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A efetividade do processo e a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer.

Notas sobre o sincretismo processual

A efetividade do processo e a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Notas sobre o sincretismo processual

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Superada a fase autonomista, a ciência processual civil vive hoje calcada numa visão instrumentalista, preocupada com a eficiência do processo. Essa propensão deu azo à reelaboração de alguns institutos basilares e à flexibilização de alguns dogmas processuais.

"...il processo deve dare per quanto e possible praticamente chi ha um diritto tutto quello e proprio quello ch’ egli ha diritto di conseguire".

Giuseppe Chiovenda


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO ; 1. EFETIVIDADE DO PROCESSO, 1.1. O processo como método de atuação da jurisdição, 1.2. Instrumentalidade do processo, 1.3. O devido processo legal, 1.4. O acesso à justiça, 1.5. A problemática da ef,etividade do processo, 1.6. Tempo e processo, 1.7. Efetividade e técnica processual; 2. A TUTELA ESPECÍFICA DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER, 2.1. Breve introdução, 2.2. O conceito de obrigação de fazer e de não fazer, 2.3. Fungibilidade e infungibilidade das obrigações, 2.4. Tutela específica e tutela equivalente, 2.5. A aplicação de multa, 2.6. As medidas de apoio para obtenção da tutela específica, 2.7. O problema da extinção do processo na "fase executiva";3. O PROCESSO SINCRÉTICO, 3.1. Espécies de processo, 3.2. O binômio cognição-execução, 3.3. A gradual extinção da autonomia do processo de execução, 3.4. O sincretismo processual e as tutelas mandamental e executiva lato sensu, 3.5. As inovações trazidas pela Lei nº 10.444/2002 e a tutela antecipada, 3.5.1. A efetivação da tutela antecipada, 3.5.2. O julgamento antecipado de pedido incontroverso, 3.5.3. A fungibilidade das tutelas de urgência, 3.6. Conhecimento, execução e cautelar – processo sincrético; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


RESUMO

Análise dos principais questionamentos que circundam a efetividade do processo. O acesso à justiça. A técnica como elemento de agilização do trâmite processual. A tutela específica das obrigações de fazer e não fazer: aplicação de multa, medidas de apoio, prisão, fase cognitiva e fase executiva. Abordagem sobre o processo sincrético. A relativização do binômio cognição – execução. A gradual extinção do processo de execução oriundo de sentença condenatória. Tutela antecipada: julgamento antecipado de pedido incontroverso e fungibilidade das tutelas de urgência.

Palavras-chave: Efetividade. Instrumentalidade. Tutela específica. Sincretismo.


ABSTRACT

Analysis of the main questions which involve the effectiveness of the process. The access to justice. The technique as an element of speeding up the path of the procedure. The specific protection about the obligations of doing and not-doing. Fine application, support ways, prison, and executive fase. A broach about the eclectic process. The flexibility of the knowledge–execution. The gradual extinction of the executive process deriving from a condemnation sentence. Antecipated protection: in advance judgement of the uncontroversial request and of the urgent protections.


INTRODUÇÃO

No presente trabalho será abordado tema referente à efetividade da prestação jurisdicional, enfatizando a tendência dos processualistas em conceber um processo sincrético, cujo marco principal decorreu da criação da tutela específica das obrigações de fazer.

Superada a fase autonomista, a ciência processual civil vive hoje calcada numa visão instrumentalista, preocupada com a eficiência do processo. Essa propensão deu azo à reelaboração de alguns institutos basilares e à flexibilização de alguns dogmas processuais, daí a necessidade de um estudo mais aprofundado, sobretudo pelas modificações a que vem passando o sistema processual.

Num primeiro momento, o trabalho enfocará os problemas enfrentados pelos processualistas na busca pela efetividade, analisando o acesso à justiça, as causas da dilação excessiva do processo e o emprego da técnica como subsídio para conter o trâmite de demandas infundadas e procrastinatórias.

No capítulo seguinte, o objeto do estudo será a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. A intenção é enfatizar os mecanismos que o magistrado poderá valer-se para conceder precisamente aquilo que foi pedido, além da utilidade em se conceber um processo único, no qual se aglutinam as tutelas de cognição, de execução e cautelar.

Por fim, a terceira parte do trabalho será dedicada ao sincretismo processual, destacando a concepção clássica de tripartição de processos preconizada por Liebman e sua incompatibilidade com a realidade sócio-jurídica. Em seguida, será dado enfoque especial ao intitulado processo sincrético e à relativização do binômio processo de conhecimento – processo de execução, de forma a dar maior efetividade ao processo.


1. EFETIVIDADE DO PROCESSO

1.1. O processo como método de atuação da jurisdição

A gama de contendas existentes no meio social resulta do próprio convívio dos homens com seus semelhantes. Dotados de interesses diversos, o ser humano encontra nos bens da vida a satisfação para suas necessidades.

Os conflitos surgem da disparidade entre a carência de bens disponíveis e a infinidade de interesses a serem atendidos, sendo, pois, comum que duas ou mais pessoas voltem suas pretensões para o mesmo bem. Tal situação desencadeia a lide ou litígio que na visão precisa de Francesco CARNELLUTTI, caracteriza-se como sendo "o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida".

A lide afeta sobremaneira a vida em sociedade, sendo necessário o emprego de meios que a solucionem, a fim de que o bem comum prevaleça no grupo social. Vedada a autotutela e como nem sempre os litigantes eram tão altruístas a ponto de chegarem a um acordo (autocomposição), o Estado percebeu que seria verdadeira temeridade deixar ao arbítrio dos particulares a solução dos conflitos, passando a se utilizar de um meio para que esta ocorra, ainda que contra a vontade dos indivíduos.

Diante dessa conjuntura, o Estado, em determinada época da história, avocou para si a tarefa de compor os litígios. Como detentor do "monopólio de administração da justiça", passou a intervir nas contendas como terceiro imparcial, dizendo, diante da causa posta à sua apreciação, quem tem razão. Daí surge a noção de jurisdição como importante fator de pacificação social, à medida que sua atuação tende a colocar fim às situações litigiosas, as quais, por sua vez, configuram-se em atitudes de rebeldia às regras indispensáveis à própria sobrevivência da sociedade.

Frise-se que a atividade jurisdicional, malgrado seja de incumbência exclusivamente estatal, não pode ser desempenhada de forma arbitrária, livre de quaisquer regras. Assim como o Estado impõe limites à conduta dos indivíduos por meio das leis, ele autolimitou sua atuação, enunciando princípios e regras a serem respeitados.

Destarte, o Estado exerce sua função jurisdicional por meio de um método, que é o processo. José Frederico MARQUES doutrina com muita propriedade, que processo e jurisdição

são conceitos incindíveis: não há jurisdição sem processo, e tampouco processo sem jurisdição. A jurisdição é a força operativa com que se realiza o imperium do Estado para compor um litígio, e o processo o instrumento imanente à jurisdição, para que o Estado alcance esse escopo.

A jurisdição e o processo, ao lado da ação, formam a chamada trilogia estrutural do direito processual. É através da ação que a parte deduz uma pretensão em juízo e, conseqüentemente provoca a atuação do órgão jurisdicional, que irá desempenhar sua função por meio do processo.

1.2. Instrumentalidade do processo

No decorrer da evolução do direito processual como ciência, houve três fases distintas: sincretista, autonomista e instrumentalista.

Até meados do século XIX, o direito processual ainda não era reconhecido como ciência autônoma. A fase sincrética, também chamada imanentista, caracterizou-se pela confusão entre os planos substancial e processual do ordenamento jurídico, sendo o processo tratado como mero apêndice do direito material. Os civilistas ou imanentistas, consideravam essencial o direito material, tanto que o denominaram direito substantivo, ao passo que o processo, tido como simples conjunto de formalidades (mero procedimento) para atuação prática daquele, era chamado de direito adjetivo.

Tal concepção começou a ruir em face dos questionamentos levantados em torno do instituto da ação, ressaltando sua autonomia em relação ao direito material, e não mais como algo agregado a ele. Essas afirmações revolucionárias provocaram reações em cadeia, que chegaram até a plena consciência da autonomia não só da ação, mas também dos demais institutos processuais.

A formulação das teorias da relação processual e da nova conceituação do direito de ação pelos alemães, sob influência do direito italiano, foram decisivas para o desmembramento do direito processual frente ao direito material.

O marco da autonomia científica do direito processual data da publicação, em 1868, da obra do jurista alemão Oskar von Bülow denominada Die Lehre von den Prozesseinreden und die Prozessvoraussetzungen (Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais), com a qual se inicia o desenvolvimento da teoria do processo como relação jurídica. O trabalho do mencionado processualista traçou os princípios básicos de forma a dar contornos de ciência ao direito processual.

Cândido Rangel DINAMARCO preleciona que Bülow, na verdade, não criou a idéia da relação jurídica processual e sua concepção tríplice:

ele apenas a racionalizou e desenvolveu, propondo desdobramentos. Antes dele, já dissera Búlgaro que judicium est actus trium personarum, judicis, actoris, rei; as Ordenações do Reino diziam que "três pessoas são por direito necessárias em qualquer Juízo, Juiz que julgue, autor que demande e réu que se defenda" (L. III, XXX, pr.); na obra de Bethmann-Holweg, que o próprio Von Bülow refere na sua, igualmente havia alusão à relação jurídica processual. A inovação racionalizadora teve por mérito principal o destaque dos dois planos do próprio ordenamento jurídico, a partir da visão da relação processual e da relação de direito privado como duas realidades distintas.

A fase autonomista, além do mérito de afirmar a existência de uma relação jurídica deduzida no processo distinta daquela travada pelos indivíduos no plano material, destacou-se, outrossim, pela enumeração das premissas metodológicas do processo como ciência, sobretudo na criação de institutos processuais, na postura autonomista da ação e no apego à técnica como forma de se pôr em evidência a importância do direito processual.

O direito processual vive, na sua atual fase de evolução, uma postura instrumentalista. Partem hoje os processualistas para a busca de um processo de resultados. Deve-se deixar de lado a visão puramente interna do processo, como simples instrumento de regramento da aplicação das normas substanciais aos casos concretos, e passar a considerá-lo a partir de ângulos externos, visando cumprir seus escopos sociais, políticos e jurídicos, isto é, deve-se levar em conta os resultados que ele proporciona para os destinatários dos provimentos jurisdicionais. Destarte, "depois de um longo período caracterizado por preocupações endoprocessuais, volta-se a ciência para os resultados pretendidos pelo direito processual".

A realidade sócio-jurídica não é compatível com o tecnicismo exacerbado que imperou durante a fase científica, época que teve por intuito caracterizar o direito processual, criando institutos solenes de forma a ratificar sua autonomia.

Ao abordar essa perspectiva instrumental, Kazuo WATANABE aduz que

do conceptualismo e das abstrações dogmáticas que caracterizam a ciência processual e que lhe deram foros de ciência autônoma, partem hoje os processualistas para a busca de um instrumentalismo mais efetivo do processo, dentro de uma ótica mais abrangente e mais penetrante de toda a problemática sócio-jurídica.

A instrumentalidade pode ser analisada em seu duplo aspecto: negativo e positivo.

O aspecto negativo diz respeito à negação do processo como valor em si mesmo e rejeição aos excessos de forma. O apego exagerado à técnica retira do processualista a consciência de que o processo não vale pelo que ele é, mas pelos resultados que ele visa atingir. É a valorização dos fins a serem atingidos e não dos meios.

O aspecto positivo está ligado à problemática da efetividade do processo, "que deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua função sócio-jurídica, atingindo em toda a plenitude todos os seus escopos institucionais".

Da análise de tais aspectos denota-se que o instrumentalismo inclina-se para a busca de um processo que atinja a finalidade para a qual ele foi concebido, vale dizer, a realização do direito material. E mais, que essa realização atenda, na medida do possível, a pretensão daquele que demanda exatamente nos termos de seu pedido.

1.3. O devido processo legal

Ao proclamar que "ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (art. 5º, LIV), a Constituição Federal sintetizou os limites ao exercício da própria jurisdição, no sentido de que todas as demais garantias e exigências estão condensadas nesse inciso.

A garantia do due process of law, consiste, segundo José Frederico MARQUES,

no direito ao processo como actus trium personarum e suas diversas implicações essenciais: a garantia do direito de ação de par com a garantia do direito de defesa; a adoção do contraditório processual; a eqüidistância do juiz no tocante aos interesses em conflito, como órgão estatal desinteressado, justo e imparcial.

Colaciona desse entendimento o processualista Cândido Rangel DINAMARCO, para quem

a expressa garantia do due process of law, contida no inciso LIV do art. 5º, da Constituição Federal, tem o significado sistemático de fechar o círculo das garantias e exigências constitucionais relativas ao processo, numa fórmula sintética, destinada a firmar a indispensabilidade de todas e reafirmar a autoridade de cada uma.

Pode-se dizer então, que todos os princípios e garantias constitucionais do processo descendem do princípio do devido processo legal, e estariam presentes no sistema ainda que não enunciados expressamente no texto constitucional.

O devido processo legal, assegurado como instrumento necessário à solução dos litígios pela jurisdição, não pode ser considerado como simples meio de se obter uma decisão do Estado-Juiz, mas sim como aquele que se desenvolve de maneira a cumprir a função que lhe foi reservada, ou seja, a proteção do direito subjetivo individual de qualquer lesão ou ameaça. "Dessa forma, a idéia de devido processo legal deve ser fundida com a de fim – idéia teleológica".

1.4. O acesso à justiça

A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXV, consagra o princípio do acesso à justiça, possibilitando a todos aqueles que sofrerem uma lesão ou estiverem com seus direitos ameaçados, recorrerem ao Poder Judiciário.

A doutrina encontra dificuldade para determinar o conteúdo exato da expressão "acesso à justiça". Para Mauro CAPPELLETTI e Bryanth GARTH, ela é utilizada para fixar duas finalidades básicas do sistema jurídico, pelo qual as pessoas podem pleitear seus direitos e pôr termo às contendas por meio da atuação do Estado: "Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos".

Uma das preocupações do movimento de acesso à justiça, é propiciar às classes menos favorecidas, assistência judiciária gratuita. O acesso ao Poder Judiciário, ou melhor, a possibilidade de se obter a tutela jurisdicional, não pode ser prerrogativa tão-somente dos indivíduos mais abastados. Medidas como o barateamento das custas judiciais e a instituição de Defensorias Públicas em todos os Estados da federação, contribuiriam para uma justiça mais acessível aos mais pobres.

A doutrina de José Eduardo Carreira ALVIM é esclarecedora:

Como as lides envolvem pessoas das mais diversas classes sociais, muitas das quais sem as mínimas condições de arcar com as despesas do processo, é dever do Estado proporcionar-lhes as condições necessárias à salvaguarda de seus interesses, não só criando os órgãos encarregados de prestar a jurisdição, mas, sobretudo, o acesso a esses órgãos, seja pessoalmente, seja através de advogados, seja de serviços de assistência judiciária para esse fim.

A idéia do acesso à justiça constitui a síntese do pensamento instrumentalista, colocando em destaque a prestação de uma tutela jurisdicional ágil e de maior utilidade.

Conforme os ensinamentos de Luiz Rodrigues WAMBIER e Teresa Arruda Alvim WAMBIER:

Quando se fala em direito de acesso à justiça, o que se quer dizer é direito de acesso à efetiva tutela jurisdicional, ou seja, o direito à obtenção de provimentos que sejam realmente capazes de promover, nos planos jurídico e empírico, as alterações requeridas pelas partes e garantidas pelo sistema.

Tal garantia, portanto, não pode ser meramente formal, isto é, estampada num dispositivo de lei mas sem qualquer produção de efeitos práticos. Citando as palavras de Luiz Guilherme MARINONI: "Todos têm direito à adequada tutela jurisdicional, ou melhor, à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva".

Kazuo WATANABE leciona que

o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional inscrito no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos judiciários, mas sim o acesso à justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa. Cuida-se de um ideal que, certamente, está ainda muito distante de ser concretizado, e, pela falibilidade do ser humano, seguramente jamais o atingiremos na sua inteireza. Mas a permanente manutenção desse ideal na mente e no coração dos operadores do direito é uma necessidade para que o ordenamento jurídico esteja em contínua evolução.

Como detentor exclusivo da incumbência de resolver os conflitos e da prestação da tutela jurisdicional, deve o Estado, pois, de forma a atingir "maior efetividade e presteza no mecanismo jurisdicional no plano crescente e aperfeiçoar a máquina da justiça (...)", procurar dentro do possível, fazer com que essa garantia esculpida no texto constitucional possa refletir concretamente, propiciando meios de ingresso no judiciário menos onerosos, mas também agilizando o desenrolar do processo, satisfazendo o jurisdicionado que necessita do amparo estatal e atendendo sua pretensão. Não basta, portanto, assegurar o acesso, sendo necessário, outrossim, que os litigantes não permaneçam por um longo período em juízo discutindo situação que permite solução rápida. Em outras palavras, é preciso também garantir a saída daquele que demanda.

1.5. A problemática da efetividade do processo

A efetividade do processo é tema que tem desafiado a argúcia dos processualistas contemporâneos, sobretudo nos obstáculos encontrados, mostrando-se, na sua maioria, intransponíveis. Conforme as lições de Egas Diniz Moniz de ARAGÃO:

O vocábulo "efetividade", enraíza no verbo latino efficere, que corresponde a produzir, realizar, e significa "qualidade do que está efetivo; estado ativo de fato". Relacionado ao processo, o vocábulo traduz preocupação com a eficácia da lei processual, com sua aptidão para gerar os efeitos que dela é normal esperar.

A problemática da efetividade do processo pode ser sintetizada em quatro aspectos fundamentais, a saber: admissão em juízo; modo-de-ser do processo; critérios de julgamento (ou justiça nas decisões); efetivação dos direitos (ou utilidade das decisões).

A admissão em juízo refere-se à abertura da via de acesso à tutela jurisdicional, seja para pleitear um provimento, seja para impor resistência, pois não tem se mostrado efetiva, mormente pela desigualdade econômica (pobreza, alto custo do processo) e cultural (desinformação, descrença na justiça).

No que pertine ao modo-de-ser do processo, faz-se necessário pôr em prática os princípios e garantias constitucionais do processo, a fim de que se tenha uma participação simétrica das partes, um juiz interessado na correta prestação da jurisdição, bem como a diversidade de procedimentos para um melhor exercício da função jurisdicional.

Os critérios de julgamento devem pautar-se de forma que o juiz valore situações de fato de acordo com o sentimento social de justiça, encontrando na lei seu limite. Entretanto, sempre que o texto legal possibilitar mais de uma interpretação razoável, é dever do magistrado decidir pela que melhor atenda ao sentimento social de justiça. Na opinião de José Eudeni MAGALHÃES, para tanto, "é importante investir na formação do juiz, incrementando uma visão interdisciplinar a fim de dotá-lo de conhecimentos culturais, sociológicos e econômicos, inclusive, esclarecendo quanto o significado político da função."

A tendência do direito processual moderno volta-se para a necessidade de se conceder maior utilidade aos provimentos jurisdicionais. O processo deve mostrar-se capacitado a produzir precisamente a providência solicitada. A tutela específica, a execução em espécie, a obtenção de resultados por meio de sentenças constitutivas e eliminação de obstáculos, são fatores para a efetivação do processo.

1.6. Tempo e processo

O tempo é, indubitavelmente, o grande inimigo daquele que busca a reparação ou proteção de seu direito. Já dizia CARNELLUTTI que "o tempo é um inimigo do direito, contra o qual o juiz deve travar uma guerra sem tréguas".

O titular da pretensão insatisfeita se depara, ao pleitear o amparo do Estado-Juiz, com um sistema excessivamente burocrático, detentor de institutos arcaicos que não se adequam à realidade atual. O lapso temporal que medeia entre o ajuizamento da demanda e a prestação jurisdicional definitiva, exige das partes uma espera demasiadamente longa, que em alguns casos pode até superar o período de vida dos litigantes.

Galeno LACERDA obtemperou:

Todo processo implica onus (sic) para as partes. (...) A prestação jurisdicional, cumpre-se, pois, mediante uma atividade onerosa, forçada pelo próprio interêsse (sic) dos litigantes e, necessariamente, desenrolada no tempo. Essa atividade, acrescida do fator temporal, representa o custo, o passivo, da composição da lide. Dessa contingência o processo, atividade humana, não se livra. Jamais logrará realizar justiça perfeita, isentando o resultado de um passivo, material, e também moral – pelas energias gastas, esperanças desfeitas, paixões incontidas. Diminuir êsse (sic) passivo, sem prejudicar o acêrto (sic) da decisão, será tender para o ideal de justiça.

Vale reproduzir o teor do artigo 6º, inciso I, da Convenção Européia para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita em Roma, no dia 14/11/1950: "Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada eqüitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal". (grifo nosso)

José Olivar de AZEVEDO é enfático ao aduzir que

é dever do Estado conduzir o processo em tempo razoável, sem entraves de caráter meramente protelatório, devendo a tutela, para ser efetiva, reclamar uma decisão num lapso de tempo necessário à realização dos atos processuais, sem atropelar o rito, porém, numa proporção adequada à complexidade da causa.

As razões da dilação excessiva do processo podem ser desdobradas em duas: 1ª) a acomodação dos membros do Poder Legislativo na aprovação das reformas, não obstante os esforços das comissões formadas por processualistas na elaboração de anteprojetos; 2ª) a litigância de má-fé da parte, que de forma maliciosa emprega meios para impedir o trâmite regular do processo.

Frise-se que muitas vezes, o Estado, no desempenho de suas funções, atua de forma ilegal, dando causa a infinitas demandas e, deliberadamente, acaba usufruindo dos mecanismos disponíveis no ordenamento jurídico para viabilizar o retardamento das soluções dos litígios em que é parte interessada.

Nesse sentido, é de inteira procedência a crítica de José Eduardo Carreira ALVIM:

Por inexplicável incoerência, apesar de pregar contra a morosidade da justiça, o Estado sempre demonstrou predileção pelos processos lentos, sobretudo o ordinário, tendo tanto pavor da celeridade que, sempre busca safar-se dos provimentos rápidos, editando normas que o ponham ao largo das liminares. Em linguagem mais direta, o Estado prefere uma justiça mais célere para o povo, mas a mais lenta possível para si próprio, quando demandado como réu. Nos processos em que tem interesse, procura agilizar além do necessário o procedimento como acontece com as cobranças das suas dívidas fiscais (Lei nº 6.830/80).

A morosidade da prestação jurisdicional sempre foi uma questão a desafiar a argúcia e o talento dos cientistas do processo. Além dos fatores anteriormente apresentados, também contribui para essa lentidão, o número exacerbado de processos, que diante da insuficiência de juízes, acaba ocasionando a sobrecarga da máquina judiciária. Contudo, a simples elevação do número de magistrados não seria suficiente, sendo imprescindível também, o aparelhamento do sistema, o que se poderia conseguir se houvesse vontade política em se pôr em pauta a reforma administrativa do judiciário.

Essa inércia dos governantes é mais um obstáculo a ser transposto nessa luta pela efetividade do processo, meta principal dos estudos dos processualistas nos dias atuais.

1.7. Efetividade e técnica processual

Como já dito alhures, a forma pela qual o processo tramita hodiernamente, não condiz com a realidade sócio-jurídica que o norteia. A necessidade de se proceder ao reestudo de seus institutos basilares é patente, principalmente para obtenção da efetividade na prestação da tutela jurisdicional, preocupação atual da processualística moderna.

De acordo com as lições de José Roberto dos Santos BEDAQUE:

Parece imprescindível, pois, um retorno ao interior do sistema processual, com o objetivo de rever conceitos e princípios, adequando-os à nova visão desse ramo da ciência jurídica. É preciso "revisitar" os institutos processuais, todos concedidos segundo a visão autonomista ou conceitual da ciência processual, a fim de conferir a eles nova feição, a partir da necessidade identificada na fase instrumentalista.

A observância da técnica processual, isto é, o correto manejo das regras e institutos processuais não constitui entrave à efetividade do processo, ao contrário, é um importante mecanismo para assegurá-la.

O prazo de duração do processo pode ser ainda mais expandido se o magistrado não tiver o domínio da técnica para conduzir a demanda. Assim, o juiz que não procede à extinção do processo logo após ajuizamento da demanda, por não conseguir identificar a ausência de interesse processual, contribui para o desperdício de tempo e dinheiro, já que a ação está fadada ao insucesso.

Põe-se aqui em evidência a figura do juiz, à medida que é ele o responsável pela condução do processo, isto é, pelo desenrolar do procedimento. Assim, o magistrado deve conhecer com certa profundidade o direito, a doutrina e a jurisprudência, a fim de que, dotado de cultura jurídica, possa gerenciar o trâmite do processo, impedindo a realização de atos processuais desnecessários e, conseqüentemente, fazendo com que a demanda caminhe para um desfecho mais célere.

Não se pretende com tais colocações, pregar o culto à forma, mas ressaltar que a técnica processual é um subsídio extremamente útil para a efetividade. O que não se pode conceber é que o formalismo se sobreponha à própria finalidade para a qual o processo foi criado, qual seja, servir como meio de realização do direito material.


2. A TUTELA ESPECÍFICA DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER

2.1. Breve introdução

O intitulado processo sincrético se apresenta de forma mais evidente na tutela específica das obrigações.

A Lei nº 8.952, de 13/12/1994, reproduzindo o teor do art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, alterou a redação do art. 461 do CPC, nele inserindo mecanismos para que o juiz possa, no próprio processo de conhecimento, conceder precisamente aquilo que o demandante obteria na hipótese de cumprimento espontâneo da obrigação. A conversão da obrigação em perdas e danos, até então uma constante, passa a ser exceção, tendo o juiz maiores poderes para compelir o demandado a cumprir o pactuado.

Já se percebe com a reforma do art. 461, a tendência do legislador em abreviar o caminho do autor para satisfação de sua pretensão, não mais exigindo a instauração de nova relação processual para concretização ou acautelamento do provimento final.

Assim, se a demanda envolver obrigação de fazer ou de não fazer, ou ainda de entrega de coisa, o julgador poderá valer-se, no mesmo processo, de medidas cautelares, se o objetivo for garantir a pretensão deduzida, ou mesmo de meios executivos, se o intuito for realizar o que foi reconhecido na sentença. Tudo isso sem a necessidade de outros processos, permitindo que a tutela jurisdicional seja concedida de forma mais econômica e rápida.

2.2. O conceito de obrigação de fazer e de não fazer

Obrigação é o vínculo jurídico que se estabelece entre credor e devedor, cujo objeto consiste numa prestação pessoal, positiva ou negativa.

A classificação da obrigação em fazer e não fazer coloca em evidência a pessoa do obrigado.

Obrigação de fazer é aquela que consiste na prática de ato pelo devedor. Embora simples o conceito, não se pode confundir a obrigação de fazer com a de dar ou entregar.

Para Washington de Barros MONTEIRO:

O substractum da diferenciação está em verificar se o dar ou o entregar é ou não conseqüência do fazer. Assim, se o devedor tem de dar ou de entregar alguma coisa, não tendo, porém, de fazê-la previamente, a obrigação é de dar; todavia, se, primeiramente, tem ele de confeccionar a coisa para depois entregá-la, se tem ele de realizar algum ato, do qual será mero corolário o de dar, tecnicamente a obrigação é de fazer.

Como a obrigação de fazer envolve a produção, o engendramento de algo, ela está mais ligada à pessoa do devedor, que na obrigação de dar é colocada num plano secundário. Assim, se alguém deseja adquirir determinado livro, não importa quem o venda. Mas, se esse mesmo alguém incumbe determinado indivíduo de escrever um livro de suas memórias, a pessoa do obrigado assume especial significado.

A obrigação de não fazer resulta na abstenção (omissão) de um ato, ou em se tolerar que outrem o pratique. Trata-se, portanto, de uma obrigação negativa, de caráter constante e sucessivo, estando o devedor a se abster em todas os momentos em que poderá praticar o ato. É o que comumente ocorre nas servidões.

Vale ressaltar que as obrigações negativas nem sempre comportam execução específica. A doutrina costuma classificá-las em instantâneas ou permanentes. Serão instantâneas aquelas em que o devedor faz quando deveria se abster, não permitindo o desfazimento. É o caso do ator que comparece em programa de televisão de emissora concorrente, embora tenha se obrigado a não se apresentar. Dizem-se permanentes aquelas que admitem o desfazimento, ou seja, o restabelecimento da situação anterior. Assim, se alguém se obrigou a não construir um muro e o constrói, poderá ser coagido a derrubá-lo.

2.3. Fungibilidade e infungibilidade das obrigações

O princípio diretivo de quaisquer obrigações é o de que devem ser cumpridas pelo devedor, ou à sua custa, na forma como foram ajustadas, convertendo-se em perdas e danos apenas se impossível seu adimplemento.

Fungível é a obrigação que pela sua própria natureza ou convenção pode ser cumprida por terceiro, "prescindindo-se da direta cooperação do devedor". É o caso da obrigação de limpar determinado recinto.

A obrigação infungível, por sua vez, é aquela que só pode ser satisfeita pelo devedor, seja em razão de suas qualidades pessoais (experiência, habilitação profissional, títulos etc.), seja porque assim se convencionou. Por essa razão são denominadas intuitu personae, na medida em que a pessoa do devedor tem papel preponderante na contratação. A infungibilidade pode decorrer, conforme o caso, da natureza da obrigação, do contrato ou do próprio ordenamento jurídico.

A infungibilidade natural é aquela em que a prestação, diante das peculiaridades da obrigação firmada, somente poderá ser realizada pelo devedor. É o caso da obrigação de fazer uma escultura. Da própria natureza da obra ou do serviço, presume-se que a prestação só poderá ser cumprida pelo sujeito passivo da obrigação.

Contratual é aquela que, malgrado possa ser fungível, os interessados convencionam tratá-la como infungível. "São as partes que restringem, o universo de obrigados a um obrigado específico, residindo aí a infungibilidade", o que significa dizer que ela não poderá ser cumprida por outra pessoa, senão por aquela designada no contrato. Assim, se alguém contrata um guia, face sua habilidade e experiência, para atravessar uma floresta, não pode ele ser substituído por outro profissional na execução do serviço, ainda que de igual capacidade.

A observação de Carlyle POP é pertinente:

Quando for convencionado que o devedor a faça pessoalmente e só o devedor tem as qualidades essenciais para a prestação do fato, então a prestação é infungível, não porque isto se convencionou, mas porque ‘não pode’ ser executada por terceiro (...). Se, no entanto, convencionou-se que o devedor satisfaça pessoalmente a prestação, mas ela ‘pode’ ser realizada por terceiro, o credor não será obrigado a aceitar de terceiro (‘pode’, mas não é obrigado) a execução do fato.

A infungibilidade pode ser também jurídica, hipótese em que o próprio ordenamento jurídico determina que a obrigação seja cumprida pelo devedor. É a hipótese da obrigação de prestar declaração de vontade.

Como regra, o inadimplemento das obrigações infungíveis leva à sua conversão em indenização, arcando o devedor com as perdas e danos. Contudo, se a infungibilidade for jurídica, dependendo do caso concreto, poderá o Estado alterá-la, permitindo-lhe prestar declaração de vontade pelo devedor, ou pelo menos criar uma situação jurídica equivalente se a declaração de vontade fosse realizada pelo próprio devedor.

José Eduardo Carreira ALVIM esclarece:

Muitas vezes, a natureza da declaração prometida permite seja substituída (ou suprida) por outra de igual eficácia, como no caso de quem prometeu outorgar uma escritura e não outorgou, a outorga pode ser suprida pela sentença judicial. Outras vezes, o compromisso não admite a substituição da vontade, como por exemplo, quem prometeu casar, e não casou, não pode ser "casado" por sentença.

A análise da fungibilidade e das espécies de infungibilidade aqui apresentadas é importante para se compreender as conseqüências da aplicação do art. 461, seja na concessão da tutela específica, seja no emprego de providências que assegurem o resultado equivalente, só resolvendo-se a obrigação em perdas e danos excepcionalmente.

2.4. Tutela específica e tutela equivalente

Antes da reforma de 1994, o credor de uma obrigação de fazer ou não fazer que viesse a juízo pleitear do Estado providências que possibilitassem seu adimplemento, na maioria das vezes, embora tivesse seu pedido julgado procedente, obtinha apenas uma indenização, uma vez que o Estado não dispunha de meios processuais para coagir o devedor a cumprir a obrigação.

Com o surgimento da concepção de que o processo deve ser visto como instrumento do direito material, percebeu-se que a conversão em perdas e danos frustava a pretensão do autor, já que não lhe era concedido exatamente aquilo que tinha pedido. Assim, a Lei nº 8.952/94, muniu o juiz de poderes para propiciar a satisfação efetiva do direito do demandante, impondo ao réu ou a terceiros o exercício de atividades capazes de assegurar o cumprimento da obrigação.

Preceitua o caput do art. 461: " Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento".

A tutela específica é aquela que "confere ao autor o cumprimento da obrigação adimplida (...)", isto é, o resultado idêntico ao que se obteria se a obrigação tivesse sido adimplida de forma espontânea pelo devedor. Imagine-se a hipótese em que o juiz, mediante aplicação de multa diária, faz com que o demandado proceda à construção de uma caixa d’água próximo da lavoura do autor.

A tutela equivalente "consiste na providência que assegura o resultado prático correspondente ao do adimplemento". Considerando a mesma situação anteriormente exposta, seria o caso de o juiz determinar que o réu realize a perfuração de um poço artesiano.

A redação do caput do art. 461 é defeituosa, uma vez que a tutela específica e a tutela antecipada, salvo a hipótese de antecipação, só podem ser concedidas se procedente o pedido. Ademais, o artigo dá a entender que a tutela equivalente não permite concessão liminar (art. 461, § 3º), restringindo tal benefício apenas em relação à tutela específica. O problema reside na expressão "se procedente o pedido".

Não parece razoável o legislador permitir a antecipação da tutela específica, determinando que o demandado se abstenha de lançar poluentes no ar, por exemplo, e proibir o emprego de providências que assegurem o resultado prático equivalente, ordenando-lhe, por exemplo, a colocação de filtros, se o escopo da liminar, em ambos os casos, é fazer cessar a poluição.

Necessário ressaltar que a tutela equivalente funciona como medida subsidiária, só podendo ser concedida se impossível a obtenção da tutela específica. Não se pode deixar de frisar, outrossim, que a utilização de medidas que proporcionem o resultado prático equivalente, dependem de requerimento do interessado, não podendo ser concedidas de ofício.

A explicação de José Eduardo Carreira ALVIM é clara:

Daí, se o autor tiver pedido a outorga liminar de tutela específica, não cabe ao juiz, em princípio, impingir-lhe a tutela equivalente. Esta a razão da expressão "se procedente o pedido", para deixar claro que apenas na sentença tem o juiz o amplo poder de outorgar ou a tutela específica ou, impossibilitada esta, o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

Mais a frente, sintetiza sua posição:

a) ou o autor formula, na petição inicial, pedido liminar alternativo de antecipação de tutela específica ou tutela equivalente (art. 288), caso em que o juiz pode antecipar liminarmente uma ou outra; b) ou o autor pede apenas antecipação de

tutela específica, cabendo ao juiz, não sendo possível concedê-la, reservar-se

para conceder o equivalente na sentença.

O objetivo do art. 461 é privilegiar o deferimento da tutela específica da obrigação, e só quando for impossível seu cumprimento, parte-se para a concessão do resultado prático equivalente. Em contraposição ao pensamento de José Eduardo Carreira Alvim, Deilton Ribeiro BRASIL aduz que "o juiz, antes de decidir, consultará o requerente para saber se é do seu desejo a obtenção da equiparação prática, pois a decisão deve atender, sobretudo, aos interesses do credor e não a concessão de um paliativo que não lhe interessa".

Não sendo possível a concessão da tutela específica, nem da tutela equivalente, a obrigação será convertida em perdas e danos, fazendo jus o devedor a uma indenização correspondente ao não cumprimento da prestação.

Interessante notar que o art. 461, ao permitir que o juiz conceda o equivalente àquilo que o autor pediu ou mesmo arbitrar uma indenização pelo descumprimento, estabelece uma exceção ao princípio da congruência, pelo qual a sentença prolatada deve corresponder ao pedido deduzido. Dessa forma, se a multa não for suficiente para que um bar respeite determinado horário de funcionamento por estar localizado em bairro residencial (tutela específica), o juiz poderá inclusive determinar seu fechamento (resultado equivalente).

A flexibilização desse princípio processual foi necessária para que se chegasse à efetividade do processo, propiciando àquele que recorresse às vias judiciais uma tutela adequada para proteção de seus direitos. Ameniza-se alguns dogmas processuais em nome da eficiência e da brevidade, de forma que o processo possa atender sua principal finalidade, qual seja, servir de instrumento de realização do direito material do jurisdicionado.

2.5. A aplicação de multa

Com o intuito de desestimular o devedor que não cumpre a obrigação, o legislador permitiu que o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, imponha multa pecuniária (astreinte) ao demandado.

Em três parágrafos do art. 461, o instituto da tutela das obrigações de fazer ou de não fazer dispõe sobre multas a serem aplicadas de forma a coagir o devedor a cumprir a prestação.

O § 2º dispõe que "a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo de multa". Isto significa dizer que poderá o autor cumular a multa com as perdas e danos, o que evidencia a diferença entre os institutos.

A multa tem caráter intimidatório, funcionando como meio de coerção para que o devedor deixe de oferecer resistência indevida à pretensão do autor e cumpra a obrigação. Assim, a multa não visa proporcionar ressarcimento, mas forçar o adimplemento.

As perdas e danos, em contraposição, têm caráter reparatório, consistindo numa indenização pelo não cumprimento daquilo que o devedor se obrigou.

No § 4º do art. 461, a lei autoriza o juiz a arbitrar, de ofício, multa diária ao demandado, desde que suficiente e compatível com a obrigação. Não há, porém, preceito legal que contenha parâmetro para fixação do valor da multa. Parte considerável da doutrina e da jurisprudência entende que ela deve ser fixada consoante o valor da causa, não podendo ser arbitrada em patamar superior pois poderia implicar no enriquecimento sem causa do devedor.

Não parece ser o entendimento mais correto. Basta considerar a hipótese de o valor atribuído à causa não ser tão elevado e o demandado for pessoa de grande fortuna. Como a astreinte deve incutir coação psicológica no devedor, de forma a

estimulá-lo ao rápido cumprimento da obrigação, caso seu valor se limite ao conferido à causa, a medida coercitiva não surtirá o efeito esperado.

Segundo Nelson NERY JÚNIOR e Rosa Maria Andrade NERY:

Não há limites para a fixação da multa e sua imposição deve ser em valor elevado, para que iniba o devedor com intenção de descumprir a obrigação. O objetivo precípuo das astreintes é compelir o devedor a cumprir a obrigação e sensibilizá-lo de que vale mais a pena cumprir a obrigação do que pagar a pena pecuniária. A ilimitação da multa nada tem a ver com o enriquecimento ilícito do credor, porque não é contraprestação de obrigação, nem tem caráter reparatório.

Dessa forma, ao proceder à graduação da multa, deve o magistrado levar em consideração a capacidade econômica do obrigado, fixando valor que pressione o devedor a cumprir o que lhe foi determinado na sentença, ainda que superior ao atribuído à causa. Uma vez fixado, o valor da multa não é definitivo, podendo o juiz alterá-lo, para mais ou para menos, conforme as circunstâncias.

2.6. As medidas de apoio para obtenção da tutela específica

Estabelece o § 5º do art. 461, com a redação dada pela Lei nº 10.444/2002: "Para a efetivação da tutela ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisa, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário, com requisição de força policial".

O dispositivo em epígrafe elenca, exemplificativamente, providências que o magistrado poderá empregar a eficácia das decisões judiciais. São as chamadas "medidas de apoio".

O objetivo de tais medidas continua sendo a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, intituladas medidas-fim; as discriminadas no parágrafo de forma exemplificativa são as medidas-meio.

A multa pelo atraso prevista no § 5º, não consiste em sub-rogação plena, tendo a mesma finalidade das anteriormente tratadas, qual seja, impelir o devedor a cumprir a prestação.

Antônio Cláudio Costa MACHADO elenca algumas situações capazes de ilustrar os poderes conferidos ao juiz pela lei:

I – quanto ao impedimento de atividade nociva: se uma fábrica emite poluentes diretamente sobre os imóveis dos autores, o juiz pode determinar o desligamento das máquinas pelo oficial de justiça, com ou sem o auxílio de força policial; (...)

II – quanto à remoção de coisas: se o réu instala, sem autorização, canil em zona residencial, o juiz pode determinar o seu fechamento e a remoção dos animais;

III – quanto ao desfazimento de obras: se o réu é instado a desfazer muro lateral, de altura irregular, que impede a entrada de sol no imóvel vizinho, o juiz pode autorizar a sua demolição parcial, por terceiro ou pelo próprio autor;

IV – quanto à busca e apreensão: se o juiz determina o início dos trabalhos de agrimensura, pode determinar a busca e apreensão dos mapas em poder do réu.

Além das medidas acima, o juiz poderá empregar outras, conforme as peculiaridades de cada caso, uma vez que o rol trazido pelo § 5º não é taxativo.

A doutrina tem discutido a possibilidade de o juiz decretar a prisão do devedor na hipótese dele se recusar a cumprir a obrigação. O descumprimento da sentença mandamental caracterizaria crime de desobediência, tipificado no art. 330 do Código Penal, o que para alguns autores permitiria a prisão do obrigado.

Conforme assevera Eduardo TALAMINI:

O desatendimento de um comando do juiz pode caracterizar crime de desobediência previsto no art. 330 do Código Penal, ou melhor, crime de não-cumprimento de ordem dada por autoridade estatal. Poderá haver até prisão em flagrante do réu desobediente. Mas, nesse caso, tratar-se-á de medida coercitiva de caráter penal.

Nesta mesma linha, Alexandre Freitas CÂMARA:

Tal prisão é possível e deve ser determinada quando imprescindível para assegurar a efetividade da prestação jurisdicional. Note-se que a vedação constitucional é de prisão por dívidas – salvo nas hipótese notoriamente conhecidas do depositário infiel e do devedor inescusável de prestação alimentícia – e não de prisão por descumprimento de ordem judicial.

Não se discute o raciocínio dos doutrinadores citados. Realmente, a prisão por crime de desobediência não infringe o dispositivo constitucional. Entretanto, indaga-se sobre a utilidade em se admitir que o juiz decrete a prisão do devedor se ele se recusa a cumprir ordem judicial contida na decisão. Isto porque, ao se verificar o preceito secundário do art. 330 do Código Penal, denota-se que a pena imposta ao crime de desobediência é de detenção de quinze dias a seis meses. Todavia, desde a promulgação da Lei nº 9.099/95, o delito em questão passou a ser de competência do Juizado Especial, que não admite prisão em flagrante se o autor do fato se comprometer a comparecer em juízo na audiência preliminar.

Assim, a prisão só seria possível se o processo tramitasse perante a justiça penal comum, e, mesmo assim, em hipóteses excepcionais.

2.7. O problema da extinção do processo na "fase executiva"

Como já salientado, a mudança de redação do art. 461 deu causa a uma reviravolta no sistema processual. Aquele que obtém uma sentença de procedência que condena o réu a uma obrigação de fazer ou não fazer, poderá executá-la nos mesmos autos, independentemente da instauração de processo autônomo de execução. Há um processo único, formado por uma fase cognitiva e outra executiva (sincretismo).

Imagine-se uma demanda onde o réu é condenado a uma obrigação de fazer, inclusive por decisão transitada em julgado. Na fase executiva, o autor é instado a se manifestar a respeito de determinada atitude do réu, mas deixa escoar o prazo, permanecendo inerte. O juiz, cumprindo o disposto no art. 267, § 1º, determina a intimação pessoal do demandante para dar prosseguimento ao feito no prazo de 48 horas, mas nada ocorre, o que leva o juiz a extinguir o processo com base no art. 267, III.

Como o processo foi extinto sem a análise do mérito, o autor poderá voltar a juízo e intentar nova demanda. Mas, como a extinção se deu na fase executiva, não se pode exigir que o demandante proponha ação de conhecimento para voltar a discutir o direito que já lhe foi reconhecido.

Para Daniel A. Assumpção NEVES:

Não poderia o vencedor ingressar com outro processo de conhecimento, em virtude da coisa julgada material do primeiro. Em nosso entender o vencedor poderá ingressar direto na "fase executiva", mas já não tendo mais o processo originário, que foi extinto, deverá ingressar com um processo autônomo de execução da sentença.

Haveria, no caso, uma hipótese excepcionalíssima em que seria mantida a execução autônoma de obrigação de fazer fundada em título judicial.

Percebe-se pela hipótese acima avençada, que embora as reformas tenham procedido a mudanças importantes no sistema, ainda faz-se necessário esclarecer algumas questões, a fim de que essa mentalidade instrumental não acabe infringindo determinadas garantias processuais ou mesmo trazendo mais incertezas quanto ao desenrolar do rito.


3. O PROCESSO SINCRÉTICO

3.1. Espécies de processo

A rigor, o processo não comporta divisão, consistindo no método mediante o qual a jurisdição desempenha suas atividades. Todavia, o próprio Código de Processo Civil (art. 270), tendo em vista a tutela jurisdicional pleiteada, contempla, inclusive em livros distintos, três espécies de processo, a saber: processo de conhecimento, processo de execução e processo cautelar.

Diz-se que o processo é de conhecimento (ou de cognição) quando a parte busca o acertamento do direito afirmado, por meio da declaração de sua existência ou inexistência, "declaração esta que, em algumas situações, virá acompanhada de um plus, a constituição ou a condenação".

Será de execução o processo cuja finalidade essencial seja concretizar um direito já reconhecido, proporcionando a satisfação do demandante.

Já o processo cautelar visa assegurar o resultado final eficiente do processo de conhecimento ou de execução. Por se tratar de instrumento de garantia dos demais processos, tidos como instrumentos do direito material, Elpídio Donizetti NUNES afirma que "a instrumentalidade do processo cautelar é elevada ao quadrado".

O direito processual civil contempla ainda outras modalidades de processo existentes, que em razão da natureza de determinados direitos materiais, os quais reclamam a junção das tutelas de cognição, de execução e cautelar numa só relação processual, exigem ritos especiais previstos na legislação extravagante ou no bojo do Código de Processo Civil.

Pelo teor da exposição de motivos do diploma processual de 1973 de autoria de Alfredo Buzaid, então Ministro da Justiça, nota-se nítida influência das idéias de Enrico Tullio Liebman, mormente na divisão tripartida do processo já mencionada. Os ensinamentos do processualista italiano difundidos na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, foram decisivos para a elaboração do código vigente.

Contudo, a atual fase do processo civil brasileiro, calcada numa visão instrumentalista, tende a relativizar a concepção tripartida do processo preconizada por Liebman, e atendendo à necessidade de uma tutela jurisdicional mais efetiva, foi palco de reformas profundas que passaram a permitir a concessão das tutelas jurisdicionais de cognição, de execução e cautelar num único processo, sem a utilização de procedimento especial.

3.2. O binômio cognição-execução

Antes da reforma processual de 1994, aquele que dizia ter direito a uma prestação de dar, fazer ou não fazer, se não estivesse munido de um título executivo extrajudicial, além de ajuizar ação de conhecimento para obter um provimento condenatório, teria de proceder a instauração de um processo de execução, a fim de ver satisfeito o conteúdo da sentença que lhe foi favorável. O sistema processual, até essa época, era baseado na dicotomia processo de conhecimento – processo de execução.

Enrico Tullio LIEBMAN doutrinava:

A função jurisdicional consta fundamentalmente de duas espécies de atividades, muito diferentes entre si. (...) Na cognição a atividade do juiz é prevalentemente de caráter lógico: êle (sic) deve estudar caso a caso, investigar os fatos, escolher, interpretar e aplicar as normas legais adequadas, fazendo um trabalho intelectual, que se assemelha sob certos pontos de vista, ao de um historiador, quando reconstrói e avalia os fatos do passado. O resultado de tôdas (sic) estas atividades é de caráter ideal, porque consiste na enunciação de uma regra jurídica que, reunindo certas condições, se torna imutável (coisa julgada). Na execução, ao contrário, a atividade do órgão é prevalentemente prática e material, visando produzir na situação de fato as modificações aludidas acima. (...) É, pois, natural que a cognição e a execução sejam ordenadas em dois processos distintos, construídos sôbre (sic) princípios e normas diferentes, para a obtenção de finalidades muito diversas. (grifo nosso)

Como se pode perceber pelas palavras de Liebman, o processo civil clássico, salvo raras exceções, não permite a prática de atos executivos no decorrer de seu trâmite. Tais atos deverão ser praticados mediante nova relação processual, com ajuizamento de outra ação e nova citação do condenado, que, não obstante já ter conhecimento da regra que deve obedecer, não a cumpre espontaneamente. Em resumo, esta é a dualidade processual adotada pelo sistema de 1973: duas formas de prestação da atividade jurisdicional e, portanto, duas modalidades de processo (conhecimento e execução), ainda que diante de um único conflito e da unicidade do poder jurisdicional.

Entretanto, com a difusão da classificação quinária dos provimentos jurisdicionais adotada por Pontes de Miranda, o legislador acabou por inserir nos artigos 273 e 461 do CPC, tutelas diferenciadas, possibilitando a aglutinação, num mesmo processo, das atividades de cognição e execução.

A esse respeito, doutrina Kazuo WATANABE:

Essas ponderações permitem, em nosso sentir (...), as seguintes conclusões: a) relatividade da dicotomia do processo de conhecimento – processo de execução; b) as espécies de execução forçada previstas no Livro II do Código de Processo Civil, baseadas na responsabilidade patrimonial do executado, não exaurem as formas de atuação do direito admitidas pelo nosso sistema processual, que admite (...) a conjugação de provimentos executivos com vários tipos de provimentos de conhecimento.

Essas modificações revelam a propensão do legislador em conceber um processo que realmente proporcione o atendimento da pretensão de maneira efetiva, visando amenizar o descrédito que a justiça tem sofrido pela demora nas prestações jurisdicionais.

3.3. A gradual eliminação da autonomia do processo de execução

Devido às reformas a que vem passando o sistema processual, cujo intuito primordial consiste em estabelecer mecanismos de otimização do processo, ressurge na doutrina a discussão em torno da permanência da autonomia do processo de execução quando emanado de uma sentença condenatória.

Processualistas de antanho, bem antes da fase instrumentalista, já se posicionavam no sentido de considerar a execução como mero prolongamento do processo de conhecimento em que a sentença foi prolatada. Eduardo J. COUTURE, ao tratar da questão, ensina que "para alguns, o conhecimento é a essência e a execução o complemento; para outros, a execução é a essência, e o conhecimento um simples antecedente lógico".

Valendo-se do pensamento do citado processualista uruguaio, escreveu Gabriel José Rodrigues de REZENDE FILHO:

A execução (...) é uma fase lógica e complementar da ação. Vindo a juízo, não pretende o interessado obter a declaração ou reconhecimento de seu direito platônico, mas aspira à (sic) mais completa tutela jurídica com a efetiva mantença ou restauração de seu direito. (...) A execução constitui realmente o epílogo da ação condenatória, formando ambas momentos ou fases de uma só ação. Há uma unidade lógica entre ação e execução.

A busca pela efetividade passa a dar mais valor ao direito material, considerando o processo apenas instrumento de sua realização. Já dizia Enrico Tullio LIEBMAN que "o processo, sem o direito, seria um mecanismo fadado a girar no vazio, sem conteúdo e sem finalidade".

Com o objetivo de atingir resultados mais justos na aplicação do direito, passou-se a acolher a possibilidade de junção de processos. No final do século XX, gradativamente, o legislador foi inserindo no CPC, dispositivos que permitiam a utilização no processo de conhecimento, de institutos do processo de execução, como por exemplo, a execução (efetivação) provisória da tutela antecipada, a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer etc.

O advento da Lei nº 10.444/2002 modificou o modelo liebmaniano que existia anteriormente. Ressalvado o caso das obrigações pecuniárias, em que ainda prevalece o binômio processo de cognição – processo de execução, a prolatação de uma sentença condenatória (fazer, não fazer, entregar coisa diversa de dinheiro) não é mais capaz de exaurir o processo. A execução passa a funcionar como complemento do processo, que já não é propriamente cognitivo ou executivo, mas um processo misto, em que as duas atividades se fundem.

O processo de execução não pode ser um instrumento de favorecimento do devedor inadimplente. As regras da execução de quantia pecuniária oferecem meios para o executado furtar-se à constrição judicial, inviabilizando o atendimento da pretensão do exeqüente.

É muito difícil para o advogado convencer seu cliente da necessidade de, mesmo após a sentença que condena o devedor e depois do tribunal tê-la confirmado, proceder-se à nova citação do vencido, com todas as circunstâncias que envolvem esse ato processual. Ademais, superado o longo trâmite do processo de conhecimento, o profissional do direito terá de explicar ainda, que o executado poderá embargar ou suspender a execução, na maioria das situações, com intuito nitidamente protelatório.

Tais imperfeições do sistema, fizeram surgir propostas de alteração do procedimento de execução de sentença que condena o devedor ao pagamento de quantia certa. O Instituto Brasileiro de Direito Processual, do qual faz parte seleto grupo de processualistas, elaborou anteprojeto de lei visando à realização de alterações na execução de pecúnia, de forma a adequar o procedimento à realidade da vida.

Vale reproduzir as palavras de Athos Gusmão CARNEIRO e de Sálvio Figueiredo TEIXEIRA, autores da exposição de motivos do anteprojeto referido:

A ‘efetivação’ forçada da sentença condenatória será feita como etapa final do processo de conhecimento, após um tempus indicati, sem necessidade de um ‘processo autônomo’ de execução (afastam-se princípios teóricos em homenagem à eficiência e brevidade); processo ‘sincrético’, no dizer de autorizado processualista.

Os processualistas, de uma forma geral, têm se mostrado interessados na imprescindibilidade das reformas, sendo que muitos doutrinadores pregam a eliminação da autonomia do processo de execução quando oriundo de anterior processo de cognição, não havendo necessidade de se instaurar nova relação processual para a concretização da pretensão já reconhecida na sentença condenatória.

José Roberto dos Santos BEDAQUE é categórico:

Uma das soluções para maior efetividade da tutela jurisdicional é a eliminação do processo de execução, nos casos de sentença condenatória referente a obrigações já vencidas; ou pelo menos, a redução dos casos em que a propositura de nova ação seja necessária. A tutela sancionatória seria automática, independentemente de nova provocação do interessado. Se o réu quiser evitar a invasão de seu patrimônio, deve satisfazer a obrigação no prazo estabelecido na sentença.

Nesta mesma ótica, doutrina Alexandre Freitas CÂMARA:

Desde a primeira edição destas Lições, sempre sustentamos que o modelo adotado pelo CPC brasileiro não era o mais adequado. Isto porque o Código de Processo Civil, elaborado com base na doutrina então dominante, tratava o processo execução como um processo autônomo em relação ao processo de conhecimento condenatório. Sempre nos pareceu que, por ser uma a pretensão do demandante (receber o bem jurídico que lhe é devido), deveria ser um só processo, dividido em duas fases, uma cognitiva e outra executiva.

Faz-se necessário, portanto, a mudança no procedimento de execução por quantia certa, de forma a unificar, no mesmo processo, cognição e execução, permitindo, assim, que o direito material seja atendido sem a instauração de outra relação processual, diminuindo consideravelmente o caminho para obtenção da tutela jurisdicional.

Das colocações acima expostas, denota-se que há um despreendimento ao excesso de formalidades e à relativização de alguns institutos basilares do direito processual, tudo isso com o objetivo de se obter uma tutela jurisdicional plena e num breve espaço de tempo.

3.4. O sincretismo processual e as tutelas mandamental e executiva lato sensu

Não se pretende aqui, reacender a polêmica ainda existente na doutrina no que pertine à classificação da sentença. Sejam consideradas de forma autônoma (classificação quinária) ou como espécies do gênero sentença condenatória (classificação trinária), o fato é que as tutelas mandamental e executiva lato sensu são admitidas no sistema processual pátrio. É por meio delas que se pode compreender o sincretismo processual.

Do provimento mandamental emana uma ordem do juiz, a qual, juntamente com medidas coercitivas, incide sobre o réu a fim de forçá-lo a cumprir a obrigação a que se comprometeu. Como bem observa o processualista paranaense Luiz Guilherme MARINONI, "quando a sentença ordena, visando compelir o réu a cumpri-la, a execução é dita ‘indireta’, já que o direito declarado pela sentença só vai ser efetivamente realizado se a sentença convencer o réu a observá-la".

Significa dizer que o cumprimento da obrigação dependerá da atuação do réu, que será coagido a fazê-lo sob pena de sofrer uma sanção, como é o caso da ordem para expedição de certidão sob pena de multa.

Por outra banda, a sentença executiva lato sensu ou executiva apenas, caracteriza-se pela adoção de medidas executivas de forma incidental no processo de conhecimento, de forma a se obter o resultado prático que o cumprimento da obrigação geraria, independentemente da vontade ou atuação do réu. É o que ocorre na sentença que determina a reintegração de posse.

Pela análise de ambas espécies de provimentos, conclui-se que a concretização da pretensão deduzida em juízo poderá ser efetivada no próprio processo de conhecimento, prescindindo, pois, da instauração de um processo autônomo de execução, que passa a ser considerado como fase subseqüente daquele. Há um processo sincrético, caracterizado pela junção, numa única demanda, de conhecimento e execução.

3.5. As inovações trazidas pela Lei nº 10.444/2002 e a tutela antecipada

3.5.1. A efetivação da tutela antecipada

Com a alteração do § 3º do art. 273, para a efetivação da tutela antecipada o juiz poderá observar no que couber, e de acordo com a sua natureza, o que dispõe os arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A.

Para parte da doutrina, que realiza uma interpretação literal do dispositivo, se a parte pretende obter um provimento que obrigue o réu a um fazer ou não-fazer ou mesmo a entrega de coisa, ao juiz será permitido utilizar-se da multa prevista no § 4º e dos meios de sub-rogação previstos pelo § 5º, ambos do art. 461. No caso de antecipação de tutela que determina o pagamento de quantia em dinheiro, sua concretização seguirá as regras da execução por quantia certa ou o que dispõe os arts. 732 e 733 do CPC, se o que se pretende é obter verba alimentar.

Contudo, para Luiz Guilherme MARINONI e Sérgio Cruz ARENHART, a efetivação de tutela que antecipa quantia pecuniária

não pode ficar na dependência da aplicação das regras do processo de execução por expropriação, que não permitem uma "execução célere" e, assim, adequada aos fins da tutela antecipatória. A multa, apesar de não prevista para a execução da sentença condenatória, pode ser utilizada para a efetivação da tutela que determina a antecipação de soma, em razão da evidente diferença entre a natureza da soma que se pretende de forma antecipada no caso do art. 273, I, e a soma que se almeja mediante sentença condenatória.

Destarte, parece mais correto diante de uma obrigação de pagar soma em dinheiro, possibilitar ao magistrado, desde que presentes os requisitos para concessão da tutela antecipada, fazer uso do § 4º, ou se for o caso, do § 5º do art. 461.

Imagine-se, por exemplo, a situação onde o demandante, em decorrência de um ato ilícito praticado pelo demandado, sofreu várias lesões físicas e com risco à sua saúde, requer a antecipação dos efeitos da tutela para que o demandado arque com as despesas do tratamento cirúrgico urgente a que deverá ser submetido. Em razão do tempo, seria inviável seguir o procedimento de execução por quantia certa para se obter o dinheiro para a cirurgia. Diante disso, ao antecipar os efeitos da tutela pretendida, o juiz pode ordenar que o demandado efetue o pagamento do tratamento sob pena de multa.

No caso, constata-se uma certa incoerência no sistema, na medida em que, a concretização da decisão provisória que antecipa os efeitos da tutela, é mais eficaz do que a sentença de mérito, pois nessa hipótese o juiz não poderá valer-se das medidas executivas, devendo o autor proceder à instauração do processo de execução autônomo.

É mais um argumento para se proceder à reforma do procedimento de execução por quantia certa, de forma a possibilitar a aplicação de atos executivos na mesma relação processual, extingüindo de vez o processo de execução oriundo de uma sentença condenatória.

3.5.2. O julgamento antecipado de pedido incontroverso

Digna também de menção é a inclusão do § 6º no art. 273, que permite ao juiz, na hipótese de um ou mais pedidos cumulados, ou mesmo parte de um deles mostrar-se incontroverso, antecipar a tutela.

A alteração, embora tenha provocado reações positivas na doutrina, trouxe inúmeras dúvidas, principalmente no que pertine à sua aplicação prática, além de também atingir alguns dogmas processuais.

Antes da reforma, o entendimento até então prevalecente era o de que, a tutela antecipada, por se tratar de medida provisória, era concedida com base em cognição sumária, realizando o magistrado um juízo de probabilidade acerca do direito afirmado pelo autor. Com a recente modificação, a concessão passa a ser feita através de cognição exauriente, sendo que o juiz antecipa parte do pedido ou mesmo um dos pedidos cumulados.

Registre-se que Luiz Guilherme Marinoni, bem antes da reforma, já se manifestava pela possibilidade de antecipação por meio de cognição exauriente com base no inciso II do art. 273, já que o réu, ao deixar de contestar parte do pedido ou de se manifestar de forma razoável frente às alegações contidas na inicial (art. 302), estaria protelando a realização de direitos incontroversos.

Não parece razoável fazer com que o demandante aguarde até a prolação da sentença, se parte de seu pedido mostrou-se incontroverso, tendo, pois, condições de ser atendido. Assim, se o autor ajuíza demanda pleiteando a quantia de R$ 1.000,00, e o réu, instado a se manifestar sobre o alegado, afirme que deve apenas R$ 300,00, a controvérsia continuará tão-somente com relação aos R$ 700,00, face ao reconhecimento jurídico de parte do pedido.

Luiz Guilherme MARINONI e Sérgio Cruz ARENHART esclarecem que

o novo § 6º, quando fala em pedido "incontroverso", não está aludindo apenas ao reconhecimento parcial ou à não-contestação. Quando a nova norma faz referência à incontrovérsia, ela deseja, evidentemente, conferir efetividade aos direitos que podem ser evidenciados no curso do processo, que ainda vai exigir tempo para elucidar a outra parcela (portanto não incontroversa) do litígio.

É importante salientar que o § 6º autoriza antecipação de parcela incontroversa do objeto do processo, pois se inteiramente incontroverso, haverá julgamento antecipado do mérito nos termos do art. 330 do CPC.

Ademais, na hipótese de cumulação de pedidos, para que seja possível a concessão de tutela antecipada parcial, é preciso analisar se há relação de dependência entre eles. Destarte, se o autor formula pedido de rescisão contratual cumulado com reintegração de posse, e o réu, em contestação, se limita a dizer que não há motivos para o desfazimento do contrato e se omite quanto ao esbulho possessório, não há como aplicar a regra do § 6º do art. 273.

Como bem explica Marcelo José Magalhães BONICIO,

quem contesta o pedido relativo à obrigação principal também contesta o pedido sucessivo, ou dependente, e quem alega a existência de uma outra relação jurídica que é prejudicial, ou alega fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do autor, não está deixando de impugnar pedido ou fato alegado.

Outro aspecto relevante a ser tratado, diz respeito à modificação e revogação que antecipa o pedido incontroverso.

Como se sabe, a natureza provisória da tutela antecipada prevista no § 4º do art. 273, resulta da cognição sumária realizada pelo juiz quando da sua concessão, uma vez que neste instante ainda não teria subsídios suficientes para se afirmar "com certeza", se o direito afirmado pelo demandante efetivamente existe, baseando-se, pois, num juízo de probabilidade.

Como a decisão que antecipa pedido incontroverso é concedida mediante cognição exauriente, ou seja, baseada num "juízo de certeza", não parece correto permitir ao juiz tornar a analisar essa decisão quando proferir sentença definitiva.

De acordo com Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR:

Se a antecipação da tutela tomou como fundamento o reconhecimento parcial do pedido, ou, no caso de cumulação de ações, o reconhecimento integral de uma das demandas, a decisão judicial concessiva dos efeitos fáticos, nada obstante interlocutória (de mérito), não será provisória, mas satisfativa definitiva, sendo impossível, por conseguinte, o juiz modificar o conteúdo decisório, quando da prolatação da sentença de mérito.

Alguns autores defendem que a decisão proferida com base no § 6º do art. 273, devido à profundidade da cognição empregada, é atingida pela coisa julgada material, não havendo necessidade de o juiz confirmá-la em sentença.

Luiz Guilherme MARINONI entende que "a tutela antecipada, neste caso, estará antecipando o momento do julgamento do pedido. A tutela não é fundada em cognição sumária, mas sim em cognição exauriente, produzindo coisa julgada material".

Essa posição encontra raízes nos estudos de Ovídio A. Baptista da SILVA, que vai mais longe, reconhecendo uma outra categoria de decisão chamada sentença liminar:

Como a sentença definitiva, esta a que se dá o nome de sentença parcial também produz coisa julgada e apenas da primeira se distingue por não encerrar inteiramente o procedimento. Tanto na sentença definitiva quanto na sentença parcial o juiz pronuncia-se sobre o meritum causae de tal modo que o ponto decidido não mais poderá ser controvertido pelas partes naquela relação processual e nem o julgador poderá sobre ele emitir um julgamento divergente, nas fases posteriores do procedimento.

O problema de se admitir que essa decisão seja atingida pelo manto da coisa julgada material é de, no decorrer do processo, o juiz verificar a presença de um pressuposto processual negativo, por exemplo, e tiver de extingüi-lo sem a análise do mérito. Haverá uma grande aberração no sistema, na medida em que existiria um processo sem os requisitos para o julgamento do mérito apto a produzir a coisa julgada material.

Daniel A. Assumpção NEVES sintetiza com clareza:

A única matéria que poderá acarretar a revogação da decisão é a de ordem pública, que leva o processo à extinção sem o julgamento do mérito e como conseqüência natural anula também a decisão concessiva de antecipação de tutela. Essa, inclusive, a razão para não se poder aceitar que tal decisão faça coisa julgada material. Não havendo matéria de ordem pública a ser apreciada, o juiz estará obrigado a expressamente confirmar na sentença a antecipação já deferida, nos termos do § 5º do art. 273.

Diante de tais considerações e para que o § 6º do art. 273 se adeqüe ao sistema vigente, é forçoso reconhecer que o provimento ali previsto trata-se de decisão interlocutória baseada em cognição exauriente, que se tornará preclusa se não for interposto agravo ou houver confirmação pelo tribunal. A tutela antecipada parcial só fará coisa julgada material se o juiz confirmá-la na sentença, sem, contudo, voltar a apreciá-la.

3.5.3. A fungibilidade das tutelas de urgência

O § 7º do art. 273 preceitua que se o autor requerer tutela antecipada e for caso de medida cautelar, o juiz poderá concedê-la em caráter incidental desde que presentes seus requisitos.

Com o advento da Lei nº 10.444/2002, o legislador passa a admitir a fungibilidade das tutelas de urgência, de forma que a pretensão da parte seja atendida mais rapidamente, evitando, assim, a instauração de um processo autônomo.

Muito antes da reforma, o processualista Antonio Carlos Marcato, em palestra intitulada Tutela antecipada e tutela cautelar, ministrada na 32ª Semana Jurídica da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro, manifestou-se pela possibilidade de fungibilidade entre as tutelas de urgência.

Convém salientar, porém, que a admissão de medida cautelar postulada como tutela antecipatória, só é possível se houver dúvida razoável quanto à tutela a ser requerida.

Nesse sentido, Luiz Guilherme MARINONI aduz que

não existindo erro grosseiro do requerente ou, em outras palavras, havendo dúvida fundada e razoável quanto à natureza da tutela, aplica-se a idéia de fungibilidade, uma vez que seu objetivo é evitar maiores dúvidas quanto ao cabimento da tutela urgente (evidentemente de natureza nebulosa) no processo de conhecimento.

Fungível é aquilo que pode ser substituído, trocado. A fungibilidade recursal permite que um recurso seja conhecido no lugar de outro, o mesmo ocorrendo nas ações possessórias e cautelares. No caso, indaga-se sobre a possibilidade de o juiz conceder tutela antecipada quando o autor pleitear o deferimento de medida cautelar.

Luiz Rodrigues WAMBIER e Teresa Arruda Alvim WAMBIER, adeptos de uma interpretação literal do dispositivo, defendem que

se a parte requerer, no bojo do processo de conhecimento, uma medida de natureza cautelar, pode o juiz apreciar este pedido, concedendo ou não a medida pleiteada, não devendo recomendar à parte que intente uma ação cautelar autônoma. (...) No fundo é decorrência da regra do damihi facti, dabu tibi jus. (...) Todavia, cremos que se trata de fungibilidade de mão única. Esse dispositivo não autoriza o juiz a conceder medida antecipatória de tutela quando uma medida de natureza cautelar tenha sido pleiteada.

Adotando-se essa posição, se alguém pleitear medida cautelar preparatória, e for caso de tutela antecipada, o juiz terá de indeferir a petição inicial, extingüindo o processo sem a análise do mérito, por falta de condição da ação, mais precisamente pela ausência de interesse processual na sua modalidade adequação.

Contudo, a parte poderia recorrer da decisão, mas em face da demora no julgamento do recurso, sua pretensão não conseguiria ser atendida a tempo. Por outro lado, poderia arcar com as custas processuais (o que já seria um prejuízo considerável) e ajuizar uma ação de conhecimento com pedido de tutela antecipada. O problema é que, em comarcas onde há mais de uma vara cível, uma nova distribuição seria feita, existindo a possibilidade de remoção para outro juiz que poderia entender incabível a antecipação de tutela, por tratar-se de medida cautelar.

Para que não haja problemas dessa natureza, deve-se admitir a fungibilidade recíproca das tutelas de urgência. Assim entende Cândido Rangel DINAMARCO quando afirma que

também o contrário está autorizado, isto é: também quando feito um pedido a título de medida cautelar, o juiz está autorizado a conceder a medida a título de antecipação de tutela, se esse for seu entendimento e os pressupostos estiverem satisfeitos. Não há fungibilidade em uma única mão de direção. Em direito, se os bens são fungíveis isso significa que tanto se pode substituir um por, como outro por um.

Colaciona do mesmo entendimento Daniel A. Assumpção NEVES, que acrescenta:

Concedendo o juiz a tutela antecipada, até para não haver problemas procedimentais futuros, entendemos que deveria antes de mais nada conceder a tutela de urgência, e depois abrir prazo de 10 dias para que o autor possa providenciar a emenda da petição inicial, transformando-a em inicial de ação de conhecimento.

Portanto, deve-se interpretar o texto do § 7º do art. 273 de forma extensiva, admitindo-se também que o juiz conceda tutela antecipada se a parte, por equívoco, pleitear medida cautelar, coadunando-se com a efetividade que hoje se quer atingir.

3.6. Conhecimento, execução e cautelar – processo sincrético

O sistema processual permite, ainda, que num mesmo processo, sejam proferidas tutelas de conhecimento, execução e cautelar, sem que se faça uso de procedimento especial.

Imagine a situação em que o demandante propõe ação ordinária para que o demandado realize determinada obra, instruindo a petição inicial com elementos suficientes para antecipação da tutela. Considerando o juiz a hipótese de o autor, na sentença final, ter seu pedido julgado improcedente e que dificilmente conseguirá reverter a situação se isto ocorrer, com base no art. 797 do CPC (medidas cautelares ex officio), pode determinar que o autor preste caução, assegurando, assim, a efetividade de futuro provimento que reconheça a inexistência do direito afirmado pelo demandante.

No caso, pode o autor obter tutela de conhecimento condenatória, se o juiz julgar procedente o pedido. Por se tratar de demanda que envolve obrigação de fazer, a execução se dará na mesma relação processual, prescindindo da instauração de outro processo. Ademais, o juiz concedeu a medida cautelar incidentalmente, sem processo cautelar. Há, portanto, um processo sincrético.

Para José Isidoro MAFRA:

Pelo sincretismo, a realização prática da sentença condenatória, após sua definitividade, deve ser considerada fase subseqüente do processo, e não um novo processo. Os atos executivos necessários à efetivação da sentença são praticados na mesma relação processual, de forma a dispensar a instauração de outra relação, com nova petição inicial, custas processuais e citação. (...) Cabe ressaltar, também, as recentes alterações relativas ao sincretismo entre cognição e acautelação, ou seja, a possibilidade de alteração concomitante, no mesmo processo, entre atos cognitivos e cautelares.

É interessante salientar a evolução que o direito processual civil passou, sobretudo no que tange à sua relação com o direito material. Na fase autonomista, procurou-se separar de forma inequívoca o direito do processo, pondo termo à concepção imanentista. Já na fase instrumentalista, voltam-se os processualistas a se preocupar com a efetivação do direito material, colocando em segundo plano o direito processual, por consistir simples meio de efetivação daquele. O processo sincrético passa a reaproximar novamente o direito material do direito processual, sem, contudo, aglutiná-los. O que se unifica são as três espécies clássicas de processo, para que o direito material seja atendido de forma mais efetiva, sem a morosidade hoje existente.

O que se procurou demonstrar, é que as reformas a que vem passando o CPC, têm simplificado o trâmite do processo e flexibilizado determinados dogmas processuais, de forma que os jurisdicionados obtenham, ao provocarem o Estado-Juiz, uma tutela jurisdicional mais efetiva e útil.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os problemas hodiernamente enfrentados pelo Poder Judiciário na prestação da tutela jurisdicional, demandam a utilização de mecanismos que otimizem o trâmite processual. Para tanto, as reformas têm procedido à revisão de determinados institutos, flexibilizando princípios e aumentando os poderes do juiz, tudo isso com o intuito de agilizar a decisão da causa.

A Lei nº 8.952/94, constituiu grande avanço na efetividade do processo, munindo o juiz de poderes para propiciar a satisfação precisa do direito do demandante, impondo ao réu ou a terceiros o exercício de atividades capazes de assegurar o cumprimento da obrigação de fazer e de não fazer. Frise-se que, neste caso, não há processo de execução, a sentença de procedência é executada no mesmo processo, formado por uma fase cognitiva e outra executiva.

Conforme ficou demonstrado, o legislador passou a autorizar o magistrado a praticar atos executivos no bojo do processo de conhecimento, sem a necessidade de instauração de nova relação processual. O sincretismo processual poderá viabilizar a concessão de um melhor amparo ao direito material do demandante, abreviando o caminho para obtenção da tutela jurisdicional. Dessa forma, é preciso que se estenda esse sincretismo ao procedimento de execução por quantia certa, hipótese mais comum de execução, permitindo o prolongamento da relação processual após a prolatação da sentença condenatória, que dará início a fase executiva, de forma que a pretensão da parte seja atendida mais rapidamente.

Como se pode perceber, há uma tendência em se abandonar a concepção tripartida de processos, possibilitando a concessão de diferentes espécies de tutela na mesma relação processual, propiciando a efetividade das prestações jurisdicionais.

Aí ficam esses simples apontamentos, sem a pretensão ou a ousadia de esgotar o assunto, mas, apenas representando uma singela contribuição, destinada a ingressar o interessado nas várias questões que envolvem o tema.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAIMUNDO, Leandro Silva. A efetividade do processo e a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Notas sobre o sincretismo processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 314, 17 maio 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5276. Acesso em: 28 mar. 2024.