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Inquérito policial: relevância na garantia dos direitos fundamentais do indivíduo.

Atuação do delegado de polícia federal. Considerações

Inquérito policial: relevância na garantia dos direitos fundamentais do indivíduo. Atuação do delegado de polícia federal. Considerações

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I - INTRODUÇÃO

Cabe à análise do conceito de investigação criminal trazido à baila por MARCELO CAETANO GUAZZELLI PERUCHIN (1), Mestre em Ciências Penais pela PUC do Rio Grande do Sul, advogado criminalista: conjunto dos atos de natureza processual instrumentalizados ou preparatórios de eventual futura ação penal.

Analisando os mais recentes acontecimentos, com as diversas operações de grande vulto levadas a cabo pelo Departamento de Polícia Federal e com a desmistificação da atuação do Ministério Público na instauração e presidência de investigações criminais, urge analisar o papel do Inquérito Policial, presidido por Delegado de Polícia, dentro do contexto jurídico atual, e sua função na apuração de cometimentos de crimes dentro da estrutura da segurança pública. Cercado das mais diversas opiniões a respeito do tema, cumpre ressaltar algumas particularidades deste procedimento, na busca da verdade real pelo PODER JUDICIÁRIO e da atuação da Justiça na sociedade brasileira. Com as recentes alterações legislativas, como as que sofreu o interrogatório, o tema se torna ainda mais interessante.

O presente trabalho tem por fim levantar algumas questões acerca da atuação do Delegado de Polícia Federal na presidência do Inquérito Policial, bem como da necessidade do perfil jurídico deste profissional na coleta de provas, na seleção de diligências e, enfim, no direcionamento e condução das investigações neste procedimento, em adequação e sintonia com a futura ação penal a ser promovida pelo representante do Ministério Público, bem como na apuração da inocência do investigado. Frise-se, por máxima importância: o procedimento visa a apurar tanto autoria e materialidade de possível delito, fornecendo subsídios ao Parquet, como amealhar provas que possibilitem a defesa do investigado. Ou seja, não funciona somente como instrumento inquisitório estatal quando presentes indícios de que o acusado, investigado ou até mesmo indiciado não foi autor ou partícipe no ilícito penal. Por isso, a necessidade de maior abrangência do estudo deste tema.

Ao final, busca-se frisar a função do Inquérito Policial como garantidor dos direitos fundamentais do indivíduo, em consonância com os ditames da Constituição Federal de 1988 e com os Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário.


II - CONTEXTO

Originário do Código Penal do Império, o Inquérito Policial é o encadernado apuratório, presidido por Delegado de Polícia de carreira, onde são reunidas as provas que sustentarão eventual ação penal a ser proposta pelo Ministério Público. Embora taxado de "mera peça administrativa" pelo, este sim, vetusto Código de Processo Penal, seguiu servindo à sociedade brasileira por todo o século XX. Hoje, aurora de um novo século, percebe-se que, em comparação com os demais cadernos apuratórios da América Latina, é o Inquérito, com algumas adequações a serem feitas, o que ainda garante maior proteção ao cidadão investigado e ao acusado em geral. Quanto a isso, só para citar o indiciamento, peça principal do procedimento, este tem seu inteiro valor no que tange à concentração das investigações e na pronta informação ao indiciado sobre os dados das acusações que, em tese, pesam contra ele. Desse modo, com as devidas ressalvas pertinentes ao controverso tema do sigilo do procedimento, aquele pode defender-se, colhendo provas que possam provar sua inocência, com a devida proteção contra possíveis arbítrios cometidos pelos agentes do Estado na apuração do caso. Nada mais coerente e adequado ao que prescreve a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A assertiva pela qual somente o Brasil e outros países africanos e asiáticos adotam o modelo do Inquérito Policial é totalmente inverídica e infundada, partindo do princípio elencado no ditado: "uma mentira falada muitas vezes acaba se tornando verdade". Mesmo os países vizinhos da América do Sul, certamente tidos como detentores de sistemas de investigação preliminar mais evoluídos do que o brasileiro, na visão de "práticos", adotam um encadernado preliminar, onde são reunidas pelas Guardas Nacionais ou pelas Polícias Técnicas, as provas necessárias ao trabalho do Ministério Público daqueles países. "Los Fiscales", como são chamados os representantes do Parquet em países como PERU, VENEZUELA, COLÔMBIA e CHILE, atuam ora como investigadores, ora como acusadores, sendo o trabalho policial mero "coadjuvante" na seara em estudo. O encadernado, na VENEZUELA chamado de "Atestado", é muitas vezes formulado por militares, com diversos aspectos que muito lembram os ROP (Relatórios de Ocorrência Policial), trazidos pela Polícia Militar dos Estados no BRASIL, com breve relato dos fatos e apontamento de algumas testemunhas. Investigação, atividades de inteligência ou algum procedimento que dê respaldo ao investigado não têm as mesmas dimensões do procedimento brasileiro.

Assim, ledo engano daqueles que pensam que somente no Brasil ou, de forma discriminatória, em alguns países do continente africano ou asiático, existe a fase preliminar de investigação, seja com o nome de inquérito policial, procedimento policial ou "atestado"; a fase preliminar sempre existirá, eis que os autores de ilícitos, os produtos de crimes e os lesados não comparecem espontaneamente e de surpresa nas salas de audiência neste País. Há a investigação conduzida por policiais em 90% (noventa por cento) dos casos (2). Ademais, importante ressaltar as opiniões de ANDRÉ BOIANI E AZEVEDO, advogado, e de ÉDSON LUÍS BALDAN, delegado de polícia no Estado de São Paulo, sobre a importância do procedimento preliminar, publicadas no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, edição nº 137, ano 11, abril/2004, páginas 6/8:

"[...]. Sabemos, ainda, os operadores do Direito que, na prática, o contingente probatório, em comparação com os elementos de que é continente o inquérito policial, raramente será dilargado na fase instrutória judicial. Esse motivo bastaria para a sustentação de que a dialética deve, sim, ser exercitada em sua plenitude, ainda na fase de investigação administrativa, pena de ferimento irreversível à garantia clausulada do devido processo legal, [...] " – sem grifos no original.

Portanto, é no Inquérito Policial que são colhidas as provas mais importantes, aquelas não apenas requisitadas através da expedição de ofícios, mas resgatadas nos locais de crimes, através de interceptações telefônicas e/ou escutas ambientais judicialmente autorizadas, acompanhamentos, buscas e apreensões ou garimpadas em atividades de inteligência policial. É ele que robustecerá a atividade do Ministério Público, dentro da lei.

Os procedimentos similares em nada garantem os direitos fundamentais do investigado, não compensando sua relativa celeridade os atropelos constantes aos preceitos constitucionais daqueles países, haja vista que, muitas vezes, ao tomar ciência da ocorrência de um possível delito, ou de uma investigação a ser feita, não se instaura procedimento algum, buscando-se, quase sempre, a situação flagrancial para a elaboração do "Atestado". Estes fatos podem ser observados principalmente no que tange ao trabalho executado pelas chamadas Guardas Nacionais, instituições militares a quem competem atividades de polícia de fronteira e de patrulhamento ostensivo. Já os trabalhos das Polícias Técnicas, ou Corporações de Investigação Criminal, na VENEZUELA, "Policia Técnica Judicial", a PTJ, são totalmente coordenados por representantes do Ministério Público e nem por isso os citados Estados Nacionais têm índices de criminalidade menores que o BRASIL, sendo que alguns ainda enfrentam atividades de grupos criminosos altamente organizados, com alto poder de intimidação e que contestam a própria existência do ESTADO naquelas nações, tais como as FARC, o ELN e as chamadas "AUTODEFENSAS" na COLÔMBIA, o "SENDERO LUMINOSO" na República Peruana, e os Cartéis de NARCOTRAFICANTES e o MOVIMENTO ZAPATISTA no MÉXICO.

Não há a menor dúvida de que o Inquérito Policial necessita reformas para melhor atender aos anseios de uma sociedade em constante evolução. Evolui a sociedade, tende a evoluir a prática criminosa. Deve ser mais célere e menos atrelado aos trâmites de um processo judicial. No entanto, partir para a simples cópia de procedimentos que não funcionam, ou, ainda pior, pretender adequar procedimentos norte-americanos ou europeus à sociedade brasileira, é o absurdo em que não se pode incorrer. Estaríamos muito mais próximos da realidade da ARGENTINA, do PARAGUAI ou do PERU, em termos de problemas sociais que requerem uma resposta do direito penal, na proteção de bens jurídicos de relevância, do que da FRANÇA, da ITÁLIA ou, ainda mais, dos ESTADOS UNIDOS, onde até mesmo vige sistema em muito assemelhado ao "Common Law", totalmente diferente do sistema de constituição rígida adotado pelo BRASIL. Não há necessidade de retrocesso neste campo, tampouco espaço para aventuras em busca de soluções de Primeiro Mundo. Não. A realidade brasileira é outra.

Portanto, mesmo necessitando de ajustes, o Inquérito Policial é a garantia de que os direitos do indivíduo investigado serão respeitados. Nele se refletem os direitos e garantias expostos pelo legislador na Constituição Federal de 1988.

Certo disso, eis as provas. O procedimento, ao ser instaurado, tem cópia de sua portaria inaugural, ou do auto de prisão em flagrante (3), conforme o caso, enviada ao Juízo Federal (ou Estadual) competente, bem como ao Ministério Público, refletindo aquilo que vai acompanhá-lo por todo seu trâmite, até a conclusão com o Relatório Final: o acompanhamento e controle de sua legalidade, através de controle externo, pelo representante do Ministério Público, bem como pelo Poder Judiciário, pelos eventuais pedidos de prorrogação, caso não seja possível ser concluído no prazo inicial concedido pela legislação vigente, dependendo da natureza, complexidade e do tipo penal investigado. Assim, o procedimento já nasce sob estrito controle, não podendo ser igualado ou superado pelos "procedimentos criminais diversos", expressão oriunda da neologia, "instaurados" por alguns procuradores no intuito de usurpar a função da Polícia Judiciária na investigação de ilícitos penais. Quanto a este tema, vale formular algumas perguntas, ainda sem respostas: Quem controla estes procedimentos? Quem controla seus prazos, haja vista que não têm prazos definidos em lei, tal como o Inquérito Policial? A parte investigada tem acesso a este procedimento, ou seu advogado? E as provas colhidas e juntadas a este encadernado? Têm validade? Pode um mesmo órgão ser investigador e acusador ao mesmo tempo, ou sucessivamente? Há base legal para tanto?

Ora, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre o assunto, onde ficou sedimentado que o Ministério Público não tem atribuição para instaurar e presidir procedimentos de investigação criminal (4). Nas palavras de PERUCHIN (5):

"[...]. Portanto, segundo a estrutura normativa constitucional processual penal, não há base legal que empreste ao Ministério Público a legitimidade ativa para atos de investigação criminal, o que leva à conclusão de que se isso ocorrer, é possível a declaração da nulidade insanável de tais atos, por falta de legitimidade do parquet, medida que se mostra imprescindível para a garantia dos direitos fundamentais e das garantias individuais. [...]"

Ainda, segundo o mesmo autor, o cidadão tem o direito de saber previamente qual o órgão do Estado que irá julgá-lo, mas também lhe é dado o direito de saber por quem será investigado. Casos como o que circula em cadeia nacional, através da imprensa, onde instituições alheias ao procedimento policial portam-se como "polícias secretas" de Estados, como no antigo regime stalinista, tendem a se extinguir. A solução é pragmática: valorizar o trabalho do policial, seja federal, civil ou militar, erigindo sua atuação ao grau de competência adequado aos novos ditames da sociedade moderna, às necessidades de combate ao crime organizado e às novas tendências dos tipos penais expostos em leis especiais. O resultado é óbvio: fortalecendo os Governos Federais e Estaduais a chamada "investigação criminal preliminar", através do aparelhamento e qualificação das forças policiais, o Ministério Público obterá mais subsídios para as ações penais, dentro dos princípios e regras que regem um Estado Democrático de Direito. E mais, fortalecendo-se a formação do Delegado de Polícia, figura imparcial no contexto da "triangularização" que se forma na ação penal, tende-se à formalização de um conjunto probatório mais robusto, condizente com a necessária adequação do inquérito à Constituição Federal, tanto onde prevê a atuação do Estado na segurança pública, como nos artigos em que afirma a proteção aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo.

Vale também lembrar que todo o aparato sustentado pelo Departamento de Polícia Federal, além de alguns setores destinados às operações de fiscalização (6), tem como fim sua atuação como Polícia Judiciária da União, o que coloca o Inquérito Policial no centro de todas as atividades desenvolvidas pelas diversas unidades do departamento espalhadas por todos os Estados do Brasil.

Em continuação, passa-se à análise das recentes mudanças procedimentais trazidas pela Lei nº 10.792, de 02 de dezembro de 2003. Segundo MARCUS CAMARGO DE LACERDA (7), Delegado de Polícia Civil em ARARAQUARA, "O inquérito é legalmente contraditório, a partir do indiciamento". Com esta afirmação, a Autoridade Policial em questão quer dizer que, com as alterações realizadas pela citada lei nos artigos 185 e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), dentre as quais figura a obrigação da presença de advogado no interrogatório judicial, com a possibilidade de até mesmo formular perguntas ao interrogado, e por força do que dizem os artigos 6º e 8º do CPP, a partir da peça onde o investigado é indiciado (8) vige no procedimento o Princípio do Contraditório. Ou seja, a partir do indiciamento o inquérito não mais é inquisitório, contando, agora, com a participação do próprio indiciado e de seu defensor na apuração dos fatos (comprovação da autoria e da materialidade), dentro da investigação preliminar, inclusive com a juntada de provas, na chamada "investigação defensiva". Não é outro o lúcido entendimento de AZEVEDO e BALDAN (9):

"[...]. Como consectário deste raciocínio, mister que a autoridade policial, como presidente da fase investigatória administrativa reservada à ação da polícia judiciária, preserve, no âmbito de suas atribuições, a garantia do devido processo legal, potencializando o uso da disposição garantista encerrada no artigo 14 do Código de Processo Penal, propiciando que nos autos do inquérito policial ingressem, também, os elementos de prova (dês que legítimos) de interesse da defesa da pessoa sujeita à investigação ou indiciamento. [...]"

Visando sua correta aplicação, portanto, a determinação da nova lei requer atenção por parte das Autoridades Policiais que presidem inquéritos, haja vista que obriga a presença de advogado por ocasião do indiciamento, oportunizando-se, ainda, momento para que o indiciado possa ser orientado pelo profissional que o acompanhará durante a elaboração do auto. No entanto, a prática traz alguns detalhes a serem observados quanto à aplicação do mandamento legal. Senão vejamos.

Comumente as ações policiais iniciam-se ou acontecem durante madrugadas, em feriados, finais de semana e datas comemorativas, momentos preferidos pelos criminosos para, por exemplo, transporte de carga de entorpecentes, tendo em vista a idéia geral de "relaxamento" das fiscalizações em barreiras rodoviárias, portos e aeroportos. Realizada a operação policial, com a prisão dos envolvidos no citado transporte, arrecadação e apreensão da carga de droga, dos veículos e das armas usados na atividade criminosa, iniciam-se as atividades para a lavratura do flagrante, sob a presidência do Delegado de Polícia, com a presença de 02 (duas) testemunhas, além do condutor do flagrante participante da operação. Recebendo a NOTA DE CIÊNCIA DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS e a NOTA DE CULPA, os presos mantêm contato telefônico com advogados e familiares, tudo devidamente registrado no corpo da peça de indiciamento. Passados alguns momentos, os advogados contatados não se fazem presentes. Levando-se em conta que há a necessidade de conclusão do procedimento, com a realização das perícias pertinentes, arrecadação e apreensão dos itens já citados, assinaturas e liberação das testemunhas do crime, condução dos detidos às Cadeias Públicas ou institutos prisionais congêneres, com anterior passagem pelo IML (Instituto Médico Legal), etc, e de acordo com a nova lei, a Autoridade Policial pode iniciar a confecção do indiciamento sem a presença dos advogados? Haverá a pecha de nulidade se somente for registrado no corpo do Auto de Prisão em Flagrante que os indiciados mantiveram contato com seus defensores e que estes, por causas alheias, não compareceram? Pode a Autoridade Policial entrar em contato com a OAB da região e solicitar a presença de profissional da advocacia para acompanhar a lavratura do flagrante, com prévia nomeação pelo próprio Delegado de Polícia do defensor dativo? Frise-se que, com a prisão em flagrante, o indiciamento é concomitante à própria autuação e instauração do Inquérito Policial, o qual, no presente caso, tem o prazo de 15 (quinze) dias para a apresentação do Relatório Final e encaminhamento ao Juízo competente. A prorrogação do prazo por mais 15 (quinze) dias somente com fundamentação da cabal necessidade. Também que, com a mudança e com a possibilidade do estabelecimento do contraditório no próprio Inquérito Policial, o indiciado tem mais uma chance para se defender, podendo, como soe acontecer, não se reservar ao direito de permanecer calado e de manifestar-se somente em Juízo, passando, então, a responder às perguntas ofertadas tanto pela Autoridade Policial, como por seu defensor.

Ora, levando-se em conta que o interrogatório judicial é tido por muitos como meio de defesa do interrogado, a par de também ser encarado como meio de prova para outros, e a necessidade da aplicação dos princípios que vigem naquele no que diz respeito ao indiciamento na fase preliminar ou policial, trata-se de adequar o procedimento investigatório ao que dita a lei, sendo obrigatória a presença de profissional habilitado pela OAB para assessorar, orientar e acompanhar o indiciado durante a lavratura da peça do flagrante. O simples contato prévio com advogado, salvo melhor juízo, já não basta para satisfazer as alterações trazidas pela supra citada lei. Urge, portanto, unificar os procedimentos para que não haja delongas desnecessárias na conclusão do Auto de Prisão em Flagrante, evitando-se, também, possíveis nulidades em eventual ação penal.

Por fim, cabe analisar a questão das provas a favor do investigado, eventualmente encartadas no Inquérito Policial. A idéia segundo a qual o procedimento é utilizado somente como meio de buscar provas para a formação da culpa dos investigados, em um afã pela condenação de quem se vê envolvido em investigação levada a cabo através daquele procedimento de averiguação criminal preliminar é ultrapassada. Agindo discricionariamente, convicto, entretanto, da necessária adequação aos ditames legais, o Delegado de Polícia deve buscar esclarecer todos os fatos atinentes à autoria do delito e à comprovação da materialidade deste, agindo livremente na apuração, produzindo as provas indispensáveis e necessárias, sem vinculação, sem comprometimento com a defesa ou com o órgão do Ministério Público.

Tanto é assim que, ao final de seu trabalho, com a conclusão do procedimento através da elaboração do Relatório, encaminha o encadernado investigatório ao Juízo, o qual dá vistas ao Parquet. O Delegado de Polícia não tem subordinação hierárquica ao Ministério Público, atuando imparcialmente na busca pela verdade fática. As requisições ministeriais, previstas no Código de Processo Penal, obrigatoriamente atendidas pelos Delegados, servem para que o Promotor ou Procurador forme, ou não, a culpa do indiciado na denúncia. Reforçando este entendimento, é bom lembrar que o próprio ato de indiciamento, com a devida fundamentação através do chamado Despacho Fundamentado, é ato discricionário da Autoridade Policial, a qual, de acordo com o conjunto probatório juntado aos autos do Inquérito, pode decidir por não indiciar algum envolvido, convencido de sua inocência ou da falta de provas contra este. Fundamenta-se, também, a opção de não indiciar o investigado, no mesmo despacho supra citado, onde a Autoridade Policial elenca os motivos pelos quais entendeu não apontar o investigado como provável autor do delito sob análise.

Desse modo, o Delegado de Polícia tenta provar não somente fatos que levem à denúncia do indiciado, mas visa, antes de tudo, esclarecer tópicos quanto à autoria e materialidade do delito, mesmo que dêem azo ao arquivamento do Inquérito Policial ou à absolvição do réu, já em Juízo, no caso em que os autos baixem para diligências imprescindíveis.


III – CONCLUSÃO

O Inquérito Policial permanece sendo baluarte da proteção das garantias e dos direitos fundamentais dos envolvidos em investigações criminais preliminares. Aliás, diferentemente de quaisquer outros encadernados, produzidos sem fundamentação legal, é ele que corporifica a própria investigação criminal pré-processual no BRASIL.

As forças policiais, assim como o Judiciário e o Ministério Público, fazem parte do conjunto destinado a prover a segurança pública neste país, cada qual com sua função constitucionalmente delineada. Não há subordinação hierárquica entre estas esferas, mas atuações baseadas na busca pela correta aplicação da legislação vigente, democraticamente formulada pelo Estado Brasileiro, não havendo espaço para aventuras e soluções imediatistas, que objetivem combater os crescentes índices da criminalidade que assola o país, através da simples importação de modelos alienígenas.

Cabe aos governos federal e estadual a valorização do aparato policial, através de constante qualificação e aparelhamento de seus quadros, provendo-os com vencimentos dignos e capacitando-os a trabalhar. As melhoras na constante luta contra o crime virão sem atropelos ao que diz a lei.

Em igual escala, urge incrementar as ações de inteligência policial, adequando-as desde sua gênese ao que prescreve a Constituição Federal no que tange às cláusulas pétreas do Estado Democrático de Direito. A sociedade já deu o seu "basta" às polícias secretas e às ditaduras.

O Inquérito Policial, como investigação criminal preliminar, sob a presidência de Delegado de Polícia de carreira, deve permanecer sendo desenvolvido pelas entidades policiais, imparcialmente, em salvaguarda aos anseios da sociedade e de acordo com a legislação vigente.


NOTAS

  1. PERUCHIN, Marcelo Caetano Guazzelli. Da ilegalidade da investigação criminal exercida, exclusivamente, pelo Ministério Público no Brasil. Revista Jurídica, vol. 315 (janeiro 2004) – p. 100/106.
  2. Quer dizer, 90% das ações penais neste país são baseadas, quase que inteiramente, em Inquéritos Policiais. A expressão "mera peça informativa" deve ser modificada.
  3. A comunicação ao Juízo deve ser feita em até 24 (vinte e quatro) horas, sob pena de possível relaxamento do flagrante, em caso de ausência injustificada de comunicação. Ademais, no corpo do procedimento instaurado sob situação de flagrante delito, o indiciado, mesmo antes de ser interrogado pelo Delegado de Polícia Federal, recebe, assina e data, com a hora em que tomou conhecimento, documentos onde são informados a ele suas garantias constitucionais (onde figuram conquistas inquestionáveis da sociedade brasileira na busca pela proteção aos direitos do indiciado tais como, dentre outras, a ciência de que tem o direito de permanecer calado e de manifestar-se somente em Juízo, quem será a Autoridade Policial responsável por seu interrogatório e de que sua integridade física e moral será preservada) e quais as acusações que pesam contra ele. Falamos, respectivamente, da NOTA DE CIÊNCIA DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS e da NOTA DE CULPA, peças constantes de um Inquérito Policial instaurado através de Auto de Prisão em Flagrante.
  4. Recurso Extraordinário nº 233.072-4/RJ, julgado em 18.05.1999, julgado pela segunda turma da Corte Suprema.
  5. PERUCHIN - Op Cit. – p. 103.
  6. Trata-se das fiscalizações referentes à produção e comercialização de produtos e insumos químicos controlados, às operações relativas ao controle de segurança privada, imigração (através, inclusive, da emissão de passaportes) e à emissão de portes e registros de armas através do SINARM.
  7. LACERDA, Marcus Camargo de. O inquérito policial agora é legalmente contraditório. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 275, 8 abr. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5063>. Acesso em: 13 abr. 2004.
  8. Auto de Prisão em Flagrante ou Auto de Qualificação e Interrogatório.
  9. AZEVEDO, André Boiani e; BALDAN, Édson Luís. A preservação do devido processo legal pela investigação defensiva (ou do direito de defender-se provando). Boletim do Instituto de Ciências Criminais, edição nº 137, ano 11, abril/2004, p. 6/8.

Autor

  • Rafael Francisco França

    Rafael Francisco França

    Delegado de Polícia Federal - Departamento de Polícia Federal, lotado na Delegacia Regional Executiva da Superintendência em Porto Alegre/RS. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Processual Penal, e em Segurança Pública. Mestrando em Ciências Criminais pela PUC/RS.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANÇA, Rafael Francisco. Inquérito policial: relevância na garantia dos direitos fundamentais do indivíduo. Atuação do delegado de polícia federal. Considerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 318, 21 maio 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5254. Acesso em: 29 mar. 2024.