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A tutela da floresta na legislação penal e no Direito Econômico

A tutela da floresta na legislação penal e no Direito Econômico

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Em texto elaborado ao final da década de 70, o Professor Washington Peluso Albino de Souza chamava já a atenção para a escassez do tratamento do tema nas Constituições de 1824 a 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969: "apesar da razoável legislação sobre a floresta, nos mais diversos países, poucas são as vezes em que se lhe atribui destaque especial nos textos constitucionais. De modo geral, dá-se-lhe o tratamento decorrente dos princípios ideológicos referentes à propriedade em geral" [Estudos de Direito Econômico. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 1996, v. 2, t. 2, p. 385]. A Constituição de 1988, entretanto, adotou posição firme no sentido de dar especificidade ao tratamento da floresta, colocando, assim, a questão como não reduzida ao tema como algo mais do que o tratamento da propriedade e das suas limitações.  Edis Milaré traz uma aproximação interessante no que tange à tutela jurídica da floresta: "a floresta – ou em termos amplos a flora – é objeto de planejamento, gestão, manejo e proteção jurídica, além de todos os aspectos sob os quais pode ser considerada. No caso, ela é tomada complexivamente como um ecossistema que, além das árvores, inclui a água e solo, abrange variedade de animais e microorganismos, enfim, todos os elementos que compartilham as características ambientais e ecológicas" [Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 164].

Claro que representativa das preocupações majoritárias entre os bacharéis se mostra a assertiva de Joaquim de Almeida Baptista: "a criação de reservas florestais, como instrumento de preservação do meio ambiente, ainda que motivada pela inafastável função social que se revela inerente à propriedade, não pode nem deve ser vista como efeito de uma ação administrativa arbitrária e inconseqüente. [...] A criação de reservas florestais e a inclusão, nelas, de imóveis sujeitos à esfera dominial privada não podem revestir-se de caráter confiscatório" [Das servidões administrativas. São Paulo: Iglu, 2002, p. 192]. A preocupação nítida, aqui, é com a exploração da floresta como expressão da liberdade de iniciativa e da propriedade privada, e a plenitude destas é que seria a mola da prosperidade, ponto de vista semelhante à tese defendida por Gustavo Franco, ex-Presidente do Banco Central: "a economia privada é a nossa única salvação, mas a esmagadora maioria das nossas empresas prefere viver na informalidade ou como excluídas, por se recusar a aceitar regras (tributárias, trabalhistas etc.) tidas como proibitivas para seus negócios. Um capitalismo pela metade, assombrado pelo ''politicamente correto'', não pode deixar de ter um resultado duvidoso" [O capitalismo envergonhado. Veja. São Paulo, v. 36, n. 1.845, p. 69. 17 mar 2004]. A floresta, aqui, então, reduzir-se-ia á sua expressão de espaço em que se exerceriam atividades econômicas, no mínimo, de exploração vegetal e silvicultura, para cuja distinção aponta Francisco Malta Cardozo: "haverá exploração vegetal sempre que se tratar de extração de produtos de vegetação espontânea ou resultantes do trabalho feito por conta da administração ou de associação protetora da natureza; florestamento ou silvicultura quando se cuidar da exploração de essências ou árvores plantadas e cultivadas" [Tratado de Direito Rural. São Paulo: Saraiva, 1953, t. 1, p. 46].

Nem se precisa, aqui, aprofundar os comentários para demonstrar aqui a visão típica da formação voltada com ênfase para o Direito Civil, em que o direito de usar, gozar e dipor livremente dos bens se considera como uma verdadeira unção divina. Qual observou Luíza Helena Moll, o problema ambiental era considerado como uma externalidade: "o acesso Às oportunidades, sejam as dadas, sejam as construídas, colocam os liberais e os socialistas em campos opostos. Sobre a oportunidade do acesso à aquisição dos bens de produção extraídos da natureza, a economia clássica trabalhou sobre o pressuposto de que seriam inesgotáveis. A ciência contemporânea demonstrou que o controle sobre os bens da natureza é condição sem a qual a perspectiva de futuro das novas gerações está em perigo, porque esses bens são inesgotáveis e, em grande parte, não renováveis" [Externalidades e apropriação: projeções sobre o Direito Econômico na nova ordem mundial. In: PLURES. Desenvolvimento econômico e intervenção do Estado na ordem constitucional - estudos jurídicos em homenagem ao Professor Washington Peluso Albino de Souza. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1995, p. 151]. Se, por um lado, é verdade que a propriedade privada é assegurada como direito individual, constitucionalmente protegido, por outro, é necessário trazer à balha o problema tanto da função social enquanto determinante negativo - o uso, o gozo e a disposição não podem ser antagônicos ao bem-estar geral - quanto na condição de determinante positivo - a conformação do uso, gozo e disposição ao bem-estar geral -.Washington Peluso Albino de Souza recorda: "o país retira o seu nome de uma árvore, o pau-brasil, ou melhor, de uma floresta litorânea que bem pode ser erigida a signo de toda a anti-política florestal brasileira, que desde então adotou a extinção desordenada e impenitente, a devastação incontida até a extinção total. Este sentido de economia de rapina, definido por Ratzel e característico da exploração colonial, começou com os primeiros povoadores do solo brasileiro e se consolidou na mentalidade do homem brasileiro, que se afirma ainda hoje como um destruidor de florestas, sem a menor consciência da sua conservação, da sua recomposição ou da sua utilização racional. Se alguma filosofia o inspira, é a da devastação. A floresta ainda se lhe apresenta à mentalidade como a mata inimiga, cheia de feras ou oposta ao seu interesse de plantio, de criatório ou de moradia, tal foi como pareceu ao homem europeu vindo para uma exploração de efeitos econômicos privados rápidos e esgotantes, para que voltasse à pátria de origem, onde conservava a mata como o resultado milenar do aprendizado de que, sem ela, a sua vida se tornaria impossível. Na colônia, pouco lhe importava o destino futuro da terra, da fauna ou da flora. O mais doloroso, entretanto, é que o seu descendente brasileiro permaneceu, na nova terra, desatento a que não retornaria para os sítios europeus dos seus ancestrais, incorporou aos seus métodos de vida a anti-cultura herdada, e continuou a devastação do meio em que deveria viver, mas no qual passou realmente a morrer, no mesmo ritmo em que prosseguiu na tarefa de matar a floresta" [op. cit. p. 391-392]. Certeira a observação de Cristiane Derani, que mostra, mais uma vez, como o aparentemente óbvio tem de ser sempre dito, sob pena de ser olvidado: "não se pode nunca pensar em desenvolvimento da atividade econômica sem o uso adequado dos recursos naturais, posto que esta atividade é dependente da natureza, para sintetizar da maneira mais elementar" [Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997, p, 167]. Em Carlos Maximiliano, normalmente tão cioso dos conceitos próprios do constitucionalismo liberal, ao tratar do direito de propriedade, encontra-se esta passagem: "os bosques e as florestas influem no regime das águas e na salubridade de cada região" [Comentários à Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1948, v. 3, p. 119]. Quer dizer: mesmo um autor de formação liberal clássica aquiesceu para o fato de que o próprio direito de usar, gozar e dispor das florestas teria conseqüências sobre a própria qualidade da vida em cada região. Themistocles Cavalcanti tem esta outra passagem, merecedora de meditação: "as florestas protetoras e remanescentes consideram-se de preservação perene e são inalienáveis. [...] A intervenção do Estado neste terreno é da maior importância, porque é o mesmo inacessível à iniciativa particular, sem os elementos necessários para retirar os vultosíssimos capitais investidos sem objeto imediato de lucro" [Tratado de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1943, v. 5, p. 374-375]. Registre-se aqui a impropriedade da utilização do termo"intervenção", dado o próprio posicionamento do autor por último transcrito, pois se este terreno seria inacessível à iniciativa particular, não se trataria, propriamente, de ingresso do Estado onde, em princípio, ele seria um estranho. Luíza Helena Moll, por isto mesmo, entende que, neste caso, não é de se tomar em consideração o problema do direito de propriedade e suas limitações, mas uma outra categoria, a do regime de apropriação: "como direito fundamental e garantia individual que justifica a organização estatal da sociedade, o direito de propriedade se constitui em viga mestra ou ''calibre'' do sistema a que não se opõem os instrumentos de limitação, a não ser mediante motivação de interesse público e função social. A apropriação, diferentemente da limitação que é técnica jurídica de controle sobre o uso  da propriedade com vistas na sua utilidade social e melhor e maior exploração, há de ser técnica de controle da utilização em si, ou seja, das formas de exploração, orientadas estas pelos princípios da economicidade e da preservação ambiental. Na medida em que a limitação da função social busca aumentar a utilidade e a produtividade, a apropriação visa uma equação de maior grau de economicidade para efetividade dos objetivos do sistema de desenvolvimento sustentável, dada a relevância para a preservação ambiental" [op. cit. p. 152-153]. De qualquer sorte, este é exatamente o campo em que a regra de Direito Econômico que mais se pode invocar é a da irreversibilidade.

Faremos a nossa exposição observando a ordem posta na Lei 9.605, de 1998.  A razão para a escolha desta metodologia está em que este diploma legislativo, traduzindo uma época de maior preocupação com a temática ambiental, além de ter introduzido - sob as rajadas da maior parte dos penalistas - a definição da pessoa jurídica como sujeito ativo de delitos, tratou como crimes o que na anterior legislação era considerado meramente contravenção. Explica-se: a Lei 4.771, de 1965 foi editada num período em que a preocupação máxima era com o crescimento econômico, e não com o desenvolvimento, própria do regime tecno-militar durante o qual foi editado [NASCIMENTO, Floriano de Lima. O Brasil cresceu mas não se desenvolveu. In: http://www.fbde.org.br/cresceu.html, acessado em 28 mar 2004; SOUZA, Washington Peluso Albino de. op. cit., p. 401; MOLL, Luíza Helena. op. cit., p. 146]. Com efeito, assim pareceu a António José Avelãs Nunes, que, a nosso sentir, resumiu bem, em sua tese de doutoramento, a filosofia da política econômica adotada à época em que editada a Lei 4.771, de 1965: "nas suas grandes linhas, pode-se dizer que a acção do governo no domínio da política económica se desenvolve em função de alguns tópicos fundamentais: 1) subtracção ao consumo dos cidadãos de uma parte crescente da riqueza criada, sem afectar o consumo da classe capitalista, isto é, à custa de uma mais acentuada exploração dos trabalhadores assalariados e de uma maior redução dos rendimentos reais de outras camadas da população, excluídas dos benefícios do crescimento económico; 2) canalização do excedente assim obtido para investimento em infraestruturas (energia eléctrica, comunicações, rede de estradas, transporte ferroviário etc.), em ''capital humano'' e nas indústrias de produção de bens intermédios, caracterizadas por uma baixa rotação do capital e pela produção de bens homogéneos (siderurgia, cimento, minas etc.); 3) protecção e incentivo ao aumento da produção, de modo a conseguir o pleno aproveitamento da capacidade ociosa acumulada em consequência da recessão dos anos 1962-1967; 4) estabilização e reorientação da inflação de modo a utilizá-la como instrumento de redistribuição do rendimento e de financiamento da acumulação do capital, neutralizando os efeitos negativos relativamente aos empresários, aos aforradores voluntários e à acumulação do capital em geral; 5) lançamento e financiamento de fluxos de procura diversificada e sofisticada,  de forma a garantir ao grande capital (em especial às multinacionais) condições favoráveis à realização da mais-valia, designadamente através de uma política de redistribuição mediadora voltada para o desenvolvimento de um terceiro mercado, de uma terceira procura resultante do acesso das classes médias privilegiadas ao cabaz de bens de consumo duradouros então reservados aos muito ricos e que se traduza - através da ampliação do mercado desses bens - em uma procura adequada à estrutura da oferta decorrente das estruturas produtivas implantadas a partir dos anos cinquenta; 6) atracção dos capitais externos, pela via do investimento directo das empresas multinacionais e do recurso aos empréstimos junto a instituições estrangeiras, com vista a suprir as deficiências da poupança interna e a aumentar a capacidade de importação; 7) lançamento de uma política de fomento das exportações, especialmente de produtos industriais, com vista a aumentar as disponibilidades em divisas e a amplar o mercado de certas indústrias, designadamente das indústrias de bens de consumo corrente" [Industrialização e desenvolvimento - a economia política do ''modelo brasileiro de desenvolvimento''. Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra, v. 24/25, p. 616-617, 1982 (supl.)].

O art. 38 da Lei 9.605/98 criminaliza a conduta de destruir ou danificar floresta de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção.  Na lição de Érika Mendes de Carvalho, "de acordo com o art. 2º do Código Florestal, são consideradas de preservação permanente, pelo efeito da lei, as florestas e demais formas de vegetação natural localizadas: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja altura mínima seja: 1) de 30 metros para os cursos d’água de menos de 10 metros de altura; 2) de 50 metros para os cursos d’água que tenham de 10 a 50 metros de altura; 3) de 100 metros para os cursos d’água de 50 a 200 metros de altura; 4) de 200 metros para os cursos d’água que tenham de 200 a 600 metros de altura; 5) de 500 metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 metros; b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água, naturais ou artificiais; c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados olhos d’água, qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 metros de largura; d) no topo de morros, montes, montanhas e serras; e) nas encostas ou parte destas, com declividade superior a 45º, equivalente a 100% na linha de maior declive; f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou restauradoras de mangues; g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 metros em projeções horizontais; h) em altitude superior a 1.800 metros, qualquer que seja a vegetação. A essas aqui elencadas devem ser acrescidas também as florestas que integram o patrimônio indígena, segundo dispõe o art. 3º, § 2º, da referida lei" [Tutela penal do patrimônio florestal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 41-42]. Luís Carlos Silva de Moraes, analisando o artigo 2º da Lei 4.771, de 1965, observa que "a destinação da alínea a está ligada à manutenção de umidade dos cursos, prevenindo sua extinção e, principalmente, a queda de barrancos e encostas, prevenindo o assoreamento de seu leito" [Código Florestal comentado. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 29]. As demais alíneas parecem referir-se, de um modo geral, aos perigos de desabamentos em razão da erosão, cujos efeitos no que tange às condições de habitabilidade, bem como de uso econômico do solo ou mesmo ao potencial turístico da região a ser afetada. As florestas que estejam nas situações fácticas descritas no artigo 2º da Lei 4.771, de 1965, são classificadas como de preservação permanente pelo só efeito da lei. Já no artigo 3º, torna-se necessária a reconstituição dos fatos para mediante ato do Poder Público, verificar se se trata de vegetação necessária a atenuar a erosão das terras, fixar dunas, formar faixas de proteção ao longo das rodovias e ferrovias, auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares, proteger sítios de excepcional beleza ou valor científico ou histórico, asilar exemplares da fauna e flora ameaçados de extinção, assegurar a sobrevivência de populações indígenas, assegurar condições de bem-estar público.  Vladimir Passos de Freitas & Gilberto Passos de Freitas complementam, em relação às terras indígenas: "o § 2º do art. 3º coloca ainda sob regime de preservação permanente as florestas que integram o patrimônio indígena. As terras dos índios, por expressa disposição constitucional, conforme art. 20, XI, são consideradas bens da União Federal" [Crimes contra a natureza. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. ]. Quando se tem uma floresta como sendo de preservação permanente, quer-se salientar não estar ela franqueada, em princípio, à exploração econômica. Não se trata, aqui, de prevenção ideológica contra a iniciativa privada ou de defesa da estatização dos bens de produção. Paulo Nogueira Neto, tratando do Banhado do Taim, situado nas proximidades de Rio Grande/RS, aponta para a relação entre as peripécias do desenvolvimento da atividade econômica e a necessidade de se definirem matas de preservação permanente: "durante o longo período pecuário, foram geralmente respeitados os grandes e pequenos banhados, responsáveis pela vida de numerosas espécies de aves e mamíferos na grande planície litorânea. Os custos de sua drenagem seriam muito elevados e simplesmente não compensaria gastar dinheiro na sua eliminação. Além disso, nas épocas mais secas, os banhados constituem importante recurso natural, não apenas como reservatórios de água mas também como pastagens auxiliares ou complementares, como pode ser visto até hoje junto à Lagoa do Nicola e outras" [Do Taim ao Chuí. São Paulo: Empresa das Artes, 1993, p. 59]. Dirce M. Suzete Garaym Laurindo A. Guasselli & Roberto Verdun tratam, outrossim, de tema vinculado à função da mata de preservação permanente, afetando o desenvolvimento do setor primário, qual seja, a desertificação pela formação de areais: "a formação dos areais, interpretada a partir de estudos geomorfológicos, associada à dinâmica hídrica e eólica, indica que os areais resultam inicialmente de processos hídricos. Estes, relacionados com uma topografia favorável, permitem, numa primeira fase, a formação de ravinas e voçorocas. Na continuidade do processo, desenvolvem-se por erosão lateral  e regressiva, conseqüentemente, alargando suas bordas. Por outro lado, à jusante dessas ravinas e voçorocas, em decorrência de processos de transporte de sedimentos pela água durante episódios de chuvas torrenciais, formam-se depósitos arenosos em forma de leque" [Atlas da arenização sudoeste do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Secretaria de Estado da Coordenação e Planejamento, 2001, p. 10]. Vê-se, pois, que o próprio agente econômico privado tem todo interesse em que não se danifique, destrua ou utilize inadequadamente a floresta de preservação permanente. Assevera Cristiane Derani: "as atividades econômicas modificam o meio ambiente, e este ambiente modificado representa uma restrição externa para o desenvolvimento econômico e social. Os recursos, uma vez consumidos no processo de desenvolvimento, não se colocam uma segunda vez à disposição de estratégias de desenvolvimento" [op. cit. p. 138]. Como alerta Álvaro Valery Mirra, "não se pode ignorar que uma das características mais marcantes da problemática ambiental é a relação de interdependência existente entre os diversos elementos que compõem o meio ambiente como um todo, como base do equilíbrio ecológico indispensável à preservação integral do sistema que dá suporte à vida na Terra. Devido a esta peculiaridade, ninguém  mais duvida hoje em dia que a ruptura do equilíbrio num sistema ambiental qualquer, mesmo localizado espacialmente, pode provocar uma reação em cadeia, suscetível, por sua vez, de levar à desorganização de diversos outros sistemas, muito além, inclusive, dos limites territoriais do Município, Estado ou região onde se verificou a ocorrência inicial" [Impacto ambiental. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 62]. De qualquer sorte, o fato de uma floresta ser afetada como de preservação permanente não impede que, mais tarde, por autorização de quem detiver competência para tanto, seja desafetada, preenchidos os pressupostos do § 1º do artigo 3º da Lei 4.771, de 1965. É o que ensina Luís Carlos Silva de Moraes: "o § 1º permite a supressão de vegetação permanente, condicionada à prévia autorização do Poder Executivo Federal, contanto que seja o terreno aproveitado em projetos de utilidade pública ou interesse social. A utilidade pública encontra-se em toda ação com finalidade de se atender à coletividade, ou seja, no caso específico, será de utilidade pública a supressão de vegetação para a instalação de atividade lícita, desejada por toda a coletividade ou grande parcela dela (exemplo: obras de infra-estrutura, hidrelétricas, fábricas, geração de empregos de qualquer forma etc.). As atividades de interesse social estão ligadas tanto a obras do setor público como da iniciativa privada, havendo de se provar apenas o interesse coletivo, v. g., a instalação de empreendimento que gerará 100 empregos fixos" [op. cit. p. 52]. Observe-se que os conceitos de utilidade pública e interesse social, no caso específico, foram objeto de definição legal. Por utilidade pública, entendem-se as atividades relativas a segurança nacional e proteção sanitária (Lei 4.771, de 1965, artigo 1º, § 2º, IV, a), as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços de transporte, saneamento e energia (Lei 4.771, de 1965, artigo 1º, § 2º, IV, b) e demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA (Lei 4.771, de 1965, artigo 1º, § 2º, IV, c), enquanto por interesse social se entendem as atividades que se mostrem imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, exemplificando-se com prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de espécies invasoras, proteção de plantio de espécies nativas, conforme resolução do CONAMA (Lei 4.771, de 1965, artigo 1º, § 2º, V, a), atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou na posse rural familiar, que não descaracterizem a cobertura vegetal nem prejudiquem a função ambiental da área (Lei 4.771, de 1965, artigo 1º, § 2º, b), e as demais obras, projetos e planos que sejam definidos em resolução do CONAMA (Lei 4.771, de 1965, artigo 1º, § 2º, V, c). Na hipótese de supressão de florestas de preservação permanente, total ou parcialmente, cabe ao Poder Executivo Federal ofertar a autorização, que deve ser motivada, como se viu, na necessidade de execução de obras, planos, atividades ou projetos considerados de utilidade pública ou interesse social. Já quando se trate de supressão de vegetação - não da floresta - cabe à autoridade administrativa estadual -com a anuência da autoridade federal ou municipal, quando couber (Lei 4.771, de 1965, artigo 4º, § 1º) -, após procedimento administrativo próprio, cuja conclusão caracterize e motive a utilidade pública e o interesse social, bem como demonstre a inexistência de alternativa técnica e locacional ao empreendimento em questão (Lei 4.771, de 1965, artigo 4º, caput), conceder a autorização. Quando a área de preservação permanente se situe na área urbana, dependerá de autorização do órgão competente, desde que o município possua conselho do meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão estadual competente, fundamentada em parecer técnico. A um primeiro momento, causaria surpresa ao intérprete que, aparentemente, houvesse uma rigidez maior em relação à supressão da parte - a vegetação - do que em relação ao todo - a floresta -, mas tal não ocorre, considerada a regra de hermenêutica segundo a qual quando as exigências para o menos são extensíveis ao mais. Ou seja: o interesse social ou a utilidade pública e a inexistência de alternativa técnica e locacional para o empreendimento são exigíveis, também, no caso de supressão de florestas. O artigo 3º-A da Lei 4.771, de 1965, acrescido pela Medida Provisória 2.166-67, de 2000, explicita o que já se considerava implícito, mas se tornou necessário consignar, mercê dos incidentes já ocorridos com a exploração da mão-de-obra indígena por empresas madeireiras e mineradoras: reserva-se a exploração das florestas integrantes do patrimônio indígena, definido no artigo 231 da Constituição Federal, às comunidades que nelas tenham o seu habitat, em regime de manejo florestal sustentável, para atender à própria subsistência. As noções de manejo e uso sustentável vêm a ser albergadas na Lei 9.985, de 200, artigo 2º, incisos VIII e XI, respectivamente, em que se entende por manejo "todo e qualquer procedimento que vise assegurar a proteção da diversidade biológica e dos ecossistemas", enquanto o uso sustentável é a "exploração do ambiente de maneira a garantir a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente justa e economicamente viável".

O artigo 39 da Lei 9.605, de 1998, define como crime cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente sem autorização da autoridade competente. Recorde-se que o fato de uma floresta ser de preservação permanente não implica uma interdição total, absoluta, à sua exploração no todo ou em parte. Mas é evidente que o corte das árvores nestas florestas, por ser, em princípio, comprometedor do desempenho das próprias finalidades a que se prestam tais florestas - imagine-se, por exemplo, a supressão do habitat de alguns exemplares do mico-leão dourado -, há de ser precedido de autorização expressa e motivada do Poder Público. Para autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, consoante definido em regulamento (§ 3º do artigo 4º da Lei 4.771, de 1965), de vegetação em área de preservação permanente, o órgão ambiental responsável deve indicar as medidas compensadoras e mitigadoras a serem adotadas pelo empreendedor (§ 4º do artigo 4º da Lei 4.771, de 1965). E é exatamente porque hão que ser tomados todos os cuidados nestes casos que o TRF da 1ª Região já decidiu que não cabe visualizar direito líquido e certo à derrubada de árvores em área de preservação permanente:

"ADMINISTRATIVO. DESMATAMENTO. EMBARGO DOS TRABALHOS. LICENÇA. NÃO CONCESSÃO. INVERACIDADE ALEGADA SOBRE O LAUDO PARTICULAR QUE INSTRUIU O PEDIDO DE DESMATAMENTO. FLORESTA  DENSA. IRREGULARIDADE NA FORMA DE DERRUBADA DA MATA. MATERIA DE PROVA. DENEGAÇÃO DO WRIT.   I. Caso em que a licença não  chegou a ser formalizada e, após as investigações do IBDF, apurou-se que a natureza da mata objeto do requerimento de derrubada era diversa da alegada no laudo particular que instruirá o pedido de desmatamento, além do que os trabalhos, já iniciados precipitadamente, eram realizadas de forma irregular, com destruição de áreas de preservação permanente .  II. Inexistência de direito líquido e certo ao desmatamento, sendo certo que a demonstração do contrário demandaria ampla dilação probatória, incomportável com a via estreita do writ. III. Apelação a que se nega provimento." [AMS 90.01.03885-9 /MT. Relator: Juiz Aldir Passarinho Júnior. DJ – II – 14 out 1991]

Parece-nos, outrossim, que, quando se proíbe o menos, o mais também está proibido, caberia o processo pelo crime do artigo 39 da Lei 9.605, de 1998, quando se verificasse o corte de árvore imunizada, por ato do Poder Público, em virtude de sua localização, raridade, beleza ou  condição de porta-sementes. Nem se diga que isto tem que ver com a imposição de um gravame de natureza ecológica que nenhuma relação teria com a política econômica, porquanto o que se traz, aqui, é um dado que situa a própria vegetação, em si mesma, como bem econômico, "independentemente de se levar em consideração a obrigatoriedade da sua exploração em termos lucrativos para que assuma esta condição. A correta conceituação, como tal, prende-se à sua capacidade de satisfazer às necessidades individuais e coletivas e aos esforços no sentido tanto de explorá-la como de preservá-la, esforços que são levados a efeito pelos portadores daquelas necessidades. A própria renúncia ou proibição de sua exploração lucrativa importa efeitos econômicos, gastos e sacrifícios que lhe conferem o caráter de bem econômico. Mesmo que o destino de reserva florestal, por exemplo, não signifique estoque para exploração lucrativa futura, ainda o elemento econômico estará presente,  visto como não se mede apenas pelo lucro monetário, mas de bem-estar, como lucro social ou político, todos tendo causa ou efeitos econômicos" [SOUZA, Washington Peluso Albino de. op. cit. p. 384].

O artigo 40 da Lei 9.605, de 1998, define como crime causar dano direto ou indireto à Unidade de Conservação e às áreas circundantes num perímetro de 10 km. Segundo Érika Mendes de Carvalho, "trata-se, como se observa, de norma penal em branco, cujo complemento (Decreto 99.274/90) está expressamente designado no corpo do tipo penal. [...] O diploma supramencionado regulamenta a Lei 6.902/81 e a Lei 6.938/81, que dispõem, respectivamente, sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre Política Nacional do Meio Ambiente" [op. cit. p. 162]. O § 1º define como Unidades de Conservação de Proteção Integral as estações ecológicas, os parques nacionais, os monumentos naturais e refúgios da vida silvestre.  

As Estações Ecológicas estão definidas no artigo 9º da Lei 9.985, de 2000, como áreas destinadas à preservação da natureza e à realização de pesquisas científicas. Integram elas o domínio público, consoante o § 1º do mesmo artigo 9º, impondo-se a desapropriação das áreas particulares incluídas nos seus limites. Proíbe-se a visitação pública, exceto com o objetivo educacional, de acordo com o que dispuser o Plano de Manejo da Unidade ou o regimento específico, nos termos do § 2º do artigo 9º. Quer dizer: a única modalidade de turismo admitida em relação a Estações Ecológicas é a cultural, e somente escolas estão autorizadas a visitá-las. Quanto à pesquisa científica, de acordo com o § 3º do comentado artigo 9º, depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade, e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas, bem como àquelas estabelecidas em regulamento, exigência que se torna tanto mais necessária quanto se tem notícia da denominada "biopirataria"  - atividade, esta, objeto de CPI [BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 82.722. Relator: Min. Carlos Velloso. DJU 24 maio 2003], embora saudada, até mesmo, como auspiciosa por veículo de comunicação de grande circulação [COUTINHO, Leonardo. Tem gringo no mato. Veja. São Paulo, p. 79, 11 fev 2004] -. O § 4º deste mesmo artigo 9º, por fim, elenca as hipóteses em que podem ser permitidas alterações nos ecossistemas: medidas que visem à restauração de ecossistemas modificados (inciso I), manejo de espécies, com o fito de preservar a diversidade biológica (inciso II), coleta de componentes dos ecossistemas com finalidades científicas (inciso III) e pesquisas científicas cujo impacto sobre o ambiente se mostre superior ao que decorra da simples observação ou da coleta controlada de componentes dos ecossistemas, em uma área correspondente a, no máximo, três por cento, da extensão total da unidade e até o limite de 1.500 (mil e quinhentos) hectares (inciso IV).

De acordo com Vladimir Passos de Freitas & Gilberto Passos de Freitas, "reservas biológicas, nos termos do art.  5º da Lei 5.197/67, são as áreas criadas pelo Poder Executivo ‘onde as atividades de utilização, perseguição, caça, apanha ou introdução de espécimes da fauna e da flora silvestre e domésticas, bem como modificações do meio ambiente a qualquer título são proibidas, ressalvadas as atividades científicas devidamente autorizadas pela autoridade competente’" [op. cit. p. 122]. O artigo 5º da Lei 5.197, de 1967, foi revogado expressamente pela Lei 9.985, de 2000, que, no seu artigo 10, definiu como reserva biológica área que tem como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, excluindo a interferência humana direta e modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação dos seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias à recuperação e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais, dado que as diferencia, quanto à possibilidade de alteração do ecossistema, da Estação Ecológica. O tratamento em relação ao domínio, à possibilidade de visitação e à pesquisa científica é o mesmo que se dá à Estação Ecológica (Lei 9.985, de 2000, artigo 10, §§ 1º a 3º). Quanto à competência para as instituir, diz Luís Paulo Sirvinskas: "são áreas dos Poderes Públicos nacional, estaduais e municipais" [Tutela penal do meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 66].

Vladimir Passos de Freitas & Gilberto Passos de Freitas, olhos postos na realidade legislativa anterior a 2000, ensinam que "parques constituem unidades de conservação criadas pelo Poder Público, em áreas de sua propriedade, a fim de resguardar sítio geomorfológico, habitat ou espécies de interesse científico, educacional ou recreacional. Eles estão previstos no art. 5º do Código Florestal; podem ser federais, estaduais ou municipais, e a regulamentação se encontra no Decreto 80.417, de 21.09.1979. Cada parque deve ter seu plano de manejo, que é a divisão da área em zonas, regulando a atividade em cada local" [op. cit. p. 123]. Revogado o artigo 5º da Lei 4.771, de 1965, expressamente pela Lei 9.985, de 2000, o artigo 11 deste último diploma define como Parque Nacional a área que tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. O regime dominial e das pesquisas científicas têm disciplina idêntica à da Estação Ecológica e da Reserva Biológica (Lei 9.985, de 2000, artigo 11, §§ 1º e 3º). Quanto à visitação pública, é permitida e está sujeita às normas e restrições postas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração e àquelas previstas em regulamento (Lei 9.985, de 2000, artigo 11, § 2º). O § 4º do mesmo artigo 11 prevê a possibilidade da criação de Parques Estaduais ou Municipais pelos Estados e Municípios, respectivamente.

Edis Milaré define os monumentos naturais como "as regiões, os objetos ou as espécies raras de animais ou plantas de interesse estético ou valor histórico ou científico, aos quais é dada proteção absoluta, com o fim de conservar um objeto específico ou uma espécie determinada de flora ou fauna" [op. cit. p. 732]. O direito positivo adota, contudo, uma definição que exclui as espécies raras de animais ou plantas do conceito de monumento natural. Para Carlos Ernani Constantino, tomando já em consideração o artigo 12 da Lei 9.985, de 2000, "monumentos naturais são sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica que, portanto, devem ser preservados" [Delitos ecológicos – a lei ambiental comentada artigo por artigo. São Paulo: Atlas, 2002, p. 149]. Eles podem ser constituídos em áreas particulares, desde que haja compatibilidade entre os objetivos da unidade e a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelo proprietário (Lei 9.985, de 2000, artigo 12, § 1º).  No caso de comprovar-se manifesta incompatibilidade, ou não havendo aquiescência do proprietário às condições postas pela Administração para que se coadune o uso da propriedade com o atingimento, pelo Monumento Natural, de sua finalidade, torna-se de rigor a desapropriação (Lei 9.985, de 2000, artigo 12, § 2º). A sua visitação é disciplinada de modo análogo à dos Parques Nacionais (Lei 9.985, de 2000, artigo 12, § 3º).

Os Refúgios da Vida Silvestre estão definidos no artigo 13 da Lei 9.985, de 2000, como áreas que têm como objetivo a proteção de ambientes naturais onde se assegurem condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e fauna residente ou migratória. Assim como os monumentos naturais, podem ser constituídos em área particular, desde que a exploração desta se possa coadunar com a finalidade a que se prestam os refúgios (Lei 9.985, de 2000, artigo 13, § 1º), sendo que se impõe a desapropriação, no caso de não ser possível tal compatibilização (Lei 9.985, de 2000, artigo 13, § 2º). Também a visitação pública está sujeita a normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da Unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável pela respectiva administração e às previstas em regulamento (Lei 9.985, de 2000, artigo 13, § 3º), assim como a pesquisa está sujeita a autorização do órgão responsável pela administração da unidade, que estabelecerá as condições a serem observadas, além daquelas postas em regulamento (Lei 9.985, de 2000, artigo 13, § 4º).

O § 2º do artigo 40 da Lei 9.605, de 1998, manda que se considere o dano causado a espécime em extinção nestas unidades como agravante da pena. A razão de ser da agravante encontra-se na própria finalidade delas, posta no § 1º do artigo 7º da Lei 9.985, de 2000: voltam-se à preservação da natureza, admitido apenas o uso indireto dos recursos nela existentes. Isto é: somente o uso que não envolva consumo, coleta, dano ou destruição dos recursos naturais, nos termos da definição posta no inciso IX do artigo 2º da Lei 9.985, de 2000.

O artigo 40-a da Lei 9.605, de 1998, teve vetado o seu caput, mas o seu § 1º define como Unidades de Conservação de Uso Sustentável as Áreas de Proteção Ambiental, as Áreas de Relevante Interesse Ecológico, Florestas nacionais, reservas extrativistas, reservas de fauna, reservas de desenvolvimento sustentável, reservas particulares do patrimônio natural.

Consoante Vladimir Passos de Freitas & Gilberto Passos de Freitas, "Áreas de Proteção Ambiental (APA) são unidades de conservação criadas pelo Poder Público, com o objetivo de proteger a qualidade ambiental e os sistemas ali existentes. [...] As áreas de proteção ambiental buscam estabelecer um convívio entre a natureza e a vida humana" [op. cit. p. 123]. Elas são, de acordo com o artigo 15 da Lei 9.985, de 2000, áreas extensas, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, tendo como objetivos básicos a proteção da diversidade biológica, a disciplina do processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

Antes de entrar em vigor  a Lei 9.985, de 2000, ensinavam Vladimir Passos de Freitas & Gilberto Passos de Freitas: "Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), em conformidade com o disposto no art. 2º do Dec. 89.336, de 31.10.1984, são as ‘áreas que possuem características naturais extraordinárias ou abriguem exemplares raros da biota regional, exigindo cuidados especiais de proteção por parte do Poder Público " [op. cit. p. 124]. O artigo 16 da Lei 9.985, de 2000, para caracterizar tais áreas, considera a pouca ou nenhuma ocupação humana, abrigando exemplares da biota regional, com o objetivo de preservar os ecossistemas naturais de importância natural regional ou local, e regular o uso admissível dessas áreas. Podendo elas ser constituídas de espaços pertencentes ao domínio público ou privado (Lei 9.985, de 2000, artigo 16, § 1º), admitem-se normas e restrições para a utilização de propriedade privada situada em área de relevante interesse ecológico (Lei 9.985, de 2000, artigo 16, § 2º).

De acordo com Carlos Ernani Constantino: "reservas extrativistas são locais utilizados por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e que possuem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade" [op. cit. p. 150]. Tal definição exige o esclarecimento do que se entenda por extrativismo, o que é feito por Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:  "o extrativismo é a atividade desempenhada pelo rurícola ou extrator, consistente na simples coleta, recolhida, extração ou captura de produtos do reino animal e vegetal, espontaneamente gerados e em cujo ciclo biológico não houve intervenção humana" [O extrativismo como atividade agrária. In: LARANJEIRA, Raymundo (org.). Direito Agrário brasileiro – em homenagem à memória de Fernando Pereira Sodero. São Paulo: LTr, 1999,  p. 89]. É evidente que nem toda atividade extrativista se realiza em reservas extrativistas, embora nestas, dada a própria finalidade a que se voltam, posta no artigo 18, caput, da Lei 9.985, de 2000, somente as populações tradicionais possam se dedicar à exploração econômica. De acordo com o § 1º do artigo 18 da Lei 9.985, de 2000, estas áreas integram o domínio público, com uso concedido às populações tradicionais. As áreas particulares em seus limites devem ser desapropriadas. No conceito de populações tradicionais não estão abrangidos somente os índios, mas também os seringueiros, os castanheiros, os ervateiros, enfim, os denominados homens da floresta, e ainda as populações do litoral, notadamente o caiçara. A forma de sua utilização merecerá um parágrafo à parte. De acordo com o § 2º do artigo 18 da Lei 9.985, de 2000, a Reserva Extrativista deve ser gerida por um Conselho Deliberativo, do qual participem representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil, das populações tradicionais extrativistas, consoante for disposto em regulamento e no ato de criação da unidade. Permite-se a visitação pública, dentro de limites representados pela compatibilidade com os interesses locais e a conformidade com o disposto no plano de manejo da área (Lei 9.985, de 2000, artigo 18, § 3º). A pesquisa científica é incentivada, e está sujeita à prévia aprovação da administração da unidade e às condições e restrições que ele estabelecer, bem como às figurantes em regulamento (Lei 9.985, de 2000, artigo 18, § 4º). É estabelecida competência para o Conselho Deliberativo da unidade aprovar o plano de manejo respectivo (Lei 9.985, de 2000, artigo 18, § 5º). O § 6º do artigo 18 da Lei 9.985, de 2000, proíbe a exploração de minérios e a caça amadorística ou profissional nesta área. Por fim, o § 7º deste mesmo artigo 18 da Lei 9.985, de 2000, condiciona a exploração madeireira nestas áreas ao exercício em bases sustentáveis e em situações especiais e complementares às atividades que se desenvolvam na Reserva Extrativista, de acordo com o disposto em regulamento e no plano de manejo da unidade.

A Reserva de Fauna está definida no artigo 19 da Lei 9.985, de 2000, e interessa a este estudo mais em função do papel da floresta como habitat dos animais, tanto nativos como migratórios. De outra parte, além de servir de alimento para alguns animais herbívoros, é da vegetação que provêm substâncias alimentares processadas pelos animais, como é o caso do mel das abelhas. A afetação destas áreas é o estudo técnico-científico das possibilidades do manejo sustentável dos recursos faunísticos. São elas de domínio público, impondo-se a desapropriação das áreas particulares que nelas se localizarem (§ 1º do artigo 19 da Lei 9.985, de 2000). Pode ser permitida a visitação pública, desde que compatível com o manejo da unidade e observando as normas estabelecidas pelo órgão encarregado pela administração (§ 2º do artigo 19 da Lei 9.985, de 2000). O § 3º do artigo 19 da Lei 9.985, de 2000, proíbe o exercício da caça amadorística ou profissional nestas áreas e o § 4º do mesmo artigo condiciona a comercialização dos produtos e subprodutos resultantes das pesquisas ao disposto na legislação sobre fauna e os regulamentos correspondentes.

No entendimento de Carlos Ernani Constantino, "reservas de desenvolvimento sustentável são áreas naturais que abrigam populações tradicionais, cuja subsistência baseia-se em sistemas sustentáveis de recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais, e que desempenham papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade  biológica" [op. cit. p. 151]. Estão, com efeito, definidas no artigo 20 da Lei 9.985, de 2000. Seu objetivo básico é preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar os meios e as condições necessários à melhoria e à reprodução dos modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das populações tradicionais - veja-se, aqui, a interface entre a política econômica e a cultura, para além da questão do turismo -, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas desenvolvidos por essas populações (§ 1º do artigo 20 da Lei 9.985, de 2000). Note-se que, aqui, estão sendo consideradas também populações tradicionais não extrativistas, dedicadas, por exemplo, à agricultura, ao pastoreio ou ao artesanato, como se pode exemplificar com o caipira. As reservas de desenvolvimento sustentável são de domínio público, devendo ser desapropriadas as áreas particulares que as adentrarem (§ 2º do artigo 20 da Lei 9.985, de 2000). Deve ser gerida por um Conselho Deliberativo, qual a Reserva Extrativista, posta a composição respectiva nos mesmos termos que para esta última (§ 4º do artigo 20 da Lei 9.985, de 2000). O § 5º do artigo 20 da Lei 9.985, de 2000, estabelece as condições para que sejam desenvolvidas atividades nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável: incentiva-se e permite-se a visitação pública, desde que compatível com os interesses locais e com o plano de manejo (inciso I), assim como se incentiva e permite, sob a prévia autorização da autoridade responsável pela unidade, a pesquisa científica que tenha como escopo a conservação da natureza, a melhor relação das populações com o meio em que vivem, a educação ambiental (inciso II), a consideração do equilíbrio dinâmico entre o tamanho da população e a conservação (inciso III) e a admissão da exploração de componentes dos ecossistemas naturais em regime de manejo sustentável e substituição da cobertura vegetal por espécies cultiváveis, desde que sujeitas ao zoneamento, às limitações legais e ao Plano de Manejo da área (inciso IV). O § 6º do artigo 20 da Lei 9.985, de 2000, define como conteúdo mínimo do Plano de Manejo da unidade a definição das zonas de proteção integral, de uso sustentável e de amortecimento e de corredores ecológicos, e deita a competência para o aprovar no Conselho Deliberativo da unidade.

A posse e o uso das áreas das Reservas Extrativistas (§ 1º do artigo 18 da Lei 9.985, de 2000) e das Reservas de Desenvolvimento Sustentável (§ 3º do artigo 20 da Lei 9.985, de 2000) são reguladas mediante o que se estabelece em contrato (artigo 23 da Lei 9.985, de 2000), observada não apenas o regulamento baixado para garantir a fiel execução da lei como a obrigação dessas populações participarem na preservação, recuperação e defesa da unidade de conservação (§ 1º do artigo 23 da Lei 9.985, de 2000). O § 2º do artigo 23 da Lei 9.985, de 2000, determina que o uso dos recursos naturais em Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável seja condicionado à proibição de uso de espécies localmente ameaçadas de extinção ou de destruição dos seus habitats (inciso I), à proibição das práticas de atividades que impeçam ou dificultem a regeneração do ecossistema (inciso II) e às demais normas previstas tanto no Plano de Manejo como no contrato de concessão de direito real de uso (inciso III).

O artigo 21 da Lei 9.985, de 2000, define a Reserva Particular do Patrimônio Natural como uma área privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica. Uma vez verificada a existência do interesse público, o gravame é constituído por termo de compromisso assinado perante o órgão ambiental e é averbado à margem da inscrição no Registro de Imóveis (§ 1º do artigo 21 da Lei 9.985, de 2000). Só se admite em tais áreas, de acordo com o que se disponha em regulamento, a pesquisa científica (Lei 9.985, de 2000, artigo 21, § 2º, I) e a visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais (Lei 9.985, de 2000, artigo 21, § 2º, II). Cabe ao proprietário a elaboração do Plano de Manejo  ou de Proteção e Gestão da Reserva Particular do Patrimônio Natural, com a assistência técnica e científica dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, quando estes julgarem possível e oportuno (Lei 9.985, de 2000, artigo 21, § 3º).

O § 2º do artigo 40-a da Lei 9.605, de 1998, manda que os danos que, nestas unidades, afetem espécies ameaçadas de extinção sejam considerados para o agravamento da pena. É que, neste caso, haveria o desatendimento à própria finalidade de tais áreas, que seria a compatibilização da conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais, nos termos do § 2º do artigo 7º da Lei 9.985, de 2000. 

O artigo 41 da Lei 9.605, de 1998, criminaliza o incêndio em mata ou floresta. Trata-se de uma das mais tradicionais tipificações no direito brasileiro, cabendo recordar que o uso da queimada esteve amplamente ligado à ocupação do solo e à própria agricultura, qual salienta Washington Peluso Albino de Souza, reportando-se a obra clássica no estudo da legislação florestal, tratando especificamente do período das Regências: "Osny Duarte atribui a devastação violenta das matas no período ao alto investimento feito com os escravos, e que exigia rápido aproveitamento das terras para agricultura, só conseguido através do fogo. Afirma que ''ateava-se fogueiras nas matas, como meio mais veloz de limpar as áreas destinadas a dar serviço aos pretos, plantando roças que trouxeram o notável desenvolvimento agrícola do Brasil''" [op. cit. p. 396]. O emprego do fogo, entretanto, por integrar a cultura agrária pátria, não é de todo proscrito. Daí por que o parágrafo único do artigo 27 da Lei 4.771, de 1965, abre ensanchas a que, para atender a peculiaridades locais ou regionais que justifiquem o emprego do fogo, tais áreas sejam fixadas em ato do Poder Público, estabelecendo normas de precaução. O Decreto 2.661, de 1998, disciplinando o uso controlado do fogo, regulamenta a situação excepcional posta na lei.

O artigo 42 define como crime fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano. Este dispositivo, tomando em consideração, por um lado, um dado de realidade, que é o potencial destrutivo dos balões, traduz uma forma de interdição de um dos componentes culturais da Festa de São João, de que é exemplo famosa e antiga cantiga com os versos de João de Barro, que se transcreve tendo em vista o hábito que se tem no Brasil de olvidar o produto da cultura nacional:

"O balão vai subindo

vem caindo a garoa

o céu é tão lindo

E a noite é tão boa..

São João! São João!

Acende a fogueira do meu coração!

Sonho de papel a voar na imensidão

Soltei em teu louvor

Meu sonho multicor

Ó meu São João!"

A despeito da beleza e da simplicidade da poesia, o fato é que a interdição já aparecia no parágrafo único do artigo 28 da Lei de Contravenções Penais e que foi placitada na revogada letra "f" do artigo 26 da Lei 4.771, de 1965, justamente diante do caráter danoso do folguedo. Daí por que fica não só ele proibido, como também as próprias atividades voltadas a viabilizá-lo: a fabricação (em caráter profissional ou não), a venda e o transporte são abrangidos pelo tipo. Embora estejam praticamente em desuso os balões joaninos, colhe-se este exemplo do Tribunal de Justiça de São Paulo: "SEGURO - Incêndio - Sinistro ocasionado por queda de balão e explosão de fogos de artifício - Fogo detonado pela chama-piloto do balão - Fato que não pode ser descaracterizado - Verba devida - Recurso não provido" (Apelação Cível n. 228.487-1 - São Paulo - 8ª Câmara Civil - Relator: Massami Uyeda - 16.08.95 - V.U.)  O tipo em questão, de qualquer sorte, somente assume relevância para o Direito Econômico no que diz respeito ao seu potencial de atingimento 1) tanto do bem dotado de potencial tanto para exploração como para preservação, recordando que "a condição de bem natural amplia-se para o sentido mais alto da utilidade da floresta, independentemente das modalidades de sua utilização. Não se trata mais da extração da madeira ou demais produtos, nem do exercício de certas funções protetoras, mas de toda e qualquer utilidade que possa apresentar no sentido das necessidades comuns" [SOUZA, Washington Peluso Albino de. op. cit. p. 401-402]; 2) do uso racional do solo urbano; 3) da habitabilidade de qualquer região.

É crime, de acordo com o artigo 44 extrair minerais, sem prévia autorização, de florestas de domínio público ou de preservação permanente. Observam Gilberto Passos de Freitas & Vladimir Passos de Freitas: "os minerais são indispensáveis para o equilíbrio ecológico. Por exemplo, a extração das pedras que se acham em um pequeno rio, fato tão comum naqueles que descem a Serra do Mar, fará com que as águas se tornem sujas e advenha o desbarrancamento das margens" [op. cit. p. 131]. Não é proibida a extração dos minerais em si mesma. O que se exige é que quem pretenda proceder à extração passe por duplo controle: do órgão encarregado de fiscalizar a atividade minerária e do órgão encarregado da proteção ambiental. O dispositivo, em realidade, é uma das normas que buscam conferir eficácia ao § 2º do artigo 225 da Constituição Federal, que provocou o seguinte comentário em William Freire: "toda extração mineral causa dano ao ambiente, em maior ou menor grau, assim como qualquer atividade industrial ou agropecuária. O sentido dessa norma é penalizar o minerador que exerça, injustificadamente, a atividade sem licenciamento ambiental. A poluição superior à prevista no estudo ambiental não autoriza, por si só, a penalização do minerador, porque uma reserva mineral nunca é igual à outra. Eventuais desvios em relação ao estudo ambiental são naturais e, em conseqüência, o minerador merecerá oportunidade de novos ajustes" [Comentários ao Código de Mineração. Rio de Janeiro: Aide, 1995, p. 199]. Por outro lado, o conceito de florestas de domínio público pode ser encontrado, hoje, no artigo 17 da Lei 9.985, de 2000. Trata-se de áreas com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas, com o objetivo básico de uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e de pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas. Sendo de posse e domínio públicos, as áreas particulares nelas localizadas devem ser desapropriadas (§ 1º do artigo 17 da Lei 9.985, de 2000), admitida a permanência de populações tradicionais que a habitem quando de sua criação, de acordo com o que disposto em regulamento e no Plano de Manejo da Unidade (§ 2º do artigo 17 da Lei 9.985, de 2000). Permitida a visitação pública, condicionada às normas estabelecidas para o manejo da unidade pelo órgão encarregado pela respectiva administração (§ 3º do artigo 17 da Lei 9.985, de 2000), incentiva-se e admite-se a pesquisa científica, desde que previamente autorizada pelo órgão responsável pela administração da unidade, observando, ainda, as condições e restrições por este postas e também as constantes de regulamento.

Está definido como crime pelo artigo 45 cortar ou transformar em carvão madeira de lei para fins industriais, energéticos ou qualquer outra exploração, econômica ou não, em desacordo com as prescrições legais. Consoante Washington Peluso Albino de Souza, "na fase imperial, já em 1825, mantinha-se a proibição do corte do pau-brasil, perobas e tapinhoãs aos particulares. Esta proibição era reafirmada em 1829, referindo-se a roçar e derrubar matas em terras devolutas, quando a competência para a sua licença passou às Câmaras Municipais. A Carta de Lei de 15 de outubro de 1827 viria a dar a expressão até hoje usada madeira de lei, porque incumbia aos juízes de paz a fiscalização das matas e a tarefa de zelar pela interdição dos cortes de madeira de construção" [op. cit. p. 395-396].

O caput do artigo 46 criminaliza a conduta de receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição da licença do vendedor outorgada pela autoridade competente. O parágrafo único do mesmo artigo diz incidir nas penas do caput quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão ou outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o período de viagem ou armazenamento. Recordam Vladimir Passos de Freitas & Gilberto Passos de Freitas que "segundo o art. 12 do Código Florestal, a extração de lenha e demais produtos procedentes de florestas depende de licença do Poder Público" [op. cit. p. 135]. Não se pode esquecer que mesmo a lenha que não tenha sido decorrente do corte da árvore, ao se decompor, vem a se converter em nutriente para a vegetação.

No artigo 48, tem-se como punível impedir ou dificultar a regeneração natural das florestas e outras formas de vegetação. Esta conduta pode se verificar de vários modos, como, por exemplo, o plantio de culturas capazes de esgotar o solo, como é o caso da cana de açúcar, em área considerada de preservação ecológica [Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo. Apelação 1162263 / 5 . Relator: Juiz Silveira Lima]. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região já decidiu que "existe o direito de corte de vegetação protegida em processo de regeneração, desde que em lotes de terrenos destinados à construção civil,  mas  deve  ser  exercitado  nos  limites estabelecidos pela legislação federal" [Apelação em mandado de segurança 9604256858. Relator: Des. Fed. José Luiz B. Germano da Silva. DJU - II - 26 ago 1998]. É interessante a leitura deste dispositivo em harmonia, também, com o artigo 14, b, da Lei 4.771, de 1965, no qual está presente a idéia de floresta de preservação limitada.

No artigo 49. o crime é o de destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia. O tipo em questão poderia ser considerado estranho ao Direito Econômico para quantos não tivessem conhecimento do papel que desempenham os jardins, em determinadas localidades, como meio de atração turística, como é o caso da Região das Hortênsias no Estado do Rio Grande do Sul.

O artigo 50 define como crime destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação. Pontes de Miranda, acerca de disposição semelhante no antigo Código Florestal, arreda o seu tratamento como servidão: "se as florestas protetoras são impostas ou defendidas em sua conservação por força de lei, há incursão estatal na propriedade privada, mas incursão que lhe limita o conteúdo" [Tratado de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, t. 18, p. 353]. E, por outro lado, o § 5º do artigo 4º da Lei 4.771, de 1965 estabelece os condicionamentos para a supressão da vegetação tutelada neste dispositivo penal: somente por utilidade pública pode ser autorizada, com todas as cautelas já anteriormente referidas.

Pelo artigo 51 é crime comercializar motosserra, ou utilizá-la em florestas e outras formas de vegetação, sem licença ou registro. Para Luís Carlos Silva de Moraes, "o delito descrito supra não exige resultado, aceitando a simples comercialização ou a aceitação de motosserras, estando implícito que tais atos, sem a supervisão do Estado, já são lesivos" [op. cit. p. 228].

É necessário, outrossim, deixar claro que a preservação florestal não pode e não deve ser utilizada como mero pretexto para mascarar a especulação imobiliária. Chamamos a atenção para este dado tendo em mente a lúcida análise feita por António José Avelãs Nunes, a respeito da tendência ao investimento meramente especulativo em detrimento do produtivo, no Brasil: "a análise do comportamento da economia brasileira a partir de 1969, no que se refere aos resultados da reestruturação do sistema financeiro e do mercado de capitais, põe em evidência o extraordinário desenvolvimento do capital financeiro no Brasil. Como nota saliente, refira-se que o investimento financeiro ganhou considerável autonomia e, graças ao ambiente especulativo que se gerou, começou a proporcionar aos capitalistas (na acepção de Schumpeter) ganhos superiores aos lucros obtidos pelos empresários pela via do investimento produtivo. O investimento financeiro transforma-se, pois, em um forte concorrente do investimento real na captação dos recursos disponíveis, impedindo que o mercado de capitais desempenhe sua função de instrumento destinado a possibilitar a transferência de recursos ociosos de umas unidades para outras, a estimular a formação de poupanças e a facilitar sua mobilização, com vista a aumentar os meios de financiamento do investimento produtivo. [...] Este clima de especulação generalizou-se a toda a economia brasileira. Especula-se com as facilidades, incentivos e isenções fiscais concedidas para a importação de equipamentos e maquinaria agrícola e industrial e concedidos também aos exportadores de produtos industriais. Muitos desses fundos são utilizados na compra de automóveis de luxo e imóveis, o que provoca, ademais, uma alta desmedida dos preços dos imóveis urbanos e dos bens de luxo, provocando também um aumento enorme e inflacionário da circulação monetária (41,2 % em 1978). Quanto aos exportadores, muitos dos 13000 exportadores registados em 1978 exportavam apenas caixas de sapatos vazias para receberem os subsídios e beneficiarem dos incentivos fiscais" [op. cit. p. 621-623, nota 15]. Washington Peluso Albino de Souza já apontou para um dos modos de compatibilizar a própria produção de alimentos com a preservação: "não se pode conceber [...] como o Estado brasileiro, detentor de faixas de terras às beiras das estradas, adquiridas por desapropriações vultosas, deixa de conscientizar-se pelo plantio de frutos para a exploração ao lado da via de escoamento, sendo que no máximo a mentalidade dos funcionários atinge a idéia do plantio de eucaliptos e árvores ornamentais. Nas condições brasileiras, talvez o país passasse a dispor da maior área do mundo plantada em ftutas dos mais diversos climas, nas diferentes regiões cortadas pelas estradas, além do estímulo às propriedades particulares limítrofes para este tipo de atividade, diretamente ligada à atividade, diretamente ligada à política de alimentação das populações" [op. cit., p. 408-409].


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. A tutela da floresta na legislação penal e no Direito Econômico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 313, 16 maio 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5212. Acesso em: 28 mar. 2024.