o autor: Sarlet: “por estar intimamente vinculada à noção de que existem normas definidoras de direitos fundamentais que, inobstante exercem finalidade protetora de determinados bens jurídicos fundamentais reconduzíveis, direta ou indiretamente, ao valor da dignidade da pessoa humana, mas que não são suscetíveis de uma subjetivação, assume relevo, no contexto da perspectiva objetiva dos direitos fundamentais, a figura das garantias institucionais.” p. 148.

[70] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV: Direitos Fundamentais. Coimbra Editora: Coimbra, 2008. p. 66/67

[71] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo IV: Direitos Fundamentais. Coimbra Editora: Coimbra, 2008. p. 68/69.

[72] CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina: Coimbra, 2003. p. 396.

[73] Nesse mesmo sentido, Paulo Otero afirma que há uma “debilitação da «fundamentalidade» dos direitos fundamentais”. Isso ocorre quando “sabendo-se que não há uma elasticidade ilimitada de direitos fundamentais, um alargamento artificial de novos direitos fundamentais, especialmente através da «promoção» constitucional de realidades dotadas de uma diferente natureza ou da qualificação legal como tais por força do princípio da não-tipicidade, provocará uma diluição da «fundamentalidade» de cada direito, restringindo a operatividade daqueles que são verdadeiramente fundamentais e, ao mesmo tempo, ampliando a esfera daqueles que carecem de tal «fundamentalidade»” OTERO, Paulo. Instituições Políticas e Constitucionais. Vol. I. Almedina: Coimbra, 2009.  p. 156. Ver também OTERO, Paulo. A Democracia Totalitária – do Estado Totalitário à Sociedade Totalitária, São João do Estoril, 2001. p. 153 e ss.

[74] Conforme Paulo Otero, “A verdade, porém, é que por via do alargamento e da inerente debilitação ou erosão da “fundamentalidade” dos direitos fundamentais se deixa aberta a porta para o esvaziamento do conceito de “Estado de Direitos Fundamentais”, substituindo-se uma dimensão substantiva e qualitativa dos direitos fundamentais, por uma mera visão formal e quantitativa: se direito fundamenta pode ser tudo aquilo que o legislador (constituinte ou ordinário) entender, então o `Estado de direitos fundamentais´ expressa uma forma se um conteúdo necessariamente ao serviço da pessoa humana viva e concreta e da sua inviolável dignidade. Esvaziado o conceito de ´Estado de Direitos Fundamentais´, qualquer conteúdo de uma posição jusfundamental será legítimo, incluindo a perversão do ´Estado de direitos fundamentais´ mediante a atribuição pelo Estado a si próprio de direitos fundamentais oponíveis aos particulares ou pela reivindicação de se qualificarem como direitos fundamentais ações ou omissões que são, por natureza, crimes ou condutas atentatórias de direitos fundamentais diretamente decorrentes do princípio da dignidade humana. ” OTERO, Paulo. Instituições Políticas e Constitucionais. Vol. I. Almedina: Coimbra, 2009. p. 533.

[75] “Artigo 12.º da Constituição da República Portuguesa

(Princípio da universalidade)

1. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.

2. As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.”

[76] “Artigo 19 [Restrição dos direitos fundamentais – Via judicial]

(...) (3) Os direitos fundamentais também são válidos para as pessoas jurídicas sediadas no país, conquanto, pela sua essência, sejam aplicáveis às mesmas.”

[77] O princípio da especialidade, conforme Canotilho, significa que “as pessoas coletivas só tem os direitos necessários e adequados à realização do respectivo escopo (fins e objetivos). É, porém, questionável a caracterização deste princípio da especialidade, pois, sob pena de constituir mais um limite imanente apócrifo, ele deve evidenciar-se como restrição expressa da titularidade de direitos” CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina: Coimbra, 2003. p. 422.

[78] Para Canotilho, Canotilho (p. 421): “a essência dos direitos e deveres fundamentais às pessoas coletivas (pessoas jurídicas) significa que alguns direitos não são “direitos dos homens, podendo haver titularidade de direitos fundamentais e capacidade de exercício por parte de pessoas não identificadas com cidadãos de carne e osso.” CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina: Coimbra, 2003. p. 421.

[79] Leonardo Martins e Dimitri Dimoulis defendem a necessidade de uma reforma constitucional de forma a estender às pessoas jurídicas a proteção constitucional dos direitos fundamentais, tal como há nas Constituições dos demais países. Isso porque, conforme os doutrinadores, em razão de não haver proteção constitucional, pode o legislador comum introduzir limitações necessárias, bem como diferenciar seu tratamento do tratamento dos direitos fundamentais das pessoas físicas. DIMOULIS, Dimitri; e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 2° ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 85

[80] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11ª Ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2012. p. 224.

[81] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 349. Conforme os autores, as garantias “que dizem respeito à prisão (e.g., art. 5º, LXI, CF/88) têm as pessoas físicas como destinatárias exclusivas. Da mesma forma, não há estender, por óbvio, direitos políticos, como o de votar e o de ser eleito para o cargo político, ou direitos sociais, como o da assistência social, a pessoas jurídicas. O STF já decidiu que, conquanto se possa cogitar da responsabilidade penal de pessoas jurídicas (em crimes ambientais), não lhe aproveita a garantia constitucional do habeas corpus, restrita à proteção da liberdade de locomoção, própria apenas das pessoas naturais.”

[82] Ver MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 349.

[83] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 349.

[84] CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina: Coimbra, 2003. p. 423.

[85] CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina: Coimbra, 2003. p. 424.

[86] CAMPOS, Bidart; HERRENDORF, Daniel E. Princípios de Derechos Humanos y Garantias. Buenos Aires: Ed. Ediar, 1991. p. 105.

[87] “Articulo 24

1. Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio

de sus derechos e intereses legitimos. sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión.

2. Asimismo, todos tienen derecho al Juez ordinario predeterminado por la ley, a la defensa y a la asistencia de letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos. a un proceso público sin

dilaciones indebidas y con todas las garantias, a utilizar los medios de prueba pertinentes para su defensa.

a no declarar contra si mismos, a no confesarse culpables y a la presunción de inocencia, La ley regulará los casos en que, por razón de parentesco o de secreto profesional. no se estará obligado a declarar sobre hechos presuntamente delictivos.”

[88] Na análise do caso em questão, entenda-se por Fazenda Pública as pessoas jurídicas de direito público, seja da administração direta seja da administração indireta.

[89] Conforme afirma Paulo Otero, “o fenômeno debilitador descrito pode mesmo atingir proporções dramáticas com um reconhecimento ilimitado de direitos fundamentais a entidades públicas, designadamente o Estado, circunstância que, transformado em sujeito ativo de direitos fundamentais quem foi pensado como sendo sempre seu sujeito passivo, poderá gerar verdadeiros `contra-direitos´: direitos fundamentais de entidades públicas cujo exercício provoque concorrência limitativa, condicionante ou compressiva de direitos, liberdades ou garantias de particulares.” OTERO, Paulo. Instituições Políticas e Constitucionais. Vol. I. Almedina: Coimbra, 2009. p. 528.

[90] Ver SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos do Direito Público. 5ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 185.

[91] Ver SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11ª Ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2012. p. 225.

[92] “Art. 5º (liberdade de opinião, de arte e ciência)

(...)

(3) A arte e a ciência, a pesquisa e o ensino são livres. A liberdade de ensino não dispensa da fidelidade à Constituição.”

[93] In verbis: BVERFGE 21, 362

(SOZIALVERSICHERUNGSTRÄGER)

Reclamação Constitucional contra decisão judicial 02/05/1967

“A reclamante é uma pessoa jurídica de direito público que pertence ao âmbito da Administração Pública Indireta. Ela é uma das titulares [administrativas] do Seguro Social (Sozialversicherungsträger). Em uma lide envolvendo a discussão sobre a responsabilidade civil de um segurado, ela se sentiu atingida em seu “direito fundamental” à propriedade (Art. 14 GG) e à igualdade (Art. 3 I GG) por uma decisão do Tribunal Federal (BGH). Segundo sua fundamentação, a decisão do Tribunal Federal estaria baseada em uma interpretação inconstitucional do Art. 8 IV FinV que representaria a violação arguida.

O TCF não admitiu a Reclamação Constitucional, por lhe faltar legitimidade ativa para sua proposição, segundo o Art. 19 III GG.

1. Os direitos fundamentais não são por princípio aplicáveis às pessoas jurídicas de direito público ao realizarem tarefas públicas. Nesse caso, não lhes cabe o remédio da Reclamação Constitucional.

2. (...).

Decisão (Beschluss) do Primeiro Senado de 2 de maio de 1967

- 1BvR 578/63 -

no processo referente à Reclamação Constitucional do Instituto Estadual de Seguro de Vestfália (...).

“a) Segundo o Art. 19 III GG, os direitos fundamentais valem também para as pessoas jurídicas nacionais, desde que, segundo a natureza daqueles, lhes seja aplicável. Pelo teor da norma constitucional pode-se, em princípio, partir de uma possível capacidade de ser titular de direitos fundamentais das pessoas jurídicas para, em um segundo momento, avaliar, no caso concreto, se o direito fundamental individual afirmado é, segundo sua natureza, aplicável à respectiva reclamante. Neste sentido procedeu em geral o Tribunal Constitucional Federal junto ao exame da capacidade das pessoas jurídicas nacionais de direito privado, tendo declarado, em numerosos casos, a aplicabilidade dos direitos fundamentais, inclusive também os direitos fundamentais aqui afirmados do Art. 3 I GG e Art. 14 GG (cf. BVerfGE 3, 383 [390]; 4, 7 [12 e 17]).

b) Esse [presente] processo e as conclusões nele obtidas não podem, sem mais, ser transferidas para as pessoas jurídicas nacionais de direito público. Embora o Art. 19 III GG fale somente em “pessoa jurídica”, ele não ordena nenhuma equiparação entre pessoa jurídica de direito público e de direito privado. Pelo contrário, “a essência dos direitos fundamentais”, determinante segundo o conteúdo do dispositivo, leva, “a priori”, a uma diferenciação fundamental entre ambos os grupos.

O sistema axiológico dos direitos fundamentais baseia-se na dignidade e liberdade de cada ser humano como pessoa natural. Os direitos fundamentais devem, em primeiro lugar, proteger a esfera da liberdade do indivíduo contra intervenções do poder estatal e, da mesma forma, garantir-lhe, por essa razão, as condições para uma cooperação e coconfiguração ativa e livre na sociedade política. A partir desta idéia central deve também ser interpretado e aplicado o Art. 19 III GG. Ela justifica a inclusão da pessoa jurídica na área de proteção dos direitos fundamentais somente quando a configuração e atuação destas sejam expressão do livre desenvolvimento da pessoa natural, especialmente quando a “abrangência” dos indivíduos que se encontram por trás da pessoa jurídica possa ser considerada significativa e necessária [ao livre desenvolvimento da pessoa natural].

c) Por isso, existem por princípio objeções contra a extensão da capacidade para ser titular de direitos fundamentais às pessoas jurídicas de direito público no âmbito do cumprimento de tarefas públicas. Se os direitos fundamentais se referem à relação dos indivíduos para com o poder público, então é com isso incompatível tornar o Estado, ele mesmo, parte ou beneficiário dos direitos fundamentais. O Estado não pode ser, ao mesmo tempo, destinatário e titular dos direitos fundamentais (cf. BVerfGE 15, 256 [262]).

Isto vale não somente quando o Estado aparece imediatamente como poder estatal da União ou de um Estado-membro, mas também, principalmente, quando ele se vale de uma instituição jurídica autônoma para o cumprimento de suas tarefas (...).

Se, assim, os direitos fundamentais e o remédio jurídico da Reclamação Constitucional para a defesa daqueles não são em princípio aplicáveis às pessoas jurídicas de direito público quando estas estiverem realizando tarefas públicas, deve então valer algo diferente quando, excepcionalmente, a titular do direito em questão tiver relação imediata com a área da vida protegida pelos direitos fundamentais. Por esta razão, o Tribunal Constitucional Federal reconheceu a capacidade de as universidades e faculdades serem titular de direitos fundamentais, no que tange ao direito fundamental do Art. 5 III 1 GG, e isso até mesmo independentemente de sua capacidade jurídica (cf. BVerfGE 15, 256 [262]). No caso desse direito fundamental, aliás, já [seu] teor revela a abrangência daquelas instituições às quais foram confiadas em primeira linha a ciência, a pesquisa e o ensino. Da mesma forma, pode-se fundamentar o reconhecimento de determinados direitos fundamentais às igrejas e a outras sociedades religiosas criadas com o status de órgão de direito público. (...).”

[94] In verbis: “BVERFGE 31, 314 (2. RUNDFUNKENTSCHEIDUNG)

Trata-se da segunda decisão sobre a liberdade de radiodifusão (2. Rundfunkentscheidung) em um rol de pelo menos sete decisões que acompanhariam a evolução da dogmática nesse setor bastante dinâmico dos direitos fundamentais. Mas o pequeno excerto reproduzido / traduzido abaixo diz respeito somente à passagem relevante sobre a capacidade de a pessoa jurídica de direito público ser titular do direito fundamental da liberdade de radiodifusão.”

Decisão (Urteil) do Segundo Senado de 27 de julho de 1971 com base na audiência de 18 de maio de 1971 - 2BvR 1/68. 2 BvR 702/68 –

“Algo diferente vale quando, excepcionalmente, à referida pessoa jurídica de direito público pode ser atribuída diretamente a área da vida protegida pelos direitos fundamentais. Por isso, o Tribunal Constitucional Federal reconheceu a capacidade para as universidades e faculdades serem titular de direitos fundamentais no que se refere ao direito fundamental do Art. 5 III 1 GG (cf. BVerfGE 15, 256 [262]). O mesmo vale para as instituições de direito público [emissoras] de rádio e televisão. Elas são instituições do Estado que defendem direitos fundamentais em uma área na qual são independentes do Estado. Justamente para possibilitar a realização do direito fundamental de liberdade de radiodifusão, são estas independentes do Estado; foram criadas por leis como instituições de direito público independentes do Estado e com gestão própria. Sua organização se dá de tal modo que seja impossível a tomada de influência dominadora do Estado sobre elas. A promulgação de tais leis e uma organização das instituições de radiodifusão [canais de televisão, estações de rádio] que sejam independentes do Estado são exigidas pelo Art. 5 I GG (BVerfGE 12, 205 et seq.). Com a Reclamação Constitucional, as instituições de radiodifusão podem, por isso, arguir uma violação de seu direito fundamental à liberdade de radiodifusão.”

[95] Sobre essa discussão ver o trabalho de COUTO E SILVA, Almiro. Notas Sobre o Dano Moral no Direito Administrativo. Revista Eletrônica de Direito Administrativo do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n.º 18, abril/maio/junho, 2009. Disponível na internet: < Http://www.direitodoestado.com./rede.asp >. Acesso em 19 de agosto de 2015.

[96] INFORMATIVO 534 - STJ

DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO.

A pessoa jurídica de direito público não tem direito à indenização por danos morais relacionados à violação da honra ou da imagem. A reparaçaõ integral do dano moral, a qual transitava de forma hesitante na doutrina e jurisprudência, somente foi acolhida expressamente no ordenamento jurídico brasileiro com a CF/1988, que alçou ao catálogo dos direitos fundamentais aquele relativo à indenização pelo dano moral decorrente de ofensa à honra, imagem, violação da vida privada e intimidade das pessoas (art. 5º, V e X). Por essa abordagem, no atual cenário constitucional, a indagação sobre a aptidão de alguém de sofrer dano moral passa necessariamente pela investigação da possibilidade teórica de titularização de direitos fundamentais. Ocorre que a inspiração imediata da positivação de direitos fundamentais resulta precipuamente da necessidade de proteção da esfera individual da pessoa humana contra ataques tradicionalmente praticados pelo Estado. Em razão disso, de modo geral, a doutrina e jurisprudência nacionais só têm reconhecido às pessoas jurídicas de direito público direitos fundamentais de caráter processual ou relacionados à proteção constitucional da autonomia, prerrogativas ou competência de entidades e órgãos públicos, ou seja, direitos oponíveis ao próprio Estado, e não ao particular. Porém, em se tratando de direitos fundamentais de natureza material pretensamente oponíveis contra particulares, a jurisprudência do STF nunca referendou a tese de titularização por pessoa jurídica de direito público. Com efeito, o reconhecimento de direitos fundamentais – ou faculdades análogas a eles – a pessoas jurídicas de direito público não pode jamais conduzir à subversão da própria essência desses direitos, que é o feixe de faculdades e garantias exercitáveis principalmente contra o Estado, sob pena de confusão ou de paradoxo consistente em ter, na mesma pessoa, idêntica posição jurídica de titular ativo e passivo, de credor e, a um só tempo, devedor de direitos fundamentais. Finalmente, cumpre dizer que não socorrem os entes de direito público os próprios fundamentos utilizados pela jurisprudência do STJ e pela doutrina para sufragar o dano moral da pessoa jurídica. Nesse contexto, registre-se que a Súmula 227 do STJ (“A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”) constitui solução pragmática à recomposição de danos de ordem material de difícil liquidação. Trata-se de resguardar a credibilidade mercadológica ou a reputação negocial da empresa, que poderiam ser paulatinamente fragmentadas por violações de sua imagem, o que, ao fim, conduziria a uma perda pecuniária na atividade empresarial. Porém, esse cenário não se verifica no caso de suposta violação da imagem ou da honra de pessoa jurídica de direito público. REsp 1.258.389-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013.

[97] “Artigo 12.º da Constituição da República Portuguesa

(Princípio da universalidade)

1. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.

2. As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.”

[98] “Artigo 19 [Restrição dos direitos fundamentais – Via judicial]

(...) (3) Os direitos fundamentais também são válidos para as pessoas jurídicas sediadas no país, conquanto, pela sua essência, sejam aplicáveis às mesmas.”


Autor

  • Ricardo Duarte Jr.

    Doutor em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL); Mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Especialista em Direito Administrativo pela UFRN; Especialista em Direito Constitucional e Tributário pela Universidade Potiguar (UnP); Vice-Presidente do Instituto de Direito Administrativo Seabra Fagundes (IDASF), Coordenador da Pós-Graduação em Direito Administrativo no Centro Universitário Facex (UniFacex), Professor Substituto da UFRN, Advogado e sócio no Duarte & Almeida Advogados Associados.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE JR., Ricardo. A titularidade de direitos fundamentais pelas pessoas jurídicas de direito público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4845, 6 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51896. Acesso em: 28 mar. 2024.